A Rede Globo desvendou um esquema fraudulento de postos de gasolina que lesavam o consumidor. O consumidor que, por exemplo, quisesse abastecer seu carro com 20 litros de gasolina, acabava recebendo na verdade um volume menor, mas pagava integralmente pelos 20 litros. A maracutaia era possível porque um malandro inventou um dispositivo eletrônico que era instalado dentro das bombas de gasolina e que podia ser acionado via controle remoto. Este dispositivo eletrônico — na verdade um chip — falsificava o marcador das bombas, fazendo com que, em vez de gasolina, o consumidor pagasse por ar.
O esquema era tão profissional que, caso o cliente reclamasse e pedisse para o frentista encher um tanque padrão de 20 litros, para se certificar de que realmente estava recebendo os 20 litros, bastava que o frentista acionasse o controle remoto para que a bomba voltasse à leitura correta do marcador, desta forma liberando realmente os 20 litros. Um carro popular que enchesse o tanque receberia na realidade 6 litros a menos.
Em decorrência do sucesso desta sua invenção, o vigarista prosperou no mercado, de modo que vários postos passaram a adotar este seu dispositivo, o qual tinha um “custo unitário de instalação” de R$ 5 mil
A reportagem completa — muito bem realizada e editada, por sinal — pode ser vista abaixo. É altamente recomendável.
Façamos agora uma análise de tudo o que a reportagem mostrou, mas não explicitou.
1) Quem descobriu a fraude não foi a ANP (Agência Nacional de Petróleo), cuja função autoproclamada é a de fiscalizar todo o setor petrolífero brasileiro, inclusive os setores de comercialização de petróleo e seus derivados, e o de abastecimento.
A ANP é uma burocracia enorme que possui, além de sua diretoria, uma secretaria executiva, 15 superintendências, 5 coordenadorias, 3 núcleos (Segurança Operacional, Fiscalização da Produção de Petróleo e Gás Natural, e Núcleo de Informática) e 3 centros (Relações com o Consumidor, Centro de Documentação e Informação, e Centro de Pesquisas e Análises Tecnológicas).
Ou seja: pagamos uma pornográfica carga tributária para garantir os altos salários de burocratas que não tinham a menor ideia do que se passava justamente naquele setor que eles são pagos para fiscalizar. Em um livre mercado, pessoas que apresentassem este abismal histórico de incompetência estariam imediatamente fora do mercado, falidas e sem nenhuma chance de conseguir dinheiro novamente. Mas como a incompetência se deu dentro do setor estatal, o burocrata simplesmente foi à TV e, com a cara totalmente impávida, disse que eles, coitados, na verdade precisam é de mais dinheiro.
Imagine se o restaurante que você frequenta começasse a servir comida estragada. Imagine também que, se você fosse reclamar, o dono simplesmente virasse pra você e dissesse: “Estamos servindo comida estragada porque estamos sem dinheiro. E estamos sem dinheiro porque você não nos dá dinheiro suficiente. Só vamos melhorar o serviço se você nos der mais dinheiro agora, e sem exigir nada em troca”. Qual seria a sua reação?
No mercado, fracassados e incompetentes ficam sem dinheiro e se retiram, dando espaço e liberando recursos aos mais competentes. No estado, a incompetência não apenas se torna o principal motivo para se extrair mais dinheiro da população, como também garante uma expansão do setor e um aumento dos salários dos incompetentes.
2) Quem descobriu a fraude também não foi o Inmetro, autarquia federal vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. O Inmetro, como deve saber o leitor, detém o monopólio das certificações e credenciamentos. E foi justamente o Inmetro quem credenciou o picareta desmascarado na reportagem. Em outras palavras, o vigarista prosperou no mercado da fraude justamente porque gozava do selo de qualidade do Inmetro. Ele apresentava o selo e seu produto era logo aceito.
Fosse a certificadora uma empresa particular, quais as chances de ela estar operando hoje no mercado? Qual empresa séria iria querer ostentar seu selo? Porém, como se trata de uma empresa estatal e monopolista, não apenas ela continuará firme no mercado, distribuindo atestados de qualidade por aí a fora, como também tornará mais difícil a vida de empreendedores honestos. Afinal, por que continuar confiando em uma estatal monopolista que distribui selos igualmente para honestos e para escroques, sem seguir nenhum critério de mercado e, exatamente por isto, sem se preocupar com as consequências de suas atitudes? Uma estatal monopolista não opera seguindo o mecanismo de lucros e prejuízos que apenas o mercado impõe, o que significa que ela não possui nenhum incentivo para ser criteriosa. Errando ou acertando, sua reserva de mercado continuará intacta, assim como o polpudo salário de seus burocratas. Quem ostenta o selo do Inmetro não traz consigo garantia alguma de ser idôneo. E um selo concedido a um farsante não gera nenhuma punição para a agência.
Mas, no fundo, o objetivo do Inmetro, bem como o de qualquer agência reguladora, sempre foi um só: criar barreiras de entrada ao mercado de modo a proteger os poderosos e obsoletos, encarecendo a inovação e o empreendedorismo dos mais capazes, porém menos financeiramente capacitados. Trata-se do inexaurível conluio entre a burocracia estatal e os grandes interesses econômicos com o intuito de fechar o mercado para alguns poucos privilegiados.
Para quem discorda e sinceramente crê na benevolência estatal, fica a pergunta: se o estado está realmente interessado no bem-estar da população, então por que não permite a proliferação de certificadoras privadas concorrendo livremente no mercado? A oferta de serviços seria abundante, mais barata e mais rápida. Uma quantidade muito maior de produtos seria certificada. Por que monopolizar e restringir este mercado essencial? Pior ainda: por que restringi-lo apenas à supervisão de burocratas estatais, justamente as pessoas menos sensíveis às consequências de maus resultados?
Como disse Helio Beltrão em seu artigo sobre o Inmetro:
O mercado privado encontra soluções muito superiores para lidar com a fundamental questão da conformidade, segurança e qualidade. Por exemplo, vocês já devem ter reparado que todos os produtos elétricos e eletrodomésticos contêm um selo da UL(Underwriters Laboratories) ou da CSA, ou da ETL.
Assim como as outras competidoras, a UL, a mais famosa delas, é uma certificadora privada e independente fundada em 1894, e que certifica cerca de 20.000 produtos diferentes — eles emitem 20 bilhões de selos por ano.
Estes selos privados têm credibilidade, pois competem no mercado e dependem de sua reputação (como empresas de mídia) para sobreviver. Uma vida perdida por conta de um produto mal-testado pode significar sua falência. Já o “selo do rei” não tem credibilidade, pois não compete no mercado e sua baixa reputação não o faz perder clientes, justamente por ser um monopólio estatal.
3) Quem descobriu a fraude foi uma empresa privada, em busca do lucro. E quem ajudou esta empresa a constatar a fraude, dando apoio técnico, metodológico e metrológico foi outra empresa privada, também em busca do lucro. Duas empresas privadas agindo em busca do lucro trouxeram mais benefícios à população — que, diga-se de passagem, não pagou nada por este serviço — do que os burocratas estatais que supostamente deveriam impedir a fraude — e que, diga-se de passagem, apesar da incompetência, continuam sendo religiosamente pagos com dinheiro extraído à força população.
Por fim, uma observação: os detratores do livre mercado tendem a se regozijar com esta notícia, dizendo se tratar de uma prova cabal de que nenhum mercado pode ficar desregulamentado, pois isto, a desregulamentação, incentivaria exatamente o tipo de comportamento descrito na reportagem. Aqui cabem algumas considerações.
Em primeiro lugar, nenhum livre-mercadista nega a existência de empreendedores salafrários; nós apenas acreditamos — e para isto baseamo-nos na sólida teoria econômica — que, quanto mais livre e concorrencial for o mercado, mais restritas serão as chances de sucesso de vigaristas, e mais honestas as pessoas serão forçadas a se manter. E elas terão de ser honestas não por benevolência ou moral religiosa, mas sim por puro temor de que, uma vez descobertas suas trapaças, elas serão devoradas pela concorrência, podendo nunca mais recuperar sua fatia de mercado e indo a uma irrecuperável falência.
Por outro lado, quanto maior for a regulamentação estatal sobre um setor, mais incentivos existirão para a corrupção, para o suborno, para os favorecimentos e para os conchavos. Em vez de se concentrar em oferecer bons serviços e superar seus concorrentes no mercado, as empresas mais poderosas poderão simplesmente se acertar com os burocratas responsáveis pelas regulamentações, oferecendo favores e, em troca, recebendo agrados como restrições e vigilâncias mais apertadas para a concorrência.
Segundo, o setor energético é certamente um dos mais regulados da economia brasileira. Começa pelo fato de a Petrobras deter um monopólio prático da extração de petróleo. Após mais de 40 anos de monopólio jurídico (quebrado apenas em 1997), a Petrobras já se apossou das melhores jazidas do país. Nem tem como alguém concorrer. É como você chegar atrasado ao cinema: os melhores assentos já foram tomados, e você terá de se contentar com os piores. Além da Petrobras e da ANP, que regula tudo que diz respeito ao setor, há toda uma cornucópia de regulamentações ambientais, trabalhistas e de segurança que fazem com que abrir um posto de combustíveis seja uma atividade quase que restrita aos ricos — ou a pessoas que possuem contatos junto ao governo. Livre concorrência nesta área nunca existiu.
E terceiro, não podemos nos esquecer daquele que sem dúvida é o principal fator que estimula todos os tipos de trapaça neste setor: a carga tributária. Como anualmente demonstrado pelo IMB em nosso Dia da Liberdade de Impostos, caso todos os impostos sobre a gasolina (PIS, Cofins, CIDE e ICMS) fossem abolidos, o preço do litro, hoje, cairia de R$ 2,50 para R$ 1,18 — uma redução de 53%, que é exatamente a carga tributária sobre a gasolina. Uma carga tributária tão voraz como esta incidindo sobre os preços estimula a criação de todos os tipos de métodos burlescos que possibilitem a obtenção de um máximo de receitas através do menor volume possível de vendas do produto real — daí os recorrentes casos de gasolina batizada, por exemplo. Placas eletrônicas nas bombas de gasolina representam apenas um estágio mais tecnologicamente avançado das fraudes.
Tal arranjo tributário torna inevitável o surgimento de pilantras que tentarão ganhar terreno justamente em cima da honestidade daqueles outros donos de postos que não recorrerem a charlatanices.
Esta mais nova modalidade de fraude no Brasil não deve ter realmente nada de nova. O fato de ela ter sido descoberta só agora não implica necessariamente uma jovialidade do esquema — mesmo porque, quem supervisiona o setor são burocratas; e a característica obrigatória de um burocrata é ser desantenado e ter aprendizado lento. Coube ao mercado detectar um esquema que deveria ter sido impedido pelos burocratas.
O que tudo isto demonstra irrevogavelmente é que, quanto mais tarefas você delega ao estado, quanto mais monopólios você permite que ele detenha, e quanto mais regulamentações você defende que ele imponha, mais os trapaceiros se aproveitarão e tungarão o bolso do cidadão honesto.