Introdução
O objetivo deste artigo é defender o emprego que Hans-Hermann Hoppe (1989; 2006) faz da contradição performativa para justificar o axioma da autopropriedade. “Qualquer pessoa que tentasse contestar o direito de propriedade sobre seu próprio corpo seria pego numa contradição, visto que argumentar dessa forma e reivindicar que seu argumento seja verdadeiro já seria implicitamente aceitar precisamente essa norma como sendo válida” (Hoppe 2006, 133). O cerne desse argumento é mostrar, com a ajuda da contradição performativa, que somente a ética libertária baseada no axioma da autopropriedade pode ser justificada. Melhores explicações sobre essa ideia serão dadas na próxima sessão.
O próprio Hoppe (2006, 399-418) tem feito muitos trabalhos na elaboração de sua própria ética argumentativa e na resposta a alguns de seus críticos. Outros acadêmicos reafirmaram e refizeram a história e os momentos-chave do debate (Kinsella 2002b; Meng 2002; Gordon 2006). Deixando de lado os debates já encerrados (Friedman 1988; Lomasky 1989; Osterfeld 1988; Richman 1988; Rasmussen 1988; Steele 1988; Yeager 1988; Rothbard 1988; 1990), este artigo foca-se em críticas ignoradas e ainda não respondidas (Terrell 2000; Godefridi 2004; Callahan e Murphy 2006). Para uma exposição mais clara, nós fizemos distinção entre duas estratégias de crítica. Por um lado, há um tipo geral de crítica que contesta a capacidade de a contradição performativa justificar qualquer princípio ético. Por outro lado, há um tipo específico de crítica que contesta a habilidade de a contradição performativa justificar o axioma da autopropriedade.
Este artigo irá primeiro reiterar o argumento por contradição performativa e sua importância dentro do quadro libertário. Em segundo lugar, algumas das críticas gerais e das más compreensões serão discutidas. Por terceiro, será dada atenção a cada crítica específica e desafiadora contra o emprego que Hoppe faz da contradição performativa. As críticas formuladas por Callahan e Murphy (2006) serão revisadas após respondidas. Por fim, as perspectivas para nova pesquisa aberta por essa argumentação serão enfatizadas. Os principais avanços deste artigo consistem em fornecer uma discussão sistemática e mais ampla do debate acerca da justificação do libertarianismo, prevenindo futuras más compreensões da argumentação de Hoppe e formulando uma resposta original e pertinente às críticas de Callahan e Murphy.
O Argumento por Contradição Performativa e sua Importância para o Libertarianismo
Evitando repetição, a escolha de revisitar um debate obriga-nos a apresentar brevemente suas raízes intelectuais. A ideia de “contradição performativa” denota uma inconsistência entre agir e dizer. Proferir uma sentença performativa é tornar explícita qual ação se está realizando. Casos paradigmáticos de performativos envolvem dizer algo que, pelo próprio ato de se dizê-lo, constitui um ato do tipo mencionado (Searle 1969). Por exemplo, dizer “eu prometo que o encontrarei no cinema” é uma promessa em si. Uma contradição performativa ocorre quando o agente nega as condições sem as quais sua ação não aconteceria. Esse tipo de contradição torna-se óbvio no discurso verbal quando alguém nega o que é requerido para seu próprio discurso. Por exemplo, é absurdo dizer “não existem declarações”. Esta declaração contradiz sua conditio sinequa non: exige-se uma declaração para se dizer “não existem declarações”. Mutatis mutandis, é absurdo dizer: “Eu não estou vivo”. Essa afirmação contradiz outra afirmação (“eu estou vivo”) que é a conditio sinequa non para se formular a afirmação anterior. Contrariamente, uma pessoa não pode afirmar estar morta sem contradizer o próprio fato de que ela tem que estar viva para dizer “eu estou morta”.
Esse argumento foi usado pela primeira vez por Aristóteles no livro Metafísica. Aristóteles usa esse argumento para justificar a necessidade do princípio da não contradição.
“Mas mesmo isso pode ser demonstrado ser impossível, por meio de uma refutação, se o disputante apenas disser algo. Se ele não disser nada, é ridículo procurar por uma afirmação em resposta a alguém que não disse nada, na medida em que ele não tenha dito; tal pessoa, na medida em que é assim, é similar a um vegetal. Por ‘demonstrar por meio de uma refutação’ eu quero dizer algo diferente de provar, porque ao provar algo se imagina que se seja o originador [da questão], mas se alguém é a causa disso, então deve ser uma refutação e não uma prova. Em resposta a cada caso desse tipo, o [passo] original não é pedir para ele afirmar algo de ser ou não ser (pois isso pode levar a crer que se pergunta sobre o que estava originalmente em questão), mas ao menos dizer algo significativo para ambos: ele mesmo e alguém mais; pois isso é necessário se ele quer dizer algo. Pois se ele não o fizesse, não haveria nada a ser afirmado por ele, em resposta a si mesmo ou a alguém. Mas se ele oferece isso, haverá uma prova, pois já haverá algo definido. Porém a causa não é aquele que prova mas aquele que apresenta; pois ao eliminar uma afirmação ele apresenta uma outra. Novamente, qualquer um que concorde com isso concorda que algo seja verdadeiro independentemente de uma prova. Primeiro, então, é claro que ao menos isso é verdade, que o nome significa que algo é ou não é, que cada coisa é de tal e qual maneira e não de outra maneira.” [Aristóteles Metafísica, 1006a11-1006a28]
Para colocar de maneira breve, Aristóteles argumenta que é autocontraditório negar o princípio da não contradição. É assim porque qualquer afirmação que quisermos comunicar pressupõe o princípio da não contradição. O argumento aristotélico é compartilhado pela maioria dos autores escolásticos. No seu comentário à Metafísica de Aristóteles, Tomás de Aquino ([1271-73] 1950, liberiv, lectiones 6-7) usa o conceito de “argumento de retorsão” (redarguitioelenchica) para revelar a falácia lógica em rejeitar a tese que é pressuposta in actu exercito, i.e., no curso da refutação. A contradição performativa inicialmente formulada por Aristóteles é extremamente elegante em lógica, metafísica e ética. O argumento de retorsão é amplamente usado e discutido por filósofos contemporâneos (Finnis 1977, 250; Isaye 1952; 1954, 205). Inconsistência performativa (Boyle 1972) e autocontradição pragmática (Mackie 1964; Passmore 1961, Capítulo 4) são nomes diferentes para o mesmo processo argumentativo. No entanto, esse procedimento de argumentação por contradição performativa tornou-se famoso com Jürgen Habermas (1979; 1993) e Karl-Otto Apel (2001), que usaram-no para justificar declarações normativas.
“A demonstração de contradições performativas em casos particulares serve para refutar contra-argumentos céticos. Apel e eu empregamos esse método para descobrir pressuposições universais pragmáticas da argumentação e para analisar seu conteúdo normativo. Nesse sentido, eu tento justificar um princípio da universalização como um princípio moral. A intenção inicial é simplesmente demonstrar que questões moral-práticas podem decerto ser decididas com base em razões.” [Habermas 1993, 163]
Na opinião desse autores,
“fundamento último não é possível por dedução, mas por reflexão transcendental sobre as pressuposições do pensamento real que não pode ser negado sem se cometer uma contradição performativa. […] Tal fundamento exigiria que nós pudéssemos mostrar por reflexão transcendental que juntamente com nossas ações de pensar nós também devemos incontestavelmente pressupor um princípio ou algumas normas fundamentais de moralidade.” [Apel 2001, 45]
De acordo com Habermas,
“Karl-Otto Apel propõe a seguinte formulação no tocante às pressuposições gerais de ações consensuais de fala: para identificar tais pressuposições nós devemos, pensa ele, […] trazer à mente “o que nós devemos necessariamente sempre já pressupor quanto a nós mesmos e aos outros como condições normativas da possibilidade de compreensão; e, nesse sentido, o que nós necessariamente já aceitamos desde sempre”. Apel aqui usa o apriorístico perfeito (immerschon: desde sempre) e adiciona o modo de necessidade para expressar a obrigação transcendental à qual nós, como falantes, estamos submetidos tão logo façamos ou compreendamos ou respondamos a um ato de fala. Durante ou depois da realização desse ato, podemos nos tornar conscientes de que nós involuntariamente fizemos certas suposições, as quais Apel chama de “condições normativas para a possibilidade de compreensão.” [Habermas 1979, 1-2]
Rasmussen (1992, 17) rejeita a defesa de Habermas para o argumento a partir da contradição performativa e duvida acerca de seu sucesso “em estabelecer uma base normativa de partida para avaliar as concepções de justiça.” Entre todas as suas várias aplicações, a contradição performativa tornou-se o cerne de debates importantes para a justificação do libertarianismo. Stephan Kinsella (1996a, 314) põe em vista o fato de que “nos últimos anos, tem aumentado o interesse quanto a teorias racionalistas de direitos ou teorias relacionadas, algumas das quais prometem fornecer frutíferas e indestrutíveis defesas dos direitos individuais. Estes argumentos tipicamente examinam as afirmações implícitas que são necessariamente pressupostas pela ação ou pelo discurso. Eles podem derivar-se dedutivamente ou convencionalmente a partir dessas premissas centrais, ou axiomas, para estabelecer certas conclusões apoditicamente verdadeiras.” Kinsella (1996a) expõe inúmeras variantes do argumento a partir de contradição performativa (Madison 1986, 266; van Dun 1982; 1986; Shearmur 1988; 1990; Chevigny 1980; Pilon 1979a; 1979b; Gewirth 1978; Machan 1996) e pertinentemente discute suas contribuições na justificação dos direitos de propriedade.
Embora ele não mencione explicitamente os termos da contradição performativa, Murray N. Rothbard usa esse argumento para revelar a existência de um tipo irrefutável de afirmação ética: o axioma.
“Uma proposição se eleva ao status de um axioma quando aquele que a negar recorre precisamente a ela no decorrer da suposta refutação. Pois bem, qualquer pessoa que participa de qualquer tipo de discussão inclusive sobre valores, está, em virtude desta participação, vivo e ratificando a vida. Pois se realmente fosse contrário à vida, não teria interesse algum na discussão ou mesmo em continuar vivo. Consequentemente, o suposto opositor da vida está realmente ratificando-a no próprio curso de sua argumentação, e por isso a preservação e proteção da vida de alguém assumem a categoria de um axioma incontestável.” [Rothbard 1998, 32-3]
O axioma ética que Rothbard (1998, 45) tem em mente é a autopropriedade. “Cada homem deveria ser permitido (i.e., ter o direito) a ter propriedade completa sobre seu próprio corpo.”
Hoppe reformula esse argumento mais precisamente e lhe dá todo o peso necessário para formular uma defesa forte do libertarianismo. Hoppe (2006, 342) define a contradição performativa nos seguintes termos.
“Deve ser considerada a derrota final para uma proposta ética se pudermos provar que seu conteúdo é logicamente incompatível com a afirmação do proponente de que sua validade é determinada por meios argumentativos. Demonstrar qualquer incompatibilidade dessa iria equivaler a uma prova de impossibilidade; e tal prova constituiria a ruína mais mortal possível no reino da investigação intelectual.”
Hoppe observa que “o direito de autopropriedade” é muito semelhante à afirmação “eu estou vivo”. Não se tem de ser apenas uma pessoa viva, mas se tem de ser também um dono de si mesmo não coagido para se negar o direito de autopropriedade. Por isso, Hoppe pretende mostrar que negar o direito de autopropriedade é autocontraditório:
“Tal direito de propriedade sobre o próprio corpo deve ser dito ser justificado a priori. Pois qualquer um que tentasse justificar qualquer norma que fosse já teria de pressupor um direito de controle exclusivo sobre seu corpo como uma norma válida simplesmente para dizer “eu proponho isso e aquilo”. E qualquer um que contestasse tal direito, então, cairia numa contradição prática, uma vez que para argumentar dessa forma já se teria de implicitamente aceitar a própria norma que se está contestando.” [Hoppe 2006, 342]
Sendo esse argumento válido, o libertarianismo seria a única teoria de justiça que pode ser justificada. Por libertarianismo entende-se o conjunto normativo de proposições derivado do axioma da autopropriedade. “Com efeito, esse argumento sustenta a posição jusnaturalista do libertarianismo como esposada por outro pensador mestre do movimento libertário, Murray N. Rothbard – sobretudo em seu A Ética da Liberdade” (Hoppe 2006, 340-41). Mostrando que apenas o axioma da autopropriedade pode passar no teste da contradição performativa, justifica-se a preferência por ele. O libertarianismo deveria ser preferido a qualquer outra teoria de justiça, pois somente o libertarianismo é não contraditório. Para deixar claro, esse fato não impede que conflitos surjam ou que soluções não libertárias sejam fornecidas. O argumento de Hoppe mostra apenas que seria absurdo (i.e., autocontraditório) adotar uma ética não libertária:
“Eu demonstrei que somente a ética libertária da propriedade privada pode ser justificada argumentativamente, porque ela é a pressuposição praxeológica da argumentação enquanto tal, e que qualquer proposta ética diferente disso, não libertária, pode-se mostrar estar em violação com essa preferência demonstrada. Essa proposta pode ser feita, é claro, mas seu conteúdo proposicional iria contradizer a ética pela qual se demonstrou uma preferência em virtude do próprio ato de se fazer proposições, i.e., pelo ato de entrar numa argumentação enquanto tal. […] Do mesmo modo, propostas éticas não libertárias são falseadas pela realidade de efetivamente propô-las.” [2006, 341]
Se o libertarianismo é a teoria ética correta, a principal implicação política que se segue dessa ideia é a anarquia.
“Tão simples como é a solução para o problema da ordem social, e tanto quanto as pessoas em suas vidas diárias intuitivamente reconhecem e agem conforme a ética da propriedade privada explicada há pouco, essa simples e pouco exigente solução implica algumas conclusões surpreendentemente radicais. Além de descartar como injustificadas todas as atividades como homicídio, estupro, invasão, roubo, furto e fraude, a ética da propriedade privada é também incompatível com a existência de um estado definido como uma agência que possui um monopólio territorial compulsório da tomada suprema de decisão (jurisdição) e/ou o direito de tributar.” [Hoppe 2006, 388]
Para resumir, o principal objetivo do argumento por contradição performativa é a justificação da anarquia. Se somente o axioma da autopropriedade pode passar no teste da contradição performativa, então somente o libertarianismo pode representar uma teoria ética coerente. O libertarianismo abrange a afirmação anarquista de que o estado é imoral porque viola o axioma da autopropriedade.
Essa estratégia de basear a defesa do libertarianismo no argumento por contradição performativa atraiu muito rapidamente a atenção e a admiração de numerosos acadêmicos libertários (Rothbard 1988; 1990; Kinsella 1996a; Gordon 2006). Ademais, o argumento de Hoppe a partir da contradição performativa tem uma influência maior sobre os acadêmicos libertários (Kinsella 2002a). No entanto, dada a importância das implicações políticas do libertarianismo, as críticas dessa justificação estão vindo de várias direções. Este artigo se propõe mostrar que eles não são bem-sucedidos em seu objetivo. Por razões de clareza, a exposições das críticas correntes serão divididas em dois tipos: muito gerais (visando no uso da contradição performativa) e críticas mais específicas (visando na justificação do axioma da autopropriedade). Já que estimamos que o primeiro tipo de crítica tem uma aplicação mais ampla, é adequado salientá-las antes de introduzir, na próxima seção, algumas das críticas explicitamente formuladas contra o axioma da autopropriedade.
Críticas Gerais
Ao discutir problemas gerais com o argumento por contradição performativa, esperamos prevenir algumas das numerosas más interpretações que o circundam. O que pode ser provado quando o argumento por contradição performativa é usado? O argumento por contradição performativa é geralmente empregado como um teste para a identificação de axiomas éticos. Hoppe afirma que, dentre todos os candidatos possíveis para um axioma ético, somente a autopropriedade pode passar nesse teste. Uma vez que todos os outros candidatos são internamente inconsistentes, parece que apenas o libertarianismo pode ser considerado como uma ética justa. Em outras palavras, o argumento por contradição performativa nos fornece as razões para preferir o libertarianismo a qualquer outro sistema ético. Para deixar claro, a contradição performativa não prova mais que isso. Tendo em mente esse fato, nós podemos agora ver mais facilmente por que algumas críticas contra a justificação de Hoppe por contradição performativa da autopropriedade são más interpretações.
Terrell interpreta mal o papel da contradição performativa quando ele considera que esse tipo de argumentação não é um documento revelador confiável.
“O axioma da autopropriedade não é intuitivamente óbvio. É uma afirmação que é essencialmente arbitrária e deve ser aceita pela fé. Questões de fé certamente aparecem em Economia, mas sem um documento revelador confiável internamente consistente, essas questões não podem ser respondidas definitivamente. Nem Rothbard nem Hoppe apresentam ou mesmo argumentam a existência de tal documento. […] O sistema inteiro derivado da afirmação baseada em fé está portanto em terreno instável. Aqueles que não compartilham da fé de Rothbard e Hoppe não irão necessariamente aceitar esse primeiro axioma.” [Terrell 2000, 3]
Essa crítica assume incorretamente que a contradição performativa é similar a uma revelação. Baseado nessa suposição, Terrell observa que a contradição performativa falha ao revelar a verdade do axioma da autopropriedade e conclui que apenas a fé pode justificar esse axioma. Para deixar claro, a contradição performativa não é uma revelação, mas ela revela qual axioma ético pode ser consistentemente defendido. Ao testar os axiomas éticos frente à contradição performativa, observamos que apenas o axioma da autopropriedade é logicamente consistente. Se a contradição performativa é uma estratégia argumentativa válida, então o libertarianismo parece ser o único sistema ético que pode ser defendido por meio da argumentação. Aqueles que não aceitam o axioma da autopropriedade endossarão um axioma logicamente inconsistente. Obviamente, isso não é uma questão de fé, mas de solidez lógica.
Outra má interpretação da contradição performativa diz respeito ao papel da argumentação. Robert P. Murphy e Gene Callahan (2006, 58) tomam o argumento de Hoppe no sentido de que
“bater na cabeça de alguém é uma forma ilógica de argumentação. [Hoppe] não mostrou que o fato de que uma pessoa jamais tenha argumentado prova que essa pessoa não pode bater na cabeça de alguém, nem demonstrou que não se pode de maneira válida argumentar que seria algo bom bater em alguém na cabeça.”
A princípio, o argumento por contradição performativa não visa a demonstrar que bater em alguém na cabeça é uma forma ilógica de argumentação. Se a contradição performativa é um argumento válido, então ela mostra que é autocontraditório (e ilógico) estabelecer uma norma permitindo pessoas a bater em outras na cabeça. O propósito da contradição performativa não é distinguir entre forma lógica e ilógica de argumentação. Esse trabalho é comumente feito pelos princípios de lógica.
No entanto, do ponto de vista do senso comum, nós podemos dizer que bater em alguém na cabeça não é uma argumentação e que a rendição frente a uma ameaça física não é o equivalente a ser convencido por uma argumentação. Eliminar essa distinção do senso comum entre agressão e argumentação prejudicaria qualquer teoria da justiça. Na verdade, se se removesse a barreira entre argumentação e coerção, a teoria da justiça não teria mais sentido. Qualquer ação seria uma agressão e qualquer agressão seria uma argumentação. Obviamente, tal situação é absurda. Ao qualificar essa observação como “óbvia”, eu primeiramente refiro-me ao senso comum e, em segundo lugar, à definição libertária de agressão. Em sua defesa da contradição performativa de Hoppe, Frank van Dun (2009) discute extensivamente o significado de argumentação. Contudo, além do debate sobre o significado de argumentação, o argumento a partir da contradição performativa mostra que seria autocontraditório adotar uma norma que negue o direito de autopropriedade. Ademais, a contradição performativa não objetiva impedir efetivamente alguém de bater em outrem na cabeça. O argumento por contradição performativa apenas indica que, de um ponto de vista libertário, bater em alguém na cabeça é injusto. É injusto porque viola o axioma da autopropriedade. O libertarianismo é justo porque é o único sistema ético defensável. Esse é o caso porque apenas o sistema ético baseado no axioma da autopropriedade pode passar no teste da contradição performativa.
Deixe-nos agora explicar outra má compreensão concernente ao argumento por contradição performativa. Em adição à contradição performativa, Hoppe (1989, 131) formula um argumento relativo à universalização de uma afirmação normativa. “Muito comumente tem-se observado que argumentação implica que uma proposição reivindica aceitabilidade universal ou deveria ser uma norma proposta que seja ‘universalizável’.” Ao desenvolver essa ideia, Hoppe (1989, 131) endossa a chamada Regra de Ouro Kantiana e afirma que toda proposição normativa deve ser universalmente aplicável. “Aplicada a propostas de normas, essa é a ideia, como formulada na Regra de Ouro da ética ou no Imperativo Categórico de Kant, de que só se podem justificar aquelas normas que podem ser formuladas como princípios gerais que são válidos para todos sem exceção.” Caso contrário, i.e., se uma proposição não é universalmente aplicável, ela não pode ser levada em conta como uma proposição normativa.
“Verificadas em relação a esse critério, todas as propostas de normas válidas que fossem especificar regras diferentes para classes distintas de pessoas se poderiam mostrar não ter uma reivindicação legítima de ser universalmente aceitáveis como normas justas, a menos que a distinção entre as diferentes classes de pessoas fossem tais que isso não implicasse nenhuma discriminação.” [Hoppe 1989, 131]
O papel da Regra de Ouro Kantiana é reiterado por Kinsella (2002b) durante sua defesa da justificação de Hoppe para o libertarianismo:
“A universalidade atua como um primeiro ‘filtro’ que extirpa todas as normas particularistas. Isso reduz o universo de afirmações normativas justificadas possíveis mas não termina o trabalho, já que muitas normas incompatíveis e antiéticas poderiam ser reformuladas de maneiras universalizáveis.”
A ideia de ética universalizável é alvo de inúmeras críticas. Terrell (2000, 2) afirma que “Rothbard e Hoppe dependem da regra da ética de que um sistema ético deve aplicar-se igualmente para todas as pessoas. Eles não apresentam uma razão por que essa regra da ética deve ser verdade.” Callahan e Murphy (2006, 59-60) também acreditam que “simplesmente declarar que direitos de propriedade devem ser ‘universalizáveis’ não é nenhuma ajuda também. […] A disputa básica entre Aristóteles, o ativista dos direitos dos animais e Hoppe é precisamente sobre quais grupos de seres vivos os direitos de propriedade devem ser ‘universalizáveis’.” Esses acadêmicos argumentam que o axioma da autopropriedade não pode ser universalizável e pode ser restrito a alguns seres humanos. “Aristóteles precisa apenas afirmar […] sobre os bárbaros que eles não são tão racionais quanto os gregos” (Callahan e Murphy 2006, 59). Já que a autopropriedade não é universalizável, ela pode ser estendida a animais.
“Suponha que um ativista dos direitos dos animais leia o argumento de Hoppe e anuncie ao mundo que agora ele tem prova irrefutável de que abater galinhas é imoral. […] Nós instamos ao leitor cético que não rejeite nossa sugestão como ridícula. Qual é o verdadeiro erro do nosso hipotético ativista dos direitos dos animais? Há muitas possíveis respostas que um hoppeano poderia desenvolver; nosso ponto não depende da resposta específica. Mas, qualquer que seja a resposta, se ela é igualmente aplicável a todo ser humano, então o argumento de Hoppe não deve fazer a defesa universal dos direitos libertários, a final de contas.” [Callahan e Murphy 2006, 59-60]
Há três observações que mostram por que essa crítica interpreta mal o argumento por contradição performativa. Primeiro, pode-se notar que o problema assinalado por Callahan e Murphy não é específico ao libertarianismo, mas é comum a toda teoria normativa. Essa observação é muito importante. O argumento por contradição performativa mostra que o libertarianismo é o único sistema ético que é logicamente consistente em si mesmo. A única maneira de criticar essa ideia é mostrar ou que o libertarianismo é inconsistente ou que as dificuldades contidas no libertarianismo são superadas por outra ética. Quando Callahan e Murphy argumentam que o axioma da autopropriedade não é universal, eles não explicam como essa alegada dificuldade do libertarianismo é superada por outra ética. De fato, esse problema de definir o campo de aplicação para uma norma é um problema filosófico bem antigo. Segundo, o sucesso do argumento por contradição performativa não depende de modo algum da universalidade da autopropriedade. Sendo esse argumento bem-sucedido ou não, é irrelevante dessa perspectiva saber qual é a extensão exata de aplicação da norma que passa no teste da contradição performativa. Colocando de outro modo, universalidade e contradição performativa são duas características da ética separadas e completamente diferentes. Enquanto a última fornece as razões para se preferir um sistema ético, a primeira estabelece sua extensão de aplicação.
Terceiro, a universalidade como uma condição necessária para proposições normativas é praticamente vazia de sentido. Deixe-nos considerar uma formulação parcial (não-universal) da autopropriedade: “somente humanos de cabelo preto são donos de si mesmos”. Pode-se afirmar que essa proposição falha para passar no teste da universalidade porque ela não pode ser aplicável a todo ser humano. Deixe-nos agora considerar isso de maneira mais cuidadosa. A afirmação diz que humanos de cabelo preto são donos de si mesmos e diz também que humanos de cabelo não preto não são donos de si mesmos. Formulada dessa maneira, não há dúvida de que essa afirmação é universalmente aplicável a cada ser humano. Na medida em que essa afirmação diz respeito a cada único ser humano, ela discrimina entre os de cabelo preto e os de cabelo não preto. Por isso, o problema com essa afirmação não é sua parcialidade, mas seu caráter discriminatório. Qualquer ética distingue aqueles para os quais as normas se aplicam daqueles fora do campo normativo. Uma ética não discriminatória é simplesmente inconcebível.
Agora podemos ver melhor que o problema com a afirmação “somente humanos de cabelo preto são donos de si mesmos” não é nem que ela não é universal e nem que ela discrimina. Essa afirmação é universal e não pode discriminar. O “problema” com essa afirmação diz respeito ao critério (humanos de cabelo preto) usado para identificar proprietários de si mesmos. Acadêmicos interessados em questões éticas têm opiniões diferentes sobre o critérios adequado qual delimita o campo da ética. A formulação de um critério é uma condição essencial para construir um sistema ético. Mas essa questão é bem diferente do debate estimulado pela contradição performativa concernente à justificação de um sistema ético. A questão: “qual critério usar para definir a autopropriedade?” é logicamente independente da questão: “o axioma da autopropriedade pode ser justificado?” Enquanto o primeiro diz respeito ao conteúdo de um sistema ético, o último diz respeito à sua defesa. Dado o objetivo deste artigo, não iremos desenvolver essa ideia não obstante as numerosas reflexões que ela inspira.
Em suma, não há dúvida de que uma norma deve-se aplicar universalmente a toda pessoa moral. As críticas, aparentemente direcionadas à Regra de Ouro Kantiana, estão na verdade visando o critério usado para identificar aqueles aos quais aRegra de Ouro Kantiana se aplica. Portanto, esse tipo de crítica, formulada por Terrel mas também por Callahan e Murphy, erra o alvo. Algumas questões relacionadas a esse tipo de crítica e que dizem respeito, mais especificamente, ao axioma da autopropriedade serão expandidas na próxima seção.
Antes de levar em conta críticas mais específicas, deixe-nos discutir a última crítica geral do argumento por contradição performativa: o problema doser/dever-ser. Esse problema é bem conhecido desde que David Hume ([1739] 1952, 177-78) observou que uma argumentação comum em ética consiste em fazer observações usando sentenças descritivas (usando o verbo é) e então derivando conclusões normativas (usando o verbo deve). Poincaré (1913, 225) resume essa ideia muito claramente:
“O raciocínio é simples; há um raciocínio, como eu poderia colocá-lo? Puramente gramatical. Se as premissas de um silogismo são ambasafirmações com verbo no indicativo, a conclusão será também uma afirmação com um verbo no indicativo. Para se obter uma conclusão com um verbo no imperativo, é necessário que pelo menos uma das premissas tenha um verbo no imperativo.”
Esse argumento é frequentemente associado ao debate sobre a falácia naturalística. Gewirth (1987) vê na ideia de contradição performativa a oportunidade de superar a falácia naturalística. Ross (1990) responde mostrando os limites disso. Mais recentemente, Godefridi (2004, 9) apela ao problema do ser/dever-ser para criticar a defesa de Hoppe do axioma da autopropriedade:
“Aqui há uma ingênua e fascinante tentativa de usar a ética argumentativa de Apel e Habermas para defender o axioma de Rothbard. Porém, não é convincente. Ainda deve-se demonstrar que o pensamento ético necessita de argumentação. […] Além disso, não há dúvida de que a argumentação supõe o controle sobre meu corpo e o espaço no qual ele está. Mas esse controle não deveria ser confundido com apropriação. A dicotomia controle/apropriação e fato/valor são do mesmo tipo.”
De acordo com Godefridi (2004, 7), a contradição performativa não é suficiente para resolver a falácia naturalística. “Fatos e valores pertencem a níveis diferentes. Do que é não podemos concluir o que deve ser; a existência de um fato não pode dizer nada acerca de sua legitimidade.”
Deixe-nos agora mostrar por que essa crítica geralmente endereçada contra a contradição performativa erra o alvo quando usada contra a estratégia argumentativa de Hoppe. Para deixar claro, a falácia naturalística não diz que é absolutamente um erro deduzir afirmações normativas, mas apenas que há um erro em deduzi-las a partir de afirmações descritivas. Na maneira como Hoppe a formula, a contradição performativa não pode ser criticada com base nisso. Hoppe sustenta que defender qualquer teoria não libertária de justiça é autocontraditório. Essa afirmação é inteiramente descritiva. Deixe-nos explicar suas premissas. Primeiro, para se resolverem conflitos, uma solução é sempre requerida. A contradição performativa propõe justificar o conjunto de soluções com base no axioma ético da autopropriedade. Segundo, ao escolher uma norma, não se pode rejeitar o princípio da não contradição. Neste ponto, o argumento de Hoppe por contradição performativa mostra que, ao escolher essa solução, é importante observar que somente o axioma da autopropriedade é não autocontraditório. Evidentemente, esse raciocínio não deduz um “dever ser” de um “ser“. Ele enfatiza o autocontradição ao se negar uma proposição de dever ser, i.e., o axioma da autopropriedade. Para se refutar o axioma da autopropriedade, deve-se estar livre de coerção. Como o próprio Hoppe coloca, “ao fazer essa afirmação, não é preciso dizer ter derivado um ‘dever’ de um ‘ser’. Na verdade, pode-se prontamente concordar com a visão mais geralmente aceita de que o abismo entre o ‘dever’ e o ‘ser’ é logicamente insuperável” (Hoppe 1989, 136).
Depois dessas discussões preliminares, continuaremos com a análise das críticas que estão especificamente atacando a justificação por contradição performativa do axioma da autopropriedade.
Críticas Específicas
A seguir vamos apresentar três críticas formuladas por Gene Callahan e Robert Murphy (2006). As críticas estão voltadas para o fato de que a defesa de Hoppe ao axioma da autopropriedade foi feita, na melhor hipótese, para algumas partes do corpo e/ou para aquelas pessoas que estão efetivamente envolvidas num debate. Callahan e Murphy também sustentam que o argumento de Hoppe é inconsistente porque confunde uso com propriedade. Deixe-nos agora analisar cada crítica particular e mostrar como ela pode ser desfeita.
De acordo com o primeiro tipo de crítica formulada por Callahan e Murphy, há algumas partes do nosso corpo, como nossos rins, pernas e assim por diante, que não são essenciais para se elaborar uma argumentação. Por isso, a justificação de Hoppe para o axioma da autopropriedade exclui essas partes de nossos corpos. “No máximo, Hoppe provou que seria contraditório argumentar que alguém não possui legitimamente sua boa, seus ouvidos, os olhos, o coração, o cérebro e qualquer outra parte corporal essencial para empreender um debate. Mas isso certamente não incluiria, digamos, as pernas de uma pessoa; afinal de contas, é decerto possível para alguém empreender um debate sem possuir pernas” (Callahan e Murphy 2006, 56). Portanto, o argumento de Hoppe – mesmo se válido – não é aplicável a ações tais como cortar as pernas ou tomar o rim de uma pessoa.
“Para ilustrar como o que está acima frustra a intenção de Hoppe, imagine um coletivista argumentando: as pessoas não deveriam ter plena propriedade dos seus corpos, como os teóricos libertários acreditam. Por exemplo, se alguém está doente e precisa de um rim, então é moral usar força para compelir uma pessoa saudável a entregar o seu. Já que o rim não é necessário para se argumentar, Hoppe não foi bem-sucedido em demonstrar a natureza contraditória de tal afirmação coletivista.” [Callahan e Murphy 2006, 56]
Após responder a essa crítica, deixe-nos lembrar que, segundo Hoppe, é contraditório negar o axioma da autopropriedade porque se deve ser dono de si mesmo para negá-lo. Para expô-la de modo breve, a crítica de Callahan e Murphy não se direciona à justificação do axioma da autopropriedade, mas à definição de autopropriedade. Esses acadêmicos afirmam que Hoppe forneceu uma definição muito restritiva de autopropriedade. “O argumento [de Hoppe] apenas estabelece propriedade sobre porções do corpo” (Callahan e Murphy 2006, 56). Essa crítica não é suficiente para contestar a defesa do axioma da autopropriedade por contradição performativa. Evidentemente, a capacidade de argumentação não muda se o falante perde um rim. Portanto, temos de concordar com Callahan e Murphy que rins e pernas são irrelevantes para a argumentação. Além disso, também podemos concordar que a definição de autopropriedade torna-se muito restritiva se não estamos levando em conta as partes de nossos corpos que não estão sendo usadas no decurso da argumentação. Decerto, se a definição de autopropriedade deve incluir apenas os órgãos que são de fato usados durante uma argumentação, então ela não pode se estender a rins e pernas. No entanto, não é necessário para a autopropriedade ser definida de acordo com as partes corporais utilizadas enquanto se argumenta. A autopropriedade pode ser também definida em termos de capacidade de argumentação, identidade corporal, intencionalidade, livre-arbítrio, memória, etc. Cada um desses vários jeitos de definir autopropriedade inclui todas as partes do corpo.
Deixando de lado o debate sobre a definição de autopropriedade, é importante notar que a crítica de Callahan e Murphy não afeta o sucesso do argumento por contradição performativa em justificar o axioma da autopropriedade. Sua crítica lida apenas com a definição de autopropriedade. Por exemplo, contestar o fato de que o proprietário deveria usar cercas para delimitar sua terra não especifica quem deveria apropriar a respectiva terra. Há duas questões diferentes: definir a autopropriedade e justificar o axioma da autopropriedade. Ainda que ambos sejam características essenciais do libertarianismo, eles são inteiramente independentes um do outro. Agora podemos ver melhor que o único jeito de dizer, de maneira não contraditória, que “é moral usar força para compelir uma pessoa saudável a entregar seu rim” (Callahan e Murphy 2006, 56) é usando uma definição bem restritiva de autopropriedade (que exclua os rins). Mas, mesmo nesse caso, pode-se dizer que os rins são apropriados (homesteaded) pelo dono de si mesmo (self-owner). Se é imoral usar força para compelir um dono de si mesmo a dar um pedaço de terra que pertence a ele, a fortiori é imoral compelir um dono de si mesmo a dar seu rim. Entretanto, usar essa definição restritiva não é suficiente para criticar a defesa por contradição performativa do axioma da autopropriedade.
Não obstante, vale ressaltar que Hoppe (2006, 400) usa o critério da “capacidade argumentativa” para definir donos de si mesmos. “A questão do que é justo ou injusto […] somente surge na medida em que eu e os outros somos capazes de realizar trocas de proposições – de argumentar. A questão não surge para uma pedra ou um peixe, porque eles são incapazes de produzir proposições com reivindicação de validade.” Baseado nisso, Hoppe (2001, 201 fn17) também distingue problemas éticos de técnicos. “Apenas se ambas as partes do conflito são capazes realizar trocas proposicionais, i.e., de argumentar, pode-se falar em problema ético.” Como pode ser claramente observado, a definição de Hoppe de autopropriedade refere-se ao corpo como um todo sem excluir partes específicas do corpo. Qualquer ser vivo capaz de argumentar é tratado como uma unidade única. Portanto, mesmo se os rins ou as pernas não sejam exigidos numa argumentação, eles estão não obstante incluídos na definição de Hoppe de autopropriedade.
Essa definição especifica a condição necessária e suficiente para ser um dono de si mesmo: a capacidade de argumentar. Isso significa, nada mais e nada menos, que os únicos donos de si são todos os seres capazes de argumentar. Se eu sou considerado um dono de mim, então eu devo ser tratado como tal, i.e., como tendo pernas, braços, olhos, rins, etc. Se essas partes do meu corpo (não relacionadas com minha capacidade de argumentar) estão biologicamente ligadas à minha autopropriedade ou se elas são apropriadas, isso é um mero detalhe. Em ambos os casos elas pertencem a mim. A linguagem do senso comum claramente sustenta essa ideia. Usualmente nós não dizemos “o rim situado no lado esquerdo do meu corpo foi sequestrado”. Mas nós dizemos: “Eu fui forçado a entregar meu rim”. Ter um ou dois rins é irrelevante para a definição de autopropriedade. Um ser vivo que perde um rim ainda será considerado um dono de si, precisamente por causa do fato de que ter um rim a menos é irrelevante para a sua capacidade de argumentar. O debate sobre a definição de autopropriedade cessa aqui. Para além desse debate acerca da definição de autopropriedade há o debate sobre a justificação do axioma da autopropriedade. De um ponto de vista ético, é crucial entender se a pessoa respectiva perde seu rim voluntariamente ou sob coerção. O argumento por contradição performativa estabelece que é injusto ser forçado a dar um rim porque isso nega o axioma da autopropriedade. Negar o axioma da autopropriedade é autocontraditório.
Em suma, essa primeira crítica erra o alvo na medida em que está direcionada à definição de autopropriedade. Para deixar claro, não existe nenhum vínculo lógico entre a definição de autopropriedade e a justificação do axioma da autopropriedade. Por um lado, esse tipo de crítica não tem efeito nenhum sobre a justificação do axioma da autopropriedade usando o argumento por contradição performativa. Por outro, a definição de Hoppe de autopropriedade inclui todas as partes do corpo de um ser vivo capaz de argumentar.
Deixe-nos agora discutir uma segunda crítica formulada por Callahan e Murphy. Começando da ideia anterior, eles expressam uma afirmação análoga dizendo que um dos dois membros da contradição pode às vezes estar ausente. Já que a justificação da autopropriedade depende da efetiva argumentação, a ausência da argumentação iria cancelar as bases sobre as quais o axioma da autopropriedade pode ser defendido. “Nós iremos demonstrar que, no máximo, [a contradição performativa] apenas estabelece autopropriedade daquelas partes do corpo durante o curso do debate” (Callahan e Murphy 2006, 56). Nesse caso, poder-se-ia afirmar que, em certas condições, seria apropriado instituir serviço militar obrigatório.
“Por exemplo, suponha que um coletivista argumente: ‘De um modo geral, as pessoas têm o direito de usar seus corpos como elas acharem melhor. No entanto, durante emergências nacionais, é moral usar força para compelir certos indivíduos a agir pelo interesse público. Em particular, se a nação está sendo invadida, o governo pode colocar pessoas no serviço militar. Portanto, a reivindicação libertária por autopropriedade absoluta é infundada.’ Hoppe mostrou que alguém declarando isso (durante um debate político) está entrando numa contradição performativa?”
A resposta a essa pergunta é “sim”. O argumento de Hoppe por contradição performativa é suficiente para mostrar que a pessoa que pronuncia a frase “donos de si deveriam ser coercivamente colocados no serviço militar” está caindo em contradição performativa mesmo que ela não esteja debatendo com um candidato ao serviço militar. Quando pessoas são obrigadas ao serviço militar (mesmo num caso de emergência) o axioma da autopropriedade é violado. O argumento se aplica até na ausência das respectivas pessoas. A crítica de Callahan e Murphy interpreta mal os dois membros da contradição performativa. Esses autores consideram que a contradição performativa surge quando duas pessoas discordam. De fato, se esse fosse o caso, então a ausência de um membro iria ipso facto cancelar a contradição performativa, já que não mais haveria um debate em curso. No entanto, esse não é o caso. Enquanto que uma argumentação ou um debate requer duas pessoas, a contradição requer duas afirmações contraditórias. Além disso, a contradição performativa surge entre uma afirmação e as condições para expressar a respectiva afirmação. Nesse caso particular, o dono de si que declarar que “donos de si deveriam ser colocados em serviço militar” tem de pressupor o axioma da autopropriedade para declarar isso. A contradição surge entre afirmar e negar o axioma da autopropriedade. Como Frank van Dun (2009) explica, a contradição performativa não é uma contradição em termos. Por isso, é irrelevante se a pessoa referida pela respectiva afirmação está envolvida no curso de um debate, tanto quanto é irrelevante quem são os participantes do debate (desde que estejam argumentando).
Sempre que os candidatos para serviço militar obrigatório e o falante que chama para esse tipo de recrutamento forem donos de si, o último cairá numa contradição performativa. De novo a única maneira de superar essa contradição é mantendo que os candidatos a serviço militar compulsório não são donos de si, i.e., seres vivos capazes de argumentar. Porém, como explicamos anteriormente, temos de observar que essa crítica não prejudica o sucesso da argumentação por contradição performativa para justificar o axioma da autopropriedade, mas sim a definição de autopropriedade. O que Callahan e Murphy contestariam nesse caso seria a distinção entre donos de si e não donos de si. Resumindo, parece que, apesar da sua aparência, essa crítica também não está direcionada contra a contradição performativa e que ela aponta uma dificuldade que não é específica ao libertarianismo. Adicionalmente, ela confunde a contradição performativa com o debate sobre a definição de autopropriedade.
A terceira crítica de Callahan e Murphy é provavelmente a mais complexa e desafiadora. Para fornecer uma resposta satisfatória, é crucial seguir atentamente todos os seus passos. Em resumo, a crítica mantém que o argumento de Hoppe “confunde controle temporário com propriedade legítima” (Callahan e Murphy 2006, 64). De fato há uma distinção clara com a qual todos os filósofos concordam entre sentar-se numa cadeira e ser seu dono. “Um sujeito não é necessariamente o dono legítimo de um pedaço de propriedade mesmo se o controle sobre isso for necessário para um debate acerca de sua propriedade” (Callahan e Murphy 2006, 60, ênfase original). Começando da distinção “controle” versus “propriedade”, Callahan e Murphy critica o argumento de Hoppe em vários aspectos. Eles imediatamente deduzem dessa distinção que a autopropriedade não se sobrepõe ao controle efetivo de um corpo. Ao reformular uma crítica anterior de David Friedman (1988, 44), esses autores afirmam que há indivíduos (como escravos e prisioneiros) que, a despeito do fato de que eles não são donos de si, podem não obstante fazer uso dos seus próprios corpos.
“Se não, então não deve ser verdade, afinal de contas, que o sujeito precisa possuir seu corpo para debater. Isso é óbvio; Thomas Paine escreveu a primeira porção do “The Age of Reason” enquanto prisioneiro, o famoso ‘Birdmanof Alcatraz’ apresentou artigos acadêmicos para revistas enquanto cumpria pena por assassinato, e o aprisionado Timothy McVeigh certamente tentou justificar o bombardeio que ele havia confessado em correspondência com Gore Vidal. Decerto, Ludwig von Mises, Murray Rothbard e Hans Hoppe tiveram negados seus direitos de autopropriedade (pelos governos reivindicando autoridade sobre eles), porém eles conseguiram desenvolver bastantes argumentos.” [Callahan e Murphy 2006, 62]
Desse ponto de vista, mesmo que sua autopropriedade seja negada, escravos e prisioneiros continuam argumentando. Baseados nessa ideia, Callahan e Murphy afirmam que a autopropriedade não é uma exigência para a argumentação. Para manter que a autopropriedade é uma condição necessária para a argumentação Hoppe deve entender por autopropriedade o uso do corpo. Resumindo essa crítica, o argumento de Hoppe parece cair entre Cila e Caríbdis da ética. Ou os conceitos de uso e propriedade são confundidos ou é admitido que a autopropriedade não é uma condição necessária para a argumentação. Cada uma dessas alternativas derrotaria o argumento de Hoppe por contradição performativa.
Apesar do fato de que essa crítica parece definitiva, um olhar mais próximo nos revelará suas falhas. Contrariamente à afirmação de Callahan e Murphy, o argumento por contradição performativa não confunde uso com propriedade. A ilusão dessa confusão vem do fato de que, quando são aplicados ao corpo de um agente intencional, “uso” e “propriedade” simplesmente se sobrepõem. No entanto, “uso” e “propriedade” podem ser distinguidos em bases lógicas. Claramente, do próprio fato de que uma pessoa se senta numa cadeira é impossível inferir que essa pessoa é a dona dela. Para determinar a propriedade, tem de se achar quem decide sobre seu uso. Essa distinção entre “uso” e “propriedade” é comumente ilustrada pela diferença numa firma entre o gerente e o proprietário. A função realizada por um gerente que toma todas as decisões concernentes ao uso de recursos numa firma é diferente da função de um proprietário, que decide como uma última instância. A decisão de última instância é sintetizada pelo fato de que o proprietário pode decidir demitir o gerente. De fato, o proprietário decide quem deveria tomar as atuais decisões em uma firma. Para além dessa distinção, a questão crucial em ética é: “Quem tem a propriedade legítima?” É claro, de um ponto de vista ético, um proprietário, i.e., uma pessoa que efetivamente controla, como última instância, um bem específico não é necessariamente seu dono legítimo. Aqui há uma pergunta óbvia a ser feita: eu sou o dono legítimo da cadeira na qual estou sentado agora?
Deixe-nos agora aplicar essa ideia à autopropriedade. Se alguém pode perder o controle final de uma firma ao vendê-la, a pessoa não pode jamais perder o controle sobre seu corpo. A diferença consiste no fato de que, contrariamente à propriedade sobre terra, a propriedade sobre o corpo não pode ser negada ou abandonada. É concebível que uma pessoa não possua um pedaço de terra. Mas é inconcebível que uma pessoa não possua a si própria. Por definição, a autopropriedade só pode ser revogada ao se cancelar a intencionalidade do agente (livre-arbítrio e consciência), i.e., transformando-o num zumbi ou robô. Para a maioria dos eruditos, esse é o modo comum de se entender autopropriedade. “O homem não pode ser herdado, nem vendido, nem dado; ele não pode ser a propriedade de ninguém” (Fichte, [1793] 1996, 124). Agora parece claro por que o “uso do corpo” e a “autopropriedade” (mesmo sendo logicamente distintos) têm a mesma extensão. Enquanto é possível sentar-se numa cadeira sem ser seu dono, é impossível usar um corpo e não ser seu dono. É esse o caso porque não se pode não usar seu corpo e não se pode não decidir, como última instância, sobre a ação do próprio corpo.
Enquanto que a propriedade sobre o próprio corpo não pode ser alienada, pode-se ser, não obstante, coagido a agir de outro modo que não o desejado. Esse é o caso de escravos, prisioneiros, vítimas de roubos ocasionais, etc. O mestre não possui um escravo como se pode possuir um pedaço de terra. Um dono de escravos não possui corpos, mas pode coagir os donos de si a usar seus próprios corpos de acordo com sua vontade. Já que uma terra pode ser adquirida, vendida ou estagnada, a questão a ser feita de um ponto de vista ético é: eu sou o dono legítimo da terra? Obviamente, o corpo não pode ser adquirido, vendido ou estagnado, mas pode ser agredido. Portanto, o direito de autopropriedade significa o direito de estar livre de coerção. Como temos visto desde o início deste artigo, isso é precisamente o sentido do axioma da autopropriedade. Desse ponto de vista, escravos deveriam ser considerados donos de si coagidos. Os escravos têm, como última instância, a escolha final de obedecer seu mestre ou de se revoltar contra ele.
Além disso, é precisamente porque escravos são donos de si que a escravidão pode ser descartada como uma instituição injusta. Escravidão, no sentido usual da linguagem, não significa verdadeira propriedade sobre o corpo de alguém, mas efetiva violência ou ameaça de violência física e sistemática sobre uma pessoa. Na verdade, podemos dizer que escravidão é roubo e crime permanente e explícito. Enquanto um ladrão ameaça a sua vítima apenas uma vez (ou de quando em quando), um mestre ameaça seus escravos incessantemente. No entanto, roubo e escravidão são inerentemente baseados na distinção entre agressão e vítima. Para se diferenciar uma relação voluntária de roubo e escravidão, é necessário identificar claramente não só o agressor, como também a vítima. Obviamente, somente os proprietários são aceitáveis como vítimas. A particularidade da propriedade do corpo é que esses dois termos (propriedade e corpo) não podem ser separados. Seria impossível dizer que eu não possuo a mim mesmo. Portanto, se qualquer ameaça ou violência é permanente e explicitamente exercida contra meu corpo, então ipso facto (como dono do meu corpo) eu posso reivindicar ser uma vítima. Se válido, o argumento a partir da contradição performativa é designado precisamente para provar que é autocontraditório sustentar que donos de si devem ser fisicamente ameaçados ou agredidos.
O argumento a partir da contradição performativa assevera a injustiça da agressão e justifica pela mesma razão a autodefesa e a insubordinação. Argumentos adicionais são requeridos para justificar a punição dos agressores. Autores libertários justificam por que e como os agressores deveriam ser punidos (Rothbard 1977; Kinsella 1996b; 1997; Withehead e Block 2003; Block 2009). É digno de nota que Kinsella (1996b; 1997) usa o princípio da preclusão [estoppel principle] para justificar a teoria da punição.
“O princípio da preclusão mostra que um agressor se contradiz caso ele mostre objeção à aplicação dos direitos dos outros. Desse modo, diferentemente da abordagem da ética argumentativa de Hoppe, a qual se foca nas pressuposições do discurso em geral e mostra que qualquer participante numa conversa se contradiz caso negue tais pressuposições, a teoria da preclusão se foca no diálogo entre o agressor e sua vítima acerca da punição do agressor e busca mostrar que o agressor se contradiz caso objete à sua punição.” [Kinsella 1996a, 317]
Entretanto, na medida em que diz respeito ao argumento a partir da contradição performativa, é importante lembrar que prisioneiros e escravos são donos de si. Esse é precisamente o critério que nos ajuda a identificar a agressão como um problema ético. Por isso, a afirmação de que “há pessoas que não são donos de si, mas podem argumentar” é insuficiente. O escravo cairá numa contradição performativa tanto quanto o indivíduo livre caso negue o axioma da autopropriedade.
Deixe-nos agora avançar um passo adiante nessa argumentação e tentar entender o raciocínio da ideia na qual Callahan e Murphy baseiam sua crítica: “escravos não são donos de si, mas argumentam”. Os exemplos escolhidos por esses autores definem uma categoria particular de escravos e prisioneiros. Um olhar mais próximo sobre esses exemplos mostra pessoas que não são mais fisicamente coagidas e ameaçadas por seus mestres. Os escravos são autorizados a escrever, falar e argumentar. O número de alternativas para cada ação do escravo depende da vontade do mestre: a liberdade de ter o cabelo cortado, ou duas horas de liberdade por dia entre 9 e 11 da manhã, ou a liberdade de votar por seu mestre, ou a liberdade de falar. Considerando que a escravidão tem graus (Nozick 1974, 290-92), deixe-nos agora imaginar que um escravo tem duas horas de liberdade por dia e que gasta seu tempo fazendo um convincente discurso sobre a não violação da autopropriedade.
Obviamente, durante o discurso o escravo não mais é um escravo já que o mestre não o força mais a obedecer. Claramente, nesse caso particular, não há diferença nenhuma entre um escravo e uma pessoa livre. Quando escravos argumentam livremente eles agem como homens livres. Desse ponto de vista, não há diferença categórica entre um “escravo” autorizado a ter duas horas de liberdade por dia e um “homem livre” ameaçado vinte e duas horas por dia. Em ambos os casos, o argumento da contradição performativa indica que é contraditório negar o axioma da autopropriedade. A pessoa livre por duas horas por dia cairia numa contradição performativa se, durante essas duas horas de liberdade, ela negasse o axioma da autopropriedade. Para colocar de modo diferente, o fato de que escravos e prisioneiros podem argumentar demonstra que, durante seu discurso, eles estão agindo como homens livres. Na verdade, provavelmente foi entre 9 e 11 da manhã que Epaphroditus (mestre de Epictetus) autorizou Epictetus a estudar filosofia e é finalmente recebendo sua liberdade que Epictetus começou a lecionar por sua própria conta. Além disso, é precisamente por preservar sua liberdade de expressão que Epictetus fugiu de Roma depois do édito de Domiciano (Schenkl 1916, iii-xv).
Resumindo, no tipo de exemplos invocados por Callahan e Murphy, escravos são donos de si que são autorizados a falar livremente. O próprio fato de que eles argumentam demonstra que, durante o momento específico da sua argumentação, eles não são coagidos. Por isso, mesmo para Epictetus é autocontraditório negar o axioma da autopropriedade. Esse é o caso de Epictetus mas também dos pagadores de impostos numa democracia. Eles são donos de si coagidos autorizados a formular livremente seu discurso. Ademais, o argumento a partir da contradição performativa descarta violência ocasional e sistemática como ações injustas, precisamente porque os agentes que são agredidos são donos de si como Epictetus e não partes da natureza meramente aleatórias.
Mas claro, os pagadores de impostos de um estado democrático são um tipo privilegiado de escravos especialmente quando eles são comparados com os súditos de um estado totalitário. Deixe-nos agora assumir a pior posição para um escravo: liberdade nenhuma e especialmente nenhuma liberdade de expressão. Suponha que o escravo não é autorizado a falar como gostaria e, se falar, será morto. Que tipo de argumentação poderia tal tipo de escravo elaborar? Como dono de si, a última escolha que ele tem é entre obedecer e se rebelar contra a regra que impede sua liberdade de expressão. Pelo próprio ato de se rebelar contra a regra, ele demonstra sua autopropriedade. Deixe-nos colocar entre parênteses as consequências e os riscos nos quais ele incorre ao escolher esse curso de ação. Se ele conseguir falar conforme seu livre-arbítrio e não como um comando do seu mestre, então nessa situação única ele age como um dono de si livre. Também nesse caso a premissa sugerida por Callahan e Murphy não é suficiente. Se escravos rebeldes podem conseguir argumentar por eles mesmos é porque, originalmente, eles são donos de si. Assim, por um escravo rebelde desobedecer a interdição à liberdade de expressão, é autocontraditório negar o axioma da autopropriedade. Igualmente, é fundamental lembrar que, ao negar autopropriedade a um escravo, torna-se impossível sustentar que a escravidão é injusta.
Deixe-nos agora levar em conta o último exemplo: o escravo decide obedecer a qualquer restrição à liberdade de expressão. Ao demonstrar sua preferência por esse resultado ele permanece dono de si. No entanto, nesse caso a coerção desempenha um importante papel. Por definição, coerção muda a ordem da escala de preferência. Como uma consequência desse fato, pode-se afirmar que o escravo não argumenta como argumentaria na ausência de restrição à liberdade de expressão. Essa questão se refere a um eterno debate quanto à responsabilidade sob coerção. Usualmente, o debate engloba numerosos exemplos de obediência involuntária. Se um soldado matar alguém sob ameaça física do seu superior, ele seria um criminoso? A maioria dos autores concordam com o fato de que, se coerção efetiva é verificada, então o soldado (escravo, prisioneiro) não é responsável por sua situação. A discordância surge quando se trata da definição de agressão. A maioria dos autores, que concordam que pessoas sob coerção não são responsáveis, discordam sobre o que significa agressão.
Se colocarmos em parênteses o debate sobre a definição de agressão, então é importante observar que, se um escravo decide obedecer à interdição contra a liberdade de expressão e repetir a argumentação do seu mestre, então ninguém o consideraria o autor da argumentação. Imagine um escravo que, sob a ameaça física do seu mestre, escreve um artigo acadêmico negando o axioma da autopropriedade. De acordo com Callahan e Murphy, nesse caso não há contradição performativa. Nós temos um dono de si ameaçado que nega o axioma da autopropriedade. Entretanto, deve-se notar que essa conclusão considera que o escravo sob ameaça física é o autor dessa argumentação. Tal manobra intelectual excluiria a mais fundamental distinção da ética: liberdade versus coerção. Se o fato de se estarsob ameaça física não faz diferença alguma ao se atribuir responsabilidade, então não há mais bases para distinguir relações livres de coercivas. Portanto, se quisermos continuar o debate no campo da ética, devemos rejeitar essa manobra e assumir que coerção e liberdade são duas categorias separadas.
Se o escravo obedece à interdição contra a liberdade de expressão, ele não mais está argumentando. Para deixar claro, o escravo continua sendo dono de si mesmo que decida obedecer ao invés de se rebelar. Ao formular esses argumentos, ele demonstra sua preferência por não discutir mais. Infelizmente, nesse caso, sua primeira seria também sua última argumentação. Começando desse momento ele para de argumentar por si mesmo e apenas repete a argumentação do seu mestre. É claro que, junto com sua intencionalidade, ele mantém a possibilidade de se rebelar contra seu mestre e superar a anterior escolha por obedecer. Agora parece claro que, se um escravo obedece (enquanto permanece dono de si), ele para de argumentar. Por conseguinte, a proposição “escravos não são donos de si, mas argumentam” de novo é insuficiente. Nesse caso, o escravo, embora capaz de argumentar, não está efetivamente argumentando. Por definição, coerção e argumentação são duas ações incompatíveis. Isso explica por que donos de si sob interdição da liberdade de expressão não argumentam por si mesmos.
Antes de considerar um novo aspecto dessa crítica, deixe-nos resumir nossa resposta à crítica de Callahan e Murphy segundo a qual escravos e prisioneiros argumentam apesar do fato de não serem donos de si. Uma análise atenta da escravidão permite-nos discernis três estados de coisas: escravos com direito de livre expressão, escravos revoltando-se contra a interdição da livre expressão e escravos obedecendo à interdição contra a livre expressão. Se um escravo pode argumentar, é porque ele se beneficia da liberdade garantida por seu mestre ou porque ele se rebela. Em ambos os casos o escravo se contradiz ao negar o axioma da autopropriedade. O terceiro estado de coisas é o caso do escravo que obedece à interdição de seu mestre contra a liberdade de expressão. Como uma consequência desse fato, ele não mais argumenta por si mesmo. O leitor pode observar que nossa resposta é baseada na assunção de que coerção e argumentação são coisas distintas. Essa distinção é decerto um importante pressuposto da presente argumentação mas também da ética. Dever-se-ia tentar descrever as consequências da sua rejeição para a ética. Como seria um livro sobre a história da ética sem essa distinção? Além do fato de que para rejeitar tal assunção deve-se argumentar (Madison 1986, 267), tal manobra tornaria inútil o debate sobre o axioma da autopropriedade, i.e., sua defesa mas também sua crítica. Por isso, o argumento a partir da contradição performativa pode ser reafirmado nos seguintes termos: no campo da ética, é autocontraditório negar o axioma da autopropriedade.
Deixe-nos agora avançar um passo além e levar em conta outra faceta dessa crítica. Baseado no fato de que uso e propriedade não se sobrepõem, Callahan e Murphy sustentam algo mais. Eles afirmam que para argumentar nós precisamos de mais que nosso próprio corpo. Enquanto que usar uma cadeira não é uma condição indispensável para argumentar, usar um pedaço de terra é. Durante uma argumentação pode-se se sentar numa cadeira, ficar em pé, dirigir um carro, etc., mas um espaço físico é sempre requerido para sua existência e a fortiori para sua argumentação. Portanto, argumentam Callahan e Murphy, se levarmos o argumento a partir da contradição performativa a sério, então deveríamos aceitar que o exato pedaço de terra sobre o qual uma pessoa se põe de pé no curso de sua argumentação representa sua propriedade.
“Imagine que um georgista argumente que todo mundo deveria possuir um pedaço de propriedade de terra. O georgista poderia ir tão longe quanto reivindicar que sua posição é a única justificável. Ele poderia corretamente observar que ninguém debatendo com ele iria necessariamente garantir-lhe (ao georgista) algum lugar onda possa se colocar de pé, e então pode deduzir dessa verdadeira observação que seria uma contradição performativa negar que todos têm direito a um pedaço de terra.” [Callahan e Murphy 2006, 61]
Enquanto que no caso de um corpo “uso” e “propriedade” se sobrepõem de facto, no caso da terra eles não são necessariamente o mesmo. Para se formular uma argumentação, é preciso usar um pedaço de terra mas não necessariamente possuí-lo. O espaço físico que é necessário para se formular uma argumentação pode ser emprestada ou possuída. Por isso, o argumento por contradição performativa não pode ser usado por um georgista para justificar sua pretensão de propriedade de terra. A proposição afirmando que “o pedaço de terra usado para a argumentação deve ser possuída pelo agente que o usa durante sua argumentação” pode ser refutada sem se cometer nenhuma contradição performativa. Ao contrário do axioma da autopropriedade, o “axioma georgista” simplesmente não pode passar no teste da contradição performativa. É assim porque existe uma diferença categórica entre propriedade sobre a terra e autopropriedade. Enquanto que é necessário ser um dono de si para argumentar, é contingente se o sujeito é o dono ou o usuário da terra ocupada no curso de sua argumentação.
Essa diferença categórica entre propriedade sobre terra e sobre o corpo tem duas bases principais: intencionalidade e reflexividade. O agente da ação é intencional, enquanto que a terra não. Derivado desse fato há uma segunda característica: reflexividade. No caso da autopropriedade, o “proprietário” e o “objeto da propriedade” têm a mesma extensão. Resumindo toda a nossa argumentação, nós podemos agora declarar a insuficiência das críticas correntes direcionadas contra o uso de Hoppe da contradição performativa para justificar o axioma da autopropriedade.
Conclusão
Nós concluímos enfatizando as perspectivas teoréticas abertas pela argumentação discutida neste artigo. No início, é importante observar que este artigo defende o argumento de Hoppe por contradição performativa contra as críticas correntes. Esta defesa não deveria ser confundida com um endosso ao argumento de Hoppe. Para deixar claro, responder às críticas contra uma ideia não significa confirmá-la. A justificação da autopropriedade pela contradição performativa não é necessariamente isenta de crítica, e novos argumentos mostrando sua insuficiência podem ser formulados. No entanto, a fim de evitar más interpretações, essas novas tentativas de criticar deveriam levar em conta os achados da presente argumentação. Em suma, a contradição performativa não substitui a definição de autopropriedade, a teoria da agressão ou a teoria da pena. Embora elas sejam importantes características da ética libertária, essas teorias devem ser construídas em bases separadas. Deixe-nos agora brevemente chamar a atenção para as más interpretações da contradição performativa.
Uma das direções erradas nas quais atacar o argumento por contradição performativa é focar no caráter universal e discriminativo da autopropriedade. O alcance de aplicação do axioma da autopropriedade é irrelevante para a sua defesa. Outra direção errada a seguir ao criticar a justificação por contradição performativa do axioma da autopropriedade é a definição de autopropriedade. Essa definição contém óbvias e antigas dificuldades comuns a toda teoria da justiça. Em adição, a justificação do axioma da autopropriedade continua inalterada quando a definição de autopropriedade muda. A definição de autopropriedade apenas estabelece quem são os sujeitos aos quais as normas se aplicam. A justificação do axioma da autopropriedade estabelece as normas que deveriam ser aplicadas. Essas duas questões, ainda que sejam características essenciais de qualquer teoria ética, são logicamente distintas no sentido de que criticar uma não afeta a outra. Porém, Hoppe fornece uma definição pertinente de autopropriedade: a capacidade de argumentar. Finalmente, seria sem sentido usar a falácia naturalística para criticar o argumento de Hoppe. A afirmação: “o direito de autopropriedade é necessário para negar o axioma da autopropriedade” é descritivo. Essa afirmação não tem bases normativas, mas apenas limites lógicos. Obviamente, uma norma absurda não é um candidato pertinente para o axioma da ética.
Ainda que alguns tipos de críticas possam ser evitadas nesse sentido, novas críticas podem ser formuladas em áreas diferentes. Como podemos observar de sua exposição neste artigo, as críticas endereçadas ao argumento de Hoppe concentram-se exclusivamente na possibilidade de justificar a autopropriedade por contradição performativa. Os críticos de Hoppe focam-se no que pode ser deduzido a partir da contradição performativa. Eles parecem concordar com Hoppe quanto à existência de uma contradição performativa e discordar sobre a capacidade dessa ideia de justificar o axioma da autopropriedade. Nossas respostas sistemáticas a essas críticas indicam que essa forma de ataque pode ser ineficiente. Há uma perfeita simetria entre autopropriedade e autocontradição. Como apontamos ao final da última seção, essa simetria tem base na reflexividade de um agente intencional. Essa é a razão por que é sempre autocontraditório para um agente intencional negar o axioma da autopropriedade.
Enquanto essa forma de criticar a justificação do axioma da autopropriedade foi mostrada improdutiva, pesquisa futura pode focar-se no próprio significado da contradição performativa. Desse ponto de vista, nós acreditamos que uma maneira pertinente de revisitar (e eventualmente criticar com eficiência) o procedimento argumentativo por autocontradição é estudando minuciosamente sua estrutura lógica. Tão longe quanto podemos ver sob a luz derramada por este artigo, o conceito de “reflexividade” ajuda a distinguir entre autopropriedade (reflexivo) e propriedade sobre a natureza (não reflexivo). Posterior investigação sobre o caráter reflexivo da autocontradição poderia nos ajudar a entender melhor a relação entre propriedade e as condições para aderir à propriedade. A dimensão reflexiva da propriedade refere-se de fato inteiramente à propriedade sobre nosso próprio corpo e à condição para adquirir propriedade sobre a natureza. Quanto a esta última, a autopropriedade é uma condição necessária (mas insuficiente) para se tornar um proprietário. Para apropriar um pedaço de terra, deve-se ser dono de si mesmo em primeiro lugar. No entanto, esses dois níveis (autopropriedade e a condição para apropriar partes da natureza) representam o cerne do argumento por contradição performativa. Um estudo abrangente de ambos os níveis (a autopropriedade e a condição para aderir à propriedade) pode estimular reflexões importantes para a base da ética em geral e para a justificação do libertarianismo em particular.
Essa análise iria além do propósito deste artigo, o qual foi alcançado: a classificação e a resposta sistemática às críticas correntes formuladas contra a justificação de Hoppe do axioma da autopropriedade por contradição performativa.
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Tradução de João Marcos Theodoro
Revisão de Marcos Paulo Silva do Nascimento
Marian, excelente o teu artigo!Escreves de uma maneira acadêmica e ao mesmo tempo sintetizas teu pensamento de uma forma muito didática. Espero ler mais artigos como esse, abraços!