Thursday, November 21, 2024
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Rothbard sobre Guerra

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Hoje, as guerras se conflagram na Ucrânia e no Oriente Médio. Que atitude os libertários devem adotar em relação a essas guerras? É coerente com os princípios libertários apoiar qualquer lado que você acha que possui as melhores razões? Você pode instar esse lado a fazer de tudo para obter a vitória?  Murray Rothbard, o maior de todos os teóricos libertários, não pensava assim. E isso é verdade mesmo que você tenha avaliado o conflito corretamente. Vejamos o que ele diz em seu grande livro A ética da liberdade.

Como era de se esperar, Murray não começa sua análise tomando como ponto de partida os conflitos entre estados. Ele pergunta o que os indivíduos envolvidos em um conflito poderiam fazer adequadamente em uma sociedade anarcocapitalista. Eis o que ele diz:

    “Antes de entrar em análises das atividades entre os diferentes estados, retornemos por um instante ao mundo sem estados puramente libertários, no qual os indivíduos e as agências de proteção privadas contratadas por eles confinam o uso da força estritamente à defesa de suas pessoas e propriedades contra a violência. Suponha que, neste mundo, Pérez descubra que ele ou a sua propriedade estão sofrendo agressões por parte de Silva. Como já vimos, é legítimo que Pérez rechace esta invasão utilizando violência defensiva. Porém agora a pergunta é: faz parte dos direitos de Pérez cometer um ato de violência agressiva contra a pessoa e a propriedade de terceiros inocentes no decurso de sua legítima defesa da agressão de Silva? Evidentemente a resposta é “Não”. Pois a regra que proíbe o uso de violência contra as pessoas inocentes e suas propriedades é absoluta; ela vale independentemente dos motivos subjetivos da agressão. É errado, e criminoso, violar a propriedade ou a pessoa de outro indivíduo, mesmo que ele seja um Robin Hood, ou que esteja faminto, ou que esteja se defendendo contra o ataque de terceiros. Podemos até entender as razões envolvidas e simpatizar com elas em muitos destes casos e em situações extremas. Podemos (ou melhor, a vítima pode, ou os seus herdeiros) depois mitigar o castigo se o criminoso for levado a julgamento para ser punido, mas não podemos escapar do veredicto de que a agressão ainda é um ato criminoso, que a vítima tem todo o direito de repelir, recorrendo ao uso de violência se necessário. Em suma, se A, por estar sendo ameaçado ou agredido por B, faz uso de violência contra C, podemos entender que a “maior” responsabilidade neste caso inteiro é de B, porém ainda consideramos a agressão de A contra C um ato criminoso, o qual C tem todo o direito de repelir com o uso da força.

Para ser mais preciso, se Pérez descobre que sua propriedade está sendo roubada por Silva, Pérez tem o direito de repeli-lo e de tentar detê-lo, porém Pérez não tem o direito de repeli-lo bombardeando um edifício, causando a morte de pessoas inocentes, ou de detê-lo disparando uma rajada de metralhadora contra uma multidão de pessoas inocentes. Se ele fizer isto, ele é tão (ou mais) agressor criminoso que o próprio Silva.

O mesmo critério deve ser aplicado no caso de Silva e Pérez terem cúmplices, i.e., se uma “guerra” inicia-se entre Silva e seus seguidores e Pérez e seus guarda-costas. Se Silva e um grupo de seguidores ataca Pérez, e Pérez e seus guarda-costas perseguem o bando de Silva até seu covil, podemos aplaudir o esforço dele; e podemos, juntamente com o resto da sociedade interessada em repelir agressões, contribuir financeira ou pessoalmente à sua causa. Mas Pérez e seus homens não têm o direito, nem tampouco tem Silva, de agredir qualquer outra pessoa no decorrer de sua “guerra justa”. Eles não têm o direito de roubar as propriedades dos outros para financiar sua empreitada, nem de obrigar outros, mediante o uso da violência, a integrar seu bando, nem de matar outros durante as operações que visam deter as forças de Silva. Se Pérez e seus homens fizessem alguma destas coisas, eles seriam tão criminosos quanto Silva, e também estariam sujeitos a sofrer todas as punições previstas para a criminalidade. Na verdade, se o crime de Silva foi roubo, e se Pérez recorresse ao alistamento obrigatório para detê-lo, ou matasse pessoas inocentes no decorrer da perseguição, então Pérez seria muito mais criminoso do que Silva, pois matar ou escravizar é um crime muito mais grave do que roubar.

Suponha que Pérez, no decorrer de sua “guerra justa” contra os saqueadores de Silva, mate algumas pessoas inocentes; e suponha que ele declare, em defesa de seus atos de assassinatos, que ele estava simplesmente agindo de acordo como slogan, “liberdade ou morte”. Logo de imediato percebe-se o absurdo desta “defesa”, pois a questão não era se Pérez estava disposto a arriscar sua vida em sua guerra defensiva contra Silva; a questão é se ele estava disposto a matar pessoas inocentes para alcançar seu objetivo legítimo. Pois Pérez estava na verdade agindo de acordo com o indefensável slogan: “Minha liberdade ou a morte de outros” — certamente, um grito de guerra muito menos nobre.

Em seguida, Murray argumenta que, porque você nunca pode prejudicar os inocentes, a guerra nuclear é sempre errada, porque não há como limitar o dano que essas armas causam a alvos legítimos. Murray deixa este ponto inequivocamente claro:

       “Tem sido frequentemente afirmado, principalmente por conservadores, que o desenvolvimento de armas modernas de destruição em massa (ogivas nucleares, mísseis, armas biológicas etc.) apresenta apenas uma diferença de grau, não de tipo, em relação às armas mais simples de épocas passadas. Logicamente, nossa resposta é que, quando este grau diz respeito ao número de vidas humanas, a diferença é enorme. Porém uma réplica genuinamente libertária diria que, enquanto o arco e flecha ou o rifle podem apontar direta e unicamente para os verdadeiros criminosos se isto for desejado, as armas nucleares modernas não podem. Aqui está uma diferença crucial de tipo. Claro que o arco e flecha pode ser usado com objetivos agressivos, mas ele pode ser apontado apenas para os agressores. As armas nucleares, ou mesmo as bombas aéreas “convencionais”, não podem. Estas armas são ipso facto mecanismos de destruição em massa indiscriminada. (A única exceção seriam casos extremamente raros em que todos os habitantes de uma grande extensão territorial fossem criminosos). Portanto, devemos concluir que o uso de armas nucleares ou similares, ou a ameaça do uso destas armas, é um crime contra a humanidade para o qual não pode existir justificativa.

Esta é a razão pela qual não tem mais validade o velho clichê de que não são as armas e sim a pretensão de usá-las que são determinantes na hora de se decidir entre a guerra e a paz. Pois a característica básica destas armas modernas é precisamente que não é possível fazer um uso seletivo delas, que elas não podem ser usadas da maneira libertária. Portanto, a simples existência destas armas deve ser condenada e o desarmamento nuclear torna-se um bem que deve ser buscado por si só. De fato, sob todos os aspectos da liberdade, este desarmamento torna-se o mais elevado fim político do mundo moderno. Pois assim como o assassinato é um crime mais odioso do que o roubo, o assassinato em massa — na verdade um assassinato numa escala tão grande que é capaz de ameaçar a civilização humana e a própria sobrevivência da raça humana — é o pior crime que algum homem poderia cometer. E, hoje em dia, este é um crime possível de ser cometido. Ou será que os libertários irão se indignar diante do controle de preços e do imposto de renda, e dar de ombros ou mesmo defender o crime maior do assassinato em massa?”

Murray tem falado até agora sobre o que os indivíduos e as agências de proteção privada em uma sociedade libertária podem fazer.

“No mundo atual, cada região do planeta é dominada por uma organização estatal, com certo número de estados espalhados sobre a superfície terrestre, cada um com um monopólio da violência sobre seu território. Não existe nenhum super estado que tenha um monopólio da violência sobre o mundo inteiro; e, portanto, existe um estado de “anarquia” entre os diferentes estados. Deste modo, excetuando-se as revoluções, que apenas ocorrem esporadicamente, a violência declarada e os conflitos bilaterais no mundo só se dão entre dois ou mais estados, i.e., o que é chamado de “guerra internacional” ou “violência horizontal”.

Mas existem diferenças cruciais e vitais entre as guerras entre estados de um lado e as revoluções contra o estado ou os conflitos entre indivíduos privados do outro. Em uma revolução, o conflito ocorre dentro dos limites de um território: tanto os asseclas do estado como os revolucionários vivem na mesma área. As guerras entre diferentes estados, por sua vez, ocorrem entre dois grupos que possuem um monopólio sobre sua própria extensão territorial, i.e, elas ocorrem entre habitantes de territórios diferentes. A partir desta diferença, derivam-se algumas consequências importantes:

(1) Nas guerras entre estados, o escopo para o uso de armas modernas de destruição em massa é muito maior. Pois, se a escalada armamentista em um conflito intra-territorial adquire proporções muito grandes, cada um dos lados em um conflito tentará aumentar a capacidade das armas direcionadas contra o adversário. Nem um grupo revolucionário, nem um estado combatendo uma revolução, por exemplo, podem usar armas nucleares. Porém, quando cada um dos lados conflitantes habita um território diferente, o escopo para o uso de armas modernas amplia-se enormemente e todo arsenal de destruição em massa pode vir a ser usado.

Uma segunda consequência lógica (2) é que, enquanto é possível que revolucionários mirem seus alvos e confinem suas ações aos inimigos estatais, deste modo evitando agressões contra pessoas inocentes, esta meticulosidade é muito mais difícil em uma guerra entre estados. Isto é verdade até para as armas mais antigas; e, logicamente, com armas modernas não pode haver nenhuma delimitação específica de vítimas.

Ademais, (3) já que cada estado pode mobilizar todos os habitantes e todos os recursos de seu território, o outro estado pode vir a considerar que todos os cidadãos do país inimigo são, ao menos temporariamente, seus inimigos, e tratá-los como tais, estendendo a guerra a eles. Deste modo, tem-se como consequência quase inevitável das guerras entre estados que cada grupo combatente irá agredir a população inocente — as pessoas privadas — do grupo oposto. Esta inevitabilidade torna-se absoluta com as armas modernas de destruição em massa.

Se uma das características específicas das guerras entre estados é a inter-territorialidade, outro atributo exclusivo delas é que cada um dos estados sobrevive dos impostos que são cobrados de seus súditos. Por conseguinte, qualquer guerra de um estado contra outro implica em um aumento e ampliação da agressão da cobrança de impostos contra seu próprio povo. Os conflitos entre pessoas privadas podem ser, e geralmente são, travados e financiados voluntariamente pelas partes envolvidas. As revoluções podem ser, e frequentemente são, financiadas e travadas por meio de contribuições voluntárias das pessoas. Porém as guerras dos estados só podem ser financiadas por meio da agressão contra os contribuintes.

Portanto, todas as guerras estatais envolvem um aumento da agressão do estado sobre os pagadores de impostos, e praticamente todas as guerras estatais (todas as guerras modernas) envolvem a máxima agressão (assassinato) contra civis inocentes dominados pelo estado inimigo. Por outro lado, as revoluções são frequentemente financiadas voluntariamente e podem circunscrever minuciosamente seus atos de violência contra os governantes; e os conflitos privados podem confinar sua violência aos verdadeiros criminosos. Logo, devemos concluir que, enquanto algumas revoluções e alguns conflitos privados podem ser legítimos, as guerras dos estados devem ser condenadas sempre.

Alguns libertários poderiam objetar da seguinte maneira: “Por mais que também deploremos a utilização dos impostos para financiar guerras, e o monopólio estatal dos serviços de defesa, temos que admitir que estas condições existem, e enquanto elas continuarem existindo, temos que apoiar o estado nas guerras defensivas justas”. De acordo com a nossa discussão anterior, a réplica seria da seguinte maneira: “Sim, o estado existe, e enquanto for assim, a atitude libertária diante do estado deveria ser a de dizer: ‘Muito bem, você existe, mas, enquanto continuar existindo, ao menos restrinja suas atividades às áreas em que impõe seu monopólio”. Em suma, os libertários estão interessados em reduzir o máximo possível as áreas de agressão do estado contra os indivíduos privados, sejam eles “estrangeiros” ou “nacionais”. A única maneira de fazer isso, em assuntos internacionais, é fazendo com que o povo de cada país pressione seus respectivos governos para que restrinjam suas atividades a áreas que eles monopolizem e com que não levem a cabo agressões contra outros estados monopolistas — mais especificamente, contra as pessoas dominadas pelos outros estados. Resumindo, o objetivo dos libertários é confinar qualquer estado existente ao menor nível possível de invasão das pessoas e das propriedades. E isto significa uma rejeição total a guerras. Os povos devem pressionar os “seus” respectivos estados a não atacar outros estados, e, se um conflito se inicia, deve-se pressionar para que haja a negociação da paz ou uma declaração de cessar fogo o mais rápido possível.

Suponha agora que tenhamos o raro caso em que um estado esteja realmente tentando defender a propriedade de seus cidadãos. Um cidadão do país A viaja ao país B, ou investe nele, e então o país B agride a sua pessoa ou confisca seus bens. Certamente, nosso libertário crítico pode argumentar que este é um caso claro em que o estado A deve ameaçar ou iniciar uma guerra contra o estado B a fim de defender a propriedade de “seus” cidadãos. Uma vez que, continua o argumento, o estado arrogou para si próprio o monopólio da defesa de seus cidadãos, ele tem a obrigação de entrar em guerra para ajudar qualquer cidadão e os libertários devem apoiar tal guerra justa.

Porém a questão mais uma vez é que cada estado possui um monopólio da violência, e, portanto, da defesa, somente sobre sua própria extensão territorial. Ele não possui este monopólio — na verdade não possui poder algum — sobre qualquer outro território. Por conseguinte, se um habitante do país A se mudar ou investir no país B, os libertários devem argumentar que ele, com isso, assume um risco em relação ao estado monopolista do país B, e que seria imoral e criminoso que o estado A recolhesse impostos dos que vivem no país A e matasse muitos inocentes do país B a fim de defender a propriedade do viajante ou do investidor.

Também deve ser mencionado que não existe nenhuma defesa contra armas nucleares (atualmente a única “defesa” é a ameaça de “destruição mútua assegurada”) e, portanto, que o estado não pode proporcionar nenhum tipo de função de defesa internacional enquanto estas armas existirem.

O objetivo libertário, então, deve ser, independentemente das causas específicas de algum conflito, pressionar os estados a não desencadearem guerras contra outros estados e, se uma guerra se inicia, pressionar os estados a buscar a paz e a negociar um cessar fogo e um tratado de paz o mais rápido possível. Este objetivo, diga-se de passagem, estava inscrito nas antigas leis internacionais dos séculos XVIII e XIX, i.e., o ideal de que nenhum estado deveria invadir o território de outro — aquilo que é hoje em dia chamado de “coexistência pacífica” dos estados.”

O que acontece se uma guerra eclodir? Então, diz Murray, não deve haver ajuda externa a nenhuma das partes envolvidas.

“Um corolário da política libertária de coexistência https://loja.uiclap.com/titulo/ua16780/pacífica e da não intervenção entre estados é a abstenção rigorosa de qualquer tipo de apoio internacional, de ajuda de um estado a outro. Pois qualquer apoio dado pelo estado A ao estado B (1) aumenta a agressão do imposto contra a população do país A, e (2) agrava a repressão do estado B sobre seu próprio povo. “

Vamos fazer tudo o que pudermos para seguir os princípios de Murray em todos os terríveis conflitos que o mundo enfrenta hoje.

 

 

 

Artigo original aqui

Lew Rockwell
Lew Rockwell
Lew Rockwell é o chairman e CEO do Ludwig von Mises Institute, em Auburn, Alabama, editor do website LewRockwell.com, e autor dos livros Contra a Esquerda, Speaking of Liberty e The Left, the Right, and the State.
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1 COMENTÁRIO

  1. Substituindo A por OTAN e B por Ucrânia:

    “Pois qualquer apoio dado pela OTAN à Ucrânia (1) aumenta a agressão do imposto contra a população dos paises da OTAN, e (2) agrava a repressão da Ucrânia sobre seu próprio povo. ”

    E é exatamente isso que ocorreu e está ocorrendo. Já vi vídeos de agentes do estado ucrâniano recrutando à força civis para o combate. Por enquanto homens, muitos sem qualquer condicionamento físico, técnico e psicológico para ser um soldado. (vídeos assim são rapidamente derrubados de plataformas como o YouTube.)

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