Foi uma façanha singular do livro America’s Great Depression, de Murray Rothbard, ter demonstrado que a Grande Depressão foi uma crise criada e prolongada pelas tentativas do estado de evitar uma inevitável retração econômica. A resposta da política econômica ao declínio – impressão de mais dinheiro, sustentação artificial dos preços, arregimentação fascista de sindicatos para se tentar manter o nível de empregos, e uma série de vários outros artifícios – levou a um colapso dos preços da bolsa de valores e a uma liquidação sem precedentes de vários bancos, além de ter espalhado desordem por cada setor da economia. Algo que poderia ter durado de um ano a 18 meses, acabou durando 16 anos. (Ver Como Franklin Roosevelt piorou a Depressão e O New Deal ridicularizado (novamente)).
Naquela época, Ludwig von Mises tentou alertar para os perigos da intervenção. Veja seu livro Causes of the Economic Crisis. O mesmo fez F.A. Hayek. Veja o seu livro Prices and Production. O mesmo fez também Lord Robbins. Veja o seu livro The Great Depression.
E, mesmo assim, essa visão ainda não se tornou comum. A sabedoria convencional segue dizendo que a Depressão foi um desastre natural, um furacão que varreu a sociedade e que precisava ser detido pelo governo. Uma outra visão, encontrada no trabalho dos monetaristas, diz que a Depressão foi causada pela omissão do governo em criar oceanos de papel-pintado. Essa parece ser a visão de Bernanke.
Os EUA seguem prisioneiros cativos dessas visões falaciosas de causa e efeito. É por essa razão que temos visto uma quase unanimidade na defesa do socorro financeiro (chame do que você quiser: tutela, guarda, proteção, nacionalização, socialização, não importa) dado às gigantes do setor imobiliário Freddie Mac e Fannie Mae.
A Freddie e a Fannie carregam aproximadamente $5,3 trilhões em compromissos hipotecários e outros $2,4 trilhões em exposição financeira. O custo total dessa operação de resgate é desconhecido; pode chegar a $2 trilhões, sendo que a exposição futura é incalculável.
Essas duas instituições da era do New Deal foram fundadas com a intenção de acelerar o processo de aquisição de imóveis por indivíduos que, em condições normais, todos os bancos considerariam indignos de crédito. Mais à frente, já nos governos Johnson e Nixon, essas duas instituições ganharam permissão legal para se expandirem sem limites.
O motivo para tal foi um clássico esforço bipartidário: a aquisição universal de imóveis. Gerou-se o consenso de que todos os americanos tinham um direito natural à casa própria. A esquerda apoiava esse esquema, pois o considerava redistributivo. A direita também o apoiava, mas estava olhando para a suposta virtude moral associada à unidade familiar em uma morada suburbana. E assim nasceu o maior esquema de transferência de riqueza da história americana, além da Previdência Social e da indústria bélica.
Em uma economia de livre mercado e com moeda forte, empréstimos estão diretamente ligados à capacidade de pagamento. No início, eles estão disponíveis apenas para os ricos. À medida que a prosperidade vai se espalhando, a capacidade de crédito vai aumentando. Qualquer intervenção governamental concebida para injetar esteróides nesse processo vai acabar inevitavelmente criando aquilo que Rothbard chamou de aglomeração de erros.
É uma grande hipocrisia que muitas pessoas atualmente estejam condenando o sistema bancário por ter falhado imensamente em distinguir quem deveria e quem não deveria ganhar uma hipoteca. Em um livre mercado, o sistema bancário administra essa questão perfeitamente. Diferenciar aqueles que devem receber empréstimos daqueles que não devem é a principal função de um sistema competitivo. O mercado calibra isso acuradamente. Se um financiador fizer uma análise falha sobre um mutuário, um outro financiador estará lá para corrigir o problema e lucrar.
Mas se você tentar acelerar artificialmente esse processo de prosperidade e decretar que cada pessoa que queira um empréstimo deve ganhar um, você cria uma situação na qual haverá problemas no futuro. Foi exatamente isso que o governo fez. Ele criou a Freddie e a Fannie para que houvesse empréstimos subsidiados. Ele inventou uma falsa privatização que secretamente socializou os prejuízos. O status jurídico dessas empresas – que eram geridas privadamente e tinham o capital aberto, mas que sempre foram protegidas pelo governo – nunca ficou claro; mas os mercados há muito assumiram que elas seriam salvas caso necessário.
Qualquer um pode constatar o risco moral que havia no âmago dessa política. Mas o ponto em questão é que o julgamento do livre mercado sobre quem deveria levar o quê estava sendo sobrepujado. Ora, mas quem iria se preocupar com isso? Isso não deveria ser um obstáculo para a promoção do sonho americano! E de fato, todo o país está pagando hoje por esse erro meio século após essa política ter se tornado uma prioridade nacional. Como os pastores evangélicos gostam de dizer, as rodas da justiça moem vagarosamente, mas moem poderosamente bem.
Só há um problema com a aplicação desse princípio para essa situação: não haverá justiça. Se a justiça prevalecesse, os prejuízos recairiam apenas sobre os responsáveis por tudo, ao invés de serem socializados para todo o país.
Se uma política de livre mercado fosse adotada de hoje em diante, o resultado não seria complicado. Os ativos e passivos da Fannie Mae e da Freddie Mac seriam leiloados no livre mercado. É verdade que muitos empréstimos seriam cancelados.
Qual o nível da crise que resultaria dessa genuína política de privatização? Sim, a imprensa ficaria ensandecida e os graúdos das finanças iriam sofrer. Mas com o tempo, os mercados iriam reavaliar os recursos e uma importante lição seria aprendida. Os empréstimos mais sólidos seriam assumidos por empresas financeiramente responsáveis e levados até sua maturação. O valor dos imóveis cairia e muitas pessoas teriam de se mudar para casas mais baratas. Somente assim a economia estaria novamente sobre fundamentos sólidos.
Para um governo que finge favorecer o livre mercado, essa possível solução sequer foi considerada. Ao contrário, o governo disse lamentar muito ter de disseminar os custos desse erro para toda a população. Ao invés de consertarem o erro, eles apenas o pioraram, pois acabaram ressaltando a idéia de que a América não tolerará falências de empresas; e quanto maior for a empresa, maior a probabilidade de ela ser salva.
Por exemplo, no dia seguinte à nacionalização – um dia que viverá na infâmia – o The New York Times classificou a medida como “uma ação sensata e tranqüilizante”. O Los Angeles Times escreveu que o resgate era “inevitável“, e reclamou que a Freddie e a Fannie deveriam ajudar apenas 20% e não metade dos mutuários. Steve Forbes, emsua revista, escreveu que uma “ação drástica” tinha de ser tomada porque, caso contrário, um calote “teria criado a pior crise financeira desde a Grande Depressão”.
Já o Wall Street Journal fez um editorial contra os Democratas e suas reformas propostas, mas em momento algum se opôs ao salvamento; ao invés disso, o jornal simplesmente observou que “estamos mal”. Além disso, publicou também um artigo da dupla McCain/Palin dizendo que o resgate foi “tristemente necessário”, não obstante a dupla ter prometido reformas que iriam “exigir os mais elevados padrões de contabilidade, de prestação de contas e de transparência jamais exigidos por um governo”. Bom, só que tem um detalhe: ninguém melhor do que o mercado para exigir padrões tão elevados. Mas você tem de entregar essas instituições para o mercado se quiser obter tais padrões.
Não é interessante como todas essas pessoas acreditam que apenas balançar a varinha mágica da impressão de dinheiro é capaz de fazer toda a realidade simplesmente desaparecer? Essa inacreditável superstição parece ser a postura oficial de todo o establishment americano. E pensar que todos gostamos de nos lisonjearmos a nós mesmos, dizendo que já atingimos a maturidade de viver numa era em que não há ilusões!
Quanto àqueles que deveriam saber um pouco mais, Greg Mankiew, autor dos mais vendidos livros-texto de economia, escreve que “já que tudo isso iria acontecer mais dia menos dia” foi “melhor ter resolvido isso logo de uma vez”. O blog de economia Marginal Revolution, que supostamente defende o livre mercado, alerta que se não fosse o resgate, “a maior parte do sistema bancário americano estaria insolvente”, sendo incapaz de mostrar que um sistema que precisa ser salvo por meio de papel-moeda de curso forçado já se encontra insolvente. (Ver mais aqui).
O Cato Institute concorda que o Tesouro teve de salvar a indústria hipotecária porque “foi forçado a fazê-lo“, além do que Fannie e Freddie são de fato “grandes demais para falir”. A Heritage Foundation concorda que foi uma “medida necessária” e uma “ação vital ruma a uma reforma completa”.
Sem dúvida, essas pessoas têm várias recomendações sobre o que deveria ter sido feito no passado, e muitas idéias sobre o que deve ser feito no futuro. Quanto ao presente, eles se mostram prontos para propagandear em defesa da maior operação socialista da história americana. Em todos esses casos acima demonstrados, o que estamos vendo não é um problema de educação econômica, mas, sim, a falta de coragem de se opor ao estado quando mais se é necessário.
Bastante solitários no grupo daqueles que previram a calamidade e de fato se opuseram ao resgate estão aqueles que foram escolados na tradição misesiana, pessoas como Nouriel Roubini do RGE Monitor, o investidorJim Rogers, além é claro dos nossos próprios estudiosos, como Mark Thornton, George Reisman, Robert Blumen e todos os nossos acadêmicos adjuntos, que disseram aberta e claramente que isso era um erro apavorante, um erro que irá piorar o atual colapso e que torna os EUA um país mais socialista do que a China.
É claro que Ron Paul também esteve certo todo o tempo, como a evidência comprova. E apenas ele, em todo o Congresso, terá algo inteligente para dizer sobre todo esse fiasco. Na verdade, há mais de cinco anos ele disse o seguinte: “Se a Fannie e a Freddie não tivessem o apoio do governo federal, os investidores iriam exigir que ambas fornecessem garantias de que seguem práticas aceitáveis de gerenciamento e contabilidade…. Ao transferir o risco de um amplo calote de hipotecas, o governo aumenta a probabilidade de um doloroso colapso do mercado imobiliário. E isso ocorre porque os privilégios especiais dados a ambas as empresas distorceram todo o mercado imobiliário ao permitir que elas atraiam um volume de capital que não poderiam atrair sob puras condições de mercado. Como resultado, o capital é tirado de seu uso mais produtivo e desviado para o setor imobiliário. Isso reduz a eficácia de todo o mercado e, consequentemente, reduz o padrão de vida de todos os americanos.”
No fim das contas, estamos falando do sistema que apresentou um veredicto sobre o mercado imobiliário: o sistema de preços. Os preços não mentem e não há nada que possamos fazer para revertê-los. Nem mesmo o mais poderoso governo do mundo pode. Qualquer tentativa vai causar calamidades. Os economistas austríacos entendem isso, mas ninguém mais parece entender.
Ataquemos agora essa alegação de que não salvar financeiramente o sistema e não nacionalizar o mercado hipotecário levaria a uma crise financeira no mesmo nível da Grande Depressão. Na verdade, foi a própria luta contra a Depressão que a aprofundou e fez com que ela durasse até o final de Segunda Guerra Mundial. É preciso entender isso se quisermos entender a verdadeira lição da Depressão. Ao invés de deixar os preços caírem e deixar que os maus investimentos fossem liquidados, o governo tentou por anos a fio (1) manter os preços altos, (2) empregar as pessoas em programas improdutivos, criados apenas para gerar postos de trabalho, e (3) planejar centralizadoramente toda a economia.
De 1920 a 1922, houve um colapso financeiro tão robusto e sistemático quanto o de 1929. A diferença é que o governo nada fez para tentar resolvê-lo. Como resultado, a crise se resolveu sozinha e se tornou um evento esquecido. Hoover e Roosevelt, em contraste, tentaram usar seus poderes sobre a economia e sobre o sistema monetário para tentar manter os preços altos e a liquidez do sistema bancário – exatamente aquilo que todos estão fazendo atualmente. A conseqüência foi impedir e adiar o inevitável processo de reajustamento.
Eles acreditavam que os preços baixos eram a causa e não a conseqüência da recessão. Esse erro soa familiar? Em outras palavras, a Grande Depressão somente se tornou Grande porque o governo seguiu exatamente as mesmas políticas que a administração Bush vem seguindo em relação ao mercado de hipotecas.
Não faz sentido alertar que estaremos revivendo o passado caso não façamos exatamente as mesmas coisas que de fato tornaram o passado tão ruim quanto foi. A verdade é exatamente contrária: para se evitar outro declínio econômico que tenha a duração da Grande Depressão, precisamos evitar os erros do passado, dentre os quais as políticas que tentavam manter vivas, em tempos econômicos difíceis, empresas e indústrias totalmente insolventes.
O que deveria ter acontecido em 1929 é exatamente o que deveria acontecer agora. Deixem o sistema de preços prevalecer livremente! O governo deve sair completamente do caminho dos acontecimentos e deixar o mercado reavaliar o valor dos recursos. Sim, isso significa falências. Sim, isso significa que vários bancos irão fechar. Mas tudo isso faz parte do sistema capitalista. É assim que aconteceria em uma economia de livre mercado. O que é lastimável não é o processo de reajustamento; o que é lastimável é que esse processo tenha se tornado necessário em decorrência das intervenções anteriores.
Deixe-me dizer isso bem diretamente: eu não acredito nem por um segundo que se o governo não nacionalizar a Freddie e a Fannie o mundo deixará de existir. Aqueles que dizem o contrário estão tentando assustar a população. Essa mesma estratégia é usada recorrentemente para todas as outras grandes demandas do regime. Foi assim com o NAFTA, com a OMC, com a guerra ao terror, com a guerra à gripe aviária, com a nacionalização da segurança aeroportuária, e com tudo mais.
Se o governo se preocupasse apenas em vender todos os ativos das duas gigantes hipotecárias, poderíamos até não saber ao certo o que aconteceria, mas teríamos a tranqüilidade de saber que o mercado sempre tem um modo de encontrar valores e se reajustar. Eu esperaria aproximadamente 18 meses de dificuldades. Vários bancos iriam quebrar, da mesma maneira que várias outras empresas quebram diariamente no livre mercado. Os preços dos imóveis cairiam ainda mais, assim como todos os preços de mercado estão sujeitos a mudanças. Mas o processo de reajustamento seria suave e racional. E o que é mais importante: todos os americanos parariam de viver uma mentira e de acreditar em uma ilusão.
Contrariamente ao que dizem todas as cabeças pensantes, seja na mídia ou nos blogs, não há nada que comprove que essa nacionalização é algo inevitável. Basta deixar o mercado livre para que ele possa administrar todo o processo de reajuste, aconteça o que acontecer. Garanto que essa solução é melhor do que imprimir mais de um trilhão de dólares para salvar essas empresas insolventes.
E, por fim, um adendo: a atual situação não é uma que será resolvida com a “escolha de líderes corajosos”. Isso não vai acontecer. Precisamos é de uma garantia. Precisamos de um sistema que torne impossível para o governo fazer essas coisas mesmo se quisesse. Esse sistema se chama padrão-ouro. Pense nas pré-condições que possibilitaram à administração Bush decidir em apenas uma tarde despejar mais de um trilhão de dólares no mercado, para garantir 75% das hipotecas dos EUA. Trata-se de um sistema que tem como premissa a capacidade do governo sair imprimindo quantias ilimitadas de dinheiro.
Se o governo não tivesse como fazer isso, ninguém estaria hoje falando de resgates financeiros. Assim como ninguém estaria falando em garantir os passivos da indústria automotiva. Qualquer tipo de guerra, seja no Afeganistão, no Iraque ou na Rússia, bem como manter tropas em mais de 100 países, estaria totalmente fora de cogitação. Se não existisse um banco central, toda a seção política das livrarias teria de ser reclassificada como ficção cientifica.
Ademais, se o governo tivesse de tributar as pessoas diretamente por todos esses gastos ele não duraria dois dias. Qualquer sugestão de criação de um novo programa seria confrontada com a pergunta sobre como se daria o financiamento para tal.
Por outro lado, um sistema monetário que se baseia em um papel-moeda de curso forçado e em um banco central é absolutamente tentador para políticos e burocratas corruptos. E pior: corrompe-os mais ainda. E a tragédia é que o uso que eles fazem da impressora não apenas os corrompe, como também impõe custos horríveis e intoleráveis para o resto da sociedade, na forma de inflação de preços e ciclos econômicos.
E a corrupção só piora com o tempo. Já estamos há 37 anos vivendo em um mundo movido por papel-moeda sem qualquer lastro e gerido por vários bancos centrais. Os políticos do passado eram um pouco reticentes em usar todo o poder que tinham; os atuais, nunca foram tão descarados. Seus escrúpulos parecem ter desaparecido pra sempre, suas consciências completamente ocultadas pelo nefasto poder que possuem. E a classe jornalística vem seguindo a tendência, acreditando que não há limites.
A verdade é que todas essas contas deverão ser pagas. Mais dia menos dia a conta virá. Entender isso é entender a necessidade de uma reforma radical. Seria estupefaciante contemplar os resultados gloriosos de uma reforma monetária completa, uma que adote o padrão-ouro. A inflação pararia de corroer nosso poder de compra. Os ciclos econômicos praticamente acabariam. O comércio internacional não mais seria perturbado por oscilações selvagens nos valores das moedas. Porém, dentre todos os benefícios, esse seria o maior: acabariam os decretos arbitrários e autoritários. O governo seria forçado a restringir seus métodos. A liberdade seria restabelecida.
O fato é que as conseqüências maléficas do atual sistema monetário inevitavelmente se espalham por toda a sociedade, destruindo sua base econômica e corrompendo a moral da sociedade. Esse sistema estimula a ilusão irracional de que podemos magicamente gerar riquezas através do simples ato de se imprimir dinheiro. Mas a tentativa de fazê-lo gera conseqüências catastróficas. Como Mises escreveu: “A inflação é o complemento fiscal do estatismo e do governo despótico. É uma engrenagem do complexo de políticas e instituições que gradualmente levam ao totalitarismo.”
É nauseante o fato de que são poucas as vozes fora da Escola Austríaca que irão se opor a essa política. E temo que as conseqüências dessa política serão sentidas durante muitas décadas por vir. Mas ainda há tempo para se reverter o curso. O despotismo não é algo inevitável. Não estamos sendo forçados para esse caminho. Ainda podemos abraçar a liberdade. Se entendermos que a liberdade é inseparável de um sistema monetário forte, então devemos abraçar esse sistema também. Pode me chamar de saudosista, de adorador de relíquias, o que seja, mas eu confio mais no padrão-ouro do que em nossos governantes. E, no fim, é essa a escolha que teremos de fazer.