Thursday, November 21, 2024
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Qual é a oferta monetária “adequada” para uma economia?

Este artigo foi extraído do livro “O que o governo fez com o nosso dinheiro”, futuro lançamento do IMB.

dinheiro (1)Agora podemos perguntar: qual é a oferta monetária em uma sociedade e como tal oferta é utilizada? Em específico, podemos suscitar aquela eterna pergunta: de quanto dinheiro “precisamos”? Qual a quantidade de dinheiro realmente necessária? Deve a oferta de moeda ser regulada por algum tipo de “critério”, ou ela pode ser deixada totalmente para o livre mercado?

Em primeiro lugar, o estoque total — ou oferta — de moeda em uma sociedade, em qualquer momento, seria a massa total da moeda-mercadoria existente. Suponhamos, para o momento, que apenas uma mercadoria tenha sido escolhida pelo livre mercado para ser o dinheiro. Suponhamos ainda que essa mercadoria seja o ouro (embora pudéssemos ter adotado a prata ou mesmo o ferro; caberá ao mercado, e não a nós, decidir qual é a melhor mercadoria a ser utilizada como dinheiro). Visto que o ouro é o dinheiro, a oferta total de dinheiro será a quantidade total de ouro que existe na sociedade. O formato desse ouro não interessa — a menos que o custo de se alterar o ouro para determinados formatos seja maior do que alterá-lo para outros formatos (por exemplo, cunhar moedas custar mais que fundi-las). Nesse caso, um dos formatos será escolhido pelo mercado para ser a unidade de conta, e os demais formatos terão um ágio ou um desconto de acordo com seus os custos relativos no mercado.

As alterações no estoque total de ouro serão regidas pelas mesmas causas que regem as alterações na oferta dos outros bens. Aumentos na oferta serão consequência de uma maior produção das minas; reduções na oferta serão decorrência de desgaste natural, de uso no setor industrial etc. Dado que o mercado escolherá uma mercadoria durável como dinheiro, e dado que o dinheiro é exaurido na mesma taxa que outras mercadorias — mas empregado como meio de troca —, a produção anual de ouro em relação ao estoque total existente tenderá a ser bem pequena. Logo, alterações no estoque total de ouro geralmente ocorrerão a um ritmo muito lento.

Qual “deve” ser a oferta monetária? Vários tipos de critério já foram apresentados: que a quantidade de dinheiro deve aumentar de acordo com o aumento populacional, de acordo com o “volume de transações”, de acordo com a “quantidade de bens produzidos”, de modo a manter o “nível de preço” constante etc. Poucos, no entanto, sugeriram deixar a decisão para o mercado. Mas o dinheiro difere das demais mercadorias em um ponto essencial, e perceber tal diferença é o segredo para se compreender as questões monetárias.

Quando a oferta de um bem qualquer aumenta, esse aumento gera um benefício social; é algo para regozijo geral. Uma maior quantidade de bens de consumo significa um maior padrão de vida para o povo; uma maior quantidade de bens de capital significa um maior padrão de vida maior no futuro. A descoberta de novas terras férteis ou de novos recursos naturais também promete aumentar os padrões de vida presente e futuro. Mas, o que pode ser dito a respeito do dinheiro? Será que um aumento da oferta monetária também beneficia o público em geral?

Os bens de consumo são, por definição, consumidos e exauridos pelos consumidores; bens de capital e recursos naturais são exauridos no processo de produção dos bens de consumo. Mas o dinheiro não é consumido e nem exaurido; sua função é apenas atuar como meio de troca — permitir que bens e serviços sejam transferidos rapidamente de uma pessoa para outra. Tais trocas são realizadas em termos de preços monetários.

Assim, se um aparelho de televisão é trocado por três onças de ouro, dizemos que o “preço” da televisão é de três onças. Em qualquer momento, todos os bens na economia serão cambiáveis por determinada quantidade de ouro. Como dito, o dinheiro, ou o ouro, é o denominador comum de todos os preços. Mas e quanto ao dinheiro em si? Será que ele tem um “preço”? Dado que o preço é simplesmente uma relação de troca, então o dinheiro certamente tem um preço. Contudo, nesse caso, o “preço do dinheiro” é um conjunto do infinito número de relações de troca que existem todos os diversos bens do mercado.

Assim, suponhamos que um aparelho de televisão custe três onças de ouro, que um automóvel custe sessenta onças de ouro, que uma bisnaga de pão custe 1/100 de onça de ouro e que uma hora dos serviços jurídicos do doutor Joaquim custe uma onça de ouro. O “preço do dinheiro”, então, será um conjunto de trocas alternativas. Uma onça de ouro “valerá” 1/3 da televisão, 1/60 de um automóvel, 100 bisnagas de pão ou uma hora dos serviços do doutor Joaquim. E assim por diante. O preço do dinheiro, portanto, é o “poder de compra” da unidade monetária — nesse caso, da onça de ouro. O preço do dinheiro, ou o seu poder de compra, informa o que aquela unidade pode adquirir ao ser trocada, assim como o preço monetário de um aparelho de televisão informa quanto de dinheiro um aparelho de televisão pode conseguir ao ser trocado.

O que determina o preço do dinheiro? As mesmas forças que determinam todos os preços no mercado — a venerável, mas eternamente verdadeira, lei da “oferta e demanda”. Todos nós sabemos que se a oferta de ovos aumenta, o preço de cada ovo tende a cair; se a demanda dos consumidores por ovos aumentar, o preço tenderá a subir. O mesmo fenômeno ocorre para o dinheiro. Um aumento na oferta de dinheiro tenderá a reduzir seu “preço”; um aumento na demanda por dinheiro irá aumentar seu preço.

Mas o que é a demanda por dinheiro? No caso dos ovos, sabemos o que significa “demanda”. A demanda por ovos é a quantidade de dinheiro que os consumidores estão dispostos a gastar em ovos, mais os ovos que estão guardados pelos fornecedores e que não estão à venda. Essa é a demanda total por ovos. Similarmente, no caso do dinheiro, “demanda” por dinheiro significa os vários bens que são oferecidos em troca do dinheiro, mais a quantidade de dinheiro entesourada e não gasta pelos indivíduos durante um determinado período de tempo. Em ambos os casos, a “oferta” pode se referir ao estoque total de um determinado bem no mercado.

O que ocorre, então, se a oferta de ouro aumentar e a demanda por dinheiro continuar a mesma? O “preço da moeda” cai, ou seja, o poder de compra da unidade monetária cairá em todos os setores da economia. Uma onça de ouro valerá agora menos que 100 bisnagas de pão, menos que 1/3 de um aparelho de televisão etc. De modo inverso, se a oferta de ouro diminuir, o poder de compra da onça de ouro aumentará.

Qual é o efeito de uma alteração na oferta monetária? Seguindo o exemplo de David Hume, um dos primeiros economistas a abordar o assunto, podemos nos perguntar o que ocorreria se, da noite para o dia, uma Fada Madrinha entrasse às escondidos em nossos bolsos, carteiras e nos cofres dos bancos e duplicasse a nossa oferta monetária. Neste exemplo, ela magicamente dobrou nossa quantidade de ouro. Será que nós agora estamos duas vezes mais ricos? É obvio que não. O que nos torna ricos é uma abundância de bens, e o que limita tal abundância é a escassez de recursos para produzi-los: a saber, terra, trabalho e capital. Multiplicar a quantidade de dinheiro não faz com que tais recursos deixem de ser escassos e se materializem milagrosamente. É verdade que podemos nos sentir duas vezes mais ricos por um momento, mas claramente o que ocorreu foi apenas uma diluição da oferta monetária. À medida que as pessoas saírem correndo para gastar essa riqueza recém-encontrada, os preços irão aproximadamente dobrar — ou ao menos aumentar até a demanda ser satisfeita e o dinheiro não mais estiver competindo consigo próprio pelos bens existentes.

Logo, vemos que, embora um aumento na quantidade de dinheiro, assim como um aumento na quantidade de qualquer outro bem, reduz o seu preço, tal alteração não produz — ao contrário do que ocorre com os outros bens — nenhum benefício social. O público em geral não se torna mais rico. Ao passo que novos bens de consumo ou de capital aumentam os padrões de vida da população, um aumento da quantidade de dinheiro na economia gera apenas aumento de preços — isto é, dilui seu próprio poder de compra. A explicação para este aparente enigma é que o dinheiro só é útil pelo seu valor de troca. Outros bens possuem diversas utilidades “reais”, de modo que um aumento em sua oferta satisfaz os desejos de mais consumidores. Já o dinheiro, por sua vez, possui utilidade apenas enquanto possibilitador de trocas; sua utilidade está justamente em seu valor de troca ou em seu “poder de compra”. Esta lei — de que um aumento na oferta monetária não confere um benefício social — deriva do uso exclusivo, específico e único do dinheiro como meio de troca.

Um aumento na oferta monetária, portanto, irá apenas diluir a efetividade de cada unidade monetária — ou, no nosso caso, de cada onça de ouro. Por outro lado, uma redução da oferta monetária irá aumentar a capacidade de cada unidade monetária de cumprir sua função. Chegamos assim à surpreendente verdade de que não importa qual seja a oferta monetária. Uma determinada quantidade de dinheiro será tão boa quanto qualquer outra quantidade. O livre mercado simplesmente se ajustará alterando o poder de compra, ou a efetividade, da unidade de ouro. Não há nenhuma necessidade de se interferir no mercado com o intuito de alterar a oferta monetária determinada pelo livre mercado.

Nesta altura, o adepto do gerenciamento estatal do dinheiro irá contestar: “Muito bem, admitindo que é inútil aumentar a oferta monetária, então a mineração de ouro não seria um desperdício de recursos? O governo não deveria manter a oferta monetária constante e proibir novas minerações?” Esse argumento pode ser plausível para aqueles que não possuem objeções às intervenções governamentais, mas não convencerá um resoluto defensor da liberdade. Porém, tal objeção ignora um ponto importante: o fato de que o ouro não é somente dinheiro; ele também é, inevitavelmente, uma mercadoria. Um aumento na oferta de ouro pode não conferir nenhum benefício monetário, mas confere sim benefícios não-monetários — ou seja, aumenta a quantidade de ouro utilizada no consumo (ornamentos, usos odontológicos e coisas do tipo) e na produção (insumos industriais). A mineração de ouro, portanto, não é de forma alguma um desperdício social.

Consequentemente, podemos concluir que a melhor maneira de determinar a quantidade de dinheiro na economia, assim como a quantidade de todos os demais bens, é deixando tal serviço a cargo do livre mercado. Além das indiscutíveis vantagens morais e econômicas da liberdade sobre a coerção, uma quantia de dinheiro estipulada por burocratas não será mais efetiva do que a quantidade de dinheiro estabelecida pelo livre mercado, o qual determinará a produção de ouro de acordo com sua relativa capacidade de satisfazer a necessidade dos consumidores — assim como já faz com todas as outras áreas da economia.[1]
[1] A mineração de ouro, obviamente, não é uma atividade especialmente mais lucrativa do que qualquer outra. No longo prazo, a taxa de lucro desta atividade será igual à taxa de lucro líquida de qualquer outra indústria.

Murray N. Rothbard
Murray N. Rothbard
Murray N. Rothbard (1926-1995) foi um decano da Escola Austríaca e o fundador do moderno libertarianismo. Também foi o vice-presidente acadêmico do Ludwig von Mises Institute e do Center for Libertarian Studies.
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