[Este artigo foi publicado originalmente na edição de 15 de maio de 1969 do The Libertarian Forum]
A surpreendente entrada de Norman Mailer nas primárias democratas para prefeito de Nova York, a serem realizadas em 17 de junho, proporciona a campanha política libertária mais estimulante em décadas. Mailer pegou todos de surpresa com sua plataforma, bem como sua entrada repentina na política. A plataforma Mailer deriva de uma plataforma política dominante brilhantemente penetrante: a descentralização absoluta da inchada burocracia da cidade de Nova York em dezenas de vilas de bairro constituintes. Essa é a lógica das recentes propostas de “descentralização” e “controle comunitário” levadas à sua conclusão consistente e definitiva: a turbulência e a situação de nossas estruturas governamentais urbanas sobrecarregadas e destroçadas, especialmente Nova York, devem ser resolvidas destruindo o aparato governamental urbano e fragmentando-o em uma miríade de fragmentos constituintes. Cada bairro estará então administrando seus próprios assuntos, em todos os assuntos, impostos, educação, polícia, bem-estar social etc. Os brancos conservadores se opõem à obrigatoriedade de levar crianças negras para as escolas de seus bairros? Bem, diz Mailer, com cada bairro no controle absoluto de suas próprias escolas esse problema não poderia surgir. Os negros se opõem ao controle branco sobre a educação das crianças negras? Este problema também seria resolvido se o Harlem fosse totalmente independente, gerindo os seus próprios assuntos. No plano Mailer, pretos e brancos poderiam, finalmente, viver pacificamente lado a lado, com cada grupo e cada bairro auto-constituído administrando seus próprios assuntos.
Mailer e seu companheiro de chapa para presidente da Câmara Municipal, o escritor Jimmy Breslin, percebem muito bem que essa nova ideia impressionante transpõe totalmente os antigos limites “esquerda”-“direita”, que poderia logicamente ter um apelo para ambos os grupos, ou melhor, para aqueles em ambos os grupos que são verdadeiramente atraídos por uma visão essencialmente libertária. Aqueles que querem a integração compulsória ou aqueles que querem que os negros continuem sob o domínio branco não ficarão satisfeitos com essa visão; mas aqueles que anseiam por liberdade, que querem que brancos e negros se tratem como iguais independentes e não como governantes de um sobre o outro, devem aderir ao critério Mailer.
As outras posições de Mailer fluem de sua visão libertária básica. Ele é contra a fluoretação compulsória da água de abastecimento e é a favor da libertação de Huey Newton – ambas posições libertárias na libertação do indivíduo e da comunidade da bota do estado. Uma das principais propostas de Mailer é que a cidade de Nova York se separe do Estado de Nova York e forme um 51º estado separado: uma posição não apenas consistente com o desmembramento de grandes órgãos governamentais, mas também com o crucial princípio libertário da secessão. A secessão é uma parte crucial da filosofia libertária: que cada estado possa se separar da nação, cada sub-estado do estado, cada bairro da cidade e, logicamente, cada indivíduo ou grupo do bairro. A visão de Mailer promove ativamente essa posição. Ele é o primeiro militante político desde a Guerra Civil a levantar a bandeira da secessão, um poderoso apelo que infelizmente se tornou desacreditado aos olhos dos americanos porque (a) o Sul perdeu a Guerra Civil e (b) porque estava associado em suas mentes à escravidão.
Outra parte soberba da visão libertária de Mailer é sua resposta sobre onde o governo da cidade de Nova York arrecadaria fundos: ele aponta que os cidadãos da cidade de Nova York pagam aproximadamente US$ 22 bilhões em impostos de renda ao governo federal, e que os nova-iorquinos só recebem de volta cerca de US$ 6 bilhões dos cofres federais. Por conseguinte, se os nova-iorquinos mantivessem esses US$ 22 bilhões em suas próprias mãos… Assim é a secessão!
Embora a descentralização total de Mailer deva atrair tanto a esquerda quanto a direita, na verdade até agora a grande maioria de seu apoio vem dos jovens da Nova Esquerda. No lado oeste de Manhattan, há no clube Community Free Democratic, de orientação da Nova Esquerda, pelo menos um forte bloco de fervorosos adeptos de Mailer-Breslin. Tanto quanto sei, não há nada parecido com este apoio à direita. Mais uma vez eu pergunto ao Sr. Conservadorismo: como assim? Há trinta anos que o senhor reclama da burocracia governamental inchada. Durante todo esse tempo você vem pedindo a descentralização, a fragmentação do governo. Agora, finalmente, surge um candidato que assume essa posição (Mailer se autodenomina um “conservador de esquerda”, diga-se de passagem). Por que o senhor não o apoia?
E assim o Libertarian Forum faz seu primeiro endosso político: Mailer para prefeito de Nova York e Breslin para presidente da Câmara Municipal. Mas isso, é claro, nos leva diretamente ao sentimento muito difundido entre os libertários contra qualquer apoio, voto ou endosso a qualquer candidato político. A alegação é que qualquer apoio desse tipo constitui apoio e adesão ao aparato de estado e, portanto, é imoral para o libertário.
Embora respeite esta posição, considero-a excessivamente sectária.
A questão é que, votando ou endossando ou não, os cargos de presidente, senador, prefeito ou o que quer que seja não ficarão vagos, alguns continuarão a ocupar esses cargos durante os próximos anos. Já que não há como optarmos por manter esses cargos vagos, já que ficaremos presos a alguém nesses cargos aconteça o que acontecer, por que não deveríamos ao menos expressar a esperança de que alguém, e não outra pessoa, preencha tais cargos? Se sabemos que X ou Y ocuparão um determinado cargo político, por que não podemos expressar nossa esperança de que X ganhe, ou, mais provavelmente, que Y perca? Já que ainda não somos capazes de alcançar esse estado abençoado quando ambos podem perder, por que não fazer o melhor que pudermos com o que temos em mãos por enquanto? Ou, dito de outra forma, o aparato de estado permite-nos a nossa escolha eleitoral bienal ou quadrienal. Trata-se, sem dúvida, de uma escolha pífia, uma escolha marginal, uma escolha que significa pouco e que, por si só, não pode mudar radicalmente o sistema existente. Mas é pelo menos alguma coisa, é pelo menos algum tipo de escolha que nos é permitida entre diferentes grupos de aspirantes a mestre, e muitas vezes tal escolha pode ser importante – como nas ideias e candidatura de Mailer para este ano. Por que não devemos aproveitar as escolhas, por mais insignificantes que sejam, que nossos governantes de estado nos permitem exercer?
Tomo como minhas as palavras de Lysander Spooner, um dos grandes Pais Fundadores do anarquismo individualista. Spooner escreveu:
“no caso de indivíduos, seu voto real não deve ser tomado como prova de consentimento [ao governo dos EUA] (…) Pelo contrário, deve-se considerar que, sem o seu consentimento ter sido sequer solicitado, um homem se vê cercado por um governo ao qual não pode resistir; um governo que o obriga a pagar dinheiro, prestar serviço e renunciar ao exercício de muitos de seus direitos naturais, sob o risco de pesadas punições… Sem dúvida, o mais miserável dos homens, sob o governo mais opressor do mundo, se lhe fosse permitido o voto, o utilizaria, se pudesse ver alguma chance de assim melhorar sua condição. Mas não seria, portanto, uma inferência legítima de que o próprio governo, que os oprime, era aquele que eles voluntariamente criaram, ou mesmo consentiram.” ~ Spooner, Sem traição: Larkspur, Colorado, 1966, p. 13
Há outra razão importante para não desprezar necessariamente o endosso de partidos políticos ou candidatos. E esse é o fato aparente de que é quase impossível organizar as ações de cidadãos comuns de classe média a não ser por meio de partidos políticos. Os negros se organizam nos guetos, os estudantes nos campi, os trabalhadores – para o bem ou para o mal – nos sindicatos, mas onde estão as organizações permanentes voltadas para a questão que conseguem atrair a grande maioria do país na classe média? Parece que a classe média só é atraída organizacionalmente por partidos políticos, clubes partidários etc. Se assim é, então os partidos políticos tornam-se um instrumento necessário do movimento libertário, porque se quisermos alcançar a vitória temos de obter pelo menos o apoio passivo e, esperemos, um apoio mais ativo da maioria da classe média do país. Nenhuma organização entre a classe média foi feita pela Nova Esquerda, embora tenha havido tentativas fúteis perenes de organizar os trabalhadores industriais pelos elementos marxistas. As questões, estou convencido, estão lá: impostos altos, inflação, confrontos inter-raciais decorrentes do fracasso em alcançar o controle comunitário, uma guerra perdida ou paralisada, tudo isso pode ser explicado de forma clara para a maioria da população. A retórica, é claro, terá que diferir da retórica que atrai os estudantes; mas as ideias e a filosofia subjacentes podem ser as mesmas: liberdade individual. Mas parece claro que a forma de organização da classe média terá que ser um partido político ou algo muito parecido.
Os sectários libertários devem se perguntar seriamente: queremos a vitória? Se queremos realmente a vitória para a liberdade, então temos de empregar os meios necessários para a sua realização, e parece que a ação política será um – embora não todos – desses meios necessários. Assim sendo, vote Mailer para prefeito.
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