Em seu livro From Dawn to Decadence, lançado em 2001, o historiador Jacques Barzun afirmou que o separatismo seria uma “forte tendência” do século XXI. Ele forneceu vários exemplos ilustrando que “a maior criação política do Ocidente, o estado-nação, estava seriamente afetada.”
Entre outros exemplos, Barzun citou os esforços dos bascos e dos alsacianos por uma maior independência em relação à França; o desejo de independência da Córsega; as guerras civis na Irlanda do Norte, na Argélia e no Líbano; os espanhóis bascos lutando para se separar da Espanha; o colapso da União Soviética em vários territórios menores e os problemas da Rússia com a Chechênia; as brigas dos governos turcos e iraquianos com os separatistas kurdos; os zapatistas rebeldes do México; as demandas periódicas de Quebec por mais autonomia em relação ao governo canadense; e os conflitos étnicos e religiosos nos Bálcãs. Com efeito, ao redor de todo o mundo, encontramos evidências de estados-nação sendo fragilizados e se debatendo contra movimentos separatistas.
Nos EUA, a força de tais movimentos nunca esteve tão evidente quanto atualmente. Foi possível testemunhar a divisão do país durante a última eleição presidencial, na qual os densos conglomerados urbanos da região leste se contrapuseram às amplas comunidades do centro e do meio-oeste do país. Vários movimentos separatistas estão aflorando no Texas. O que antes se manifestava timidamente, hoje já se mostra mais explicitamente. A eleição americana simplesmente salientou todas as diferenças políticas profundamente incompatíveis em relação a uma ampla gama de questões.
Em termos globais, embora haja forças neutralizantes que visam a contrabalançar tendências separatistas — por exemplo, os esforços de entidades governamentais internacionais como a União Europeia ou as Nações Unidas —, estas forças conseguem no máximo mascarar toda a turbulência inerente a um arranjo que tenta forçosamente integrar pessoas com visões políticas conflitantes.
A questão é que, assim como a intervenção estatal na economia faz com que capital e outros recursos escassos sejam investidos de forma errônea e insustentável, a intervenção estatal em outros aspectos sociais de nossas vidas também gera fissuras políticas e cria relações antagonistas entre vários grupos distintos, uma vez que cada grupo almeja objetivos diferentes e muitas vezes contraditórios. Seria correto dizer que a intervenção estatal em nossas vidas cria uma situação exatamente igual àquela descrita por Auberon Herbert no final do século XIX:
Sob uma organização política centralizada, você forçosamente mistura todos os tipos de indivíduos, os semelhantes e os completamente opostos, e os obriga a atuar e a falar por meio de um mesmo representante político.
As consequências desta mistura não-natural já eram nítidas àquela época. Atualmente, as subdivisões dentro da sociedade aumentaram. Além do eterno conflito entre pagadores de impostos e consumidores de impostos, há agora também o novo conflito entre os “cidadãos opressores” e os vários grupos vitimistas, que se autodenominam ‘minorias oprimidas’. Não importa o que um cidadão faça ou como ele aja: suas características étnicas e raciais, bem como suas preferências sexuais e ideológicas irão automaticamente classificá-lo em um destes dois grupos. No final, tudo se resume ao mesmo objetivo: um grupo querendo viver à custa do outro; um grupo querendo confiscar a renda do outro; um grupo querendo tolher a liberdade do outro em prol de seus “direitos”.
É evidente que até mesmo o mais justo, imparcial e ponderado indivíduo irá inevitavelmente se tornar intolerante se você colocá-lo em uma situação na qual ele possui apenas duas opções desagradáveis: devorar ou ser devorado.
Como fazer com que volte a ser possível que um indivíduo mantenha suas convicções e ainda assim seja completamente tolerante a tudo o que seu vizinho diz ou faz? E como fazer com que este seu vizinho tenha o mesmo comportamento?
A política cria um arranjo em que, nas palavras do poeta Longfellow, “o homem tem de ser ou a bigorna ou o martelo”. Assim, uma vasta máquina política é criada com o intuito de representar uma ampla variedade de interesses, cada qual fazendo de tudo para sobrepujar os interesses dos outros grupos.
À medida que o estado-nação cresce, essa mistura de semelhantes e opostos vai se tornando cada vez mais problemática. Aqueles grupos que possuírem mais conexões políticas irão utilizar o estado para seus interesses próprios, o que inevitavelmente significa a opressão dos grupos opostos. Vai se tornando cada vez mais difícil, se não impossível, reconciliar as diferenças dentro de um mesmo território. O estado-nação se torna um instável composto de pluralidades, incapaz de formar aquela maioria contente que é quem dá a liga à sociedade de um país. É neste solo pantanoso que as sementes do separatismo prosperam.
A ideia de que o tamanho do governo possui limites naturais que não podem ser excedidos — pois isso desencadearia as forças do separatismo — é similar à ideia misesiana de que o socialismo é impossível. A tradição misesiana sempre afirmou que o socialismo é impossível. A incapacidade de um sistema socialista de fazer cálculos econômicos — ou, em outras palavras, sua incapacidade de determinar lucros e prejuízos — torna a economia incapaz de incorrer nos mais básicos processos de produção. Sendo incapaz de racionalmente escolher os meios disponíveis com os quais alcançar os fins desejados, uma economia puramente socialista (isto é, uma na qual o governo é o proprietário dos meios de produção) se dissolveria no mais completo caos.
(A longeva existência da velha União Soviética e de outros países socialistas pode ser explicada pelo fato de que seus planejadores centrais recorriam aos preços de mercado utilizados pelos países capitalistas ao redor do mundo. O experimento soviético também foi mantido vivo pelo vibrante mercado negro que subsistia em paralelo à economia oficial. Ironicamente, o socialismo só conseguiu se manter operante — e muito longe daquele esplendor teórico prometido — por causa da existência daqueles mesmos mercados que os socialistas haviam jurado abolir).
Parece verossímil que, assim como o governo não é capaz de calcular no que tange a recursos econômicos, ele também não é capaz de calcular no que diz respeito a decidir aspectos não-econômicos da vida social dos cidadãos. As diferenças fundamentais entre os vários indivíduos da população fazem com que o problema seja insolúvel; as pessoas sempre serão forçadas a apoiar políticas ou a fazer certas coisas que em outras circunstâncias não apoiariam ou não fariam. Porém, assim como uma economia socialista como a União Soviética tinha seus mercados negros e recorria a pontos de referência nas economias de mercado de todo o mundo, as pessoas coagidas por um estado-nação também podem se organizar e alterar este arranjo, readquirindo algumas liberdades individuais e com isso tornando sua vida mais suportável.
O que é possível fazer? O que pode ser feito quando suas liberdades individuais estão cada vez mais oprimidas, tanto em termos econômicos quanto em termos sociais?
Um arranjo viável e eficaz já no curto prazo é a descentralização. O federalismo pleno. Plena autonomia local em relação ao governo federal. Isso pode não ser fácil de ser alcançado, pois exige organização política, muita persistência e, acima de tudo, uma fatia da população educada nos princípios da liberdade. Trata-se de uma tarefa bastante árdua. O objetivo é simples, mas sua implementação é trabalhosa. No entanto, vale ressaltar, não há outro arranjo que possa ser efetivado em um prazo humanamente suportável.
Do nosso lado, ajudando a ganhar adeptos para a causa, temos o fato de que a experiência e toda a história intelectual do liberalismo comprovam que um governo descentralizado é o arranjo mais compatível com as aspirações de longo de prazo para a liberdade.
Por que a postura em prol da descentralização? Há vários motivos.
Primeiro: em um arranjo descentralizado, as jurisdições têm de concorrer entre si para atrair residentes e capital. Isso fornece algum incentivo para maiores graus de liberdade, nem que seja porque o despotismo em nível local não é nem popular e nem produtivo. Se os déspotas ainda assim insistirem em ser totalitários, as pessoas e o capital sempre poderão sair dali e ir para outra jurisdição. Por outro lado, se há apenas uma vontade soberana e uma grande máquina burocrática e autoritária para impingir esta vontade, você não tem para onde correr.
Segundo: quanto mais perto estão das pessoas, menos ruins e menos opressoras tendem a ser as leis. E sob estas condições é mais propício haver um genuíno ‘poder emanando do povo’. Mesmo que isso não ocorra, pequenas unidades de governo permitem que as pessoas se locomovam de uma jurisdição para outra. Essa concorrência entre jurisdições leva todo o sistema a um maior grau de liberalização. Capital e mão-de-obra irão para as áreas que permitem mais liberdade, uma vez que jurisdições despóticas afugentam riqueza e talento.
Terceiro: o localismo internaliza a corrupção, de modo que ela passa a ser mais rapidamente descoberta e extirpada. Sob esta mesma perspectiva, a corrupção de um governo local pode ser até benigna em comparação à corrupção federal: é mais fácil, tendo uma renda apertada, subornar um guarda que vai lhe dar uma multa de trânsito a subornar todo o DENATRAN.
Quarto: a tirania em nível local minimiza os estragos na mesma intensidade que a tirania em nível macro a maximiza. Se Hitler governasse somente Berlim, Stalin somente Moscou e Franklin Roosevelt somente Washington, os efeitos de suas políticas dementes poderiam ter sido contidos. E isso não é uma consideração meramente utilitarista, pois significa que pessoas más são impedidas de violar os direitos das outras pessoas que estão fora de sua jurisdição.
Quinto: não é possível crer que algum governo utilizará seus poderes para intervir de forma sensata. Gozando de tamanha concentração de poder, governos centralizados irão sempre invocar bons motivos para suas medidas, mesmo que tais motivos sejam uma mera camuflagem para se adquirir ainda mais poder e controle sobre a vida da população. O roteiro típico é mais ou menos assim: o governo se autoconcede um determinado poder para intervir em um arranjo voluntário — por exemplo, nas relações trabalhistas entre empregadores e empregados. Tal medida é imediatamente celebrada pelos progressistas como sendo sensata e necessária. Porém, tão logo este poder é adquirido pelo governo, ele é utilizado para impor legitimidade a todo tipo de planejamento central, impedindo os governos locais de adotar legislações próprias (por exemplo, localidades mais pobres não podem revogar o salário mínimo, o que leva ao desemprego da mão-de-obra menos produtiva).
Sexto: uma pluralidade de formas de governo — uma “separação vertical de poderes” — impede que o governo central acumule poder excessivo. Governos locais são compreensivelmente ciosos e zelosos quanto à sua jurisdição, e tendem a resistir a investidas hostis do governo central. Isso é ótimo. Com efeito, toda a história da liberdade está ligada aos gloriosos resultados gerados por estruturas institucionais concorrentes, sendo que em momento algum se pode confiar a alguma delas o completo controle sobre uma determinada área.
Apenas para deixar claro, tudo isso que foi dito não implica que libertários devem ser agnósticos em relação à questão de como deve ser o governo. As leis devem proteger o indivíduo e sua propriedade contra qualquer tipo de agressão. Este princípio tem de ser seguido em todas as épocas e em todos os lugares. Mas isso não significa que deve haver um único legislador. Para maximizar as chances de que as boas leis prevalecerão sobre as ruins no longo prazo, e impedir tomadas de poder desde cima, é necessário haver uma multiplicidade de formas jurídicas.
Murray Rothbard costumava recorrer a uma ótima frase para resumir esta posição: direitos são universais, mas devem ser impingidos localmente. Esses dois princípios frequentemente estão em conflito. No entanto, se você abrir mão de um deles, estará colocando toda a sua liberdade em risco. Ambos são importantes. Nenhum deve prevalecer sobre o outro. Um governo local que viola direitos é intolerável. Um governo central que governa em nome dos direitos universais é igualmente intolerável. O paraíso seria direitos universais localmente impingidos. Não, isso ainda não existe. Mas é por isso que os libertários existem: para trabalhar em prol deste ideal.
Por fim, existe uma outra forma de descentralização sobre a qual você certamente ouve bastante. Ela é frequentemente defendida por aqueles que vociferam contra todas as formas atuais de globalização, especialmente na forma de corporações multinacionais. Eles reclamam da centralização da vida moderna e sentem nostalgia dos tempos antigos. Eis o problema: esse tipo de centralização que eles lastimam é resultado de decisões voluntárias tomadas no mercado. Trata-se de uma centralização livremente escolhida. Os planos destas pessoas para fazer retroceder essa centralização iriam requerer uma maciça coerção e iriam produzir acentuadas calamidades econômicas.
No que diz respeito a associações voluntárias e economia de mercado, libertários não podem tomar uma decisãoa priori sobre qual seria a melhor maneira de organizar este arranjo. Rothbard defendia corporações multinacionais e o livre comércio global, mas ele também sabia que uma integração excessiva da estrutura de produção é ruim para os negócios. As empresas perdem a capacidade de calcular seus lucros e prejuízos quando elas se tornam responsáveis por grande parte da produção interna de seus próprios bens de capital. No extremo, se uma única empresa fosse a proprietária de todos os meios de produção, ela estaria sujeita ao mesmo tipo de caos calculacional que aflige uma economia socialista. Sua incapacidade de alocar recursos racionalmente rapidamente levaria a prejuízos.
Qual o impacto que esse raciocínio gera sobre a organização de outras instituições da sociedade, como a igreja, a família, as associações civis e os movimentos ideológicos? É melhor a centralização ou a descentralização? A resposta deve ficar por conta da experiência. A Igreja Católica é doutrinariamente centralizada, mas descentralizada administrativamente. A família, entre as gerações, não é centralizada. Os avós estão lá para dar conselhos e serem amados, e não para administrar e dar ordens. Associações civis assumem vários formatos, desde associações nacionais até clubes locais.
Na vida intelectual, precisamos de uma vasta multiplicidade de mecanismos que impeçam a corrupção e a concessão a ideias estatizantes. Mesmo no movimento libertário é necessário haver diversidade e experimentações, e não centralização, comando e controle.
Na gerência de empreendimentos, na organização de ideias e nas ponderações sobre a própria vida, é recomendável ter equilíbrio e temperança. Sendo assim, podemos articular estes dois princípios. Nas questões públicas, precisamos de direitos universais localmente impingidos. Nas questões privadas e econômicas, não precisamos nem de centralização nem de descentralização, mas de equilíbrio e temperança, tentativa e erro. Em minha visão, essas formulações representam o ápice do pensamento virtuoso, das boas leis e da sociedade próspera.