[Este artigo é a segunda palestra de Hans-Hermann Hoppe na 17ª reunião anual da Property and Freedom Society, realizada de 21 a 26 de setembro de 2023em Bodrum, Turquia,]
Os estados, independentemente de sua constituição, não são empreendimentos econômicos. Ao contrário destes últimos, os estados não se financiam vendendo produtos e serviços a clientes que pagam voluntariamente, mas através de taxas obrigatórias: impostos recolhidos através da ameaça e do uso da violência (e através do papel-moeda que literalmente criam do nada). Significativamente, os economistas têm se referido aos governos – ou seja, aos detentores do poder estatal – como bandidos estacionários. Os governos e todos em sua folha de pagamento vivem da pilhagem roubado de outras pessoas. Eles levam uma existência parasitária às custas de uma “população hospedeira” subjugada.
Uma série de outros insights emergem disso.
Naturalmente, bandidos estacionários preferem pilhagens maiores a pilhagens menores. Isso significa que os estados sempre tentarão aumentar sua receita tributária e aumentar ainda mais seus gastos emitindo mais papel-moeda. Quanto maior a pilhagem, mais eles podem favorecer si mesmos, seus funcionários e seus apoiadores. Mas há limites naturais para essa atividade.
Por um lado, os bandidos têm que ter cuidado para não sobrecarregar os “hospedeiros” cujo trabalho e desempenho tornam possível sua existência parasitária a ponto de estes pararem de trabalhar. Por outro lado, eles têm que temer que seus “hospedeiros” – e especialmente os mais produtivos entre eles – migrem de seu domínio (território) e se estabeleçam em outro lugar.
Neste contexto, uma série de tendências e processos históricos tornam-se compreensíveis.
Em primeiro lugar: torna-se compreensível por que há uma tendência à expansão territorial e à centralização política: com isso, os estados conseguem trazer cada vez mais “hospedeiros” sob seu controle e conseguem dificultar a emigração para territórios estrangeiros. Espera-se que isso resulte em uma quantidade maior de pilhagem. E fica claro por que o ponto final desse processo, o estabelecimento de um estado mundial, embora certamente desejável do ponto de vista da gangue dominante, não seria de forma alguma uma bênção para toda a humanidade, como muitas vezes se afirma. Porque não se pode emigrar de um estado mundial e, portanto, não há possibilidade de escapar da pilhagem estatal pela emigração. Portanto, é de se esperar que, com o estabelecimento de um estado mundial, o alcance e a extensão da exploração estatal – indicada, entre outras coisas, pelo nível de receita e despesa do estado, pela inflação monetária, o número e o volume dos chamados bens públicos e pessoas empregadas no “serviço público” – continuem a aumentar além de qualquer nível previamente conhecido. E isso certamente não é uma bênção para a “população hospedeira” que tem que financiar essa superestrutura estatal!
Segundo: uma razão central para a ascensão do “Ocidente”, para ele se tornar a principal região econômica, científica e cultural do mundo torna-se compreensível. Em contraste com a China em particular, a Europa foi caracterizada por um alto grau de descentralização política, com centenas ou mesmo milhares de domínios independentes desde o início da Idade Média até o passado recente. Alguns historiadores descreveram esse estado de coisas como “anarquia ordenada”. E hoje é comum entre os historiadores econômicos ver nesse estado quase anárquico uma razão fundamental para o chamado milagre europeu. Porque num ambiente com uma grande variedade de territórios independentes e de pequena escala nas imediações uns dos outros, é relativamente fácil para os súditos votarem com os pés e escaparem aos roubos dos governantes do estado pela emigração. Para evitar esse perigo e manter os produtores locais na linha, esses governantes estão sob pressão constante para moderar sua exploração. E essa moderação, por sua vez, promove o empreendedorismo econômico, a curiosidade científica e a criatividade cultural.
Terceiro: ao combinar esses dois insights, o grande curso da história moderna torna-se inteligível. A expansão territorial requer guerra – guerras entre gangues rivais de bandidos estacionários. Mas a condução da guerra requer meios (recursos econômicos), e bandidos não produzem nada. Eles parasiticamente se valem dos meios produzidos e fornecidos por outros. Eles podem influenciar o volume geral de produção e o tamanho de sua própria pilhagem indiretamente, no entanto, através do tratamento de sua “população hospedeira”. Outras coisas sendo iguais, quanto mais “liberal” – quanto menos exploradora – a quadrilha dominante, mais produtiva será a população hospedeira; e, parasitariamente, recorrendo a uma população hospedeira mais produtiva, então, são as gangues internamente “liberais” que tendem a vencer a guerra e impulsionar o processo de centralização. Chamei isso de paradoxo do imperialismo: os regimes liberais internos tendem a conduzir uma política externa mais agressiva e são os promotores centrais do imperialismo.
Isso ajuda a entender não apenas a ascensão e a supremacia econômica e financeira duradoura do “Ocidente” coletivo superior ao “Resto”. Ajuda, em particular, também a compreender a sequência e as etapas progressivas do imperialismo ocidental. Desde os grandes Portugal e Espanha como principais potências imperialistas (mas finalmente quebradas), o centro de gravidade econômica desloca-se para os pequenos Países Baixos liberais (Holanda), e é a partir daí que se lançam os próximos grandes empreendimentos imperialistas. Os Países Baixos são então reduzidos, recuados e superados como a principal potência imperial por uma Grã-Bretanha liberal com algum Império mundial. Finalmente, depois de mais guerras, a ex-colônia britânica, os EUA separatistas assumem e expandem o antigo papel da Grã-Bretanha. Devido às suas políticas internas ultraliberais (em comparação), os EUA crescem para se tornar a maior potência econômica do mundo, e apoiados e valendo-se de tal base econômica confortável, então, o governo dos EUA se tornou a principal potência imperial do mundo, com uma rede mundial de bases militares e de vassalos estrangeiros e um dólar de papel dos EUA que funciona como a moeda de reserva internacional (permitindo que a gangue dos EUA tenha um almoço grátis – para gastar e consumir – às custas de estrangeiros).
Quarto: esses empreendimentos imperialistas podem inicialmente ter efeitos libertadores: um regime relativamente mais liberal – menos explorador ou mais capitalista – pode ser exportado para uma sociedade comparativamente menos liberal. No entanto, quanto mais avança o processo de expansão imperial e de centralização política, ou seja, quanto mais se aproxima do objetivo final de um governo mundial com um banco central global emitindo uma única moeda fiduciária universal, menos pressão há sobre a gangue dominante para manter seu antigo liberalismo interno. A exploração interna, os impostos, a inflação e a regulação aumentarão e resultarão crises econômicas, estagnação ou mesmo empobrecimento e declínio. E com o fracasso econômico da centralização política se tornando cada vez mais óbvio/dramático, então, a tendência oposta à descentralização ganha força. A lição do “milagre europeu” é lembrada, e a visão de um mundo radicalmente descentralizado, trazida por meio da secessão territorial – a própria antítese de um estado-mundial – ganha popularidade. A visão de um mundo formado por milhares e milhares de Liechtensteins, cantões suíços e territórios livres independentes (domínios), todos ligados pelo livre comércio e um padrão-ouro internacional e todos buscando, em competição com outros lugares, reter e atrair pessoas produtivas com condições locais favoráveis.
Um desafio central e regularmente apresentado a este projeto secessionista – o desafio que abordarei a seguir – é este: a secessão implica que um território maior seja dividido em duas ou mais partes menores. No entanto, como pequenas e cada vez menores unidades podem se proteger e se defender dos desejos imperialistas por parte de algum estado maior vizinho? Os pequenos estados dirigidos por pequenas gangues não estão em constante perigo de serem conquistados e tomados por estados maiores e gangues maiores? E a única segurança duradoura não é então ser parte integrante de um grande estado e, em última análise, de um estado-mundial? Da mesma forma, e dirigido contra os anarquistas em particular, questiona-se: como um território sem estado pode se defender de uma invasão de algum estado vizinho? Um estado não é necessário para se defender de outro estado? E isso não mostra a inevitabilidade dos estados e do estatismo?
Primeiro: apesar de toda centralização política em curso no mundo contemporâneo, ainda há muitos estados pequenos ou menores lado a lado com estados grandes ou maiores, em coexistência pacífica. Por que a França não tomou Mônaco, ou a Alemanha Luxemburgo, ou a Suíça Liechtenstein, ou os EUA Cuba ou Costa Rica, ou Brasil Uruguai? A razão certamente não é que os líderes das grandes gangues tenham qualquer escrúpulo em relação à conquista, confisco, prisão ou mesmo assassinato de vítimas inocentes. Eles devem sua própria posição como líderes de gangues a tais atos, e continuam a realizá-los diariamente. Pelo contrário, o que restringe a conduta da liderança da gangue e a impede de ceder aos seus desejos imperialistas e ir à guerra, é a opinião pública.
Ao contrário dos bons velhos tempos, quando líderes de gangues rivais iam mano-a-mano para o combate com suas próprias armas, nas guerras modernas a liderança de gangues fica protegida atrás e fora do campo de batalha, e a luta real é travada por outras pessoas, e com os meios de outras pessoas (dinheiro e propriedade). Não basta, pois, que a liderança apele à guerra. Outros (muitos outros), desde o alto comando militar até o soldado puxando o gatilho e o trabalhador produzindo tanques e munições, devem estar dispostos a executar suas ordens. E para que tal obediência se torne possível, uma razão, uma justificativa deve ser dada pela liderança da gangue. Deve haver uma provocação por parte do alvo do ataque, alguma má conduta ultrajante, que possa ser apresentada em casa como justificativa para uma invasão.
Além disso, além da opinião pública nacional (e internacional), os líderes das gangues são restringidos, é claro, em seus desejos imperialistas e em sua disposição de ir para a guerra pelas capacidades defensivas da gangue rival a ser conquistada e submetida. Quanto mais forte e melhor armada a gangue rival, maiores são os custos da guerra (e melhores devem parecer as razões para mesmo assim ir a guerra).
À luz disso, dois princípios orientadores devem ser seguidos pelos estados pequenos e, mais ainda, pelos movimentos secessionistas, seja levando a outro estado menor ou a um território sem estado (uma ordem social anárquica): primeiro, não provocar e, segundo, estar armado. Abordarei e detalharei os dois requisitos sucessivamente.
Do ponto de vista da gangue maior, a secessão é, por si só, uma provocação e os secessionistas merecem ser aniquilados. Mas só é possível aniquilar os separatistas e entrar em guerra contra o seu próprio povo se tiver a opinião pública do seu lado. Para evitar isso e ajudar a criar uma opinião pública favorável, simpática ou, pelo menos, neutra à sua causa, então, os secessionistas deveriam declarar sua independência da maneira menos provocativa. Para esse fim, a secessão deve ser apresentada como uma separação única e isolada da gangue do governo maior e como motivada por alguma queixa particular contra essa gangue – mas não, e de forma alguma também como uma separação das pessoas que residem no território controlado por essa gangue, com quem se deve manter relações normais.
Para ajudar ainda mais sua causa, e para justificar e enfatizar sua declaração de independência como um direito humano universal, os secessionistas são aconselhados a permitir explicitamente também a secessão do território secessionista. Ou seja, as pessoas dentro do território secessionista devem ser autorizadas também, por exemplo, a permanecer com a velha e maior gangue e continuar a subscrever e submeter-se a sua estrutura legal, se assim o desejarem. Quanto aos secessionistas, declarar sua independência é declarar que as regras e regulamentos da gangue dominante não se aplicam mais automaticamente também ao território secessionista. Muitas regras antigas e tradicionais podem ser mantidas pelos secessionistas – como grande parte ou mesmo a maior parte do direito privado existente (incluindo o direito penal) – mas outras regras ou comandos – principalmente disposições de direito público – podem ser rejeitadas, alteradas ou anuladas. Em qualquer caso, para minimizar o risco de uma reação violenta da gangue dominante, a separação deve ocorrer de forma decididamente pacífica e com espírito cooperativo.
Ou seja, por exemplo, os secessionistas não devem tocar nas propriedades dentro de seu território que são reivindicadas como “suas” pela gangue do governo central (escritórios, prédios administrativos etc.). A independência implica apenas que os agentes do governo central que trabalham dentro do território secessionista não podem mais exercer qualquer função executiva nos locais onde estão. Isso pode levar à realocação de alguns desses agentes ou então pode levar a uma mudança em seu empregador ou em sua ocupação – tudo pacificamente. Além disso, para ajudar ainda mais a evitar qualquer possível “provocação”, os secessionistas devem declarar seu compromisso com uma política de não intervenção em relação aos assuntos internos do restante território e com o comércio inter-regional livre e sem entraves, e devem deixar claro que estão dispostos a pagar pelo uso de quaisquer bens ou serviços fornecidos pela gangue maior dentro e fora de seu território (água, eletricidade, ruas etc.) o mesmo preço, com base na mesma fatura discriminada, que também os residentes domésticos devem pagar. (No que diz respeito à dotação de capital, o secessionista supostamente já havia contribuído com sua parte para ela antes de se separar; após a secessão, então, apenas o uso atual de tais bens e serviços pode ser faturado.)
Além disso, a fim de minimizar o risco de uma repressão violenta por parte da gangue central, é aconselhável também abster-se de quaisquer políticas internas que possam ser interpretadas como provocações. Uma proibição de se separar dos secessionistas, por exemplo, pode ser facilmente interpretada como tal pela gangue central atingida. No entanto, de forma mais geral – e mais interessante – é a própria instituição de um estado – um estado pequeno, mas ainda assim um território governado por um monopolista da lei e da ordem – que comporta razões e motivos de queixas que sempre podem ser usados contra ele, seja por uma parte bem-intencionada como um anarquista ou por uma mal-intencionada, como a quadrilha central governante. Mesmo o pequeno estado mais liberal tem o monopólio da jurisdição e da tributação e, portanto, não pode deixar de criar algumas vítimas, que, devidamente estigmatizadas como “vítimas de violações de direitos humanos”, podem fornecer a “desculpa” para uma invasão. E quanto ao mundo real, há inúmeras “vítimas” e “oprimidos” por toda parte, e eles podem até ser pagos para clamar em voz alta por ajuda e intervenção externa.
É muito mais difícil para uma gangue central, então, encontrar culpados e descobrir uma razão para uma reação violenta contra os secessionistas, se estes não instituírem outro estado, por menor que seja, mas um território livre, uma sociedade de direito privado sem estado. No território secessionista existem todos os tipos de relações sociais, de hierarquias e de ordens hierárquicas; existe uma multiplicidade de famílias, empresas e associações privadas, cada uma com as suas próprias regras internas; e há também serviços e instituições como polícia, seguros e arbitragem em vigor – mas, o que é importante, não existe um monopolista territorial de tomada de decisão final que pudesse emitir comandos que fossem vinculativos para todos os residentes e propriedades privadas do território. Qualquer falta, qualquer provocação ou agressão a ser descoberta em uma sociedade de direito privado por uma gangue central dominante, então, é falta privada, provocação privada ou agressão privada de alguém e, como tal, não pode ser usada para justificar um ataque aos separatistas coletivos. De fato, se (e na medida em que) houver atos provocativos e agressivos cometidos, estes são muito provavelmente os atos de criminosos – de vigaristas, ladrões, assaltantes, estupradores, assassinos ou simples fraudes– e os criminosos serão tratados como criminosos em uma sociedade de direito privado, é claro, e serão rápida e efetivamente punidos lá. E este resultado: o tratamento dos criminosos como criminosos e a efetiva contenção ou redução da criminalidade, então, é quase impossível para uma gangue do governo central retratar para seu público doméstico como uma provocação e um motivo suficientemente bom para uma invasão do território secessionista.
E se a gangue maior ainda decidir atacar, apesar de todos os esforços e ofertas de paz por parte dos secessionistas? Nesse caso, especialmente quando os secessionistas são pequenos em número e são confrontados com uma enorme e poderosa gangue, talvez seja melhor simplesmente desistir e se render e esperar por tempos melhores. Dessa forma, pelo menos nenhuma morte e destruição ocorrem. O lema “melhor estar morto do que conquistado” e o espírito de luta que isso implica podem ser apropriados às vezes e para algumas pessoas. Mas em outros momentos, em particular quando não só a própria vida do lutador, mas também a de familiares e amigos está em jogo, pode ser um heroísmo vazio estúpido e irresponsável.
Mesmo que às vezes aconselhável, no entanto, a rendição não é de forma alguma a única opção disponível para os separatistas em relação a uma grande gangue vizinha que pretende retomar seu território perdido. É claro que eles também podem se armar e, assim, aumentar o custo da guerra para um atacante.
O que fazer, então, para a dissuasão?
Por um lado, certamente há força nos números. Quanto maior o número de secessionistas, mais difícil de vencê-los. Mas mais importante do que números puros é a coesão dos secessionistas. Não é a diversidade que dá força aos secessionistas (ou aos habitantes de pequenos estados independentes), mas a homogeneidade: comunalidade linguística e cultural, cultura de reciprocidade, confiança mútua e espírito comunitário.
Ainda mais dissuasão pode ser construída pelos secessionistas se eles permitirem e promoverem a instituição de uma cidadania armada e o estabelecimento de milícias populares, organizadas e lideradas por profissionais militares treinados e fornecendo treinamento especialmente na condução de facções e guerrilha. Para fortalecer ainda mais suas capacidades defensivas e tornar a dissuasão ainda maior, os secessionistas também podem se juntar ou formar alianças com vários fornecedores externos de inteligência, assistência, serviços e equipamentos logísticos e militares (mercenários). Nessa empreitada, no entanto, muito cuidado deve ser tomado para não perder o controle sobre o próprio destino para alguma outra entidade ou instituição estrangeira. Ou seja, os secessionistas devem ficar estritamente longe do que Thomas Jefferson alertou há muito tempo como “alianças comprometedoras”, ou seja, qualquer aliança permanente que possa envolvê-los ou implicá-los em brigas, conflitos ou guerras estrangeiras que não são, e que não sejam consideradas por eles como suas próprias brigas, conflitos ou guerras. (A OTAN é uma aliança comprometedora desse tipo: um ataque a qualquer membro é supostamente um ataque a todos os membros e exige que todos os membros entrem em guerra contra o atacante, mesmo que o atacante tenha sido provocado pelo atacado.)
Além disso, quase totalmente ignorados e esquecidos hoje, em uma atmosfera de militância e beligerância exacerbada fabricada em conexão com a guerra na Ucrânia, os “pequenos” também podem se defender dos “grandes” por meio da desobediência civil. Desde que os secessionistas – e de modo mais geral: os “pequenos” – tenham a vontade de se libertar dos conquistadores, a eficácia da desobediência civil como estratégia de defesa dificilmente pode ser superestimada. A desobediência pode assumir muitas formas e vir em inúmeros graus. Pode variar de atos ostensivos de desafio a alguma conduta completamente discreta, permitindo que quase todos participem do esforço de defesa: os corajosos e os tímidos, os jovens e os velhos, os líderes e os seguidores. Pode-se publicamente recusar-se a obedecer a certas leis, ou evadir-se e ignorá-las. Pode-se envolver em sabotagem, obstrução, negligência ou simplesmente demonstrar falta de diligência. Pode-se zombar abertamente das ordens ou cumprir apenas incompletamente. Os pagamentos de impostos podem ser recusados ou evadidos. Pode haver manifestações, protestos, boicotes, paralisações ou simples folgas. Os conquistadores podem ser maltratados, molestados, repreendidos, ridicularizados, hostilizados ou simplesmente ostracizados e nunca assistidos em nada. De qualquer forma: tudo isso contribui para o mesmo resultado: tornar os conquistadores impotentes. Os conquistadores sairão ou serão absorvidos e assimilados pelos conquistados.
Por último, mas não menos importante, os secessionistas – os pequenos – podem se defender de algum invasor maior e elevar o nível de dissuasão para ele também estando pronto para ações retaliatórias e contra-ataques. Qualquer retaliação desse tipo nunca deve ser dirigida contra o “povo”, ou seja, os cidadãos residentes no território controlado pela gangue invasora, enquanto a própria liderança de gangue é considerada fora dos limites, como é a prática atual e a opinião jurídica. Pelo contrário: para ser eficaz como dissuasão, qualquer retaliação deve ser explícita e exclusivamente dirigida contra a liderança da gangue. A liderança, do rei, do presidente e do primeiro-ministro, deve temer, onde quer que estejam, que possam ser pessoalmente visados como agressores e serem alvejados por armas de precisão de longo ou curto alcance, comandos de assassinato ou envenenamento secreto. Ao mesmo tempo, todos os danos colaterais à propriedade de civis inocentes devem ser evitados ou, pelo menos, minimizados, de modo a aumentar a simpatia pelos secessionistas (os pequenos) e semear dúvidas e ceticismo em relação à política de guerra de uma gangue grande, potencialmente colocando em risco a legitimidade da liderança da gangue na mente pública e, assim, trazendo uma situação a ser evitada a todo custo.
Ao contrário da opinião popular, então, a estrutura de comando unitária de cima para baixo de um estado não é necessariamente uma força na guerra, mas deixa um calcanhar de Aquiles exposto a qualquer adversário. Uma vez que o topo é derrubado, a guerra essencialmente acabou. Então, sempre que estiver sob ataque (e não disposto a se render), vá para o topo da gangue atacante. No entanto, isso não vale apenas para o (pequeno) atacado, mas também para o (grande) atacante. Ele também irá para o topo dos secessionistas (os pequenos) para realizar sua conquista ou reconquista. E a instituição de um estado é também o calcanhar de Aquiles na defesa dos secessionistas – os pequenos – contra uma tomada de poder pela gangue central grande – e é mais uma vez a anárquica sociedade de direito privado sem estado que acaba por oferecer a melhor proteção e defesa contra tal contingência.
Se os secessionistas instituírem outro estado menor em um território menor (em vez de uma sociedade de direito privado), a decisão de como se defender de uma invasão por alguma gangue vizinha maior caberá à liderança do estado secessionista. Como monopolista da tomada de decisões finais, a liderança da nova pequena gangue decide, vinculativamente para todos no território secessionista, se deve resistir ou não; se resistir, seja sob a forma de desobediência civil, resistência armada ou alguma combinação delas, e se de resistência armada, de que forma. Se decidir não oferecer resistência, esta pode ser uma decisão bem-intencionada ou pode ser o resultado de subornos ou ameaças do estado invasor – mas, em qualquer caso, será contrário à vontade de muitos que gostariam de resistir e que, portanto, são colocados em dupla ameaça porque, como resistentes, agora desobedecem ao seu próprio estado, bem como ao invasor. Por outro lado, se o estado decidir resistir, esta pode ser novamente uma decisão bem-intencionada ou pode ser o resultado do orgulho ou do medo – mas, em qualquer caso, também será contrária às preferências de muitos que gostariam de não resistir ou resistir por diferentes meios, e que agora estão enredados como cúmplices nos esquemas do estado e submetidos às mesmas consequências colaterais e à justiça do vencedor como todos os outros.
Enfraquecida por várias divisões internas e forças e facções opostas, então, a gangue central pode ser capaz de aniquilar os secessionistas e retomar seu território perdido com apenas um ataque cirúrgico ou uma vitória decisiva sobre a gangue do governo secessionista. Uma vez que essa gangue é derrotada, todo o movimento secessionista está acabado (pelo menos por enquanto).
As coisas são distintas, no entanto, se os secessionistas estabelecerem, em vez disso, uma sociedade de direito privado nos territórios separados. Não há governo, nenhuma gangue central que tome uma decisão totalmente vinculante em questões de guerra e paz. Em vez disso, há inúmeros indivíduos e instituições interconectados que escolhem sua própria estratégia de defesa, cada um de acordo com sua própria avaliação de risco. Consequentemente, a gangue atacante tem muito mais dificuldades para conquistar o território. Já não basta ao atacante “conhecer” o (pequeno) governo secessionista e obter uma vitória decisiva sobre ele para acabar com a guerra. Porque numa sociedade de direito privado não existe um decisor central – e, portanto, não existe, do ponto de vista do atacante, um inimigo claramente identificável, mas existe antes uma multidão de partes privadas majoritariamente “desconhecidas”, algumas grandes, outras pequenas, algumas hostis, algumas amigáveis ou neutras, umas armadas e seguradas e outras não. Nessa situação, simplesmente não há uma razão para ser encontrada que possa ser “vendida” aos soldados invasores ou ao público em casa (isto é, para financiar toda a empreitada) sobre por que uma guerra coletiva deve ser travada contra os secessionistas, se, afinal, estes são apenas um bando de associações e instituições privadas independentes. Então, como já foi dito anteriormente, é possível arrumar um argumento em favor da punição de alguma parte em particular, mas nada que constitua um Casus Belli poderia surgir de tal constelação. De fato, diante de algum território livre vizinho, a gangue dominante central abandonada pode muito bem estar feliz em manter o controle do território que ainda tem e não perder muitas pessoas produtivas para os secessionistas (devido à emigração) em vez de se envolver na reconquista violenta de algum território perdido e, assim, correr o risco de perder toda a sua legitimidade aos olhos do público em geral, tanto no país como no exterior.
Resumindo: da natureza do estado como uma gangue parasitária pode-se deduzir uma tendência à centralização política. Além disso, com base em algumas considerações econômicas elementares, o “paradoxo do imperialismo” e a “dialética da centralização” podem ser explicados. Ou seja, o fato de que a centralização política reduz a competição inter-regional e, portanto, tende a diminuir o bem-estar econômico; e, no entanto, essa centralização, na medida em que é impulsionada pela liderança de gangues mais “liberais”, pode ter um efeito libertador no início, e só eventualmente, quanto mais perto uma gangue dominante chega da posição de uma hegemonia global, mostra suas verdadeiras cores de crescente opressão, conflitos sociais, crises econômicas e declínio civilizacional. Tendo chegado a este ponto, a tendência oposta para a descentralização política tem ganhado cada vez mais popularidade nos últimos tempos. Consequentemente, foram analisadas as perspectivas dos movimentos secessionistas: suas dificuldades, quais erros evitar e qual a melhor forma de se defender de uma tomada de poder estrangeira. Em conclusão – como confirmado também empiricamente pela coexistência pacífica duradoura de pequenos e grandes estados e por múltiplos exemplos de secessão pacífica (dissolução da URSS, Chéquia, Eslováquia, Malásia, Singapura, Brexit) – não há, apesar de todas as objeções de gangues centrais, nenhum argumento principal a ser feito contra um processo de secessão sucessivamente progressiva. Pelo contrário, quanto mais esse processo avançar e quanto maior o número de territórios independentes, melhor para o bem-estar econômico geral. Tampouco há qualquer argumento principal contra a completa dissolução do estado e o estabelecimento e a defesa bem-sucedida de uma sociedade de direito privado, como ponto final lógico do processo de secessão e de descentralização política. Afinal, uma sociedade de direito privado, exemplificada por famílias hierarquicamente ordenadas e por toda pequena comunidade presencial centrada na família, precedeu lógica e temporalmente qualquer estado e toda centralização política; e não obstante todas as distorções e perversões do direito privado provocadas entretanto pela legislação estatal e pelo chamado direito público, as noções de direito comum, privado (e penal) do certo e do errado não foram totalmente extintas e esquecidas. Assim, o estabelecimento de uma sociedade de direito privado através do longo desvio de uma história do estatismo é como um retorno ao normal, a algo antigo e familiar, de um longo período de aberrações – embora um retorno em um nível diferente de desenvolvimento social e econômico agora, é claro, do que aquele prevalecente quando o processo de formação do estado e centralização política decolou pela primeira vez, lá atrás, na história.
Excelente!
É interessante que Herr Hoppe coloque que o slogan dos secessionistas, o que nada mais é do que uma frase para juntar as pessoas, pode determinar o rumo dos acontecimentos.
De modo que, de fato, coisas como “Sul é meu país” ou “República de São Paulo” podem ser habilmente considerados movimentos racistas pela propaganda ideológica do sistema.
Neste caso, eu utilizaria “Brasília Não é meu país”. E movimento secessionista, pois separatista parece querer colocar um ponto final na relação.
Bom artigo!