Uma ex-namorada certa vez me disse: “Você me trata como se eu fosse sua propriedade!”. Como estudante de economia, senti um grande regozijo. Minha primeira reação foi: que ótimo saber que o alvo do meu afeto realmente entende como me sinto! Após um friozinho na barriga, senti vários arco-íris, unicórnios e corações grandes e vermelhos a inundarem minha mente apaixonada. Quando alguém de fato lhe compreende, não existe outra sensação que não seja o júbilo.
Afinal, pensei eu, se eu a tratava como se ela fosse minha propriedade, então isso significava que eu sempre iria cuidar dela, que eu sempre iria protegê-la e, principalmente, que eu sempre iria tratá-la com muito mais carinho do que eu teria em relação a tudo o mais que não estivesse sob minha posse.
Porém, repentinamente percebi que o seu olhar não refletia aquela felicidade que me explodia por dentro.
E foi então que dei conta do meu erro. Nós somos apenas donos de nós mesmos, e não de outros seres humanos. Isso vale tanto pra ela quanto pra mim quanto pra todos nós. Se ela fosse minha propriedade, seria minha escrava; e não há nada mais cruel e liberticida do que isso.
Mas, mesmo assim, eu quis prosseguir com a brincadeira. E, já que eu a tratava como minha propriedade, isso me fez pensar em uma questão extremamente importante:
“Meu bem, diga-me: eu lhe trato como propriedade privada ou pública?”
Bom, ela não chegou a responder verbalmente, mas ela habilidosamente carimbou uma marca bem vermelha (daquelas típicas de um bofete bem dado, sabe?) no meu rosto. Creio que nunca saberei o que fiz de errado. Mas assim é a vida de um solitário estudante de economia. E eu nunca mais vi aquela garota.
A verdade que permeia toda essa questão é que a propriedade privada é a coisa mais importante em nossas vidas, depois das pessoas que amamos (e em alguns casos é até mais importante). A propriedade privada é a razão pela qual nos levantamos de manhã para irmos trabalhar e abdicamos de momentos de lazer em troca de dinheiro – dinheiro esse que depois será utilizado para adquirir bens, que então passarão a ser nossa propriedade.
É uma coisa óbvia: nós nos importamos muito mais com bens privados do que com bens públicos. Quando o seu computador pessoal estraga, você lamenta não apenas a perda dos arquivos, mas também todo o suor e trabalho gastos na compra dele. Quando o computador de uma biblioteca pública estraga, ninguém liga. Ninguém passou um mês inteiro poupando para poder comprá-lo. Ninguém sentia nenhuma afeição pessoal pela máquina. Ela não era propriedade de ninguém. Não havia um título de propriedade sobre ele que pudesse ser transferido.
A primeira conclusão a que se pode chegar nesse caso é que, se ninguém liga, então o computador não é significante. Mas a verdade é que, estando em uma biblioteca pública, havia demanda por seus serviços; havia pessoas que utilizavam aquele computador diariamente com propósitos definidos. Assim, imagine ter de usar diariamente um serviço pelo qual ninguém é responsável. Ah, desculpe! Você não precisa imaginar. Certamente você já dirigiu por estradas e ruas estatais. Já é experiente no assunto.
Empresas geridas privadamente se ajustam às necessidades dos seus clientes. Se há muito tráfego em uma estrada ou em uma rua, ou se elas não estão bem pavimentadas, ajustes serão feitos em nome do lucro. Qualquer empresa que preze a maximização do lucro irá fazer retificações para satisfazer o consumidor, não porque elas têm um bom coração, mas porque elas têm o objetivo de maximizar sua riqueza.
Estradas e ruas estatais são propriedade pública. Não há incentivo para melhorá-las. O único incentivo para a melhoria advém de interesses políticos. Um político sabe que alguns grupos de interesse e/ou organizações lobistas, como empreiteiras, irão votar nele se determinadas ruas e estradas forem aperfeiçoadas. Nesse caso, pode haver uma pequena melhora. Via de regra, essas melhorias durarão apenas um curto espaço de tempo. Políticos não constroem estradas que durem muito. Eles constroem estradas que normalmente duram o mesmo tanto que suas carreiras políticas.
Quando estradas e ruas ficam congestionadas ou desgastadas, o governo geralmente culpa as pessoas que as utilizam pelo problema. Por outro lado, uma empresa privada se culpa a si mesma quando um produto não está satisfazendo as expectativas, e acaba alterando o produto de modo a melhor servir o consumidor. Murray Rothbard, com sua habilidade de praxe, fez essa distinção dizendo:
Assim, caso aumente a demanda do consumidor por bens e serviços de certas áreas, as empresas privadas ficarão contentíssimas em supri-la; elas cortejarão e saudarão as novas oportunidades de negócios, expandindo suas operações e ansiando por satisfazer os novos pedidos. O governo, ao contrário, geralmente encara essa situação instando e até ordenando que os consumidores “comprem” menos, e permitindo que escassezes ocorram conjuntamente com a deterioração da qualidade dos serviços.
Destarte, o aumento do uso das ruas das cidades descamba em congestionamentos exacerbados e em contínuas denúncias e ameaças contra as pessoas que dirigem seus próprios carros. A administração da cidade de Nova York, por exemplo, está continuamente ameaçando banir o uso de carros particulares em Manhattan, onde o congestionamento tem sido particularmente desagradável.
Somente esse ente chamado ‘governo’ iria pensar em ameaçar os consumidores dessa maneira; somente o governo, é claro, tem a audácia de “solucionar” o congestionamento expulsando os carros particulares (ou caminhões, ou táxis, ou qualquer coisa) das ruas. De acordo com esse raciocínio, a solução “ideal” para o congestionamento seria simplesmente banir todos os veículos!
Mas o que vai acontecer se uma rua ou estrada privada se tornar muito congestionada? E se a empresa privada que a administra passar a cobrar muito caro? Essa parece ser uma discussão sensata. Quer dizer, você “tem” de usar as ruas, certo? O libertarianismo, na minha opinião, significa acreditar em pessoas livres. É ter a convicção de que podemos tomar nossas próprias decisões. A função do governo é justamente nos fazer acreditar que não somos capazes de, sozinhos, tomarmos decisões sensatas. Assim, a nós é dito que é o governo quem tem de manter a ordem nas ruas e estradas. Nós não somos “sábios” o suficiente para decidir sobre a construção de ruas e estradas por meio de empresas privadas. Não. É preciso haver um planejador central.
Isso é ridículo.
Se as ruas ou estradas ficarem muito congestionadas, as pessoas irão reagir a essa situação. Por exemplo, atualmente eu gasto 10 minutos para ir dirigindo até o supermercado. Isso significa que às vezes eu até volto para comprar algumas coisas das quais eu havia me esquecido. Se essa mesma viagem me tomasse 2 horas, eu não a faria tão frequentemente. Se as ruas forem privatizadas e cobrarem algum tipo de pedágio, as empresas certamente vão querer que eu dirija o maior número de vezes possível em suas ruas. Para que haja o lucro máximo, é do interesse das empresas fazer com que as ruas sejam as mais suaves e acessíveis possível.
O problema de haver um “monopólio” específico para ruas e estradas também não se sustenta. Certo, eu gasto dez minutos para chegar ao supermercado utilizando o caminho mais rápido. Mas, poderia eu pegar uma rota de quinze minutos para evitar o pedágio mais caro? É claro que sim. Diversas empresas proprietárias de ruas praticariam preços concorrentes para atrair os motoristas para as suas ruas.
Eu não sei exatamente a maneira como as ruas de cada comunidade do mundo devem ser privatizadas. Eu também não sei como a Ford gerencia suas linhas de montagem. O que eu realmente sei é que são essas mesmas empresas – que funcionam como uma aglomeração de miniaturas de know-how – que irão solucionar o problema. As mesmas empresas que sabem como transportar bananas frescas da América do Sul para a Croácia e que sabem colocar aviões para voar é que irão cuidar das ruas em nome da propriedade privada e do lucro.
Não sabemos explicar como fazer ruas e estradas, mas sabemos que se houver incentivo para o lucro elas existirão e serão mais eficientes. As pessoas inevitavelmente se organizarão em busca de lucros para si mesmas. Isso ocorre em todas as áreas da economia e é o que serve de incentivo para todos os agentes, desde os presidentes de grandes corporações até o mais humilde zelador.
Mas, e quanto às bibliotecas públicas? Os políticos promovem essas áreas como sendo uma maneira de difundir o acesso a internet para pessoas sem recursos para tal. Mas, atualmente, e mais do que nunca, já há uma farta disponibilidade de internet boa e barata, não graças ao governo, mas graças ao livre mercado. E isso por causa de LAN Houses e Coffee Shops. Esses lugares frequentemente oferecem acesso gratuito ou muito barato a internet. Se não me engano, existem mais LAN houses e Coffee Shops do que bibliotecas públicas. E aqueles Coffee Shops que não oferecerem internet terão de concorrer com aqueles que oferecem. No final, internet e computadores baratos serão difundidos pelo mercado, e não pelo governo.
É por tudo isso que amamos a propriedade. É por isso que cuidamos dela e nos preocupamos com seu futuro. “O programa do liberalismo”, escreveu Mises, “se tivesse de ser condensado em uma única palavra, seria:propriedade“.
Propriedade pública nada mais é do que um péssimo uso do nosso suado dinheirinho roubado através de impostos.
E uma dica final aos enamorados: se a sua cara-metade não estiver lhe tratando pelo menos um pouquinho como um pedaço de propriedade privada, já é hora de repensar esse romance.
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