No artigo anterior, comentamos que de nada adianta privatizar vários setores se o governo continuar regulando e dando ordens sobre como estes devem funcionar. Consequentemente, ao invés de uma mera privatização, deveria haver, na verdade, uma genuína desestatização — isto é, a retirada completa do estado destas áreas, o que implica a ausência de qualquer tipo de agência reguladora e, consequentemente, a existência de um genuíno livre mercado.
Nesse artigo, vamos debater os problemas econômicos intrínsecos desse modelo de regulação adotado, os efeitos que ele gera e por que isso acontece, e ver como deve ser feita uma genuína desestatização.
A teoria da captura
A Escola de Chicago sempre defendeu, e ainda defende, a teoria da captura regulatória. De acordo com essa teoria, um setor sob estrita regulamentação governamental (por exemplo, o setor de telefonia, o setor elétrico, o setor aéreo e o setor de água tratada e saneamento básico) acabará capturando o governo, conseguindo fazer com que ele, o governo, aprove leis e novas regras regulatórias que favoreçam justamente esse setor que está sendo regulado.
Ao agir assim, o governo estará — sempre de acordo com Chicago — apenas fazendo uma troca de favores. Em troca dessa concessão de benefícios à empresa regulada, os políticos irão ganhar contribuições, financiamentos de campanha e, principalmente, votos. Mais ainda: ganharão inclusive os votos daqueles eleitores inocentes, que acham que esses políticos estão realmente empenhados em controlar determinado setor.
Sendo assim, a indústria capturou seus reguladores. Fim de papo.
Já a Escola Austríaca vai mais adiante. Ela concorda com essa teoria delineada por Chicago, mas reconhece que as coisas não param por aí; esses acontecimentos, aliás, seriam apenas o primeiro passo de uma armadilha criada pelo governo. Essa armadilha é montada quando o setor regulado começa a se sentir confortável com seus subsídios, com suas isenções tributárias, com as eventuais tarifas protecionistas, com as licenças exclusivas, enfim, com o que quer que o governo lhe esteja concedendo. Consequentemente, o setor em questão começará a agir como um genuíno monopolista e diminuir a qualidade do serviço oferecido.
Entretanto, tal comportamento gerará um enorme apelo público para que o governo intensifique ainda mais as regulamentações. Ato contínuo, o setor passará por dificuldades, o que por sua vez gerará uma maior intervenção regulatória, o que por fim levará a um total controle governamental sobre todo o setor, por meio de um arsenal de leis e controle de preços. É nesse ponto que a armadilha finalmente é ativada. O mercado é substituído por burocratas e pelo poder estatal. O governo, cujo objetivo sempre foi o controle total, capturou e aprisionou o setor — sem que tenha havido, em teoria, qualquer estatização.
Ou seja: no curto prazo, os grupos de interesse que agem em nome de um determinado setor utilizam o estado contra o público. Porém, no longo prazo, é o estado e seus burocratas que passa a comandar o show. No final, a burocracia estatal se expandiu. A papelada e o emprego fácil e rendoso tornam-se regra no setor, a inovação e a concorrência ficam ofuscadas e o público passa a sofrer com produtos e serviços de pior qualidade e com preços mais altos.
No Brasil
Pense em qualquer setor (não estatal) fortemente regulamentado da economia brasileira e perceberá que é isso o que ocorre, principalmente no setor aéreo e no setor de telefonia (fixa e móvel). O setor aéreo já esteve perto da insolvência inúmeras vezes, até chegar ao seu atual formato de duopólio, no qual o estado — por meio de agências reguladoras, como a ANAC — impede o surgimento de todo o tipo de concorrência.
Como é sabido, não é exatamente fácil criar uma empresa aérea para concorrer com o atual duopólio (a menos, é claro, que você tenha boas conexões políticas). Da mesma forma, empresas estrangeiras são proibidas de fazer vôos nacionais aqui dentro, justamente para não arranhar a saúde do duopólio. Como seria em um livre mercado? Simples. Não haveria obstáculos. Se a American Airlines quisesse operar a linha Curitiba-Fortaleza, estaria livre para isso. Se a Lufthansa quisesse operar Florianópolis-Brasília, que o fizesse. Se a Air China quisesse fazer São Paulo-Salvador, ótimo. Se a KLM quisesse fazer Recife-Rio de Janeiro, melhor ainda.
Nesse cenário de concorrência pura, é óbvio que a tendência seria de queda nos preços e melhora nos serviços.
Porém, esse cenário é fictício simplesmente porque a ANAC não o permite. Ademais, como o espaço aéreo é propriedade autodeclarada do governo, é ele quem determina até quais companhias nacionais podem operar determinadas rotas em determinados horários. Os aeroportos, também monopólio estatal, não podem alocar livremente seus slots (horários de pouso e decolagem). Tudo é regulado. Ao contrário do que muita gente pensa, é o estado quem está no controle de tudo, tendo capturado e aprisionado o setor, e utilizando-o para expandir sua burocracia. Basta ver o crescimento da ANAC desde que foi criada.
O setor telefônico, privatizado em 1998, sofre do mesmo problema. Na telefonia fixa, por exemplo, um setor carente de concorrência, o governo determinou como seria feita a distribuição das regiões e entregou cada uma delas a uma empresa, tomando as devidas precauções para que não houvesse qualquer perigo de concorrência. Nenhuma empresa de fora pode vir operar aqui sem passar por aquele emaranhado regulatório-burocrático que aumenta proibitivamente o custo final, e que foi devidamente estabelecido para se proteger as empresas favoritas do estado — as quais sempre operaram sob seu estrito controle, principalmente no que diz respeito a preços, metas de expansão e taxas de penetração (taxas essas que poderiam ser maiores caso houvesse mais liberdade de mercado). Eis um outro setor cativo do estado, que enriquece com esse controle.
Já na telefonia móvel, caso houvesse um genuíno livre mercado — isto é, caso tivesse havido uma real desestatização do setor —, qualquer empresa, estrangeira ou nacional, poderia simplesmente entrar no mercado, fazer sua propaganda e, por meio do sistema de preços, ofertar seus serviços. Quem quisesse utilizá-los estaria livre para isso. Quem não quisesse, poderia continuar com os serviços da Vivo, TIM, Claro e Oi.
Porém, tal situação não pode ocorrer atualmente. O governo não deixa. Só entra no mercado as empresas que ele aprova. É óbvio, também, que há forte lobby das quatro empresas de telefonia celular, que não querem mais concorrência. Mas esse lobby só existe por causa dos poderes econômicos concedidos ao governo, que, em última instância, decide os rumos da economia.
Recentemente, criou-se uma grande comoção quando a ANATEL criou a portabilidade, a qual determinou que as empresas de celular são obrigadas a aceitar que seus clientes possam mudar de operadora mantendo o mesmo número. Alguns vibraram e disseram que tal intervenção estatal estava fomentando a concorrência. Outros torceram o nariz e disseram que tal intervenção iria prejudicar os lucros das operadoras, o que inevitavelmente se traduziria em menores investimentos e, consequentemente, em piores serviços. Considerando-se que a ANATEL protege essas operadoras de qualquer concorrência externa, tal medida não pode ser classificada como intervencionista — afinal, a intervenção já existe a partir do momento em que não há liberdade de entrada no mercado. Qualquer medida posterior a essa serve apenas para reafirmar a autoridade estatal sobre esse segmento, mostrando que a teoria austríaca, mais uma vez, está correta: é o governo quem, no final, passou a comandar o setor — e não as empresas, como afirma a Escola de Chicago.
Monopólio e Concorrência
Como Hayek já explicou em 1948, a concorrência não envolve conceitos específicos como números de empresas, tamanho das empresas, preços cobrados, números de fusões e aquisições etc. Ou seja, a concorrência não envolve nenhum tipo de quantidade. A concorrência é, na verdade, um processo, por meio do qual as pessoas e as empresas ofertam bens e serviços no mercado sem utilizar de violência para impedir a entrada de terceiros.
Um dos principais argumentos do estado ao estabelecer agências reguladoras era justamente o de estar ‘preservando a concorrência’. Porém, preservar a concorrência não significa determinar arbitrariamente o número de empresas que podem existir em determinado setor, e nem o tamanho que cada uma delas deve ter. Preservar a concorrência significa apenas garantir que pessoas e empresas sejam livres para concorrer entre si, sem que sejam coagidas e reprimidas pelo uso da força.
Já todo monopólio é baseado na intervenção governamental, que é o que em última instância restringe a liberdade de entrada e a livre concorrência. O significado de um monopólio é que ele coercivamente impede a entrada no mercado de vendedores plenamente capazes de ofertar seus serviços. Consequentemente, ele restringe a amplitude de escolha que os consumidores teriam em relação a que ofertantes gostariam de ter, obrigando-os a lidar com ofertantes menos eficientes e a aceitar custos mais altos e uma qualidade mais baixa do que aquela que um livre mercado forneceria.
Por esse conceito, é fácil perceber que, no Brasil, temos um monopólio no setor petrolífero, elétrico, telefônico, aéreo, aeroportuário, ferroviário, portuário, bancário, TV a cabo e internet, apenas para ficarmos no âmbito federal. Em termos estaduais e municipais, poderíamos acrescentar os sistemas de água tratada e saneamento básico (esgoto) e de metrô, além das estradas (também federais) e ruas. Alguns monopólios são estatais, outros são privados e outros são mistos. Porém, todos possuem a mesma característica: os serviços prestados estão longe de serem satisfatórios, e a explicação é justamente porque tais setores não foram desestatizados.
Tendo por base esses conceitos, resta óbvio que um programa de combate a monopólios deve ser o oposto daquele programa que é justamente o mais defendido: o aumento da intervenção estatal para se controlar essas grandes empresas. Afinal, um genuíno programa antimonopólio deve conter uma completa eliminação da intervenção governamental sobre o sistema econômico, pois é essa intervenção que impede a livre concorrência e permite a formação dos monopólios.
Privatização sem desestatização = Concessão = Monopólio = Violência
O esquema adotado para a privatização dos serviços de utilidade pública no Brasil — mais especificamente, os setores telefônico, elétrico (distribuição) e de saneamento básico (estes, estaduais), além de estradas e metrôs — foi o da concessão.
Nesse sistema, o governo reserva o mercado em questão para as empresas vencedoras das licitações, as quais ganharão a concessão do monopólio da prestação do serviço. Esse monopólio é garantido por meio da iniciação de força física por parte do governo contra pretensos concorrentes. Em cada setor, ninguém além da empresa concessionária pode legalmente vender seus serviços. Qualquer um que porventura tente furar essa barreira será impedido pelo estado e ameaçado de violência — a qual assegura o poder do estado e da qual apenas ele detém o monopólio.
Porém, temos aí uma situação aborrecidamente lógica: como a oferta de tais serviços (telefônico, elétrico, saneamento básico etc.) não representa um ato de força ou de violência, impedir sua oferta por meio do uso da força representa uma iniciação de força — um ato de agressão e violência — da parte do governo. Em um cenário desses, não é necessário ser nenhum doutor em economia pra perceber que os serviços prestados pela empresa concessionária serão abaixo da média.
Nessa questão do monopólio das concessões, o fato de haver apenas um fornecedor não é o que importa — afinal, mesmo em um genuíno livre mercado, com livre concorrência e livre entrada, poderia perfeitamente haver também somente um fornecedor. O que é importante nessa questão do monopólio é que há uma ameaça explícita de violência da parte do estado contra todos aqueles potenciais concorrentes que se aventurarem a competir com a empresa escolhida pelo estado para gerir as concessões. Esses potenciais concorrentes poderiam também estar participando do mercado, mas não estão simplesmente porque o estado não deixa. Pior: a determinação de que haverá apenas uma empresa monopolista — além da escolha de qual será essa empresa privilegiada — foi feita unicamente por meio da iniciação de força física, e não pela livre concorrência e livre escolha dos consumidores.
Desestatizando
Entendida essa parte teórica, podemos ir agora para a parte prática. Como desestatizar definitivamente a Eletrobras, a Petrobras, o setor de água e saneamento e o telefônico?
O setor de telefonia celular é o mais simples. Não tem mágica; basta abolir todas as regulamentações que funcionam como barreiras à entrada, liberando toda a concorrência, principalmente internacional. Que venham as empresas americanas, australianas, coreanas, canadenses, japonesas, chinesas, inglesas, tchecas, russas etc. Todo o esquema protecionista que envolve as quatro atuais deve ser repelido
Exploração de petróleo também não tem segredo. Qualquer empresa privada pode fazê-lo com mais eficiência. Especificamente em relação à Petrobras, já ficaram mais do que evidentes todas as manipulações e indicações políticas e todos os jogos de favorecimento a apaniguados políticos que lá trabalham, algo deletério para a eficiência de qualquer empresa. Ademais, trata-se de um setor importante demais para ficar nas mãos do estado. Sendo assim, como desestatizá-la? Da única maneira certa: permitindo a concorrência. Para isso, bastaria o estado se retirar dela, subdividindo-a em várias empresas independentes, que passariam a concorrer entre si. Os empregados eficientes seriam mantidos; os burocratas que ali estavam por mera indicação política obviamente teriam de procurar outros empregos. O estado não venderia nada para ninguém. Apenas sairia de cena e aboliria a ANP. E nada impediria a concorrência estrangeira. É assim que acontece em outros países, principalmente nos EUA, onde não há autossuficiência e a gasolina é bem mais barata que a nossa.
O mesmo vale para a Eletrobras. O estado não precisa vender nada a ninguém. Assim como no caso da Petrobras, ele deve apenas sair de cena, abolindo a ANEEL, o Ministério das Minas e Energia e deixando a empresa, bem como suas subsidiárias — CEPEL, CGTEE, CHESF, Eletronorte, Eletronuclear, Eletrosul, Furnas —, nas mãos de seus respectivos empregados. Estes, que teoricamente conhecem bem as empresas, poderão escolher entre vender as ações ordinárias que o estado lhes entregou ou mantê-las. O que será feito é o de menos. O que importa é que, com a saída do estado, haverá pela primeira vez um mercado livre e desimpedido no setor, sem regulamentações cartoriais.
Quanto ao setor de telefonia fixa, já em mãos privadas, basta apenas abolir a ANATEL e o Ministério das Comunicações, entidades cujo propósito único é controlar todo o setor para beneficio próprio (como explicado no início do artigo).
O mesmo processo deve ser feito em nível estadual em relação aos sistemas de água e saneamento.
A liberdade de entrada restringe as arbitrariedades
Uma vez entendida as ineficiências inerentes ao sistema de concessão que foi adotado pelo governo brasileiro, e já feitas as devidas desestatizações, restam as duas perguntas principais: como se daria a livre concorrência em setores como telefonia fixa (telefonia celular não apresente nenhuma impossibilidade física), setor elétrico e de distribuição de água e esgoto? Como optar pelos serviços de uma empresa e, no extremo, mudar para outra?
Em primeiro lugar, vale lembrar que a liberdade de mercado e a livre concorrência são uma garantia suficiente contra medidas arbitrárias de empresas que, em tese, detêm um monopólio natural — mesmo naqueles casos em que o resultado da livre concorrência tenha sido o estabelecimento de apenas uma empresa no mercado, como no caso de uma empresa (geradora ou distribuidora) de energia elétrica ou distribuidora de água em uma cidade.
A questão mais importante é a ausência total de barreiras legais para se entrar no mercado. Portanto, se o mercado é servido por apenas uma companhia, não tem problema. A concorrência existe a partir do momento que o estado não proíbe outras companhias de entrarem no mercado também.
Consequentemente, essa liberdade de mercado permitiria a entrada de uma nova empresa elétrica, telefônica ou de saneamento (detalhes técnicos mais à frente) caso as tarifas cobradas pelas atuais se tornassem excessivas. É exatamente essa ameaça de concorrência que exerceria um poderoso controle sobre essas empresas “monopolistas naturais”, fazendo com que as tarifas cobradas por elas permanecessem restringidas.
Afinal, seria de se esperar que, em um cenário de livre mercado como esse, as diferentes empresas ofertantes iriam concorrer entre si para ver quem iria oferecer aos potenciais clientes de uma dada localidade as mais atraentes garantias contratuais de longo prazo, explicitando as tarifas que seriam cobradas e os serviços que seriam ofertados. Deste modo, caso uma empresa tivesse êxito em se tornar a ofertante única de uma dada localidade, ela teria de operar estritamente sob os termos do contrato especificado, o que significa que ela não poderia impor arbitrariamente tarifas mais altas, nem mesmo temporariamente. (Compare esse arranjo com o atual sistema de concessão, no qual é o governo quem determina as tarifas).
Caso fracassasse e não fosse capaz de manter as tarifas no valor prometido — porque não conseguiu controlar os custos ou por qualquer outro motivo (exceto inflação monetária, fenômeno sobre o qual a empresa não tem controle) —, haveria duas possibilidades: um novo acordo de preços ou a dispensa da empresa por quebra de contrato. Mesmo que houvesse um novo acordo de preços, tal aumento imediatamente atrairia outras empresas para aquele mercado, inviabilizando a situação da atual empresa.
A consequência desses contratos de precificação: um mercado livre
O fato de que os preços desses serviços podem ser determinados contratualmente — o que elimina qualquer possibilidade de as empresas fornecedoras exercerem um poder arbitrário na determinação de seus preços — é o que vai determinar a livre concorrência nesses setores.
Por exemplo, eletricidade e água seriam transportadas, desde suas várias fontes de geração, por meio de grandes redes de transmissão ou encanamento (linhas principais) que se subdividiriam em várias redes de distribuição (linhas secundárias ou ramais). Até aqui, nenhuma novidade; já é assim que ocorre hoje. A empresa responsável pela geração, por exemplo, não precisa ser a mesma que faz a distribuição. Várias empresas podem operar no mesmo setor, cada uma cuidando de uma área específica.
A diferença é que, principalmente no setor elétrico, haveria maior liberdade para o surgimento de novas fontes de geração de energia, principalmente termelétricas, eólicas e nucleares (os ambientalistas, obviamente, teriam de ser domados).
Essa rede de geração, transmissão e distribuição atenderia a usuários de todos os tipos: grandes usuários individuais — como fábricas, conjuntos habitacionais e prédios — e associações de pequenos usuários — associações de moradores de um bairro, por exemplo. Esses usuários fechariam contratos com aqueles fornecedores que oferecessem os melhores termos e condições.
Como é impossível que diferentes distribuidoras de energia utilizem os mesmo postes, todo o cabeamento elétrico teria de ser subterrâneo, assim como os encanamentos de água. Sim, seria um investimento pesado. Entretanto, sem as tributações e regulamentações burocráticas impostas pelo governo, é muito provável que o investimento fosse viável.
Ademais, qualquer cidade com algumas avenidas ou ruas longas poderia facilmente ter as linhas secundárias (redes de distribuição) correndo por sob essas vias — sob cada rua longa ou avenida haveria um encanamento ou um cabeamento, de empresas distintas. Assim, uma área paralela a qualquer uma dessas redes de distribuição poderia facilmente ser conectada a ela: bastaria que uma linha secundária menor (encanamento ou cabeamento menor) ligasse essa área à linha secundária maior que estaria sob a rua longa ou avenida. Para que tal conexão fosse desfeita, bastaria fechar (no caso do encanamento) ou desligar (no caso da eletricidade) essa linha secundária menor. E cada distribuidora, vale lembrar, poderia estar ligada a uma geradora diferente.
Desta forma, a concorrência estaria garantida. Um determinado fornecedor iria conectar sua linha secundária na rede local de cabos e encanamentos que pertencesse aos grandes usuários individuais ou às associações de pequenos usuários. Caso estes quisessem mudar de fornecedor, o atual apenas se desconectaria dessa rede local e o outro fornecedor escolhido se conectaria a ela.
Assim, diferentes fornecedores iriam periodicamente conectar ou desconectar suas linhas secundárias nas redes locais de cabos e encanamentos que pertencem aos grandes usuários individuais ou às associações de pequenos usuários. Tudo de acordo com os contratos de preços de longo prazo.
Essencialmente esses mesmos princípios são válidos para redes de esgoto e linhas de telefone, embora para esta última dificilmente irá haver investimento desse tipo, dado que a tendência é que a comunicação sem fio passe a ser predominante.
Apesar de estarmos tratando apenas em nível local, vale ressaltar que também é fisicamente possível, ao menos no setor elétrico, contratar empresas geradoras de energia que estejam em outra localidade, mais distante. Isso, aliás, já ocorre no Brasil, porém o governo dá essa liberdade apenas a alguns consumidores de alta tensão.
Caso o leitor esteja interessado em se aprofundar nos detalhes do funcionamento de um livre mercado do setor elétrico — o qual, afinal, é o mais “provável” de todos os que foram citados acima —, recomendo os textos a seguir, escritos em linguagem fácil pelo professor Álvaro Augusto de Almeida, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR (Parte I, Parte II, Parte III, Parte IV, Parte V, Parte VI.)
Conclusão
As privatizações dos serviços de utilidade pública no Brasil não levaram a uma desestatização do setor. A criação de agências reguladoras e o controle governamental dos preços destes serviços mostram que o estado sequer diminuiu sua presença no setor.
Por causa dessa ausência de um livre mercado, os serviços apresentados são caros e, em muitos casos, insatisfatórios. Tivesse havido uma genuína desestatização, os preços seriam menores e os serviços, melhores. Não teria como ser de outra forma.
Por fim, um livre mercado naqueles setores tidos como “monopólios naturais” é possível. O problema é que o governo, como foi explicado pela teoria austríaca da captura, não abre mão de exercer poder sobre estas áreas. E quem perde é a população.