Uma confluência de fatores — alguns de ordem mundial e outros de ordem estritamente doméstica — explica a recente e súbita ascensão do preço da gasolina no Brasil.
Em algumas cidades, em apenas um mês, o litro da gasolina subiu 50 centavos, e na maioria das capitais o preço já está em R$ 3 (em Goiânia já está em 3,20). Para se ter uma ideia, no início de 2010, por exemplo, o preço médio nas capitais girava entre R$ 2,30 e R$ 2,45.
A tabela a seguir, com dados do IPCA, mostra o aumento ocorrido no preço médio da gasolina e do etanol em 11 capitais. Os períodos analisados são o mês de abril, o acumulado no ano até agora e o acumulado em 12 meses.
Inflação dos combustíveis em abril, no ano e nos últimos 12 meses | |||||||||
Capital | Abril/2010 | Acumulado do ano | 12 meses | ||||||
Comb. | Gasolina | Etanol | Comb. | Gasolina | Etanol | Comb. | Gasolina | Etanol | |
Rio de Janeiro | 5,47% | 4,35% | 17,28% | 8,76% | 6,54% | 31,89% | 8,91% | 6,96% | 24,76% |
Porto Alegre | 5,06% | 4,4% | 17,57% | 6,48% | 5,39% | 28,97% | 6,21% | 4,94% | 33,31% |
Belo Horizonte | 4,58% | 4,57% | 14,87% | 10,29% | 10,74% | 24,97% | 9,65% | 10,38% | 25,05% |
Recife | 2,58% | 1,55% | 9,54% | 2,03% | 0,84% | 10,25% | 4,01% | 3,03% | 10,66% |
São Paulo | 6,6% | 5,14% | 17,55% | 9,41% | 6,82% | 33,05% | 10,40% | 6,98% | 43,36% |
Distrito Federal | 4,33% | 3,79% | 14,15% | 5,19% | 3,86% | 25,76% | 13,15% | 12,11% | 33,04% |
Belém | 1,39% | 1,09% | 4,98% | 1,64% | 0,91% | 10,82% | 1,66% | 1,29% | 5,99% |
Fortaleza | 3,35% | 3,68% | 4,23% | 4,53% | 4,72% | 13,07% | 13,84% | 15,52% | 9,72% |
Salvador | 4,07% | 3,97% | 7,7% | 2,61% | 2,28% | 15,49% | 3,41% | 3% | 20,31% |
Curitiba | 4,35% | 2,97% | 17,6% | 7,92% | 5,36% | 35,39% | 13,45% | 10,21% | 51,18% |
Goiânia | 5,44% | 4,74% | 15,3% | 10,81% | 9,04% | 38,40% | 20,38% | 18,28% | 57,50% |
Nacional | 5,26% | 4,28% | 16,4% | 7,98% | 6,19% | 30,69% | 10,15% | 8,15% | 36,97% |
Fonte: IBGE |
Muito bem.
Um dos motivos apontados para esse encarecimento tem sido o monopólio (na prática, embora não na teoria) da Petrobras. É verdade que monopólios produzem bens de baixa qualidade a preços altos, porém monopólios por si só não explicam aumentos repentinos de preços. Falando mais claro: o monopólio da Petrobras explica o fato de nossa gasolina ser ruim e cara, mas ele não explica esse súbito e acentuado aumento ocorrido nas bombas. Fosse tão simples assim um monopólio sair elevando os preços, estes já estariam nas alturas há muito tempo.
É verdade também que, caso a Petrobras estivesse operando sob ambiente concorrencial, os preços da gasolina poderiam ser menores, bem como o aumento ocorrido. Porém, como veremos a seguir, o aumento ocorrido nas bombas, pelo menos até agora, possui outras explicações.
Em primeiro lugar, de acordo com Salomão Quadros, coordenador do índice de preços IGP-M, da FGV, “A gasolina não está subindo de preço na refinaria“. Partindo do princípio que os dados coletados pelo senhor Quadros estão corretos — e não há motivos para duvidar disso —, então temos que os preços estão subindo apenas nas bombas, mas não nas refinarias.
Essa notícia, obviamente, excitou os políticos. O Ministro de Minas e Energia, Edison Lobão — o qual, segundo um famoso blogueiro, não saberia diferenciar uma tomada de um focinho de porco —, já disse que vai acionar o CADE para investigar donos de postos de gasolina, os quais estariam, segundo a onisciente sabedoria do ubíquo ministro, formando cartel.
Politicagens à parte, o fato é que há uma explicação econômica para esse fenômeno do preço da gasolina. Antes de tudo, vale deixar claro que os recentes aumentos não estão ligados (ainda) às recentes elevações ocorridas no preço do barril de petróleo no mercado internacional. Em meados de 2008, o barril de petróleo chegou a US$ 135. Atualmente, está na casa dos US$ 113.
Levando-se em conta a desvalorização do dólar nesse período, houve uma queda real no preço do barril de petróleo. Isso, aliado à valorização do real perante o dólar, explica por que não tem havido aumentos na refinaria (enfatizo: pelo menos até agora).
Portanto, como dito, o fenômeno possui outras explicações. E estas podem ser rastreadas até os bancos centrais americano e brasileiro — sei que já estou parecendo uma vitrola quebrada ao insistir recorrentemente nesse tema, mas fazer o quê?
Funciona assim:
O preço do açúcar vem batendo seguidos recordes no mercado internacional, chegando ao seu maior nível em 29 anos. As causas desse aumento são:
1) alguns fenômenos meteorológicos adversos que ocorreram no sul do Brasil (o maior produtor mundial);
2) quedas nos estoques na Índia (segundo maior produtor mundial) provocadas tanto pela maior demanda interna daquele país quanto pelo aumento de suas exportações para suprir a maior demanda mundial, demanda essa estimulada pelos recentes aumentos na oferta monetária causados pelos bancos centrais (principalmente dos EUA e da Europa) para tentar combater a recessão em seus países.
Por causa desse súbito aumento no preço do açúcar, os produtores de cana-de-açúcar aqui no Brasil destinaram um maior volume de cana para atender a esse mercado de açúcar, ao invés do mercado de álcool. Isso reduziu a produção de etanol.
Consequentemente, houve uma inesperada escassez tanto de álcool hidratado, que é o álcool combustível, quanto de álcool anidro, que é o álcool misturado à gasolina em uma proporção que varia de 20 a 25% do litro da gasolina. (Detalhe: o álcool anidro é misturado à gasolina justamente para aumentar sua octanagem, coisa tipicamente brasileira, tão ruim é a qualidade da gasolina comum da Petrobras).
Não bastasse esse redirecionamento para a produção de açúcar, os meses de março e abril foram de entressafra, o que acentuou a escassez.
Além dessa diminuição da oferta de álcool — fenômeno que por si só já gera aumento de preços —, o Banco Central brasileiro intensificou o efeito da escassez permitindo que os meios fiduciários se expandissem em 15% de março de 2010 até meados de abril de 2011.
Ou seja, houve um duplo ataque ao mercado de etanol: de um lado, redução da oferta do produto; de outro, aumento da quantidade de dinheiro na economia. Isso explica o fenomenal aumento de 37% em 12 meses do álcool hidratado, como mostrado na tabela acima. Apenas nos quatro primeiros meses de 2011, o encarecimento foi de 30%.
Pior ainda foi o que ocorreu com o álcool anidro, o qual, como dito, é o álcool adicionado à gasolina na proporção de 20 a 25% por litro: seu encarecimento foi ainda mais intenso. Apenas em abril, seu preço aumentou 33,14% em relação a março, e isso após o produto já ter subido 9,32% apenas em março.
Esse encarecimento do etanol, o maior aumento súbito já registrado em sua história, provocou dois efeitos sobre a gasolina:
1) o encarecimento do álcool hidratado fez com que os motoristas de carros flex passassem a abastecer exclusivamente com gasolina;
2) o encarecimento do álcool anidro — que atualmente é misturado à gasolina na proporção de 20% do volume (cada litro de gasolina possui, na verdade, 20% de álcool anidro) — obviamente também acabou estimulando o encarecimento da gasolina.
Portanto, o item 1 gerou um aumento súbito na demanda por gasolina, o que fez com que a Petrobras tivesse de importar gasolina apenas para atender a esta demanda inesperada. (A estatal importou uma carga total de1,5 milhão de barris de gasolina em abril e já encomendou mais um milhão para maio, volume equivalente a cerca de cinco dias do consumo nacional).
Já o item 2, por si só, encareceu a gasolina, mas somente a partir da distribuição do produto, dado que a gasolina sai das refinarias ainda sem a adição do álcool anidro.
A soma desses dois itens explica o aumento do preço da gasolina nas bombas.
Porém, há um detalhe extremamente interessante: dado que atualmente o álcool anidro é misturado à gasolina na proporção de 20%, e dado que em abril ele encareceu 33,14%, uma matemática simples (0,20 x 0,3314 = 6,63%) mostra que o aumento efetivo da gasolina ocorrido nas bombas em abril (4,28%) foi, na verdade, abaixo do necessário para cobrir o aumento dos custos. Quando se calcula para o acumulado no ano de 2011, tal defasagem torna-se ainda mais explícita.
Isso significa que, ao menos até agora, os postos não elevaram o preço da gasolina para além do que foi elevado o preço do álcool anidro. Ou, falando mais claro, os donos de postos, na média nacional, elevaram o preço da gasolina a um nível ainda insuficiente para contrabalançar o aumento dos custos trazidos pelo álcool anidro mais caro. Logo, não apenas não se pode dizer que os postos estão “praticando preços abusivos”, como sequer pode-se dizer que eles estejam formando cartel — a menos que eles estejam formando cartel para manter os preços abaixo do nível de mercado, acusação esta que ainda não foi feita.
Talvez essa relutância em elevar os preços nas bombas — muito provavelmente por temor de indignação popular, dado que o povo é incapaz de entender as reais causas do aumento da gasolina — tenha sido a responsável pelos recentes rumores de que havia algumas regiões do país correndo o risco de desabastecimento. É compreensível que de fato tenha havido pontos de desabastecimento. Quando a oferta fica restringida e os preços não sobem o necessário, haverá escassez. Trata-se de uma lei econômica indelével.
As últimas notícias, porém, dão conta que o período da entressafra já acabou e que os produtores de cana já voltaram a direcionar seus esforços para a produção de etanol — uma atitude economicamente óbvia, dado os preços em níveis historicamente altos. Caso isso seja verdade, é provável que o preço da gasolina tenda a se estabilizar a partir de junho/julho.
A conclusão é que, ao menos por ora, não há absolutamente nenhuma evidência econômica de que os donos de postos estejam praticando cartel, simplesmente porque — ao menos até a data em que este artigo foi escrito (01/05) — o aumento do preço da gasolina nas bombas foi menor do que deveria ter sido quando se considera a elevação do preço do álcool anidro. O preço da gasolina não subiu o suficiente para compensar a elevação de custos trazida pela elevação do preço do álcool anidro.
Conclusão
Não há cartel entre os donos de postos e não há qualquer indício de “precificação abusiva” da gasolina. Os recentes e acentuados aumentos foram causados por uma combinação de entressafra da cana-de-açúcar, preço alto do açúcar (o que desviou a produção de cana para suprir este mercado) e expansão da quantidade de dinheiro na economia.
Caso a população realmente queira que o preço da gasolina no Brasil seja reduzido, há algo que pode ser feito com apenas uma canetada, e que traria uma redução imediata de 53% no preço da gasolina, sem nenhuma mágica e sem nenhuma pirotecnia: acabar com todos os impostos vergonhosos que incidem sobre este produto fundamental para a economia.
Caso todos os impostos sobre a gasolina (PIS, Cofins, CIDE e ICMS) fossem abolidos, o preço do litro cairia de R$3 para R$ 1,41. Que tal?
Não são os postos que praticam extorsão — muito pelo contrário: são eles que nos fazem o grande favor de nos ofertar gasolina, esse bem tão precioso. A única entidade que realmente pratica extorsão, que tributa, que imprime dinheiro — e com isso faz com que os preços subam mais do que o necessário para equilibrar oferta e demanda —, que mantém o monopólio prático sobre as jazidas de petróleo, que impossibilita a concorrência no setor e que realmente impede que tenhamos gasolina barata chama-se estado.