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Secessão: respondendo objeções

secessaoFalo hoje como economista, não como advogado ou filósofo moral. Minha visão sobre direitos é que eles pertencem às pessoas e não aos povos. Eu preferiria ser um súdito de um império liberal que respeita meus direitos individuais a ser um cidadão de uma tirania democrática que os viola. Os argumentos favoráveis e contrários à secessão que me interessam não têm a ver com se as pessoas possuem direito à autodeterminação, mas sim se a secessão fará o mundo um lugar melhor ou pior para as pessoas que vivem nele.

Para responder a essa pergunta, começo com uma pequena, mas penso que relevante, digressão. Muitos anos atrás, passei um verão em Washington, trabalhando principalmente com pessoas preocupadas com o estado e as finanças locais. Um dos problemas que os preocupavam era o que chamavam de “concorrência fiscal”.

Considere uma empresa que planeja construir uma nova fábrica. Vários governos locais ou estaduais querem a mesma em seu território para aumentar a sua base da tributação. Então eles oferecem à empresa favores especiais de um tipo ou outro – ausência de imposto por cinco anos, digamos – se ela se alocar em seu território ou cidade. A guerra de lances resultante reduz a quantia que os governos acabam recebendo dessa empresa.

As pessoas que se preocupam com a concorrência fiscal entendem as coisas exatamente ao contrário. O problema não é como os governos colocarão suas mãos em dinheiro suficiente; esse problema, infelizmente, foi resolvido há muito tempo. O problema é como ter certeza de que os governos fazem as coisas certas com o dinheiro – que eles o gastam de maneiras que forneçam benefício suficiente para as pessoas de quem o dinheiro vem, de modo que elas estejam no geral melhores, e não piores, como resultado das atividades do governo.

Visto desse ponto de vista, a concorrência fiscal não é o problema, mas sim a solução. Isso leva a baixos impostos somente se os impostos não estão produzindo serviços de valor para os contribuintes, caso em que impostos baixos são uma coisa boa. Uma jurisdição que não oferece benefícios fiscais, mas presta serviços que a fábrica valoriza mais que o seu valor – boas escolas, por exemplo, que fazem ser mais fácil contratar empregados – será mais atrativa para a empresa do que uma jurisdição que oferece impostos baixos e serviços de baixa qualidade. Se os impostos altos forem abusivos, i.e. se eles são gastos em coisas de nenhum valor para as pessoas de quem o dinheiro vem, então a concorrência fiscal tem um papel desencorajador. O efeito final da competição entre jurisdições para contribuintes, assim como o efeito final da competição entre empresas para consumidores, é o de que explorar é mais difícil e a produção eficiente de serviços desejado é mais provável.

Meu argumento hoje é que a secessão fácil tem um efeito similar. Na medida em que uma região cujos habitantes acreditam que estão recebendo um mau serviço do governo – pagando mais e recebendo menos do que se fizessem as coisas por si mesmos – pode se separar, isso fornece aos governos um incentivo forte a não tentar explorar essas regiões.

Quanto mais fácil a secessão é, mais os governos são obrigados a dar valor em troca dos custos que impõem aos seus súditos. O resultado não é tão próximo a um resultado eficiente de competição ordinária entre mercados privados, em parte porque alguns bens que o governo produz – embora sejam menos do que costumam afirmar – são bens públicos para um público maior que uma região, e em parte porque as decisões regionais são atos políticos, refletindo interesses individuais menos acurados que as decisões de indivíduos. Mas seria um melhoramento da situação existente onde o governo tem um monopólio incontestado, como ocorre quando a secessão não é uma opção.

Há uma série de objeções que podem ser levantadas contra este argumento. Considerarei quatro.

Prevenção de redistribuição benevolente

Um possível problema, sugerido por comentários que o Professor Buchanan fez ontem, é que a secessão fácil pode prevenir exploração fiscal mesmo quando não deveria prevenir, quando, por exemplo, o governo está taxando uma região rica em benefício de uma região pobre. A meu ver, essa possibilidade é suficientemente improvável no mundo real de modo que não há necessidade minha de argumentar com o professor Buchanan sobre se alguma redistribuição é permitida, ou requerida, por princípios de justiça.

Sem dúvida, é teoricamente possível que uma região pobre e sem poder de um país por sorte receba em mãos as alavancas do poder e use as mesmas para beneficiar seus cidadãos às custas dos vizinhos mais ricos. Sem dúvida é teoricamente possível que o benefício vá diretamente para as pessoas pobres das regiões pobres, ao invés de ser apropriados por seus líderes não pobres. Mas eu não penso, por razões tanto teóricas quanto empíricas, que esse é o caminho para se apostar.

Considere, por um exemplo do mundo real que chega tão perto dessa situação como parece provável, a tentativa de secessão de Biafra da Nigéria. Antes da guerra civil, o povo de Biafra estava, em média, em melhor situação que o resto do povo da Nigéria. Mas seria preciso uma visão bastante otimista da história subsequente para argumentar que o resultado da supressão da independência de Biafra foi um fluxo de dinheiro de Biafra para as pessoas mais pobres em outros lugares da Nigéria. Parece bastante claro que o resultado real foi uma cleptocracia em que a receita do governo fluiu, em sua maior parte, para as pessoas mais ricas que a média de Biafra.

O problema da secessão exploradora

Um segundo e mais sério argumento contra a secessão fácil é que uma região pode se separar não a fim de evitar seu governo de explorá-la, mas a fim de ser livre para explorar minorias em sua própria população. O caso de Kosovo, onde pode ser plausivelmente argumentado que os albaneses desejam se separar da Sérvia em parte a fim de ser livre para oprimir sérvios é um exemplo óbvio.

Uma forma de reduzir esse problema é requerer uma maioria para a secessão, talvez três quartos ou mais. Em muitos casos, como o de Biafra, por exemplo, isso deve ser um requerimento fácil de cumprir. Uma vantagem de tal requerimento é que ele garante aos grupos agitadores da secessão um incentivo para propor fronteiras que, no limite do possível, exclua do novo estado aquelas pessoas que não desejam estar nele, assim aumentando sua maioria e diminuindo problemas subsequentes.

Uma segunda maneira de reduzir o problema é estender a secessão um pouco mais abaixo da escala. Na medida em que a minoria dentro do novo estado formado pela secessão é ela mesma livre para se separar, seja para se reunir ao estado anterior ou formar um novo, isso limitará a habilidade do novo governo de oprimi-la. Isso não é, obviamente, uma possibilidade puramente teórica. O estado de West Virginia existe porque, quando Virginia se separou da união, o que é hoje West Virginia se separou de Virginia. Tenho uma vaga lembrança de um ou dois países, ou partes de um ou dois países, que se separaram e voltaram para Virginia, mas eu não vou jurar sobre essa parte da história.

Um ponto importante, em que retornarei mais tarde, é que até onde a secessão vai, menor é a oportunidade de exploração pelo conjunto resultante de estados. A razão é que a exploração é limitada pela mobilidade[1]. Se a única maneira de poder escapar de um estado opressor é abandonar todos e tudo que conheço e viajar longe para um país estranho onde ninguém fala minha língua, o estado pode ficar bem opressivo antes que muitas pessoas estejam dispostas a sair. Se tudo que tenho de fazer é atravessar a rua, por outro lado, não será precisa muita opressão para que eu faça isso.

Proteção das minorias não territoriais

Um terceiro problema com o uso da ameaça de secessão para evitar exploração estatal é que ele assume que o alvo de tal exploração é uma região. Isso não resolve o problema de minorias não-territoriais. Isso incluiria pessoas nômades – uma questão atual no noroeste da África. Também inclusive minorias étnicas dispersas, aderentes entusiastas de uma nova religião (uma situação que a China está enfrentando atualmente) e coisas do tipo.

Vejo duas possíveis soluções. Uma é abandonar a ideia de que um estado tem poder de monopólio sobre um território particular e se mover na direção de estados não-territoriais ou substitutos do estado. Um exemplo histórico seria a situação da Igreja Católica na Europa Medieval. A Coroa Inglesa não possuía jurisdição sobre os clérigos, de modo que um clérigo acusado de um crime grave poderia pleitear benefício de clero e ter seu caso transferido para um tribunal da igreja para ser julgado sob lei da Igreja. Nem a coroa nem a Igreja possuíam completa soberania sobre a Inglaterra. Um exemplo mais extremo de sistema não-territorial foi esboçado em meu primeiro livro, The Machinery of Freedom [N.T.: disponível em português aqui], onde eu propus instituições onde os direitos eram protegidos e as disputas resolvidas através de um sistema de empresas privadas competindo – um sistema de anarquia ordenada. Um exemplo histórico de sistema não territorial de lei foi discutido em um antigo artigo meu sobre as instituições do período Saga na Islândia[2], uma sociedade em que o mais próximo de “cidadania local” era uma relação voluntária entre o Godi (traduzido erroneamente como “chefe”) e os juízes.

Uma solução menos radical em moldes semelhantes foi sugerida por alguns dos comentários do Professor Buchanan ontem. Pode-se imaginar uma sociedade em que um único governo alega autoridade máxima, mas em que grande parte do que costumamos pensar como autoridade governamental fora dispersa para associações quase voluntárias.

A Idade Média fornece exemplos históricos de tais políticas. Considere o caso muçulmanos. Muçulmanos sunitas medievais (e modernos) reconhecem quatro diferentes, mas mutuamente ortodoxas, escolas de lei. Enquanto certas escolas estão mais amplamente reconhecidas em certas áreas geográficas que outras, não há restrição entre onde você vive e que escola de lei você aceita. O resultado é que uma grande cidade muçulmana teria ao menos quatro sistemas de corte diferentes, um para cada escola de lei – e possivelmente sistemas de corte adicionais para grupos tolerados como cristãos, judeus ou xiitas. Presumivelmente, o sistema funcionou porque muitas disputas legais eram intracomunitárias, maliki com maliki, hanbali com hanbali, judeu com judeu. Assim, para a maioria das disputas o problema de conflito entre grupos identificados com diferentes comunidades não surgiu. Similarmente, os galeses em Gales não estavam sobre lei inglesa até o século XVI e os muçulmanos na Espanha permaneceram sob a lei islâmica por um século ou mais depois de seres conquistados pelos cristãos. Nesse aspecto, ao menos, o estado moderno com seu sistema legal unitário é menos tolerante da diversidade que os estados da Idade Média.

Regiões que não são economicamente viáveis

A objeção final que pode ser levantada contra a secessão fácil como uma forma de controlar o estado é que uma região pode não ser economicamente viável, fazendo a ameaça de secessão falhar em ser persuasiva, sendo também imprudente.

A responda óbvia é que a maioria dos países independentes não é economicamente viável também, ou seja, a maioria dos países seria substancialmente pior se fosse cercada por uma grande parede e não pudesse negociar através dela. A razão pela qual isso não é um problema sério é porque os países existentes não são limitados a negociar somente dentro de suas fronteiras. Também não são os novos países. Enquanto há algo razoavelmente próximo do livre mercado no mundo, e enquanto a comunicação com o mundo externo não for efetivamente bloqueada pelo país sendo separado, até mesmo um país muito pequeno pode funcionar como uma parte politicamente independente de um mundo economicamente interdependente.

Chegando lá, daqui

Meu argumento até agora tem tentado mostrar que o mundo seria um lugar melhor se secessões fossem mais fáceis. Isso deixa uma questão óbvia: como fazer os governos permitirem a secessão, dada a óbvia vantagem para eles de impedi-la, incluindo a vantagem de permanecer livre para explorar politicamente regiões fracas?

Até onde tenho resposta para essa questão, é que é mais fácil fazer secessão persuadindo muitas pessoas de que a secessão fácil é uma boa coisa. Isso não garante, obviamente, a secessão. Mas isso aumenta os custos, internos e externos, de suprimir a secessão. Vale a pena notar que o que em última instância terminou com a escravidão no século XIX não foi a marinha britânica, úteis como seus esforços na supressão do comércio de escravos podem ter sido, mas a crença bem disseminada de que a escravidão era algo ruim, a crença que resultou na escravidão sendo abolida independentemente, através de uma série de mecanismos diferentes, na Índia Ocidental, nos Estados Unidos, no Brasil e em outros lugares.

Uma outra observação é que, na medida que as pessoas venham a aceitar o tipo de argumento que eu esbocei, uma conclusão a que elas podem chegar é que defender o direito de secessão no exterior é uma boa maneira de dar ao seu governo uma boa razão para não os destratar.

Uma última pergunta com a qual eu não lidei é acerca de quão larga uma região deve ser para que os meus argumentos a favor da secessão fácil se apliquem. Minha própria resposta é que a mínima região consiste em uma pessoa. Alguns de vocês podem questionar, corretamente, se isso é ou não um bom argumento a princípio, que isso não é uma viabilidade política este ano e nem é provável que o seja em breve. Mas meu argumento não depende da questão do quão longe na escala geográfica a secessão é permitida. O argumento não é sobre tudo ou nada, mas sobre mais ou menos.

———————————————————-

Traduzido por Felipe Couto | Artigo original aqui

Notas

[1] Nas imortais palavras de C. Northcote Parkinson’s, “Quando as coisas ficaram feias, os israelitas começaram a olhar para o atlas. Há provavelmente melhores lugares para estar do que o Egito”.

[2] “Private Creation and Enforcement of Law: A Historical Case”, Journal of Legal Studies.

David Friedman
David Friedman
David Friedman é filho de Milton Friedman, é economista, Ph.D em Física pela Universidade de Chicago e professor de Direito na Universidade de Santa Clara, Califórnia. É autos dos livros The Machinery of Freedom , Price Theory: An Intermediate Text, Law's Order, Hidden Order: The Economics of Everyday Life e Future Imperfect:Technology and Freedom in an Uncertain World.
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