Thursday, November 21, 2024
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Um breve manual sobre os sistemas de saúde – e por que é impossível ter um SUS sem fila de espera

Fila-SUSAntes de começar qualquer discussão mais aprofundada sobre os sistemas de saúde, é necessário fazer uma revisão sobre os tipos de sistema de saúde que existem.
A ideia é simples: mostrar que cada um tem pontos que podem ser positivos e pontos negativos, ou seja, não há uma escolha perfeita e absoluta, mas sim a necessidade de uma constante avaliação sobre as prioridades de um determinado lugar e seu real estado das coisas. Entender as diferenças significa abrir portas para melhores avaliações do que está acontecendo e do que se deseja para o futuro, seja próximo, seja no longo prazo.

Nesse sentido, é bom relembrar o economista americano Thomas Sowell, que, ao comentar sobre qualquer política pública, lembra que devemos sempre pensar nos trade-offs que estão presentes na hora de escolher qual caminho seguir. As escolhas devem ser baseadas em uma análise cuidadosa de prós e contras, e não em narrativas ou discursos ideológicos.

Juntamente a Sowell, temos a análise do filósofo francês Bastiat, que nos clama a analisar as consequências ocultas das diversas ações que podem ser tomadas, lembrando que boas intenções nem sempre geram bons resultados.

Toda política pública possui efeitos imprevistos ou indesejados. Sempre vale a pena perguntar: o que não estamos vendo?

A definição usada aqui para sistemas de saúde terá como foco basicamente duas coisas: o ente pagador e o nível de regulação. Esses elementos estão amplamente associados, visto que mesmo em um sistema com gasto totalmente privado — como o de planos de saúde —, o estado pode ser o grande definidor da qualidade de tratamento que as pessoas estão recebendo, ao reduzir a oferta e aumentar os preços com excesso de regulamentações — Anvisa, ANS, FDA, HHS, PHEA.

Dessa forma, analisando tanto o aspecto de pagamento como o de regulamentações, não corremos o risco de definir erradamente o que é um livre mercado de saúde, como Paul Krugman geralmente faz.

Segundo a combinação destes critérios — fonte de financiamento e tipo de regulamentação —, três grandes tipos de sistemas de saúde são observados ao redor do mundo. A medicina socializada, em que há financiamento e provimento públicos; o sistema misto, em que o provimento é privado, mas amplamente regulado pelo estado, podendo ter seu financiamento público ou privado; e o livre mercado, financiado e regulado por agentes privados.

É importante lembrar que em um mesmo país mais de um sistema de saúde pode estar presente e ser autorizado pelo governo, como é o caso do Brasil e El Salvador, em que há o sistema público e também os serviços privados.

A escolha do modelo de saúde a ser adotada por um país passa por diversos fatores que vão além da economia, como características geográficas e sociais, além de estruturas legais e históricas. Algo que funciona relativamente bem em uma localidade pode falhar em outra. Entretanto, é essencial lembrar que a escolha presente vai impactar principalmente as gerações futuras, que vão colher os frutos das virtuosas ou péssimas decisões tomadas pelos governantes.

A medicina socializada

O sistema socializado de medicina, como o Sistema Único de Saúde brasileiro, parte geralmente de duas premissas: saúde é um direito que deve ser fornecido pelo estado; e o governo consegue controlar o fornecimento deste serviço de forma a ter uma cobertura ampla para toda a população evitando discriminação econômica, geográfica e social.

A partir destas premissas, temos a construção de modelos de cobertura e organização de serviços totalmente diferentes, podendo ser amplamente centralizados, como no caso da extinta URSS e do Brasil — por mais que, no papel, os municípios tenham uma responsabilidade maior, o Ministério da Saúde tem sido o grande determinante das políticas públicas brasileiras —; ou descentralizados, como o visto durante os anos 2000 nos países nórdicos e parcialmente no Reino Unido.

A característica em comum é o estado ser fornecedor da saúde, dono de hospitais, clínicas, ambulâncias e empregador dos profissionais que trabalham na área de saúde (desde o limpador de chão até o neurocirurgião especialista em microvasculatura). Na prática, com a intenção de ampliar o atendimento a todos, não é o rico que paga pelo pobre, mas o saudável que paga pelo doente.

Mas este sistema é politicamente popular porque ele fornece a ilusória vantagem de que as pessoas não precisam desembolsar diretamente o dinheiro para ter acesso ao sistema de saúde, já estando cobertas quando de qualquer necessidade. Isso diminui a necessidade de poupança para pagar possíveis tratamentos médicos, impede que uma pessoa vá à falência por causa de uma internação e também libera as pessoas para incorrer em riscos, como a compra de um apartamento, ou o investimento em uma empresa — visto que os gastos com saúde já estão garantidos pela sociedade.

Há uma alegada cobertura universal igualitária — presente normalmente só no papel e não no fornecimento do serviço —, em que ricos e pobres têm acesso aos mesmos tipos de médicos.

Teoricamente os mecanismos de seleção para tratamento se baseiam em critérios como ordem de chegada ou gravidade da doença. Assim, a promessa é de que o estado vai cuidar das pessoas sempre que elas precisarem, sejam ricas ou pobres, estejam relativamente saudáveis ou em situações gravíssimas.

O financiamento desse sistema pode se dar basicamente de duas formas:

Contribuição igualitária individual, em que cada pessoa paga um valor fixo para o estado por ano, e o governo aloca os recursos conforme achar necessário. Seria algo similar a um plano de saúde estatal.
Pagamento por meio de impostos, sendo mais ou menos progressivos conforme o país. Esses impostos podem estar sobre a renda, o consumo ou a propriedade. Sendo essa a forma de financiamento do SUS.
Assim, o clamor de que os ricos pagam pelos pobres não é necessariamente factual, visto que um pobre saudável que não use o sistema de saúde financiará um rico doente. Nesse modelo, os custos são divididos por toda a sociedade e a lógica de transferência de renda é feita dos saudáveis para os doentes.

Recursos são alocados segundo um planejamento estatal, com pouca participação do mercado, seja na definição de preços, seja no fornecimento de serviços concorrentes. Um burocrata define quantos e quais profissionais são necessários para cada grupo de habitantes, e faz as compras de suprimentos conforme modelos econômicos que ache razoáveis.

Pode até haver maior ou menor controle social do sistema, com a existência de conselhos comunitários de saúde, mas as decisões são em si estatais. Normalmente, critérios técnicos são usados para definir quais serviços serão cobertos pelo sistema de saúde, definidos comitês de análise de custo e efetividade — como o NICE do Reino Unido —, que determinam patamares de preços aceitáveis de se pagar por um tratamento ou um medicamento.

Adicionalmente, mecanismos como licitações são usados para definir os fornecedores e geralmente o preço de um produto — e não a sua qualidade ou real necessidade futura — acaba sendo o principal fator para determinar qual será o ganhador do processo.

Dessa forma, vemos muitas vezes sendo usados no sistema de saúde produtos genéricos que não atendem às necessidades específicas dos pacientes, apesar de estarem de acordo com o determinado pela licitação. Isso causa situações como falta de material cirúrgico-hospitalar pediátrico, medicamentos em dosagens que não são condizentes com o que os pacientes necessitam, excesso de um tipo de linha de sutura e falta de outros, e assim por diante.

Esse contexto incentiva o crescimento do mercado negro, onde medicamentos são revendidos e pessoas conseguem ter acesso a serviços não ofertados pelo governo — muitas vezes de qualidade duvidosa.

Como os burocratas não precisam assumir os custos de suas más decisões, visto que muitas vezes permanecem no cargo mesmo depois de várias escolhas erradas, há pouco incentivo interno para melhorias. Além disso, o público paga pelo serviço independentemente do seu uso e da sua qualidade, o que leva a custos desconexos com a realidade, corrupção, tráfico de influência e cartelização impostas pelo mecanismo de planejamento central.

Inovações tecnológicas demoram a ser adotadas e o ambiente não cria incentivos para investimentos privados diretos, visto que há restrição governamental para entrada no mercado.

No longo prazo, o resultado de todo sistema socializado de saúde é o racionamento do atendimento, com longas filas se formando e com tempo de espera significativo. Em muitos casos, as pessoas chegam a morrer esperando pela sua vez, enquanto os mais ricos conseguem fugir do sistema pagando por fora para médicos ou viajando para outros países a fim de conseguir seu atendimento médico — vide o caso de Hugo Chávez e Fidel Castro, que recorreram médicos espanhóis, e de brasileiros que buscam tratamentos médicos na Europa e nos EUA.

Vale ressaltar que, no curto prazo, esse sistema pode sim gerar um ganho em número de atendimentos. Isso acontece quando pelo menos uma de duas coisas se faz presente: excesso de profissionais e equipamentos subutilizados no sistema de saúde vigente antes da socialização; ou preços pagos pelo governo acima daqueles de mercado. Nesse caso, pessoas que antes não tinham acesso ao sistema de saúde passam a desfrutar de atendimento médico.

Entretanto, esse desequilíbrio de oferta ou de preços dura pouco tempo e, em alguns anos, a escassez começa devido à inevitável contenção de gastos governamentais e à incapacidade de a oferta atender a uma demanda sempre crescente, visto que o preço monetário do serviço será artificialmente definido como zero.

Um exemplo desse fenômeno está no Reino Unido, que implementou o NHS no pós-Segunda Guerra e vê o número de leitos hospitalares cair desde então.

[Nota do IMB: na Inglaterra, os hospitais estatais são autorizados a recusar remédios aos pacientes, bebês doentes estão sofrendo eutanásia compulsória, e 1.200 pacientes morreram de fome porque as “enfermeiras estavam ocupadas demais para alimentá-las”.]

Outro caso notável de perda de qualidade com o passar do tempo é Cuba. A ilha caribenha apresenta um dos índices mais altos de médicos por mil habitantes das Américas, que se mantém nesse patamar devido ao número de vagas em faculdades de medicina e à baixa seletividade dos alunos no processo de entrada — além de um nível de formação dos médicos considerado deficiente por muitos especialistas. Mesmo com muitos médicos, hoje já há filas para atendimentos, principalmente especializados, e a corrupção já é o meio mais eficaz de se garantir a sua consulta. Além disso, materiais básicos como aspirinas e utensílios hospitalares são escassos, obrigando pacientes a comprá-los no mercado negro ou adiar seus tratamentos.

O sistema misto

Um sistema misto apresenta alta carga de regulamentações, fornecimento de serviços por entes privados, e pode ser financiado pelo estado ou por agentes privados.

Diferentemente do modelo puramente socializado, nos sistemas mistos o estado não é o dono dos hospitais nem o empregador dos profissionais de saúde. Entretanto, o estado atua definindo quais serviços podem ser ofertados, quais tipos de profissionais são autorizados a trabalhar no país e muitas vezes até tabela os preços considerados aceitáveis.

A saúde continua sendo um direito, mas não cabe ao estado o seu fornecimento, seja porque agentes privados são mais eficientes, ou porque os sistemas privados já faziam um bom trabalho antes de o governo decidir entrar na jogada.

Esse sistema apresenta vantagens em relação ao fornecimento de saúde pelo governo: menores custos dos serviços aos pagadores de impostos; competição entre os fornecedores; maior possibilidade de inovações; mais liberdade de escolha em relação ao provedor do serviço.

Além disso, há uma garantia teórica de que todo o serviço oferecido deverá atender a características mínimas definidas por regulamentações, o que significaria uma qualidade básica de atendimento. Pode ainda existir uma universalidade da oferta do serviço, desde que dentro de uma cobertura mínima — isso acontece tanto no sistema com pagamento público, como naquele com pagamento privado.

O exemplo mais famoso de fornecimento de saúde por agentes privados e pagamento pelo governo é o Canadá. Nesse sistema, o governo federal define algumas diretrizes que devem ser seguidas pelas províncias e fornece um seguro nacional de saúde que todo canadense ou residente legal tem acesso. Cada província pode ampliar a cobertura definida nacionalmente, o que implicará mais custos para os governos locais, ou atender apenas o mínimo nacional. Além disso, as províncias negociam com os hospitais os valores que serão repassados para o tratamento de cada doença, e atuam também definindo quais preços serão reembolsados quando da compra de equipamentos e suprimentos médicos.

No modelo canadense há certa concorrência entre os fornecedores dos serviços de saúde, visto que o governo paga conforme o número de pacientes tratados e os resultados dos tratamentos. Um hospital mais eficiente tende a ter um fluxo maior de pacientes com menor gasto de pessoal/equipamento, gerando assim um maior lucro.

Entretanto, como os preços dos repasses não são definidos pelo mercado e sim por burocratas, há um considerável descolamento entre o valor pago e aquele que deveria ser repassado em uma situação de real mercado. Assim, os recursos são alocados em áreas que são consideradas lucrativas segundo os repasses estatais e não naquelas realmente necessárias para população.

Vale a pena lembrar que no modelo canadense, por mais que as pessoas não estejam pagando abertamente a conta do hospital, elas continuam desembolsando anualmente uma quantidade significativa de dinheiro para sua manutenção, utilizem ou não os serviços de saúde, e têm pouco controle sobre a qualidade e tipos de serviços que lhes são ofertados.

A outra forma comum do sistema misto pode ser vista no Brasil com os planos de saúde privados, amplamente regulamentados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Esse órgão do governo federal define quais tratamentos de saúde os planos devem oferecer — a chamada cobertura mínima —, além de estabelecer o número de consultas em cada especialidade a que os segurados têm “direito”.

A Agência ainda controla os valores que podem ser cobrados pelos prestadores privados, restringindo aumentos de tarifas e repasses de custos aos consumidores. Ela determina como os planos podem cobrar dos seus clientes e como eles devem pagar os provedores dos serviços. Por fim, os planos de saúde ou seguem as diretrizes da ANS ou são legalmente suspensos do mercado.

Como a ANS não consegue em hipótese alguma saber os dados da condição de saúde de cada segurado para definir suas regulamentações, trabalhando apenas com estudos genéricos sobre grupos de pacientes, ela acaba sendo um grande balcão de negócios para grupos de interesse. Um exemplo disso é quando associações de profissionais vão fazer lobby para inclusão obrigatória de seus serviços no portfólio dos planos. Elas apresentam casos comoventes de pessoas que sofrem por não terem acesso a um determinado serviço porque o plano não o cobria, ou mostram estatísticas de quantos pacientes “se beneficiariam” caso os seus serviços fossem ofertados pelas seguradoras.

Juntamente à pressão política, esses grupos buscam o apoio da mídia — seja em campanhas publicitárias diretas ou em inserções da temática em novelas, séries e programas de variedades —, com o objetivo de comover as pessoas a comprarem a história. Não raramente, elas conseguem o desejado.

Dessa forma, a ANS muda as apólices mínimas e, por exemplo, obriga uma pessoa que só quer pagar pelo tratamento de sua doença do coração a contratar consultas anuais de um serviço de psicologia, por mais que esse paciente nunca vá ao psicólogo, ou de pediatria, por mais que não tenha filhos.

Um exemplo de como esse tipo de lobby é perverso se vê no caso do Obamacare americano, em que o HHS — Ministério da Saúde Americano — define que homens solteiros devem pagar por serviços ginecológicos e obstétricos em seus planos de saúde. Assim, os planos de saúde ficam mais caros, por causa dos requerimentos mínimos, e as agências têm de fazer um controle de preços cada vez mais forte.

No longo prazo, a competição fica absurdamente reduzida, visto que apenas grandes seguradoras conseguem fornecer todos os serviços minimamente exigidos pela agência. Na prática, regulamentações excessivas encarecem os serviços, dificultando o acesso dos mais pobres ao atendimento de saúde.

As regulamentações são, portanto, uma forma de o governo controlar os serviços de saúde, sem precisar ser o seu fornecedor. Elas atuam diretamente reduzindo a competitividade e podem até ser baseadas em boas intenções — como reduzir a “cobrança abusiva” por um determinado provedor, ou aumentar o acesso a coisas que são boas, como fisioterapia e reeducação alimentar —, mas acabam por onerar significativamente o consumidor.

No processo há sempre aqueles que se beneficiam, como os pacientes que veem agora suas consultas subsidiadas pelos outros membros da rede que não fazem o uso do serviço, ou os líderes de grupos profissionais que conseguiram uma boquinha a mais e serão reeleitos em suas associações. Mas em vários casos, há mais prejudicados do que beneficiados, e os custos não compensam o que foi feito.

Serviços mais caros levam a menos pessoas podendo pagar por eles, o que gera maior pressão por novas regulamentações — dificilmente as pessoas entendem que foram as “soluções” anteriores que geraram os novos problemas. Com isso, o clamor por medidas cada vez piores se torna presente, como no caso dos Estados Unidos, em que os fantasmas da medicina socializada e do single-payer estilo canadense voltaram a assombrar o país devido ao número considerável de pessoas que ainda não têm seguro saúde, mesmo depois da adoção do Obamacare.

O sistema de livre-mercado

A saúde, assim como qualquer outro serviço ou bem no mercado, pode ser ofertada com a mínima interferência estatal — as únicas restrições se aplicando a alguém que deliberadamente afeta a integridade física de outrem e retira a vida de um paciente sem o seu consentimento.

Um sistema de livre mercado de saúde consiste em pessoas fazendo aquelas escolhas para seus tratamentos que mais se adéquam a alguns princípios simples: seus valores pessoais, sua disponibilidade de tempo, sua disponibilidade monetária. Desse modo, os custos de uma decisão individual não podem ser transmitidos a outrem sem o seu consentimento (escolhas individuais, custos individuais).

Esse tipo de sistema está parcialmente presente nos serviços privados de saúde, principalmente naqueles de caráter estético, como cirurgia plástica e dermatologia; cirurgia para correção de miopia; serviços odontológicos; e treinamento físico; mas não é adotado amplamente por nenhum país.

As grandes vantagens deste modelo são a sua adaptabilidade às necessidades individuais de cada paciente, a rápida capacidade de adoção de inovações (e o incentivo às mesmas), o baixo custo para aqueles que não estão fazendo uso dos serviços (a menos que optem pela participação voluntária em um plano de saúde, no qual escolhem os termos, eles não pagam nada), e a individualização das escolhas e de seus resultados.

Médicos e outros profissionais de saúde se organizam da forma mais eficiente para o atendimento aos pacientes e não seguindo modelos pré-estabelecidos por outras pessoas que pouco entendem do sistema. Pacientes têm a liberdade de se consultar com o médico que querem, arcando com os custos disso — seja esperando muito por uma consulta, seja pagando valores mais caros por ela. E empreendedores são motivados a oferecer novos produtos e serviços para atender às necessidades do mercado, seja competindo em áreas que já apresentam soluções, seja oferecendo alternativas para determinados procedimentos e modelos organizacionais.

Um dos melhores exemplos atuais do livre mercado nos serviços de saúde está no caso das cirurgias para correção de problemas de visão nos EUA. Esse tipo de procedimento é pouco regulado: basicamente o que se tem é a necessidade de o médico respeitar o contrato estabelecido com o paciente e fazer todo o possível para não causar dano. Essa cirurgia não é coberta pela maior parte dos planos de saúde, então a escolha do médico que realizará o procedimento não se dá pela cobertura da seguradora e sim por análise dos preços e dos resultados que aquele profissional apresenta.

Além disso, existem algumas diferentes técnicas que foram desenvolvidas ao longo dos últimos 30 anos para permitir uma recuperação mais rápida, diminuir o desconforto do paciente, ter um procedimento mais rápido etc. Ou seja, é uma área que apresenta os pilares do livre mercado: a regulamentação se dá pela escolha dos consumidores, há uma real concorrência dos fornecedores do serviço e há competição pela clientela.

Analisando o que ocorreu com o passar do tempo, vê-se que menos de 15 anos depois do início de sua popularização, o preço das cirurgias de redução de miopia caiu significativamente. Em 1997, o procedimento custava US$8.000, ao passo que em 2012 ele saía por US$3.800 — isso sem considerar a diferença de poder de compra devido à inflação.

Lembrando que, na década de 1990, a correção de visão era realizada por um cirurgião com instrumentos como bisturis para cortar parte do tecido do olho e corrigir as imperfeições, ao passo que atualmente o procedimento é feito com um laser guiado por computador.

Além disso, é possível ainda encontrar médicos que cobrem menos de US$1.000 pelo procedimento. Ou seja, o mercado, a inovação e a concorrência fizeram com que algo que era restrito a uma elite na década de 1990 se tornasse acessível para um trabalhador de classe média.

Mantendo-se esse padrão de redução de custo, a tendência é que em 2020 um trabalhador que ganhe um salário mínimo nos EUA (cerca de 16 mil dólares por ano) possa pagar a cirurgia sem comprometer significativamente seu orçamento anual.

O grande problema da abordagem de mercado está no fato de que ela entende que recursos são escassos e não visa a distribuí-los igualitariamente, visto que é impossível atender todas as demandas ao mesmo tempo com uma quantidade finita de recursos. Durante um tempo, algumas pessoas podem ficar sem a suposta garantia de acesso ao serviço dada pelos modelos mais regulados ou socializados por não terem o dinheiro necessário para pagar pelo atendimento médico, pelas cirurgias, pelos equipamentos — lembrando que mesmo nos sistemas socializados, não há nenhuma certeza do atendimento médico em si; há apenas um pedaço de papel dizendo que há a possibilidade de obtê-lo sem o pagamento posterior pelo serviço.

Entretanto, não há nenhuma barreira legal imposta à entrada de novos players no mercado e nem ao acesso dos serviços de saúde. Qualquer um pode financiar seus tratamentos, pode se juntar em grupos para comprar “pacotes de cirurgias ou de consultas médicas” — estilo Groupon ou Peixe Urbano, como é comum com vários procedimentos dermatológicos —, ou mesmo aderir voluntariamente a seguradoras de saúde, que devem ser transparentes e fornecer planos que atendam a seus clientes e não a grupos de interesse.

O interessante é que mesmo aqueles que não teriam o acesso inicial podem se beneficiar da abordagem de mercado, visto que médicos conseguem ter mais tempo livre ao fugir das burocracias impostas pelos reguladores e assim dedicar parte do seu horário a atividades pro bono.

Empresas também têm o interesse de promover ações sociais para se beneficiar no mercado, e há a possibilidade de entidades de caridade e da sociedade civil surgirem para o fornecimento de saúde para os mais pobres — Santas Casas e Beneficência Portuguesa já atendiam inúmeros pacientes bem antes de alguém imaginar o SUS.

Além disso, as inovações geradas em áreas mais competitivas são exportadas para outros serviços mais regulados, ou mesmo para países que apresentam sistemas de saúde mais restritivos.

Conclusão

Existem diversos modelos de sistemas de saúde adotados ao redor do mundo e mesmo dentro de um dado país. Cada sistema tem suas particularidades, advindas dos agentes responsáveis por sua implantação. Não há um sistema que possa ser considerado perfeito, visto que todos apresentam determinadas falhas. Entretanto, há aqueles que conseguem apresentar mais prós do que contras, principalmente no longo prazo — o caso do livre mercado.

Assim, um país como a Suécia, que apresenta uma população pequena, amplamente urbana e muito homogênea, consegue implantar um modelo socializado de medicina que demorará anos para começar a apresentar fadiga. Enquanto isso, o SUS brasileiro é problemático desde sua implantação.

O mesmo vale quando comparamos os sistemas baseados em seguro obrigatório individual, que funcionam muito bem na Suíça, mas apresentam vários problemas em estados americanos, como Massachusetts. Assim, alegar que algo é muito bom e que vai dar certo caso seja implantado no nosso país porque parece funcionar em outro país não é um caminho razoável.

Por fim, além dos aspectos práticos e econômicos, alguns questionamentos morais e filosóficos devem ser feitos, principalmente no tocante a como seria o acesso aos tratamentos e se é justo fazer outras pessoas pagarem pela sua conta, seja no presente, seja no futuro, entre outros. Nenhuma discussão ampla deve esquecer esses aspectos e cada sociedade lidará com eles de uma forma diferente.

Davi Lyra Leite
Davi Lyra Leite
Davi Lyra Leite é engenheiro com interesses em medicina de precisão, modelos e gestão de sistemas de saúde, tecnologia biomédica e educação superior. Formado em Engenharia Elétrica pela Universidade de Brasília. Atualmente, faz doutorado em Engenharia Biomédica na Universidade do Sul da Califórnia, onde desenvolve pesquisas em engenharia de tecidos e modelagem de doenças cardiovasculares. Artigo originalmente publicado aqui.
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