Thursday, November 21, 2024
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Venezuela, Rússia e os efeitos da queda do preço do petróleo

venezuela-empty-shelves-628x356Até junho de 2014, o preço do barril de petróleo oscilava ente US$90 e US$100.  E então, repentinamente, os mercados perceberam que os EUA estavam produzindo, na margem, uma enorme quantidade de petróleo cru, e isso foi o suficiente para desencadear a espiral de redução de preços do petróleo que estamos vendo agora.

Falando francamente, esse foi um fenômeno que ninguém antecipou.  Nenhum dos prognosticadores da indústria petrolífera previu isso.  Os EUA aumentaram, na margem, sua produção de petróleo retirado do xisto, e o Canadá, também na margem, aumentou sua produção de petróleo de areias betuminosas.

Esses dois fenômenos foram exacerbados pela reação de outros produtores de petróleo ao redor do mundo.  A Arábia Saudita não só não reduziu sua produção com o intuito de tentar conter a oferta e assim evitar uma queda nos preços, como na verdade intensificou sua extração.  A Rússia também aumentou sua produção nos últimos meses.

Ou seja, os grandes produtores não apenas não restringiram sua oferta, como intensificaram sua produção.

No passado, mais especificamente na década de 1970, os países da OPEP realmente chegaram a restringir sua produção com o intuito de frear a queda nos preços, mas dessa vez está sendo diferente.  Os sauditas, em particular, já indicaram que não querem ver nem os EUA e nem o Canadá abocanhar uma fatia do mercado saudita, no longo prazo.  E dado que os sauditas são capazes de extrair petróleo de maneira muito mais barata que todo o resto do mundo, eles decidiram manter a produção pleno vapor dessa vez.  Eles optaram por não restringir a produção porque sabiam que essa restrição faria apenas estimular ainda mais pessoas e empresas a investir no setor de xisto nos EUA e de areia betuminosa no Canadá, abocanhando essa fatia de mercado dos sauditas.

No que mais, há alguns fatores técnicos que devem ser considerados.  No curto prazo, alterações no preço não afetam a produção de depósitos petrolíferos, como o xisto.  Quando se começa a extrair petróleo de um depósito de xisto, o produtor está literalmente ao sabor do vento, da engenharia e da pressão da extração.  O tempo de duração de cada um desses poços não é muito longo, não passando de mais de um ano e meio.  Logo, não há motivos para se interromper o processo de produção, por maior que seja a queda do preço

A Rússia e a repetição da União Soviética

À medida que o preço do barril de petróleo segue em queda livre — era de US$101 em junho de 2014, e hoje está em US$45 —, vai voltando à memória um cenário similar ocorrido já durante o final da Guerra Fria, em meados da década de 1980.

Quando a Arábia Saudita anunciou, em 1985, que proteger o preço do petróleo não mais seria sua prioridade, a produção de petróleo ao redor do mundo disparou e os preços despencaram, chegando a ficar abaixo dos US$10 o barril, como eu havia previsto à época.

Essa queda nos preços desferiu um golpe fatal na economia soviética, que dependia quase que exclusivamente das exportações de petróleo da Rússia, e que acabou vendo evaporar US$20 bilhões por ano em receitas de exportação.  Esse resultado fiscal foi uma facada no coração da URSS.

Já no dia 1º de outubro de 2014, a empresa petrolífera da Arábia Saudita anunciou que estava abandonando sua política de proteção de preços e que passaria a se concentrar apenas em proteger sua fatia de mercado.  Esse anúncio, combinado com uma queda global na demanda e um aumento geral na oferta, fez com que o preço do barril de petróleo desabasse.

Isso gerou severas restrições orçamentárias sobre oito dos principais países produtores de petróleo do mundo.  Estados como Irã, Iraque, Rússia, Equador e Venezuela só conseguem equilibrar seus orçamentos se o preço do barril de petróleo estiver entre US$100 e US$125.  Se o preço do petróleo se mantiver onde está (em torno de US$45) por algum tempo, é de esperar que haja um forte aperto fiscal seguido de mudanças de regime em um ou mais desses países: Irã, Bahrein, Equador, Venezuela, Argélia, Nigéria, Iraque ou Líbia.  Será um filme que já vimos.

Quanto à Rússia, a mão de Putin é mais forte, mas pode haver limites.  A economia russa foi atacada em duas frentes.  De um lado, a invasão à Ucrânia gerou sanções comerciais dos EUA e da União Europeia.  Isso enfraqueceu o rublo.  Só que ainda pior do que as sanções está sendo a queda no preço do petróleo, o que reduziu maciçamente o volume de dólares que entra na Rússia.  Consequentemente, o rublo desabou.  Em seis meses, o dólar disparou de 33 rublos para 62 rublos.

russia-currency.png

Como consequência do esfacelamento do rublo, a inflação de preços já começa a assombrar:

russia-inflation-cpi.png

Os alimentos já encareceram 16,4% nos últimos 12 meses, com destaque para as carnes bovina e aviária, que já encareceram 20,1%, e frutas e vegetais, que estão 22% mais caros.

Como o regime de Putin irá lidar com isso é um filme que ainda não foi visto.

A Venezuela, o maior perdedor dentre todos

Os problemas vivenciados pela Rússia são um piquenique quando comparados aos da Venezuela, país em que a escassez de dólares ocorre em um ambiente de economia fortemente planificada, com controle de preços e desabastecimento.

À medida que piora a situação econômica do país, seu governo vai se tornando cada vez mais autoritário.

A espiral decadente da economia venezuelana começou de fato quando Hugo Chávez decidiu impor seu “socialismo moreno” ao país, uma excentricidade que, à época, chegou a ser relativamente bem recebida por vários setores da grande mídia.  Durante anos, a Venezuela manteve um volumoso programa de gastos sociais combinado com controles de preços e salários e com um mercado de trabalho extremamente rígido, além de manter, como política externa, uma agressiva estratégia de ajuda internacional voltada majoritariamente para Cuba.  Todo este insano castelo de cartas conseguiu se manter solvente por um bom tempo unicamente por causa das receitas do petróleo.

Mas à medida que os custos deste populismo foram crescendo, o país teve de recorrer com cada vez mais frequência aos cofres da estatal petrolífera PDVSA e à impressora do dinheiro do Banco Central da Venezuela.  Isso resultou em um declínio contínuo do valor do bolívar — um declínio que se acelerou ainda mais após começarem a surgir notícias sobre o crítico estado de saúde de Hugo Chávez.

A morte de Chávez, no dia 5 de março de 2013, gerou um abalo sísmico em toda a economia venezuelana.  De maneira nada surpreendente, desde que seu sucessor Maduro assumiu o controle do país, o castelo de cartas venezuelano começou a desmoronar.  A taxa de câmbio do bolívar no mercado paralelo ilustra bem essa história.  Desde a morte de Chávez até o momento (janeiro de 2015), o bolívar já perdeu quase 90% de seu valor em relação ao dólar no mercado paralelo, como mostra o gráfico abaixo.

venezuelan-bolivar.jpg

Taxa de câmbio bolívar/dólar no mercado paralelo (linha azul) versus taxa de câmbio oficial declarada pelo governo (linha vermelha)

Essa acentuada desvalorização do bolívar, por sua vez, gerou uma extremamente alta inflação de preços na Venezuela.  Para economias altamente estatizadas, a desvalorização de uma moeda no mercado paralelo é o mensurador que melhor estima o real valor dessa moeda.  Com este mensurador, é possível inferir que a inflação de preços “reprimida” na Venezuela está atualmente nos três dígitos, alcançando o estonteante valor anual de 194%, como mostra o gráfico abaixo.

venezuelan-inflation.jpg

Inflação de preços oficial (linha vermelha) versus inflação de preços implícita (linha azul) acumuladas em 12 meses.

O governo reagiu exatamente como todos os governos populistas reagem aos aumentos de preços causados por suas próprias políticas: impondo controle de preços cada vez mais rígidos.  Obviamente, estas políticas não apenas fracassaram completamente, como geraram um grande desabastecimento nos supermercados e uma constrangedora escassez de vários produtos essenciais, como papel higiênico.

Ainda em setembro de 2013, a contínua escassez de papel higiênico (que ocorreu após a escassez de alimentos e de apagões no setor elétrico) levou o governo a ocupar uma fábrica de papel higiênico, com o uso maciço de força militar, com o intuito de garantir uma “distribuição justa” dos estoques disponíveis.

Já em novembro de 2013, após o presidente Nicolás Maduro acusar os fabricantes de manipulação de preços, ele ordenou que o exército ocupasse as lojas e confiscasse todos os bens com o intuito de vendê-los a “um preço justo”.  Ato contínuo, Maduro mandou prender os comerciantes e ainda enviou o alerta de que “este é apenas o início de tudo o que farei para proteger o povo venezuelano”.

Logo após esse confisco, multidões se aglomeraram, ao longo de todo o país, em frente às portas de várias lojas de eletrodomésticos com o intuito de saqueá-las, o que chegou a ocorrer em vários casos.

Maduro asseverou que o governo iria, dali em diante, supervisionar todas as redes varejistas do país para se assegurar de que os preços fossem significativamente reduzidos.  Também ordenou que todos os estoques das lojas deveriam ser liquidados.  Em um discurso televisionado, ele mandou a mensagem: “Não deixem que nada permaneça nas prateleiras”.

Apesar dos congelamentos de preços e da escassez, nada foi feito para atacar a causa básica das aflições inflacionárias da Venezuela, que é o descontrole da oferta monetária.

Este gráfico mostra a evolução da quantidade de dinheiro na economia venezuelana (agregado M3) de acordo com as estatísticas do próprio Banco Central venezuelano.  Em menos de 3 anos, a quantidade de dinheiro na economia já aumentou quase 4 vezes, ou 300%.

venezuela-money-supply-m3.png

Evolução da quantidade de dinheiro na economia venezuelana

Embora o congelamento mantenha os preços dos bens em níveis ostensivamente baixos no mercado oficial, eles inevitavelmente geram prateleiras vazias, privando vários consumidores de ter acesso a bens essenciais.  Controle de preços em conjunto com uma regulação da margem de lucro não pode gerar outra coisa senão o desabastecimento.  Como resultado, a escassez de produtos bateu recordes na Venezuela.

Tudo isso levou aos violentos protestos ocorridos na Venezuela ao longo de 2014.

Só que agora, com a forte queda no preço do petróleo, a quantidade de dólares entrando na Venezuela desabou.  Essa escassez de divisas estrangeiras, aliada ao fato de que o bolívar é uma moeda inconversível (nenhum estrangeiro está disposto a trocar seus dólares por bolívares), está fazendo com que o país esteja impossibilitado de importar bens essenciais.  Dado que o petróleo é responsável por nada menos que 95% das exportações da Venezuela, a queda no seu preço afetou severamente o pouco que ainda restava de funcional na economia.

A escassez de dólares em conjunto com inflação real de 194% amplificou a escassez de bens e, como resultado, a oferta de alimentos agora está sob supervisão militar. Eis alguns trechos da reportagem da Bloomberg:

socialism-venezuela.jpgConsumidores se amontoaram nos supermercados de Caracas após um profundo desabastecimento ter urgido o governo a colocar a distribuição de alimentos sob proteção militar.

Longas filas, algumas se estendendo por várias quadras, se formaram em frente aos supermercados da capital venezuelana.  Os moradores estão à procura de itens básicos que se tornaram escassos, como detergente e frango.

“Já fui a seis lojas hoje à procura de detergente — não encontro em lugar nenhum”, disse Lisbeth Elsa, zeladora de 27 anos, enquanto esperava em uma longa fila de um supermercado na zona leste de Caracas. “Somos obrigados a continuar vestindo roupas sujas porque não há detergentes.  Vou comprar qualquer substituto que aparecer.”

A escassez de divisas estrangeiras exacerbado pelo colapso nos preços do petróleo amplificou a escassez de produtos básicos, desde papeis higiênicos a baterias de carro, e empurrou a inflação [oficial] para 64% em novembro.  As filas continuarão enquanto o controle de preços persistir […].

[…] A Ministra do Interior, Carmen Melendez, disse ontem que forças de segurança serão enviadas para os supermercados e centros de distribuição para proteger os consumidores.

[…]

“Não entrem em desespero — temos capacidade e temos produtos para todos, basta ter calma e paciência. As lojas estarão reabastecidas”, disse a ministra na televisão estatal.

[…]

ip1HJqEEJeU8.jpgOntem, dentro de um supermercado da rede Plan Suarez, na zona leste de Caracas, as prateleiras estavam praticamente vazias.  Houve brigas entre os consumidores para conseguir os poucos produtos restantes, e vários tentaram furar a fila.  Dentre os produtos mais procurados estava o detergente, com os consumidores tendo de esperar na fila por três para comprar um máximo de dois.  Um guarda proibiu que as prateleiras vazias fossem fotografadas.

Já em um supermercado da rede Luvebras, também na zona leste de Caracas, a polícia interveio para ajudar os funcionários a distribuir papel higiênico e outros produtos.

“Não consigo encontrar nada; já estou há 15 dias procurando por fraldas”, disse Jean Paul Mate, vendedor de carne, que esperava na fila do Luvebras.  “Você tem de faltar ao trabalho para procurar produtos.  Vou a pelo menos cinco lojas todos os dias.”

[…]

“As coisas nunca estiveram tão ruins assim — já vi filas com mais de mil pessoas”, disse Greisly Jarpe, analista de dados de 42 anos, enquanto esperava por sabonetes.  “As pessoas estão tão desesperadas que estão dormindo nas filas”.

Steve Hanke
Steve Hanke
Steve Hanke é professor de Economia Aplicada e co-diretor do Institute for Applied Economics, Global Health, and the Study of Business Enterprise da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, EUA. O Professor Hanke também é membro sênior do Cato Institute em Washington, D.C.; professor eminente da Universitas Pelita Harapan em Jacarta, Indonésia; conselheiro sênior do Instituto Internacional de Pesquisa Monetária da Universidade da China, em Pequim; conselheiro especial do Center for Financial Stability, de Nova York; membro do Comitê Consultivo Internacional do Banco Central do Kuwait; membro do Conselho Consultivo Financeiro dos Emirados Árabes Unidos; e articulista da Revista Globe Asia.
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