Thursday, November 21, 2024
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Por que eles odeiam o mercado?

3326_ultimate-factories-bmw-1_04700300Entre os intelectuais, o modismo de sempre é culpar todas as mazelas da sociedade no livre mercado.  Basta dar uma olhada no conteúdo dos cursos universitários, nas palavras dos professores, nas publicações acadêmicas e mesmo nos jornais dos grêmios universitários.  Todos eles concordam entre si nesse quesito.

O desprezo popular pelo mercado é angustiante.  Poucas instituições são tão universalmente vilipendiadas, e talvez poucas instituições sejam tão universalmente incompreendidas.  E essa desinformação é perigosa: os radicais que protestam tão veementemente contra o funcionamento do livre mercado raramente percebem que estão defendendo o fim da única instituição que pode aprimorar o padrão de vida das pessoas.

Parodiando o poeta Robert Frost, deveríamos primeiro examinar como funciona o paraíso para, só então, tentarmos mudar o mundo.  Em outras palavras, devemos entender como algo é antes de começarmos a falar como ele deveria ser.  Nesse artigo, farei precisamente isso: vou esclarecer a definição de “livre mercado” e então argumentar que os chamados ‘pecados’ do mercado são erroneamente interpretados.

Cabe a nós, antes de tudo, definir aquilo sobre o qual estamos falando.  Muitas discordâncias têm suas origens na incompreensão e no equívoco.  Portanto, vamos definir o “livre mercado”: o site dictionary.com define um “mercado” como “uma oportunidade de comprar ou vender” e um “livre mercado” como “um mercado econômico no qual a oferta e a demanda não são reguladas ou são reguladas com restrições mínimas”.  “Livre mercado” e “capitalismo” são praticamente sinônimos, e é George Reisman quem define o capitalismo de maneira eloquente:

O capitalismo é um sistema social baseado na propriedade privada dos meios de produção.  É caracterizado pela busca do interesse próprio em termos materiais — em um ambiente livre da iniciação de força física —, e seus alicerces são culturalmente influenciados pela razão.  Baseado em suas fundamentações e em sua natureza essencial, o capitalismo é mais detalhadamente caracterizado pela poupança e pela acumulação de capital, pelas trocas voluntárias intermediadas pelo dinheiro, pelo interesse próprio financeiro e pela busca do lucro, pela livre concorrência e pela desigualdade econômica, pelo sistema de preços, pelo progresso econômico, e por uma harmonia da busca pelo interesse próprio material de todos os indivíduos que dele participam.[1]

Assim, podemos definir o “livre mercado” como um sistema social baseado na troca voluntária de títulos de propriedade.  E, ainda assim, o “livre mercado” é quase que universalmente vilipendiado dentro da academia.

Várias críticas populares ao mercado são tão batidas que já asseguraram a caricatura de clichê (críticos do capitalismo diriam que tais críticas são um “axioma”).  Elas podem ser condensadas em algumas poucas proposições amplas, as quais consideraremos aqui.  Elas são: o mercado é antissocial, o mercado atropela os direitos humanos, o mercado é o inimigo do meio ambiente e o mercado é a arma dos ricos contra os pobres.  Vamos analisar uma de cada vez.

Um dos mais populares mitos sobre a economia de mercado é que ela necessariamente gera uma tipicamente hobbesiana “guerra de todos contra todos”, um mundo em que todos se devoram e todos competem em uma briga por recursos, sendo que o final é um jogo de soma zero.  Outros já chegaram inclusive a afirmar que o mercado pode levar toda a espécie humana à autodestruição.  A conclusão, portanto, é que o mercado é algo belicoso e hostil: se os recursos são finitos e todos vivem para consumir, então conflitos — e guerras — serão necessariamente o resultado natural.

Mas conflitos e guerras são a exata antítese dos princípios do livre mercado.  A essência das trocas de mercado é a cooperação: dois lados trocam bens e serviços, e ambos saem enriquecidos dessa troca.  Você vai a uma loja e paga por uma gravata.  A loja compra a gravata do fabricante.  O fabricante paga pela mão-de-obra e pelo capital necessários para produzir a gravata.  Todos ganham no processo.

O leitor deve também observar que as pessoas nunca começam guerras de conquista e subjugação com a intenção de ampliar as trocas voluntárias de bens e serviços.  Com efeito, muitas guerras ocorrem fundamentalmente por motivos anticapitalistas: a saber, disputas comerciais.  Vale a pena sempre recorrermos à sabedoria de Frédéric Bastiat, que alertou que, quando os bens deixam de cruzar as fronteiras, os exércitos cruzarão.

Outra crítica popular ao livre mercado é que ele atropela os direitos humanos.  Escravidão, racismo, machismo e “trabalhos precários” são filhos do capitalismo; portanto, a economia de mercado deve ser derrubada e destruída o mais rápido possível.

Em primeiro lugar, a escravidão é antimercado por definição: mercados livres são guiados pelo princípio do voluntarismo.  Em segundo, racismo e machismo são difíceis de serem sustentados em mercados competitivos: não importa o quanto um determinado empregador odeie negros, mulheres, judeus, homossexuais etc., os consumidores raramente estão dispostos a pagar o preço extra que seria necessário para que ele satisfaça eternamente seu desejo pela discriminação.

Tragicamente, regulamentações sobre as condições de trabalho e a imposição de um salário mínimo maior tendem a exacerbar — ao invés de mitigar — as discriminações, pois removem as penalidades que empregadores preconceituosos sofreriam em um mercado competitivo e eliminam uma importante margem que poderia ser utilizado por grupos marginalizados.  Quando as pessoas não mais podem competir com base em preços, quantidade e qualidade, as empresas passam a poder discriminar com base em algo que não seja a produtividade.

Em um mercado livre e desimpedido, um empregador racista seria penalizado (lucros menores que os de seus concorrentes) se ele incorresse em qualquer tipo de discriminação.  Sem um salário mínimo imposto, seria caro para um empregador racista negar a mão-de-obra de um trabalhador negro que se dispusesse a trabalhar por um valor menor que o de um branco.  Porém, quando o estado passa a fixar o preço da mão-de-obra, e as condições de trabalho são determinadas por decreto, esse mesmo empregador estará apto a exercer suas preferências racistas sem que receba uma merecida punição capitalista.  É por isso que um salário mínimo mais alto acaba com o único trunfo que os grupos historicamente discriminados têm a seu favor.

Ademais, o mercado tem sido profundamente benevolente mesmo para as mais oprimidas minorias.  Em sua magistral obra Competition and Coercion: Blacks in the American Economy 1865-1914, Robert Higgs narrou cronologicamente os espetaculares ganhos e conquistas obtidos pelos filhos e filhas de escravos quando eles passaram a poder participar da economia de mercado.

Em terceiro lugar, temos de fazer duas perguntas quando consideramos a má situação da mão-de-obra em “trabalhos precários”.  Primeira: por que as condições de trabalho são tão miseráveis?  Segunda: quais são as alternativas boas para esses trabalhadores?  As condições de trabalho no terceiro mundo são ruins exatamente porque vários desses países apenas recentemente começaram a adotar as instituições que caracterizam as economias de mercado do ocidente.  As melhores alternativas para esses trabalhadores são normalmente pavorosas: crime, prostituição e fome.  Se os trabalhos precários forem proibidos, essas serão as únicas alternativas sobrantes.

Também é bastante popular acusar o mercado de ser o inimigo do meio ambiente.  Outra mentira; a degradação ambiental ocorre exatamente quando os direitos de propriedade são debilmente especificados, fiscalizados e zelados.  Se há alguma entidade que fracassou quanto a isso, é o estado.  Há ampla evidência desse fracasso nos países comunistas: vários lagos, rios e correntezas da antiga União Soviética são tão poluídos, que são inutilizáveis.  A afirmação de que “o mercado é o inimigo do meio ambiente” é baseada em ficções.

A economia de mercado também é acusada de ser a arma suprema dos ricos contra os pobres.  A “meritocracia” capitalista seria a responsável pela ampla e difundida pobreza, pela desigualdade desenfreada e pelo domínio mundial das grandes corporações.  Embora esses desafios às instituições capitalistas tendam a gerar uma retórica intrigante, eles são completamente falsos.

Os países pobres de hoje já eram pobres muito antes de as modernas e liberais economias de mercado se desenvolverem na Europa e na América do Norte; portanto, não se pode culpar o capitalismo pela pobreza deles.  Muitos críticos também apontam para a desigual distribuição de riqueza como evidência das mazelas do capitalismo, mas tal acusação ignora dois pontos cruciais.

O primeiro é a mobilidade de renda: dependendo da liberdade econômica do país, alguém nascido na pobreza tem uma boa chance de ascender na escala social.  Segundo, embora a distribuição de renda monetária seja desigual, a facilidade de acesso aos bens de composição tecnológica similar aumentou consideravelmente.  Durante a maior parte da história mundial, a diferença entre ricos e pobres era a diferença entre aqueles que comiam e aqueles que morriam de fome.  Na economias de mercado atuais, a diferença entre os super ricos e os pobres é a diferença entre aquele que dirige um Dodge Viper e aquele que dirige um Chevrolet da década de 1980.

O leitor deveria também observar que o poder que se imagina que as “grandes corporações” tenham está exagerado.  Uma característica exclusiva do capitalismo de livre mercado é que as maiores recompensas vão para aqueles que satisfazem às demandas do cidadão comum.  Nos EUA, por exemplo, pense no Wal-Mart, o bode expiatório favorito dos intelectuais de esquerda: a clientela do Wal-Mart é formada quase que exclusivamente de pessoas das classes média e baixa.  O capitalismo gera uma riqueza fantástica, e os benefícios vão quase que inteiramente para os menos afortunados dentre nós.

Ludwig von Mises disse tudo de maneira sucinta em uma série de palestras publicadas postumamente como o nome de As Seis Lições.  Ele observa que

Este é o principio fundamental do capitalismo tal como existe hoje em todos os países onde há um sistema de produção em massa extremamente desenvolvido: as empresas de grande porte, alvo dos mais fanáticos ataques desfechados pelos pretensos esquerdistas, produzem quase exclusivamente para suprir a carência das massas.  As empresas dedicadas à fabricação de artigos de luxo, para uso apenas dos abastados, jamais têm condições de alcançar a magnitude das grandes empresas.  E, hoje, os empregados das grandes fábricas são, eles próprios, os maiores consumidores dos produtos que nelas se fabricam.  Esta é a diferença básica entre os princípios capitalistas de produção e os princípios feudalistas de épocas anteriores.

A “relação de poder”, um conceito tão caro aos marxistas, é exatamente oposta àquela imaginada: os consumidores, e não os produtores, é que ditam o rumo da produção.

Não obstante tudo isso, os inimigos do mercado argumentam que a única razão pela qual as pessoas toleram as economias de mercado é porque elas são obrigadas a tal.  A evidência das imigrações ocorridas ao longo do século XX não dá respaldo a essa hipótese.  Milhares de pessoas morreram tentando cruzar as fronteiras da Alemanha Oriental e da Coréia do Norte — e não havia o mesmo movimento na direção oposta.  Similarmente, milhares de cubanos arriscaram suas vidas e integridade física tentando fugir para os EUA.  Até onde se sabe, nenhuma pessoa desafiou o oceano em uma balsa caseira em busca de melhores condições de vida em Cuba.

Finalmente, trata-se de ignorância pura e simples dizer que o mercado “falhou” de alguma maneira significativa.  Ao proferir tal sentença, seria necessário propor uma alternativa superior.  Nesse caso, tanto a teoria quanto a história estão firmemente a favor do livre mercado.  Mises e Hayek demonstraram que o cálculo econômico racional é impossível sem que haja propriedade privada dos meios de produção.  Isso não significa que uma “economia socialista” seja ineficiente — significa que uma economia socialista é uma contradição prática.  Nossa experiência com revoluções radicais e economias planejadas ao longo do século XX não é nada estimulante: em nome do “povo”, Che Guevara matou milhares, Hitler milhões, Stalin e Mao dezenas de milhões.

Pode até ser chique culpar a economia de mercado por todas as mazelas da sociedade, mas não apenas essa acusação é sem sentido como também a fé dos intelectuais em alternativas para o mercado é inteiramente fictícia.  Nunca nenhum regime socialista teve eleições livres, e nenhum livre mercado já produziu algum campo de extermínio.  Contrariamente às opiniões de acadêmicos e intelectuais populares, o mercado funciona.  E pode botar essa na conta.

______________________________

Notas

[1] Reisman, George. 1996. Capitalism: A Treatise on Economics (Ottawa, IL: Jameson Books), p. 19.

Art Carden
Art Carden
Art Carden é professor-assistente de economia e finanças no Rhode Island College em Memphis, Tenessee, além de ser membro adjunto do Independent Institute, localizado em Oakland, Califórnia. Seus papers podem ser encontrados na sua página no Social Science Research Network. Ele também escreve regularmente nos blogs Division of Labour e The Beacon.
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