[N. do T.: o texto a seguir foi considerado pelos leitores do mises.org um dos mais divertidos e elucidativos já divulgados.]
Quanto mais leio inúmeros analistas, incluindo economistas profissionais, oferecendo “soluções” para a crise financeira, mais me convenço da importância da teoria do capital. Essa importância é exacerbada quando você vê a dicotomia que as pessoas insistem em traçar entre os mercados financeiros e a “economia real”, uma distinção que é útil para alguns propósitos, mas que, nesse contexto, apenas reforça a idéia de que a bolsa de valores nada mais é do que um cassino.[1]
Quando o plano de socorro financeiro do Secretário do Tesouro Henry Paulson estava começando a tomar forma, até mesmo os pensadores mais sagazes e pró-livre mercado, que outrora se mostraram muito coerentes, recomendaram que, na verdade, uma “recapitalização bancária” seria o jeito certo de corrigir a bagunça. Mas se considerarmos que todos os problemas advêm do fato de que recursos reais foram erroneamente desviados para o setor imobiliário – muitas e enormes casas foram construídas em detrimento de vários outros possíveis usos para aqueles insumos – então qualquer transferência financeira feita pelo governo não irá por si só ajudar em nada, a não ser na redistribuição dos prejuízos.
Uma vez que compreendemos que os atuais problemas se devem às distorções induzidas pelo Fed na estrutura do capital, torna-se claro que a pior recomendação para a crise é que o Fed corte as taxas de juros e injete ainda mais “liquidez”. Foi o crédito artificialmente barato que estimulou o boom imobiliário, pra início de conversa. Alan Greenspan jogou a taxa básica de juros (nos EUA chamada de Federal Funds Rate) para o ridículo nível de 1% – o que significa que a taxa de juros era de fato negativa, quando ajustada pela inflação dos preços – e a manteve nesse nível por um ano. Ele fez isso com a intenção (aparente) de evitar uma áspera recessão na “economia real” – recessão necessária para corrigir os maus investimentos e a má alocação de recursos – após o colapso das ações das empresas pontocom (empresas que comercializavam produtos ou serviços relacionados de alguma maneira à Internet). Mas, na realidade, o que ele fez foi plantar as sementes de toda a atual crise. Se Bernanke continuar canalizando centenas de bilhões de dólares para banqueiros necessitados, daqui a cinco anos os americanos (e o resto do mundo) irão olhar afetuosamente para a atual crise da mesma maneira que hoje olhamos saudosos para a recessão de 2001, que sob as atuais circunstâncias parece que foi uma amena inconveniência.
Paul Krugman e Tyler Cowen ridicularizam a Teoria da “Ressaca”
Ao invés de começar do zero, nesse artigo vou ilustrar a importância de uma sólida teoria do capital, mostrando como que economistas muito inteligentes – um dos quais é hoje um ganhador do Nobel – cometem erros elementares em suas críticas à teoria austríaca dos ciclos econômicos (TACE). Em prol da brevidade, não irei recapitular a teoria aqui; nos links acima você pode ver minhas sucintas explicações, ou você ir aqui para ver a incrível apresentação em Power Point [em português] feita por Roger Garrison, ou aqui para uma introdução mais abrangente.
E então, assumindo que o leitor entende o básico da teoria austríaca, vou transcrever uma recente discussão que Tyler Cowen[2] fez a respeito da crítica de Paul Krugman à TACE:
[Paul Krugman:] Aqui está o problema: por uma questão de simples aritmética, o gasto total em uma economia é necessariamente igual à renda total (cada venda é também uma compra, e vice versa). Portanto, se as pessoas decidem gastar menos em bens de capital, será que isso não significa que elas devem ter decidido gastar mais em bens de consumo – o que implica que uma queda no investimento deve sempre ser acompanhada de um correspondente aumento no consumo? E, sendo assim, por que deveria haver um aumento no desemprego?
[Tyler Cowen comentando a fala acima:] Mas eu creio que o ponto será mais efetivo se tomado ao inverso. Por que é que, pra começo de conversa, o boom (forte crescimento econômico) é realmente um boom? A retirada de recursos da produção de bens de consumo, e sua transferência para a produção de bens de capital, deveria gerar queda no salário real, e não aumento. Em outras palavras, a teoria austríaca não gera o altíssimo grau de co-movimento encontrado nos dados.
Esses são na verdade dois argumentos distintos; ou seja, Cowen fez mais do que simplesmente “inverter” o argumento, ele alterou-o ligeiramente. Para ajudar o leitor a entender minha resposta, deixe-me parafrasear (aquelas que considero ser) as objeções similares (porém distintas) de Krugman e Cowen à teoria de Mises e Hayek.
A teoria austríaca, em linhas bem gerais, diz que durante o boom econômico artificial a mão-de-obra dos trabalhadores e outros recursos serão desviados para projetos de investimento que não são compatíveis com o nível total da poupança real. Mais cedo ou mais tarde a realidade vai impor sua face medonha e os projetos insustentáveis terão de ser abandonados antes de serem finalizados (a menos que o crédito continue sendo injetado na economia em volumes cada vez maiores, o que geraria um colapso total dos preços). Os empreendedores percebem que eles se enganaram terrivelmente durante o boom, todos se sentem mais pobres e cortam o consumo, e muitos trabalhadores perdem seus empregos até que a estrutura de produção seja reconfigurada à luz dessa revelação.
Não obstante, Krugman diz que isso não faz sentido. Podemos estipular que alguns produtores (construtores, por exemplo) expandem suas atividades muito agressivamente durante um boom, e então repentinamente descobrem que seus clientes não mais querem comprar seus produtos (prédios comerciais urbanos, digamos). Mas, explica Krugman, as pessoas na economia têm de gastar sua renda com alguma coisa. Se a renda não está sendo direcionada a prédios comerciais de $10 milhões, então ela tem de estar sendo canalizada para ingressos de cinema, ou para geradores elétricos, ou para cópias do livro de Peter Schiff[3]. Portanto não é nada óbvio, conclui Krugman, por que haverá um maciço desemprego no início da “ressaca” oriunda da farra do crédito. Os empregos destruídos nos estágios “mais altos” da produção (no jargão austríaco, aqueles que estão no início da cadeia produtiva, como o setor de máquinas e equipamentos) deverão ser compensados por empregos recém criados nos estágios mais baixos (aqueles dos setores de bens de consumo final e serviços).
A objeção de Tyler Cowen é similar, mas, como eu disse, não é bem a mesma. Cowen quer saber por que as pessoas deveriam se sentir ricas durante o boom induzido pelo banco central – como os austríacos alegam que ocorreria. Posto que mão-de-obra e materiais estão sendo desviados para a produção de bens de ordem mais alta – como tratores e cones alaranjados utilizados durante a reparação de estradas -, a escassez inerente aos fatores de produção implica que deveria haver menos bens de consumo (TVs, churrascarias, carros esportivos) sendo jogados no mercado durante o boom. Se menos bens de consumo estão sendo produzidos, então a renda real per capita tem de cair, o que novamente é o oposto do que os austríacos alegam.
Fiz o meu melhor para parafrasear o que entendo ser as posições de Krugman e Cowen. Devo confessar que, mesmo enquanto digitava, o non sequitur[4]de cada objeção saltava à vista. Em relação a Krugman, seu argumento se baseia em uma concepção estática da renda e do gasto. Usando essa mesma tautologia contábil – sem relacioná-la ao tempo – Krugman poderia também argumentar que a renda real em uma economia jamaispode ser alterada, mesmo se o governo anunciar que os 10% mais produtivos trabalhadores de cada empresa seriam mortos. (Afinal, a renda total ainda assim seria igual ao gasto total.)
Quanto a Cowen, ele parece estar assumindo que a “renda real” é equivalente ao “consumo real”. Não sei o que dizer, exceto que “Não, não é”. Se um trabalhador arruma um emprego em uma mina de prata e é pago em onças de prata, as quais ele estoca no porão da sua casa, ele pode ter um “salário real” muito alto ainda que seu consumo seja muito baixo. Para ser justo, convém considerarmos que Cowen disparou as bobagens acima apenas em seu blog, e não em algum jornal acadêmico; eu odiaria ver uma coletânea das coisas mais estúpidas que já falei em meu blog. Portanto, vamos assumir que ele quis dizer que a TACE nos faz crer que o consumo real (e não a renda) irá cair durante o período do boom. O argumento de Cowen é que isso não bate com os dados. Durante o boom, vemos um aumento dos investimentos em projetos novos (e mais “indiretos”, para usar a linguagem austríaca) e vemos os trabalhadores sendo mais bem pagos e portanto comprando mais bens de consumo. Porém, pergunta Cowen, não deveria isso ser impossível já que, como alegam os austríacos, durante o boom os recursos são retirados dos bens de consumo (como iPhones) e são redirecionados para a produção de bens de capital (como tratores e carretas)? Na seção seguinte veremos o que Cowen está negligenciando.
Um modelo de consumo de capital baseado em sushis
Acima, eu apontei algumas das falhas básicas nos argumentos de Krugman e Cowen. (Outros austríacos já responderam Krugman no passado. Vejas as respostas de Garrison e Cochran). Em termos mais gerais, ambos estão ignorando a noção extremamente importante do consumo de capital. É por isso que é necessário entender bem a teoria do capital, como fizeram pioneiramente Carl Menger e Eugen von Böhm-Bawerk, para compreender direito o que diabos aconteceu com a economia americana. Qualquer palpiteiro da grande mídia que não entenda sobre consumo de capital irá certamente dar horrendas recomendações políticas.
Quando ainda estava pensando nesse artigo, estava indeciso quanto ao seu formato. E então decidi que deveria utilizar um “modelo” de complexidade intermediária, pois se eu simplificasse muito, a argumentação poderia não estimular o leitor; por outro lado, se eu exagerasse na dose, ninguém em seu juízo perfeito iria terminar de ler o artigo. Sem mais delongas, vamos examinar uma hipotética ilha cuja economia seja formada por 100 pessoas (os ilhéus) e que o único bem de consumo seja rolinhos de sushi.
A ilha começa em um equilíbrio inicial que é indefinidamente sustentável. Todo dia, 25 pessoas vão para o mar com seus barcos a remo e utilizam redes para pegar peixes. Outras 25 vão para os arrozais colher arroz. Outras25 utilizam o arroz e os peixes (coletados no dia anterior, é claro) e fazem tentadores rolinhos de sushi. Finalmente, os restantes 25 ilhéus dedicam seus dias fazendo manutenção nos barcos e nas redes. Dessa forma, todo dia são produzidos um total de, digamos, 500 rolinhos de sushi, o que permite que cada ilhéu coma 5 rolinhos de sushi por dia, todos os dias. Uma vida nada ruim, convenhamos, principalmente quando se leva em consideração a vista oceânica e a completa ausência de Jim Cramer.[5]
Mas, infelizmente, eis que um dia Paul Krugman surge na ilha, após o naufrágio do seu barco. Depois de ser reanimado pelos ilhéus, ele analisa a humilde economia da ilha e começa a dar palpites e conselhos sobre o que os ilhéus devem fazer para elevar seu padrão de vida a níveis americanos. Ele mostra o motor de popa (ainda cheio de gasolina) do seu barco naufragado, e os ilhéus ficam intrigados. Leigos em economia, eles acham os argumentos krugmanianos irresistíveis e concordam em seguir todas as suas recomendações dali pra frente.
Assim, a original e até então sustentável distribuição do trabalho entre os ilhéus é alterada. Sob o Plano Krugman Para a Prosperidade, 30 ilhéus ficam por conta de levar os barcos (um deles agora com motor) com as redes para o mar para pegar peixes. Outros 30 ficam por conta de colher arroz. Outros 30 utilizam os peixes e o arroz para fazer os rolinhos de sushi. 5 ilhéus assumem a função de percorrer a ilha em busca de materiais necessários para fazer a manutenção do motor; afinal, todo os dias o motor queima gasolina e o seu óleo se torna mais sujo. Mas, obviamente, tudo isso deixa apenas 5 ilhéus por conta da manutenção dos barcos e das redes, o que eles continuam a fazer todos os dias. (Se o leitor está curioso, Krugman não trabalha na produção dos sushis. Ele passa o dia inteiro deitado numa rede escrevendo ensaios que dizem que a pobreza dos ilhéus é culpa da mesquinhez dos coqueiros).
Por alguns meses, os ilhéus se mostram convencidos de que aquele pálido prêmio Nobel é de fato um gênio. Todos os dias, 606 rolinhos de sushi são produzidos, o que significa que todos os habitantes (inclusive Krugman) passam a comer 6 rolinhos por dia, ao invés dos 5 aos quais eles estavam acostumados. Os ilhéus acreditam que esse aumento se deve ao uso do motor, mas na realidade ele se deve simplesmente ao rearranjo das tarefas. Antes, apenas 25 pessoas se dedicavam à pesca, à coleta de arroz e à preparação de sushi. Agora, 30 pessoas se dedicam a cada uma dessas áreas. Portanto, mesmo sem o motor, a produção diária total de sushis teria aumentado em 20% (de 5 pra 6), assumindo-se que os ilhéus são igualmente bons nas várias tarefas, e que há uma abundância de peixe e arroz fornecidos pela natureza. (E, na verdade, a única contribuição do motor foram os 6 rolinhos extras necessários para alimentar Krugman).
Porém, infelizmente, a redução na manutenção dos barcos e das redes começa a surtir efeito e a produção passa a ser afetada. Com apenas 5 ilhéus dedicados a essa tarefa, ao invés dos 25 originais, alguma coisa teria de ocorrer. As redes vão se tornando cada vez mais desgastadas com o tempo, e os barcos começam a apresentar pequenos vazamentos. Isso significa que os 30 pescadores passam a retornar todos os dias com uma quantidade menor de peixes, uma vez que seus equipamentos já não são tão bons quanto antes. Os 30 ilhéus responsáveis pela manufatura dos sushis repentinamente se vêem numa sinuca, pois agora há um desequilíbrio entre arroz e peixes. Eles começam então a trapacear, colocando pedaços menores de peixe em cada rolinho. Todos os ilhéus continuam recebendo 6 rolinhos por dia, só que agora cada rolinho tem menos peixe dentro. Os ilhéus descobrem a trapaça e ficam furiosos – exceto aqueles que têm repulsa pela idéia de ingerir peixe cru.
Sendo um economista treinado, Krugman sabe bem o que fazer. Ele sugere que 2 dos colhedores de arroz e 2 dos enroladores de sushi mudem de tarefa e passem a ajudar os pescadores. Agora com 34 pescadores, os ilhéus se mostram aptos a pescar a mesma quantidade de peixes que pescavam nos meses anteriores, mesmo que agora eles estejam utilizando redes esfarrapadas e barcos dilapidados. Krugman – sendo muito esperto com números – deslocou o número exato de trabalhadores de modo a fazer com que a quantidade de peixes pescada pelos 34 ilhéus fosse perfeitamente compatível com a quantidade de arroz colhida pelos 28 ilhéus que vão para os arrozeiros todos os dias. Com essa quantidade de peixe e arroz, os 28 trabalhadores ocupados na manufatura de rolinhos são capazes de produzir 556 rolinhos de sushi por dia. Isso permite que cada habitante consuma 5 rolinhos e meio por dia, com um rolinho extra deixado como bônus para Krugman.
Mas os ilhéus começam a ficar preocupados. Quando começaram a seguir os conselhos de Krugman, o consumo pulou de 5 rolinhos por dia para 6. E então, quando as coisas começaram a degringolar, Krugman foi capaz de corrigir o problema da descoordenação. Não obstante, ainda assim o consumo caiu para 5,5 rolinhos por dia. Krugmam, temeroso, lembra aos ilhéus que 5,5 ainda é melhor do que 5. Os ilhéus, contudo, ainda não se mostram satisfeitos. Nosso herói só consegue dispersar a turba inquieta quando começa a falar sobre as “funções de produção Cobb-Douglas” e a desenhar curvas IS-LM na areia.
Como esse é um website voltado para a família, vamos parar a história por aqui. Desnecessário dizer que, em algum momento, os 5 ilhéus voltados para a manutenção das redes e barcos irão decidir que eles têm de cortar seus prejuízos. Ao invés de tentar manter a frota original de barcos e a coleção original de redes com apenas 5 trabalhadores, ante os 25 originais, eles irão concentrar seus esforços nos 20% melhores barcos e redes, e tentar mantê-los em boas condições. Nesse ponto, será fisicamente impossível para os ilhéus sustentar sua produção diária de sushis. Para poderem retornar ao nível original e sustentável de 5 rolinhos de sushi por pessoa por dia, os ilhéus terão de sofrer um período de privação em que muitos deles serão redirecionados para a produção de mais barcos e redes. (Só nos resta torcer para que, a essa altura, o professor Krugman já tenha sido resgatado pelos suecos).
Os 5 ilhéus que estavam pesquisando maneiras de sintetizar gasolina e óleo de motor terão de abandonar essa tarefa, pois ela jamais se mostrou apropriada para a estrutura primitiva do capital da ilha. Os ilhéus irão obviamente descartar o motor trazido à ilha por Krugman assim que acabar a gasolina.
Finalmente, podemos prever que durante o período de transição alguns ilhéus nada terão pra fazer. Afinal, o total de mão-de-obra necessária para a pesca utilizando os barcos e redes aproveitáveis já está preenchido, bem como o número necessário de ilhéus voltados para a coleta de arroz e para a manufatura de sushis. Esse número é pequeno dado o pequeno volume de pesca diária. Não haveria razão em adicionar mão-de-obra extra na produção de barcos e redes porque isso faria com que construíssem mais do que o sustentável no longo prazo. Logo, os mais velhos entram num esquema de rotação, em que 10 pessoas ficam à toa diariamente. Essas pessoas obviamente poderiam ir tentar pegar peixes com suas próprias mãos, ou ir colher arroz que daria apenas para eles próprios comerem, se tanto; mas todos decidem que isso seria uma perda de tempo. Dada a realidade, decide-se que durante a transição, 10 pessoas ficam à toa diariamente, ainda que todos estejam com fome. Isso mostra o quão ruim foi o conselho de Krugman.
Conclusão
Como nossa simples história ilustra, nas modernas economias os trabalhadores utilizam bens de capital para aprimorar sua mão-de-obra, o que os ajuda a transformar os dons da natureza em bens de consumo. Por causa da estrutura temporal da produção, é possível turbinar temporariamente o consumo de todos, mas somente em detrimento da manutenção dos bens de capital (os barcos e as redes), que então são “consumidos”. Em algum ponto, a realidade da engenharia se impõe e nenhuma política de estímulo poderá impedir uma queda profunda do consumo.
Conquanto a história da economia do sushi tenha sido simples, espero que ela tenha ilustrado as características essenciais do ciclo de expansão (boom) e recessão. Quando os ilhéus primeiramente implementaram os conselhos de Krugman, todos se sentiram mais ricos. Afinal, eles de fato estavam comendo 6 rolinhos de sushi por dia, ao invés dos 5 habituais; não há como argumentar contra os resultados. E eles não tinham razão para suspeitar que essa seria uma reestruturação insustentável: afinal, eles estavam utilizando um novo motor de popa. Isso é análogo aos argumentos que utilizaram para descrever a “Nova Economia” durante o boom das empresas pontocom do final da década de 90 ou à confiança depositada nos novos instrumentos financeiros utilizados durante o boom imobiliário. Durante cada novo boom, as pessoas sempre surgem com novas justificativas para dizer que “dessa vez é diferente”.
Na economia do sushi, a prosperidade inicial era ilusória. Ainda que de fato tenha havido benefícios advindos da nova tecnologia, o grosso desse consumo extra estava sendo financiado por meio do consumo de capital, isto é, pela deterioração consentida dos barcos e das redes. Isso é análogo aos americanos que consumiram uma quantidade maciça de bens de consumo importados durante o boom imobiliário porque erroneamente acreditavam que o valor crescente de seus imóveis iria mais do que compensar essa farra (uma vez que essa valorização dos imóveis era utilizada como garantia para novos empréstimos, isto é, para mais endividamentos). Em outras palavras, tivessem os americanos percebido que o valor de seus imóveis iria despencar nos anos seguintes, eles não teriam consumido tanto. Eles estavam consumindo capital sem se dar conta disso, assim como os ilhéus não perceberam que seu consumo extra de sushi era em grande parte financiado pela negligência em relação aos seus barcos e redes.
Observe também que esse aspecto da história responde à objeção de Cowen: as pessoas consomem mais durante o boom – ou seja, os ilhéus comem mais sushis por dia – mesmo enquanto novos e insustentáveis projetos estão sendo iniciados. (Na nossa economia do sushi, o projeto insustentável era a procura por gasolina para o desnecessário motor de popa). Cowen está certo quando diz que um alongamento sustentável da estrutura do capital inicialmente requer uma redução do consumo; o que acontece nesse caso é que os investidores se abstêm de consumir e direcionam sua poupança para os novos projetos de investimento. Mas durante um boom induzido pelo banco central, não há poupança real acumulada para financiar os novos investimentos. Há simplesmente uma criação de crédito. É por isso que o boom é insustentável. E é por isso também que, nesse cenário de intervenção, o consumo também aumenta simultaneamente (afinal, não se requer poupança real para sustentar os projetos de investimento). É verdade que isso é impossível no longo prazo, mas no curto prazo é sim possível aumentar o investimento em novos projetos e simultaneamente aumentar o consumo. O que é negligenciado nesse cenário é a manutenção dada a bens intermediários críticos, assim como nossos ilhéus fizeram com os barcos e redes. Não obstante essa negligência, eles foram capazes de levar a cabo sua façanha por alguns meses. Uma economia moderna é muito complexa e pode levar alguns anos até que uma estrutura insustentável seja reconhecida como tal.
Finalmente, nossa economia sushi mostrou por que o desemprego aumenta durante a retração. Em um cenário normal, as pessoas não gostam de trabalhar; elas preferem ficar recostadas ou passeando por aí. Para que seja recompensador abrir mão do lazer, os salários pagos pelo trabalho devem ser altos o suficiente. Durante um período de “recessão”, quando os ilhéus tiveram de cortar bastante a produção dos setores de pesca, colheita de arroz e manufatura de sushis, não havia 100 tarefas diferentes que fossem vantajosas de serem executadas. Na nossa história, estipulamos que apenas 90 pessoas poderiam ser proveitosamente integradas à estrutura de produção, pelo menos até que a frota de barcos e o suprimento de redes começassem a ser restaurados, o que permitiria que alguns dos “desempregados” ilhéus tivessem novamente algo de útil para fazer.
No mundo real, isso também acontece: durante a recessão, que vem após um período de crescimento artificial, os recursos precisam ser rearranjados; certos projetos precisam ser abandonados (como a procura por gasolina na economia do sushi); e bens intermediários críticos (como os barcos e as redes) precisam ser repostos, já que foram ignorados durante o boom. Leva tempo para que todos os milhões de diferentes tipos de materiais, ferramentas, máquinas e equipamentos sejam reorganizados de forma a reiniciar o crescimento normal. Durante essa transição, a contribuição da mão-de-obra de algumas pessoas é tão baixa que não vale a pena contratá-las (principalmente com as leis do salário mínimo e de outras regulamentações trabalhistas).
A falha elementar da objeção de Krugman é que ele ignora a estrutura temporal da produção. Quando os trabalhadores das indústrias que produzem bens de capital são demitidos, eles não podem simplesmente mudar para o setor de churrascaria ou para uma loja de TVs. Isso porque a produção de TVs e de carne depende dosbens de capital que já têm de ter sido produzidos. Na nossa economia sushi, os ilhéus desempregados não podiam entrar no ramo da manufatura dos sushis porque não havia peixe suficiente sendo produzido (pescado). E eles não podiam se aventurar no ramo da pesca porque não havia barcos e redes para auxiliar seus esforços. E, finalmente, eles não podiam entrar na produção de barcos e redes porque já havia um número suficiente de ilhéus trabalhando naquela área para restaurar a frota e a coleção de redes de volta ao nível sustentável de longo prazo.
As pessoas na minha pós-graduação algumas vezes me perguntavam por que eu perdia tempo com uma “obsoleta” escola de pensamento. Ao responder, eu não me dava ao trabalho de falar sobre subjetivismo, teoria monetária ou mesmo empreendedorismo, conquanto todas essas sejam áreas em que a escola austríaca é superior ao mainstream neoclássico. Não, eu sempre dizia que “a teoria do capital e a teoria dos ciclos econômicos da escola austríaca são as melhores que eu já vi”. Nossa atual crise econômica – e o fato de que os nobéis sequer entendam o que está acontecendo – mostra que eu escolhi sabiamente.
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[1] A revista Veja, por exemplo, é pródiga nessa comparação. [N. do T.]
[2] Professor da George Mason University e dono do popular blog Marginal Revolution. [N. do T.]
[3] Economista americano, seguidor da escola austríaca, que previu a atual crise – como comprova seu livro, lançado em 2007. Veja esse incrível vídeo, de agosto de 2006, no qual, em um debate contra um arrogante Arthur Laffer, Schiff prevê a crise com grande acurácia. Um outro vídeo, ainda melhor, é este, no qual ele debate com vários economistas mainstream a crise que ainda está por vir. Note a arrogância e o completo despreparo deles perante a segurança e tranquilidade de Schiff que, afinal, mostrou saber muito bem sobre o que falava.[N. do T.]
[4] Argumento no qual a conclusão não segue as premissas; uma falácia lógica. [N. do T.]
[5] Histérico – e sempre errado – apresentador do programa Mad Money, da rede americana CNBC. [N. do T.]