Este artigo foi extraído do livro “O que o governo fez com o nosso dinheiro”, futuro lançamento do IMB.
Os governos, ao contrário de todas as outras organizações, não obtêm suas receitas por meio da oferta de serviços. Sendo assim, os governos enfrentam um problema econômico distinto daquele enfrentado por empresas e indivíduos. Indivíduos que desejam adquirir mais bens e serviços de outros indivíduos têm de produzir e vender aquilo que estes outros indivíduos desejam. Já os governos têm apenas de encontrar algum método de expropriar bens sem o consentimento de seus proprietários.
Em uma economia de escambo, os funcionários do governo podem expropriar recursos somente de uma maneira: confiscando bens físicos. Já em uma economia cujas transações econômicas são mediadas pelo dinheiro, eles descobrirão ser mais fácil confiscar ativos monetários para, em seguida, utilizar o dinheiro para adquirir bens e serviços para si próprios, ou ainda, para conceder subsídios para seus grupos favoritos. Tal confisco é chamado de tributação.
A tributação, no entanto, é sempre algo impopular e, em épocas menos moderadas, frequentemente gerava revoluções. O surgimento do dinheiro, uma bênção para a espécie humana, também abriu um caminho sutil para a expropriação governamental de recursos.
Em um livre mercado, o dinheiro pode ser adquirido de duas formas: ou o indivíduo produz e vende bens e serviços desejados por terceiros, ou ele se dedica à mineração de ouro (um negócio tão lucrativo como outro qualquer, no longo prazo). Mas se o governo descobrir maneiras de praticar falsificação — criar dinheiro do nada —, então ele poderá, rapidamente, produzir o próprio dinheiro sem ter o trabalho de vender serviços ou de garimpar ouro. Ele poderá, assim, se apropriar maliciosamente de recursos e de forma bastante discreta, sem suscitar as hostilidades desencadeadas pela tributação. Com efeito, a falsificação pode criar em suas próprias vítimas uma doce ilusão de incomparável prosperidade.
Falsificação, evidentemente, nada mais é do que outro nome para a inflação — ambas criam um novo “dinheiro” que não é um metal como ouro ou prata, e ambas funcionam similarmente. E assim podemos entender por que os governos são inerentemente inflacionários: porque a inflação monetária é um meio poderoso e sutil para o governo adquirir recursos do público, uma forma de tributação indolor e bem mais perigosa.
Para mensurar os efeitos econômicos da inflação, vejamos o que acontece quando um grupo de falsificadores dá início ao seu “trabalho”. Suponhamos que a economia tenha uma oferta de $10.000. E então os falsificadores, tão sagazes que ninguém os percebe, injetam mais $2.000 nesta economia. Quais serão as consequências?
Primeiramente, os próprios falsificadores serão os primeiros a se beneficiar. Eles utilizarão esse dinheiro recém-criado para adquirir bens e serviços. Como bem ilustrou uma famosa charge da revista New Yorker, que mostrava um grupo de falsificadores contemplando solenemente o próprio trabalho: “O consumo está prestes a receber um grande e necessário estímulo”. Exatamente. Os gastos em consumo, de fato, realmente recebem um estímulo.
Esse dinheiro novo vai percorrendo, pouco a pouco, todo o sistema econômico. À medida que ele vai se espalhando pela economia, os preços vão aumentando — como vimos antes, dinheiro criado do nada pode apenas diluir a efetividade de cada unidade monetária. Mas essa diluição é um processo lento e, por isso, é desigual; durante este ínterim, algumas pessoas ganham e outras perdem. No início deste processo, a renda e o poder de compra dos falsificadores e dos varejistas locais aumentam antes que tenha havido qualquer aumento nos preços dos bens e serviços que eles compram. Com o tempo, à medida que o dinheiro vai perpassando toda a economia e elevando os preços, aquelas pessoas que estão nas áreas mais remotas da economia, e que ainda não receberam esse dinheiro recém-criado, terão de lidar com preços maiores sem que tenham vivenciado um aumento de suas rendas. Os varejistas que estão do outro lado do país, por exemplo, estarão em pior situação. Terão de lidar com preços maiores sem que sua renda e seu poder de compra tenham aumentado. Os primeiros recebedores do dinheiro novo se beneficiam à custa daqueles que recebem este dinheiro por último. Houve uma redistribuição de renda às avessas.
A inflação, portanto, não gera nenhum benefício social; ao contrário, ela redistribui a riqueza para aqueles que obtiveram primeiramente o dinheiro recém-criado, e tudo à custa daqueles que o recebem por último. A inflação é, efetivamente, uma disputa — uma disputa para ver quem obtém antes dos outros a maior fatia do dinheiro recém-criado. Aqueles que ficam por último — aqueles que arcam com a redução de seu poder de compra — são majoritariamente aqueles que estão no chamado de “grupo de renda fixa”. Sacerdotes, professores e assalariados em geral estão notoriamente entra aqueles que são os últimos a receber este dinheiro recém-criado. Aposentados, pensionistas, pessoas dependentes de algum seguro de vida, senhorios com contratos de aluguel de longo prazo, portadores de títulos e credores em geral, aqueles que portam dinheiro em espécie — todos arcarão com o fardo da inflação. Eles são os únicos “tributados”.[1]
Mas a inflação também gera outros efeitos desastrosos. Ela distorce aquele pilar básico da economia: o cálculo empreendedorial. Dado que os preços não se alteram de maneira uniforme e com a mesma velocidade, torna-se muito difícil para os empreendedores distinguir aquilo que é duradouro daquilo que é transitório, e mensurar corretamente as verdadeiras demandas do consumidor ou o custo de suas operações.
Por exemplo, a norma da prática contábil é registrar o “custo” de um ativo pelo valor em que ele foi pago. Porém, com a inflação, o custo de repor este ativo quando ele já estiver exaurido será bem maior do que aquele valor registrado nos livros contábeis quando o ativo foi adquirido. Como resultado, a contabilidade das empresas irá sobrestimar acentuadamente seus lucros durante um processo de inflação – podendo até mesmo chegar ao ponto de estar consumindo seu capital ao mesmo tempo em que se imagina estar aumentando os investimentos.[2]
Do mesmo modo, os detentores de ações, papeis e imóveis auferirão ganhos de capital durante a inflação que não são de modo algum ganhos reais. Eles podem até acabar consumindo parte destes ganhos sem perceber que estão consumindo seu capital original.
Ao criar lucros ilusórios e distorcer o cálculo econômico, a inflação suspenderá o processo – feito automaticamente pelo livre mercado – de penalização das empresas ineficientes e de recompensa das eficientes. Quase todas as empresas irão aparentemente prosperar. Essa atmosfera geral de “mercado propício ao consumo” levará a um declínio na qualidade dos bens e serviços ofertados aos consumidores, uma vez que os consumidores tendem a oferecer menos resistência a aumentos de preços quando estes ocorrem na forma de redução da qualidade.[3]
A qualidade da mão-de-obra também será pior durante uma inflação e por um motivo mais sutil: as pessoas serão cativadas por esquemas que prometem enriquecimento rápido, os quais, durante uma época de preços em ascensão, parecem estar ao alcance de praticamente todos. Ao mesmo tempo, várias pessoas passarão a desdenhar o esforço e a prudência. A inflação também penaliza a poupança e a frugalidade, premia o consumismo e encoraja o endividamento, pois qualquer soma tomada emprestada hoje será paga no futuro com um dinheiro cujo poder de compra será menor do que aquele em que o empréstimo originalmente ocorreu. O incentivo, consequentemente, passa a ser o de se endividar para pagar mais tarde, em vez de poupar e investir. A inflação, portanto, diminui o padrão de vida geral ao mesmo tempo em que cria uma falsa e opaca atmosfera de “prosperidade”.
Felizmente, a inflação é um processo que não pode continuar para sempre. Com o tempo, as pessoas inevitavelmente acordarão para esta forma insidiosa de tributação; elas perceberão a contínua redução do poder de compra do seu dinheiro e exigirão providências.
No entanto, um processo de inflação pode chegar a extremos.
Por exemplo, no início, quando os preços sobem, as pessoas dizem: “Bem, isso não é normal; é certamente fruto de alguma emergência. Adiarei minhas compras e esperarei até os preços baixarem”. Essa é a atitude comum durante a primeira fase de uma inflação. Essa postura ajuda a conter a subida dos preços e oculta os efeitos da inflação, dado que houve um aumento na demanda por dinheiro. Mas, à medida que a inflação monetária prossegue, as pessoas começam a perceber que os preços irão aumentar perpetuamente como resultado de uma inflação perpétua.
Neste momento, as pessoas passam a dizer: “Embora os preços estejam ‘altos’, comprarei agora porque, se esperar mais, os preços ficarão ainda mais altos”. O resultado dessa postura é que a demanda por dinheiro diminui e os preços passam a crescer, em termos proporcionais, mais do que o aumento na oferta monetária. Neste ponto, o governo normalmente é conclamado para aliviar a ‘escassez’ de moeda gerada pelo crescimento acelerado dos preços e inflaciona ainda mais aceleradamente. Em pouco tempo, o país chega ao ponto de descontrole absoluto dos preços, e é aí que as pessoas dizem: “Tenho de comprar qualquer coisa agora — qualquer coisa para me livrar deste dinheiro que só desvaloriza”. A oferta monetária dispara, a demanda por dinheiro despenca e os preços sobem astronomicamente. A produção cai de forma dramática, pois as pessoas agora dedicam grande parte do tempo tentando descobrir formas de se livrar do seu dinheiro. O sistema monetário entra em total colapso, e a economia recorre a outras moedas, caso existam – metais ou moedas estrangeiras caso esta inflação seja em um único país; no extremo, a população tem de retornar ao escambo. O sistema monetário se desintegrou sob o impacto da inflação.
Esta situação de hiperinflação foi observada durante a Revolução Francesa com os assignats, durante a Revolução Americana com os continentais e, especialmente, durante a crise alemã de 1923 com o marco. Foi também vivenciada pela China e por outros países após a Segunda Guerra Mundial.[4] Mais recentemente, hiperinflações devastaram os principais países da América Latina.
Por fim, uma última condenação da inflação é o fato de que, sempre que o dinheiro recém-criado é utilizado para conceder empréstimos, essa inflação gera os pavorosos “ciclos econômicos”. Esse processo silencioso, porém mortal, e que passou despercebido por gerações, age da seguinte maneira: o dinheiro é criado pelo sistema bancário de reservas fracionárias, que opera sob os auspícios do governo, e é emprestado para financiar empreendimentos. Para os empreendedores, esses novos fundos parecem ser investimentos genuínos; mas o problema é que esses fundos não surgiram, como os investimentos que ocorreriam sob um sistema bancário com 100% de reservas, de poupanças voluntárias.
Após esse dinheiro novo ter entrado na economia e ter sido investido por empreendedores em vários projetos, os preços e os salários começam a subir. O dinheiro novo é também utilizado para pagar os agora mais altos salários dos trabalhadores e os agora também mais caros fatores de produção. No entanto, após esse novo dinheiro ter perpassado toda a economia, as pessoas tendem a restabelecer suas antigas e voluntárias proporções entre consumo e poupança. Em suma, se as pessoas desejam poupar e investir cerca de 20% de sua renda e consumir o restante, esse novo dinheiro criado pelo sistema bancário e emprestado para empreendimentos irá primeiramente fazer com que a fatia destinada à poupança pareça maior. Quando o novo dinheiro já houver chegado a todo o público, as pessoas restabelecem a antiga proporção de 20/80, o que faz com que muitos investimentos se revelem insolventes e não-lucrativos, pois nunca houve de fato uma real demanda por eles. A liquidação destes investimentos insolventes, que só se originaram por causa do boom inflacionário, constitui a fase da depressão dos ciclos econômicos.
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Para explicações mais detalhadas sobre essa mecânica dos ciclos econômicos, veja os seguintes artigos:
Manipular juros não gera crescimento econômico
Explicando a recessão europeia
[1] Virou moda ridicularizar a preocupação demonstrada pelos “conservadores” para com “os pobres, as viúvas e os órfãos” prejudicados pela inflação. E, no entanto, esse é exatamente um dos principais problemas que devem ser enfrentados. Será que é realmente “progressista” roubar pobres, viúvas e órfãos e utilizar os proventos para subsidiar fazendeiros ricos e empresários poderosos?
[2] Esse erro será maior naquelas empresas com equipamentos mais velhos e nas indústrias mais pesadamente capitalizadas. Um excessivo número de empresas, por conseguinte, irá fluir para essas indústrias durante uma inflação.
[3] Nesta época em que se dá atenção extasiada a “índices do custo de vida” (o que gera, por exemplo, contratos em que os salários variam de acordo com a inflação), há um forte incentivo para se aumentar preços de uma maneira que não seja explicitada pelo indicador.
[4] Sobre o exemplo alemão, veja este artigo: A hiperinflação alemã, 1914-1923
Inflação e seus efeitos: Como mencionado na citação [1], a inflação pode ter um impacto significativo na economia. Quando os preços aumentam rapidamente, especialmente sem um aumento proporcional nos salários, isso pode prejudicar os grupos vulneráveis da sociedade, como os pobres, as viúvas e os órfãos. Além disso, a inflação pode distorcer a alocação de recursos na economia, favorecendo setores menos produtivos, como os mencionados na citação [2].
Políticas econômicas inadequadas: Se as políticas econômicas adotadas pelos governos europeus não conseguirem lidar eficazmente com os desafios da inflação, desemprego e desigualdade, isso pode levar a uma recessão. Por exemplo, se as políticas monetárias e fiscais não forem coordenadas de forma eficiente, isso pode resultar em uma resposta inadequada aos choques econômicos.
Globalização e instabilidade econômica global: A Europa não está isolada do resto do mundo. Instabilidades econômicas em outras partes do mundo, como crises financeiras ou conflitos comerciais, podem afetar negativamente a economia europeia. Por exemplo, se os principais parceiros comerciais da Europa enfrentarem recessões, isso pode reduzir as exportações e prejudicar o crescimento econômico.
Mudanças estruturais: Mudanças nas indústrias e na estrutura econômica também podem desempenhar um papel na recessão. Por exemplo, se certos setores, como a indústria manufatureira, estiverem enfrentando dificuldades devido à concorrência estrangeira ou à automação, isso pode levar a demissões em massa e redução do investimento.
Fatores geopolíticos: Tensões geopolíticas e incertezas políticas também podem contribuir para uma recessão. Por exemplo, conflitos regionais, incertezas sobre o futuro da União Europeia ou mudanças nos regimes políticos podem afetar a confiança dos investidores e consumidores, levando a uma desaceleração econômica.
Esses são apenas alguns dos fatores que podem contribuir para uma recessão na Europa. A complexidade da economia global significa que muitos fatores diferentes podem interagir de maneiras imprevisíveis, tornando difícil identificar uma única causa para uma recessão.
Amei estudar esta matéria.
A recessão europeia pode ser atribuída a uma série de fatores complexos, incluindo políticas econômicas, mudanças estruturais e eventos globais. Vamos abordar alguns desses pontos: