Eis as características do atual arranjo monetário vigente em todo o mundo:
1) Há um monopólio estatal, coercivamente imposto, da produção de dinheiro. Apenas o Banco Central pode criar dinheiro físico e apenas o sistema bancário pode criar dinheiro eletrônico, multiplicando em várias vezes o total de dinheiro físico existente na economia;
2) Há leis monopolistas de curso forçado, as quais obrigam as pessoas a aceitar este dinheiro produzido pelo Banco Central e multiplicada pelo sistema bancário de reservas fracionárias;
3) O Banco Central tem um mandato para manipular a oferta monetária com o suposto objetivo de maximizar a atividade econômica e o emprego, e minimizar a inflação de preços;
4) Todas as taxas de juros da economia são influenciadas por este monopólio monetário. Não há um livre mercado determinando o valor dos juros;
5) Todo o sistema bancário usufrui garantias implícitas e explícitas de que serão socorridos em caso de problemas;
6) As grandes instituições financeiras desfrutam de baixos custos de captação de dinheiro, pois o público sabe que estas instituições sempre serão socorridas pelo governo;
7) Todo o sistema bancário é artificialmente protegido e cartelizado pelo Banco Central, que, ao regular fortemente o mercado, dificulta ao máximo o surgimento de novos bancos e blinda os bancos já estabelecidos contra nova concorrência. Tudo isso permite que o sistema de reservas fracionárias hoje vigente seja radicalmente diferente daquele que vigeria em um livre mercado. No atual sistema, os bancos podem, sem riscos, criar do nada muito mais dinheiro digital do que poderiam em um livre mercado.
A consequência de todos estes subsídios listados acima, os quais distorcem fundamentalmente o mercado, é que os bancos se tornam muito maiores do que seriam em um mercado sem intervenções estatais. Qual o problema? O problema é que, como ensina a teoria econômica, quando o estado cria e sustenta monopólios, o tamanho destas empresas se torna um enorme risco moral para todo o sistema. Mais especificamente, os bancos adquirem a liberdade de fazer coisas irresponsáveis, pois sabem que, se tudo der certo, eles ficam com os lucros; se der errado, o governo socializa os prejuízos.
No atual arranjo monetário, o Banco Central é, em si mesmo, um subsídio para o sistema bancário (o que poderia ser mais óbvio do que isso?), mas nenhum economista convencional irá dizer isso.
Menos controles bancários significam um livre mercado?
Várias propostas com o intuito de mitigar os efeitos deletérios de um sistema bancário enorme, poderoso e concentrado já foram apresentadas, dentre elas a elevação do Índice da Basileia (os requerimentos de capital) para as instituições maiores. Tal medida faria com que os bancos ao menos operassem em bases mais sólidas, uma vez que restringiria seus incentivos para ser temerários, algo inerente ao seu atual status de “grandes demais para quebrar”.
Excetuando-se uma reforma monetária completa, desde a raiz, confesso não saber exatamente como lidar com a atual condição dos bancos, mas digo que não excluiria uma proposta como esta dos requerimentos de capital. Ela seria uma segunda melhor alternativa. Sim, vários economistas pretensamente pró-livre mercado afirmam que seria uma violação do livre mercado impor controles baseados no bom senso sobre instituições financeiras. Tais economistas dizem que menos restrições sobre os bancos levam a uma melhor alocação dos recursos escassos, o que levaria a uma maior geração de riqueza real.
Mas há um problema com este raciocínio: ele funciona apenas em um arranjo de livre mercado, e o atual sistema bancário nada tem de sequer remotamente semelhante a um livre mercado. O que temos hoje é um sistema bancário que opera dentro de uma estrutura estatal gerida e monopolizada por um banco central, estrutura essa que, por meio das reservas fracionárias, promove uma contínua inflação monetária e, consequentemente, a destruição do processo de formação de riqueza — exatamente o contrário do que alegam os defensores do afrouxamento bancário.
As instituições bancárias atuais usufruem várias formas de privilégios concedidos pelo governo, contando com garantias implícitas e explícitas de socorro, além de vários seguros federais sobre as contas-correntes de seus clientes. Os bancos são instituições completamente blindadas do livre mercado, o que significa que seu comportamento atual não é o comportamento que teriam em um mercado genuinamente competitivo, com liberdade de entrada para a concorrência.
No atual sistema, quanto mais irrestritos os bancos operarem, mais dinheiro eles poderão criar do nada. Consequentemente, maiores serão os danos infligidos ao processo de geração de riqueza da economia. Caso o sistema bancário fosse genuinamente livre, sem um banco central e com plena liberdade de entrada de outros bancos, a liberdade de criação de dinheiro seria acentuadamente minimizada. Com vários bancos concorrendo entre si, cada um querendo ganhar mais clientes, e sem um Banco Central para injetar dinheiro nos bancos e coordenar o processo de expansão do crédito, aquele banco que tentasse expandir o crédito criando dinheiro do nada por meio de reservas fracionárias correria o risco de ser “apanhado” pelos bancos concorrentes, ávidos por lhes tomar dinheiro, quebrá-los e herdar seus clientes. Ao contrário do que imaginam as pessoas, banqueiros não confiam em outros banqueiros. Eles sempre estão dispostos a prejudicar seus concorrentes e tomar sua clientela. Havendo uma liberdade de mercado, esta ameaça de quebra traria a um mínimo a prática das reservas fracionárias.
O sistema bancário moderno pode ser visto, de maneira simplificada porém acurada, como sendo um enorme banco monopolista protegido, guiado e coordenado pelo banco central. Os bancos, neste arranjo, podem ser considerados meras “sucursais” do banco central. Para todos os efeitos, o sistema bancário moderno pode ser resumido como sendo formado por um só banco. (Observe que um banco monopolista pode praticar reservas fracionárias sem correr o risco de ser “apanhado” por concorrentes).
Por meio de uma contínua “administração monetária” — ou seja, criação de reservas bancárias —, o Banco Central é capaz de garantir que todos os bancos sejam capazes de praticar conjuntamente uma expansão do crédito. Esta expansão coordenada, por sua vez, garante que nenhum banco perca reservas para os bancos concorrentes, de modo que o sistema permaneça continuamente sem riscos. Por meio de suas injeções monetárias, o banco central assegura que o sistema bancário esteja constantemente líquido, de modo que nenhum banco seja capaz de quebrar outro banco.
O tamanho ótimo dos bancos
É bom deixar claro: na atual conjuntura, impor controles aos bancos não significa de modo algum suprimir o livre mercado, o qual não existe neste setor; significa, isso sim, suprimir a capacidade dos bancos de expandirem o crédito gerado do nada, fenômeno esse que é o responsável não só pela contínua subida nos preços como também pela recorrência dos ciclos econômicos.
Mais controle sobre os bancos, dentro do contexto da existência de um banco central, é uma medida que pode apenas reduzir o ritmo da expansão monetária e, consequentemente, da erosão da formação de riqueza real. Mas, por si só, não pode impedir esta erosão — afinal, o Banco Central continuará imprimindo dinheiro para gerenciar a economia. Mais controles iriam apenas suprimir a capacidade dos bancos de ampliar significativamente, por meio de suas reservas fracionárias, as injeções monetárias do Banco Central. Consequentemente, iria impedir que os bancos se tornassem grandes demais para quebrar, fenômeno este que distorce toda a economia. Já seria alguma coisa.
A questão essencial, como muito bem apresentada neste artigo, é que a produção de dinheiro fiduciário, atividade na qual os bancos atuais incorrem, não é uma atividade que pode ser regulada pelo sistema de lucros e prejuízos. A criação monopolística de dinheiro fiduciário, estimulada por leis de curso forçado, não pode ser regulada pelo lucro simplesmente porque sempre será lucrativo produzir mais dinheiro. Os custos do aumento da produção de dinheiro, no atual sistema, são ínfimos.
Donde se conclui que, no caso dos bancos (os quais, no atual sistema, ao simples apertar de teclas de computador, podem criar dinheiro literalmente do nada, concedendo empréstimos e creditando o tomador de empréstimos com dígitos eletrônicos em sua conta bancária), não se pode dizer que seu atual tamanho seja socialmente ótimo.
Em qualquer outra indústria, existe um teste não-arbitrário que permite dizer se seu atual tamanho é economicamente ótimo: o sistema de lucros e prejuízos estimula as empresas a chegarem àquele tamanho que mais bem satisfaz os consumidores. Mas não há um semelhante sistema de lucros e prejuízos governando a criação de dinheiro fiduciário. Como resultado, o tamanho ótimo dos bancos sempre será arbitrário, e eles nunca estarão sujeitos aos mecanismos de lucros e prejuízos impostos pelo mercado. E isso é um perigo para a estabilidade de qualquer economia.
Leituras recomendadas:
O sistema bancário brasileiro e seus detalhes quase nunca mencionados