Em períodos eleitorais, a deificação da democracia atinge níveis tão estupidamente grotescos, que toda a chanchada inerente ao processo chega a ficar quase engraçada — só não fica realmente engraçada porque não há graça nenhuma em saber que sua liberdade e propriedade estão em sério risco.
E os últimos acontecimentos dão razão a esse temor — afinal, se a máfia não respeita nem mesmo o sigilo fiscal de seus próprios integrantes, por que imaginar que ela por algum motivo irá respeitar a privacidade e a propriedade dos vassalos sob seu domínio?
Porém, o fato é que quase nada pode ser dito contra esse sistema. Qualquer crítica à democracia, por mais embasada que seja, inevitavelmente rende ao crítico epítetos extremamente originais, como “fascista”, “defensor da ditadura”, “saudosista da idade média” e afins, em uma típica comprovação da mentalidade binária desses “cientistas políticos”.
Para contrabalançar esse estado de torpor intelectual que acomete o país durante esse período, quando a crença na infalibilidade do povo e do estado atinge níveis paroxísmicos, eis a seguir uma compilação de pensamentos sobre o real significado da democracia. O leitor, de qualquer ideologia, é bem vindo para tentar contestá-los.
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Demo-cracia significa “governo do povo”, exatamente como monarquia significa “governo de um (indivíduo)”.
Demos, O Povo, era uma fantasia imaginada pelos gregos antigos, em sua busca por uma Autoridade que — imaginavam eles — controlava os homens. A essa fantasia eles atrelaram um significado divino, pois Deus sempre está atrelado a toda forma de Autoridade. E ainda hoje há pessoas que acreditam que “a voz do Povo é a voz de Deus”.
O Povo não existe. Indivíduos compõem qualquer grupo de pessoas.
Portanto, na prática, qualquer tentativa de estabelecer uma democracia é uma tentativa de fazer com que a maioria dos indivíduos de um grupo aja como soberana daquele grupo.
Considere isso por um momento, não em termos de fantasia, mas como uma aplicação prática à sua própria experiência de viver em grupos de pessoas que você conhece, e você entenderá por que toda tentativa de estabelecer uma democracia fracassou.
É óbvio: não há motivos para supor que um governo da maioria seja desejável, ainda que fosse possível. Não há nenhuma moralidade ou eficiência em números absolutos. Noventa e nove pessoas não necessariamente estão mais certas do que uma pessoa.
Os Pais Fundadores americanos eram contra a monarquia e a democracia, pois eles sabiam que, quando homens criam uma autoridade imaginária investida com o monopólio da força, eles estão na verdade destruindo todas as oportunidades de eles próprios exercerem livremente suas liberdades naturais.
Homens cultos que eram, os Pais Fundadores haviam estudado as várias tentativas de se estabelecer uma democracia ao longo da história. Os resultados já eram conhecidos há mais de 2.500 anos, na Grécia. A democracia não funciona. Ela não tem como funcionar, pois todo homem é livre. O indivíduo não pode transferir seu direito inalienável à vida e à liberdade para qualquer outra pessoa além dele próprio. Quando ele tenta fazer isso, ele está tentando obedecer a uma Autoridade que não existe.
Não faz diferença quem ele imagina ser essa Autoridade — Rá ou Baal ou Zeus ou Júpiter; Cleópatra ou o Mikado; a Necessidade Econômica ou o Desejo das Massas ou a Voz do Povo. O fato indelével é que não há nenhuma Autoridade, de nenhum tipo, que controle os indivíduos. Eles controlam a si próprios.
Em um grupo livre, qualquer indivíduo pode abrir mão de suas próprias ideias e se juntar à maioria. Se ele não quiser fazer isso, ele pode sair do grupo. Isso é um exercício de liberdade, um exercício de autocontrole da própria responsabilidade.
Porém, quando um grande número de indivíduos falsamente acredita que a maioria é uma Autoridade que tem o direito de controlar os indivíduos, eles necessariamente têm de deixar que a maioria escolha um homem (ou um grupo de homens) para agir como Governo. Eles acreditarão que a maioria transferiu para aqueles o Direito-Majoritário de controlar todos os indivíduos que vivem sob aquele Governo. Mas o Governo não é uma Autoridade que tem controle; o Governo é o uso da força, é a polícia, o exército; ele não pode controlar ninguém, ele pode apenas obstruir, restringir, ou impedir que um indivíduo use sua energia.
Como disse James Madison, algum interesse ou paixão em comum irá influenciar a maioria. E como a maioria apóia o regente que foi escolhido por ela, nada irá restringir seu uso da força contra a minoria. Portanto, em uma democracia, o regente rapidamente se torna um tirano. E isto culmina na rápida e violenta morte da democracia.
Isso sempre ocorre, invariavelmente. É tão certo quanto a morte e os impostos. Ocorreu em Atenas vinte e cinco séculos atrás. Ocorreu na França em 1804, quando a esmagadora maioria elegeu o Imperador Napoleão. Ocorreu na Alemanha em 1932, quando uma maioria de alemães — dominados pela ânsia de comida e de ordem social — elegeu Hitler.
Madison expressou acuradamente um fato histórico: na democracia, não há nada que restrinja os incentivos para sacrificar o lado mais fraco. Não há nenhuma proteção para a liberdade. É por isso que as democracias sempre destroem a liberdade pessoal e os direitos de propriedade, e são tão curtas em sua existência quanto são violentas em sua agonia.
Eu, obviamente, me oponho fundamentalmente à democracia e a qualquer um que promova ou defenda a democracia — que, na teoria e na prática, é a base do socialismo.
Rose Wilder Lane
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Na história da teoria política, é difícil encontrar proponentes da democracia. Quase todos os grandes pensadores nutriam apenas desdém pela democracia. Mesmo os Pais Fundadores dos EUA, país que hoje em dia é considerado o modelo da democracia, eram estritamente contrários a ela. Sem uma única exceção, eles viam a democracia como sendo nada mais que o solapamento da lei pela irracionalidade das multidões.
Hans-Hermann Hoppe
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Um dos grandes defensores da democracia foi, obviamente, Jean-Jacques Rousseau, que foi quem plantou as sementes da idolatria à democracia. Na visão mística de Rousseau, a sociedade tem de ser governada pela “vontade geral”, e
Cada um de nós deve colocar sua pessoa e todo seu poder sob a direção suprema da vontade geral, e, em nossa capacidade coletiva, nós devemos receber cada membro como um parte indivisível do todo. A soberania resultante, sendo formada totalmente pelos indivíduos que a compõem, não teria e nem poderia ter de enfrentar nenhum interesse contrário a ela; e, consequentemente, o poder soberano não precisa prover nenhuma garantia para seus súditos. Afirmo, pois, que a soberania, não sendo senão o exercício da vontade geral, jamais pode alienar-se, e que o soberano, que nada é senão um ser coletivo, só pode ser representado por si mesmo. O poder pode transmitir-se; não, porém, a vontade… A soberania é indivisível pela mesma razão por que é inalienável, pois a vontade ou é geral, ou não o é; ou é a do copo do povo, ou somente de uma parte. No primeiro caso, essa vontade declarada é um ato de soberania e faz lei; no segundo, não passa de uma vontade particular ou de um ato de magistratura, quando muito, de um decreto.
Como disse o escritor James Bovard, Rousseau foi o “profeta diabólico do estado moderno”. Ao promover seu conceito de “vontade geral”, Rousseau “pôs em ação o demônio do poder absoluto em nome da soberania popular, algo até então desconhecido”.
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Esse conceito de Rousseau sobre a vontade geral tornou-se irresistível para os intelectuais futuros, uma vez que ele fazia uma fusão perfeita entre sociedade e estado — uma fraude bastante útil. Murray Rothbard escreveu,
Com a [subsequente] ascensão da democracia, é comum ouvir declarações que violam virtualmente todos os princípios da razão e do bom senso, tais como “nós somos o governo”. O conveniente termo coletivo “nós” possibilitou que uma camuflagem ideológica fosse jogada sobre realidade da vida política. Se “nós somos o governo”, então qualquer coisa que o governo faça com um indivíduo não é somente justo e não tirânico; é também “voluntário” da parte do indivíduo envolvido. Se o governo contrai uma enorme dívida pública, a qual deve ser paga tributando-se um grupo para o benefício de outro, a realidade dessa opressão é obscurecida pela frase “nós devemos a nós mesmos”; se o governo recruta compulsoriamente um homem para o serviço militar, ou joga-o na cadeia por ter uma opinião dissidente, então esse indivíduo está “fazendo isso consigo próprio” e, portanto, nada de perverso ocorreu.
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Por causa do poder desse mito que diz que “nós nos governamos a nós mesmos”, a democracia do século XX transformou a propriedade de todos em um alvo fácil para o confisco estatal. Ao passo que os monarcas de antigamente seriam imediatamente depostos caso tentassem confiscar 40% da renda das pessoas, ou dissessem à população qual o diâmetro permitido para suas latrinas, ou determinassem como as escolas deveriam ensinar cada matéria, os súditos da atualidade apenas fecham os olhos para os atuais tiranos à nossa volta — quando não os apóiam abertamente.
A democracia, em seu sentido mais puro, deveria significar nada mais do que uma transição pacífica de funcionários. Era nesse sentido que Ludwig von Mises apoiava a ideia: como uma alternativa a uma revolução violenta. Porém a democracia, como o sistema tem sido aplicado nesse século, passou a significar algo diferente. O estado democrático supostamente representa a incorporação da vontade do povo — ou a “vontade geral”, na frase de Rousseau. Hans-Hermann Hoppe classifica essa democracia como “o deus que falhou“.
A democracia transformou-se não no governo da maioria, mas no domínio de grupos minoritários bem organizados e com boas conexões políticas, que saqueiam as posses da maioria. Ela gerou exatamente aquilo que seus maiores proponentes queriam: um governo autocrático e centralmente consolidado. Não é nenhuma coincidência que o governo tenha crescido à medida que os privilégios foram sendo expandidos: cada vez mais grupos têm a oportunidade de se servir da liberdade e da propriedade de terceiros.
Lew Rockwell
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Como disse James Bovard, “ter a permissão para votar em políticos que promulgam leis injustas e opressivas magicamente transforma algemas em emblemas da liberdade.”
A farsa tem de acabar. Não há absolutamente nada de especial nesse arranjo de 50% mais um. A verdade, a justiça, a propriedade e a liberdade não podem ser determinadas por votação. O povo não é o governo. Votar não é um ato sagrado. Pior ainda: no atual cenário político, olhando as nossas opções patéticas, votar é uma piada. E asquerosamente sem graça.
Os iluministas acabaram com o regime absolutista simplesmente escarnecendo e fazendo pouco caso do direito divino dos reis. Já é hora de fazermos o mesmo com o direito divino da maioria.