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Por uma nova liberdade – O Manifesto Libertário

4. OS PROBLEMAS

Observemos agora de maneira breve as principais áreas problemáticas de nossa sociedade, e procuremos ver se conseguimos detectar algum “fio condutor” que passe por todos eles.Altos impostos. Impostos altos e cada vez maiores vêm causando danos a quase todos e estão prejudicando a produtividade, os incentivos e a economia, bem como as livres iniciativas das pessoas. No nível federal, há uma revolta crescente contra o fardo dos impostos sobre os salários, e existe um movimento rebelde florescente contra os impostos, com suas próprias organizações e revistas, que se recusa a pagar um imposto que ele vê como predatório e inconstitucional. Nos níveis estadual e local, existe uma onda crescente de ressentimento contra impostos opressivos sobre as propriedades. Assim, um número recorde de 1,2 milhões de eleitores californianos assinaram uma petição a favor da iniciativa Jarvis-Gann nas eleições de 1978, uma proposta que abaixaria drástica e permanentemente os impostos prediais de dois terços para um por cento e estabeleceria um limite sobre o valor estimado da propriedade. Além disso, a iniciativa Jarvis-Gann colocaria em prática esse limite exigindo a aprovação de dois terços de todos os eleitores registrados da Califórnia para qualquer tentativa de se aumentar os impostos sobre propriedade acima deste teto de um por cento. E, para se assegurar de que o estado simplesmente não o substituísse por algum outro imposto, a iniciativa também exigia um mínimo de dois terços de aprovação dos eleitores para que a legislatura estadual aumentasse qualquer outro imposto naquele estado.

Ademais, no outono de 1977, milhares de proprietários de casas no condado de Cook, em Illinois, participaram de uma greve contra o imposto sobre a propriedade, que havia sido aumentado drasticamente devido a tributações cada vez mais altas.

Dificilmente é necessário enfatizar que a taxação, seja ela sobre o salário, a propriedade, ou o que for, é monopólio exclusivo do governo. Nenhum outro indivíduo ou organização goza do privilégio da taxação, de adquirir sua renda através da coerção.

Crise fiscal urbana. Por toda a nação, estados e comunidades estão tendo dificuldade em pagar os juros e principais de suas inchadas dívidas públicas. A cidade de Nova York já foi pioneira na inadimplência parcial de suas obrigações contratuais: a crise fiscal urbana é simplesmente uma questão de governos urbanos que gastam demais, mais até mesmo do que os altos impostos que extraem de nós. Novamente, quanto os governos estaduais ou urbanos gastam depende deles; mais uma vez, a culpa é do governo.

Vietnã e outras intervenções externas. A Guerra do Vietnã foi um desastre completo para a política externa americana; depois de um número incontável de pessoas terem sido assassinadas e a área devastada, a um custo enorme de recursos, o governo local, apoiado pelos Estados Unidos, finalmente entrou em colapso, em 1975. O desastre da Guerra do Vietnã fez com que, apropriadamente, o resto da política externa fosse questionado com severidade, e foi parcialmente responsável pelo congresso ter interrompido a intervenção militar americana no fiasco angolano. A política externa, é claro, também é um monopólio exclusivo do governo federal. A guerra foi travada por nossas forças armadas que são, igualmente, um monopólio compulsório do mesmo governo federal. Logo, o governo é inteiramente responsável por todo o problema das guerras e da política externa, como um todo e em todos os seus aspectos.

Crime nas ruas. Consideremos: os crimes em questão estão sendo cometidos, por definição, nas ruas. As ruas são de propriedade, quase que universalmente, do governo, que tem, portanto, um virtual monopólio de propriedade destas ruas. A polícia, que deveria nos proteger destes crimes, é um monopólio compulsório do governo. E os tribunais, que têm como propósito condenar e punir os criminosos, também são um monopólio coercitivo do governo. O governo, portanto, está encarregado de cada um destes aspectos do problema do crime nas ruas. O fracasso, neste caso, assim como o fracasso no Vietnã, deve ser atribuído unicamente ao governo.

Congestionamento de tráfego. Mais uma vez, isto ocorre unicamente em ruas e estradas de propriedade do governo.

Complexo militar-industrial. Este complexo é inteiramente uma criatura do governo federal. É o governo que decide gastar incontáveis bilhões em armamentos destinados à destruição em massa, é o governo que distribui contratos, o governo que subsidia a ineficiência através de garantias de cobertura dos custos mais os lucros acrescidos, o governo que constrói fábricas e as arrenda ou simplesmente as dá aos empreiteiros. Obviamente, os empreendedores envolvidos se utilizam de lobbies para obter tais privilégios, porém é apenas através do governo que o mecanismo para estes privilégios, e a alocação inadequada e perdulária destes recursos, pode existir.

Transporte. A crise do transporte não envolve apenas ruas engarrafadas, mas também estradas de ferro em estado de abandono, linhas aéreas que cobram preços excessivos, o congestionamento dos aeroportos nos horários de pico, e metrôs (como, por exemplo, o da cidade de Nova York) que vêm sofrendo déficits cada vez maiores e estão visivelmente caminhando para o colapso. No entanto: as ferrovias foram construídas em excesso através de enormes subsídios governamentais (federais, estaduais e locais) durante o século XIX, e foram a indústria mais intensamente regulamentada pelo maior período de tempo da história americana. As linhas aéreas são cartelizadas através da regulamentação feita pelo Civil Aeronautics Board, e subsidiadas através deste tipo de regulamentação, contratos com os correios, e aeroportos virtualmente gratuitos. Os aeroportos utilizados pelas linhas comerciais são todos de propriedade de ramos do governo, especialmente locais. O metrô da cidade de Nova York há décadas é de propriedade do governo.

Poluição nos rios. Os rios são, efetivamente, desprovidos de proprietários, isto é, vêm sendo mantidos como “domínio público” de propriedade do governo. Além disso, os maiores culpados pela poluição de suas águas são, de longe, os sistemas de eliminação de esgoto, de propriedade dos municípios. Mais uma vez: o governo é ao mesmo tempo o maior poluidor, bem como o “proprietário” negligente do recurso.

Escassez de água. A escassez de água é crônica em algumas áreas do país, e intermitente em outras, como a cidade de Nova York. Ainda assim o governo, (1) através de seu controle do domínio público, detendo a propriedade dos rios de onde vem a maior parte da água, e (2) como virtualmente o único fornecedor comercial de água, detém a propriedade dos reservatórios e dos canais de escoamento da água.

Poluição do ar. Mais uma vez, o governo, como dono do domínio público, tem a “propriedade” do ar. Além disso, foram os tribunais, propriedade exclusiva do governo, que, num ato de políticas deliberadas, por gerações, fracassaram na proteção dos direitos de propriedade de nossos corpos e hortos da poluição gerada pela indústria. Além do mais, boa parte da poluição direta vem de usinas de propriedade do governo.

Falta de energia e blecautes. Por todo o país, os governos estaduais e locais criaram monopólios compulsórios de energia elétrica e gás, e concederam estes privilégios monopolísticos a empresas privadas de serviço público, que são então regulamentadas e têm suas taxas determinadas por agências governamentais visando assegurar um lucro permanente e fixo. Mais uma vez, o governo tem sido a fonte do monopólio e da regulamentação.

Serviço telefônico. Serviços de telefonia cada vez mais deficientes são fornecidos, novamente, por empresas de serviço público que recebem um privilégio monopolístico compulsório do governo, e que têm suas taxas estabelecidas pelo governo de forma a obter um lucro. Como no caso do fornecimento de gás e eletricidade, não é permitido a ninguém competir com o monopólio das companhias telefônicas.

Serviço postal. Sofrendo com altos déficits ao longo de sua existência, o serviço postal, em total contraste com o que ocorre com os bens e serviços produzidos pela indústria privada no livre mercado, se tornou gradualmente mais caro, e ofereceu um serviço cada vez pior. A maior parte do público, ao utilizar os serviços expressos de correio, vem sendo forçada a subsidiar as empresas que se utilizam dos serviços convencionais e mais econômicos. Mais uma vez, os correios têm sido, desde o fim do século XIX, um monopólio compulsório do governo. Sempre que empresas privadas receberam a permissão de competir, ainda que ilegalmente, na entrega de correio, elas invariavelmente conseguiram oferecer um serviço melhor a preços mais baixos.

Televisão. A televisão consiste de programas insípidos e notícias distorcidas. Os canais de rádio e televisão vêm sendo nacionalizados há meio século pelo governo federal, que distribui concessões de canais aos privilegiados que recebem suas licenças, e pode e frequentemente revogam estes presentes quando uma estação desagrada de alguma maneira a Comissão Federal de Comunicações (Federal Communications Commission) do governo. Como pode qualquer tipo genuíno de liberdade de expressão existir sob tais condições?

Sistema de bem-estar social. O sistema de bem-estar social é, obviamente, da alçada exclusiva do governo, principalmente estadual e local.

Moradia urbana. Juntamente com o tráfego, é uma de nossas falhas urbanas mais conspícuas. Ainda assim existem poucas outras indústrias tão intimamente interligadas com o governo. O planejamento urbano controlou e regulamentou as cidades; leis de zoneamento cercaram as moradias e a utilização do solo com inúmeras restrições. Impostos prediais enfraqueceram o desenvolvimento urbano e forçaram o abandono de casas. Os códigos de edificação restringiram a construção de moradias e aumentaram seus preços. Projetos de renovação urbana forneceram subsídios maciços a incorporadoras e construtoras forçaram a demolição de apartamentos e imóveis alugados, diminuíram a quantidade de moradias disponíveis, e intensificaram a discriminação racial. A utilização de empréstimos governamentais em grande escala gerou a construção excessiva nos subúrbios. O controle dos preços de aluguéis criou uma escassez no número de apartamentos e reduziu a oferta de domicílios residenciais.

Restrições e greves sindicais. Os sindicatos se tornaram um transtorno, com seu poder de prejudicar a economia, mas apenas como resultado de uma série de privilégios especiais concedidos pelo governo; especialmente diversas imunidades conferidas aos sindicatos, em especial o Wagner Act, de 1935, que vigora até os dias de hoje, e obriga os empregadores a negociar com os sindicatos que conquistarem um voto majoritário de uma “unidade de negociação” definida de maneira arbitrária pelo próprio governo.

Educação. Outrora tão reverenciada e considerada tão sacrossanta pela opinião pública americana quanto a maternidade ou a bandeira, a escola pública, nos últimos anos, vem sofrendo um ataque generalizado de todos os setores do espectro político. Até mesmo aqueles que a apoiam não ousam sustentar que as escolas públicas ensinam de fato qualquer coisa de relevante. E presenciamos recentemente casos extremos, nos quais as atitudes das escolas públicas motivaram uma reação violenta, em áreas tão diferentes quanto o sul de Boston e o condado de Kanawha, na Virgínia Ocidental. As escolas públicas, é claro, são de inteira propriedade e totalmente operadas pelos governos estadual e local— com uma coordenação e assistência considerável do setor federal. As escolas públicas são escoradas por leis de frequência obrigatória, que forçam todas as crianças até a idade do ensino superior a frequentar instituições escolares—sejam elas públicas ou escolas privadas certificadas pelas autoridades governamentais. A educação superior, do mesmo modo, tem se tornado fortemente interligada ao governo nas últimas décadas: muitas universidades são de propriedade do governo, enquanto outras recebem dele de maneira sistemática doações, subsídios e contratos.

Inflação e estagflação. Os Estados Unidos, assim como o resto do mundo, vêm sofrendo por muitos anos de uma inflação crônica e crescente, uma inflação que vem acompanhada de uma alta taxa de desemprego e que vem persistindo através de recessões, tanto severas quanto mais amenas (“estagflação”). Uma explicação para estes fenômenos indesejáveis será apresentada mais adiante; por ora afirmemos apenas que a causa principal está numa expansão contínua do fornecimento de dinheiro, um monopólio compulsório do governo federal (qualquer um que ouse competir com o governo federal na impressão de dinheiro será preso por falsificação). Uma parte vital do estoque de dinheiro da nação é emitida na forma de “moeda-cheque” pelo sistema bancário, que por sua vez está sob controle total do governo federal e do seu banco central.

Watergate. Finalmente, embora não menos importante, foi toda a síndrome traumática sofrida pelos americanos no caso que se tornou conhecido como “Watergate”. O que o Watergate significou foi uma dessantificação total do presidente e de instituições federais até então consideradas sacrossantas, como a CIA e o FBI. As invasões de propriedade, os métodos dignos de estados policiais, o ludíbrio do público, a corrupção e as perpetrações múltiplas e sistemáticas de crimes por um presidente até então virtualmente onipotente levaram a um impeachment até então impensável de um presidente, e a uma ampla e justificada perda de confiança em todos os políticos e todos os funcionários governamentais. A classe dirigente por muitas vezes lamentou esta nova e universal falta de confiança, porém não foi capaz de recuperar a fé ingênua que o público tinha nos dias anteriores ao Watergate. A historiadora progressista Cecilia Kenyon certa vez repreendeu os antifederalistas—os defensores dos artigos da constituição e opositores da constituição—por serem “homens de pouca fé” nas instituições do governo. É de se suspeitar se ela não seria tão ingênua caso tivesse escrito aquele artigo na era pós-Watergate.[1]

Watergate, claro, é um fenômeno pura e totalmente governamental. O presidente é o principal executivo do governo federal, os “encanadores” foram seu instrumento, e o FBI e a CIA são igualmente agências governamentais. E foram, de maneira bem compreensível, a fé e a confiança no governo que foram despedaçados por Watergate.

Se observarmos com atenção, portanto, às áreas crucialmente problemáticas de nossa sociedade—as áreas de crise e fracasso—encontraremos em cada um dos casos um “fio condutor” que marca e une todos eles: o fio do governo. Em cada um destes casos, o governo ou gerenciou ou influenciou fortemente a atividade. John Kenneth Galbraith, em seu best-seller The Affluent Society, reconheceu que o setor governamental foi o foco de nosso fracasso social—porém extraiu daí a estranha lição de que, logo, mais fundos e recursos deveriam ser desviados do setor privado para o setor público. Ele ignorou, assim, o fato de que o papel do governo nos Estados Unidos—federal, estadual, e local—foi expandido enormemente, tanto em termos absolutos quanto proporcionais, neste século e, especialmente, nas últimas décadas. Infelizmente, Galbraith jamais levantou a questão: existe algo de inerente à atividade e operação governamental, algo que cria exatamente estes fracassos que vemos de maneira tão abundante? Investigaremos alguns dos principais problemas do governo e da liberdade neste país, de onde vieram estes fracassos, e proporemos as soluções do novo libertarianismo.

 



[1] Cecilia M. Kenyon, “Men of Little Faith: The Anti-Federalists on the Nature of Representative Government,” William and Mary Quarterly (janeiro de 1955): 3–43.

 

Murray N. Rothbard
Murray N. Rothbard
Murray N. Rothbard (1926-1995) foi um decano da Escola Austríaca e o fundador do moderno libertarianismo. Também foi o vice-presidente acadêmico do Ludwig von Mises Institute e do Center for Libertarian Studies.
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