Nesta palestra[1], quero falar sobre a disseminação dos humanos pelo mundo e a extensão e intensificação da divisão do trabalho. O assunto continuará até certo ponto na próxima palestra. O Homo sapiens, a humanidade como a conhecemos, com aproximadamente o volume craniano que temos agora, é estimado em cerca de 500.000 anos e assume a aparência atual há cerca de 100.000 anos. E, como mencionei na palestra anterior, o momento em que a capacidade da linguagem se desenvolveu é datado de alguma forma entre 150.000 e 50.000 anos atrás. Há um acordo geral, não um acordo completo, mas um acordo quase unânime, de que a humanidade se espalhou à partir da África, e se você der uma olhada na Figura 1, que foi retirada do livro de Cavalli-Sforza, ele fornece algumas datas aproximadas sobre esse processo. Portanto, sua estimativa é que as pessoas começaram a deixar a África 60.000–70.000 anos atrás, talvez até 100.000 anos atrás, e que a primeira propagação foi para a Ásia. Temos os achados mais antigos de esqueletos humanos, na China, datados de 67.000 anos.
E então, da China, eles viajaram para a Austrália, onde ele data cerca de 55.000 anos atrás. E esse tempo de viagem – terei mais a dizer sobre isso – levou cerca de 10.000 anos da África à Austrália. Deve-se dizer aqui algo sobre as possibilidades dessa viagem. Você deve ter em mente alguns períodos glaciais, na verdade quatro períodos glaciais nos últimos 900.000 anos e cada um deles durou cerca de 75.000 anos. O último desses períodos glaciais durou de 25.000 anos a cerca de 13.000 anos atrás. Durante esses períodos glaciais, o nível dos oceanos caiu consideravelmente porque a neve se acumulou nas montanhas e menos água derreteu, de modo que as lacunas entre o Sudeste Asiático e o que hoje é a Indonésia, Bornéu e Austrália tornaram-se bastante pequenas. Elas não desapareceram completamente, mas eram pequenas o suficiente para que pudessem ser percorridas por barcos muito pequenos. O deserto do Saara, por exemplo, tem apenas 3.000 anos. Antes, não era propriamente a mais fértil das áreas, mas era, no entanto, uma região que podia ser utilizada para atividades de caça e coleta e também para fins agrícolas.
A próxima divisão da população é a divisão para a Europa, que Cavalli-Sforza data cerca de 40.000-43.000 anos atrás, e a divisão mais recente é para a América, através do Estreito de Bering, para a qual, novamente, existem apenas estimativas muito grosseiras; elas variam de 15.000 a 50.000 anos atrás. E estima-se que a expansão da população no continente americano tenha durado cerca de 1.000 anos, do Norte até a Patagônia, o que seria algo em torno de treze quilômetros por ano, portanto não uma grande distância por ano.
A propagação, neste momento, é feita a pé ou, quando é bem mais rápida, de barco. A viagem de barco continuou a ser a forma mais rápida de viajar até a domesticação dos cavalos, que ocorre apenas cerca de 6.000 anos atrás. Até então, nada além de caminhar era possível e, aliás, como você provavelmente sabe pelas aulas de história, esse era praticamente o único meio de transporte que existia no continente americano até a chegada dos europeus. Sempre imaginamos esses índios montados a cavalo, mas é claro que não existia nenhum cavalo e na verdade não existiam, no continente americano, nem mesmo rodas. Ou seja, as pessoas transportavam coisas arrastando atrás de si algumas pranchas de madeira, sobre as quais colocavam o que tinham de transportar.
Durante esses primeiros tempos, até cerca de 10.000 a 12.000 anos atrás, todas essas populações, todas essas pessoas eram caçadores e coletores, movendo-se em baixas velocidades, principalmente em pequenos bandos de 50-60 pessoas, mas vários bandos geralmente tinham algum tipo de conexão. Existem razões biológicas pelas quais o tamanho mínimo dos grupos deve ser de cerca de 500 pessoas a fim de prevenir algum tipo de degeneração genética, então pode-se esperar que, mesmo que eles estivessem em pequenos bandos, que houvesse algum tipo de comunicação e casamento misto e assim por diante, com pessoas desse tamanho de grupo.
A densidade da população era, como você pode imaginar, extremamente baixa. A estimativa é que em sociedades de caçadores-coletores, você pode ter apenas uma pessoa por quilômetro quadrado. Para mais, para uma população maior, a Terra não produzia alimentos suficientes para sustentá-la. O crescimento populacional foi extremamente lento, em parte por causa das técnicas de controle de natalidade usadas pelas pessoas, pela longa amamentação e coisas dessa natureza e, claro, por causa das altas taxas de mortalidade. A estimativa é que 100.000 anos atrás, no início deste processo de que estou falando, o tamanho da população era de cerca de 50.000 no mundo; 50.000 em todo o globo.
E há 10.000 anos, esse é um período de que falarei um pouco depois, a chamada Revolução Neolítica, quando as pessoas começaram a se estabelecer e a iniciar a existência agrícola, o número era entre 1 e 15 milhões e a estimativa que a maioria das pessoas aceita é de cerca de 5 milhões. Portanto, de 100.000 a 10.000 anos atrás, 90.000 anos, a população aumenta apenas de 50.000 para 5 milhões, e isso é praticamente dobrar população a cada 13.000-14.000 anos.
Para lhes dar uma estimativa aproximada de qual é a velocidade de duplicação da população agora, a partir da década de 1950, as populações dobraram a cada 35 anos. Então, vocês podem ver, com base nesses números, que um crescimento extremamente pequeno da população ocorreu nesse período. Os grupos, basicamente, se separavam, como eu disse, muitas vezes de barco, frequentemente também a pé. Existiu então, por um período considerável de tempo, cerca de 90.000 anos, muito pouca comunicação e mistura entre esses grupos dissidentes, o que explica o fato de que estoques genéticos de pessoas bastante diferentes se desenvolveram, porque ocorreram cruzamentos muito limitados. Além disso, houve os períodos glaciais, que cortaram, às vezes por 10.000 anos ou mais, a comunicação entre grupos que não estavam distantes uns dos outros no que diz respeito à distância. Os Alpes, por exemplo, tornaram-se essencialmente intransitáveis, de modo que as pessoas que estavam no norte perderam todo o contato com as que estavam no sul.
Então, há o clima: as chuvas na Eurásia vêm principalmente do oeste, indo para o leste, então a maior parte da neve acumulada no oeste e os climas mais secos estavam no leste. As pessoas mudaram-se do oeste para o leste e, parcialmente, após o fim dos períodos glaciais, voltaram para as regiões mais ocidentais. Então, praticamente não houve nenhum contato entre esses grupos. Claro, isso é particularmente pronunciado em casos como Austrália e Bornéu, que então se separaram por grandes massas de água, em comparação com os períodos em que você poderia facilmente cruzar esses estreitos. E existe uma lei geral, que é fácil de entender, de que a distância genética aumenta em correlação com a distância física e com a separação no tempo.
Eu apresentei a você dois gráficos que fornecem uma indicação aproximada disso. Não tenho intenção de entrar em detalhes, mas a Figura 2 é um diagrama de árvore, que indica aproximadamente a distância no material genético das populações que vivem nessas áreas principais e reflete de certa forma a ruptura, os períodos em que as populações se afastaram para longe umas das outras. Indica, por exemplo, que a primeira cisão ocorreu entre a África e a Ásia e depois a segunda cisão ocorreu entre a Ásia e a Europa e a terceira foi a Ásia e a América, e indica também a grande distância genética, por assim dizer, entre a África, de um lado, e a população da Oceania, do outro.
A Figura 3 é mais detalhada, como você pode ver: tem do lado esquerdo as relações genéticas, quão longe ou próximos alguns dos principais grupos étnicos estão geneticamente, e do lado direito, quão próximos ou distantes estão em termos de suas línguas. Obviamente, há algum tipo de correlação entre os grupos genéticos e os grupos linguísticos, mas de forma alguma perfeita, o que pode ser explicado principalmente por invasões por vários povos, que então espalharam sua própria língua também em regiões que eram originalmente geneticamente diferentes. Ou às vezes você tem regiões que são geneticamente muito próximas, mas elas trouxeram línguas de distâncias muito grandes. Um exemplo seria, por exemplo, no cenário europeu, os finlandeses, os húngaros e os turcos, que têm línguas intimamente relacionadas, embora fisicamente muito distantes uns dos outros. Voltarei a este tipo de tópico sobre diferentes etnias e assuntos relacionados em uma palestra posterior. Para o propósito atual, isso é inteiramente suficiente, apenas para obter algum tipo de sensação de como a separação e o movimento dos caçadores-coletores, com muito pouco contato entre si, trazem automaticamente esses resultados.
Esta separação e cooperação muito limitada entre diferentes grupos, acarreta também uma tendência para criar uma grande variedade de línguas. Você verá, mais adiante, que existe, é claro, também uma tendência para que as línguas se reduzam em número, quando o contato entre os vários grupos se intensifica. Ou seja, quando a divisão do trabalho não se restringe mais a esses pequenos grupos, mas se torna mais extensa e mais intensiva, incluindo regiões cada vez maiores da população, há uma tendência compensatória porque então existe, é claro, a necessidade de as pessoas se comunicam entre si, e pode-se reconhecer que é uma vantagem falar línguas que são faladas por muitas pessoas. Se você vive mais ou menos fechado em pequenos grupos e a divisão do trabalho é restrita a esses pequenos grupos, então não há nenhuma desvantagem em apenas ter um idioma diferente para cada um desses grupos.
Atualmente, existem cerca de 5.000 a 6.000 idiomas. Para dar um exemplo extremo, 1.000 dessas 5.000-6.000 línguas são faladas na Guiné, e metade dessas 1.000 línguas não possuem mais de 500 falantes. Isso é muito próximo ao número que eu dei a vocês para saber qual deve ser o tamanho mínimo de um grupo para evitar efeitos genéticos negativos. Existem apenas algumas línguas na Guiné que são faladas por mais de 100.000 pessoas. Isso também nos diz algo sobre o estado de desenvolvimento deste lugar que, obviamente, não é um lugar em que a divisão do trabalho seja muito extensa e intensa. Eles ainda vivem um tanto isolados e têm apenas uma divisão de trabalho dentro de suas pequenas tribos, sem muita necessidade de aprender outras línguas, ou de uma língua assumir o controle de outras línguas e se tornar a dominante. A divisão do trabalho, neste estágio, é de um tipo muito, muito limitado – obviamente, as mulheres tendem a ser mais as coletoras; os homens tendem a ser mais os caçadores. Existem algumas pessoas que fazem ferramentas, mas o número de ferramentas e instrumentos também é muito limitado. Portanto, em geral, um número muito pequeno de profissões diferentes, se é que podemos assim considerar; provavelmente não há ninguém que esteja realmente se especializando em tempo integral em certos tipos de atividades.
A divisão do trabalho chega a diminuir às vezes durante este período, o que leva a uma situação em que as pessoas desaprendem coisas que já faziam parte do conhecimento acumulado da humanidade. Essas coisas aconteceram, em particular, nos casos da Nova Guiné e da Austrália e da Tasmânia, lugares que por dezenas de milhares de anos estiveram completamente isolados de qualquer outro povo e não puderam nem mesmo ocasionalmente adotar técnicas ou conhecimentos que haviam sido acumulados em outras partes de o mundo. Por exemplo, os aborígenes australianos ainda usavam ferramentas de pedra por volta do ano 1800 na Tasmânia, que foi isolada por cerca de 10.000 anos de qualquer outro lugar; essas pessoas obviamente devem ter conhecido, em algum momento do tempo, a técnica de construção de barcos, mas quando foram redescobertas, não eram capazes de fazer barcos. Elas devem, em algum momento, ter tido a capacidade de usar arcos e flechas, mas quando foram redescobertas, elas não eram capazes de usar flechas e arcos porque a população havia se tornado muito pequena e nenhum influxo de inovação entrou, então essas pessoas com as populações menores, simplesmente se tornaram menos informadas e conhecedoras do que deveriam ter sido no início. A propósito, o mesmo também é verdade para esquimós e polinésios. Os polinésios também haviam desaprendido parcialmente a habilidade de fazer barcos, embora devam ter tido essa habilidade em algum momento no passado – a menos que fossem nadadores muito bons.
Como uma pequena observação secundária, há uma explicação para o motivo pelo qual os polinésios tendem a ser um povo muito gordo, ou seja, que os gordos tinham uma vantagem de sobrevivência em longas viagens de barco onde não sabiam onde iriam parar. Assim, as pessoas que acumularam muita gordura corporal tiveram uma chance maior de finalmente encontrar as Ilhas Fiji ou onde quer que tenham desembarcado, o que explica porque ainda encontramos pessoas enormes nesses lugares, muito mais massivas do que em outras regiões do mundo.
Agora chegamos a uma das grandes revoluções no desenvolvimento humano, a chamada Revolução Neolítica, que ocorreu há cerca de 10.000-12.000 anos atrás. O principal fator explicativo para isso foi que a terra se tornou gradualmente mais escassa e mais valiosa, e surgiu a pressão para encontrar uma solução para o problema de como alimentar as pessoas que não podiam andar por aí e se separar encontrando novos locais de caça e coleta. Eles tinham que possibilitar que as pessoas vivessem em maior número em territórios menores. Antes, a terra era mais ou menos tratada como um bem livre, e se for tratada como um bem livre, é claro que não existe nenhum incentivo para se apropriar dela, para estabelecer uma propriedade na terra.
Na palestra anterior, expliquei que era perfeitamente natural que as pessoas considerassem seu arco e flecha como seu arco e flecha e o machado que carregavam como seu machado e assim por diante, e quando elas caçavam búfalos, se eu tivesse caçado um, então, é claro, aquele se tornou meu búfalo. Mas a propriedade da terra é uma invenção relativamente nova, por assim dizer, e a explicação é que a terra, de repente, é percebida como escassa. E assim que for percebida como escassa, haverá tentativas feitas por pessoas de cercar parcelas separadas de outras parcelas, de demarcar lugares e reivindicá-los como meus ou seus. Os locais onde se inicia a agricultura são naturalmente aqueles locais que possuem, por natureza, uma abundância de plantas adequadas; isto é, onde você tem milho selvagem, trigo selvagem e centeio selvagem, etc., as pessoas se estabelecem lá e então começam a cultivar as plantas existentes para produzir produtos melhores. Esses são os lugares que descrevemos como o Crescente Fértil, o que hoje é o Oriente Médio em torno do Iraque e da Síria, por um lado, e por outro lado, a China, ou seja, lugares que ficam próximos a rios, e depois, é claro, também o Egito.
A Figura 4 trata de exemplos de plantas e animais domesticados pela data da primeira domesticação e por região. Isto começa por volta de 8.000 aC. O único animal domesticado antes era o cachorro, que você encontra na página ao lado. Os cães, é claro, já tinham sido úteis para caçadores e coletores. Todos os outros animais são animais típicos que são úteis apenas em sociedades agrícolas e não muito úteis se você leva um estilo de vida de caçador e coletor.
O que eu gostaria de alertar aqui é a notável observação de que não existia, basicamente, nenhum animal domesticado em grande escala no continente americano, exceto a lhama, que não é exatamente comparável em sua versatilidade aos cavalos e vacas. Existem algumas explicações que Jared Diamond em Guns, Germs, and Steel, propõe, que não parecem muito plausíveis para mim. Ele é uma espécie de ambientalista. Ele explica, por exemplo, o fato de não existirem animais domesticados em grande escala no continente americano, ao afirmar que inicialmente existiam todos os animais do continente americano que existiam também na Ásia e na Europa, mas no continente americano, ocorreu uma caça excessiva. E então você pergunta, é claro: “Por que a caça excessiva ocorreu, por que eles exterminaram todos esses animais e não reconheceram a tempo o valor de alguns deles, o potencial de serem domesticados, em comparação com o que as pessoas faziam em Eurásia?” E sua explicação é que as pessoas chegaram à América mais tarde do que na Ásia e na Europa e naquela data a tecnologia de armas já estava mais desenvolvida, então o potencial de matança era maior para aquelas pessoas que atuavam no continente americano, de tal forma que o a extinção de animais resultou lá e não resultou na Eurásia. Existem, é claro, também outras explicações para isso, às quais voltarei em alguma palestra futura. Também pode ter algo a ver, é claro, com a falta de previsão, que havia mais previsão entre algumas pessoas na Eurásia e menos previsão na América, para evitar que esse tipo de, como podemos dizer, catástrofe ambiental, ocorra.
Agora, a vida agrícola permite uma densidade populacional muito maior do que a existência de um caçador-coletor. Na verdade, estima-se que 10 a 100 vezes mais pessoas podem viver no mesmo pedaço de terra se se dedicarem à agricultura em vez de atividades de caça e coleta. E também reconhecemos que assim que você estabelecer e construir comunidades agrícolas, então, pela primeira vez, será possível acumular capital. Imagine caçadores e coletores que simplesmente andam de um lugar para outro, há um número limitado de coisas que você pode levar com você. Afinal, você tem que carregar tudo e a maior parte das coisas vira excesso de bagagem. Agora que você se assentou, é claro, você pode estabelecer o armazenamento e pode acumular coisas para as estações ruins, e você pode alimentar não apenas um número maior, você também pode transformar sua atividade de um tipo de agricultura para outros tipos de agricultura, desde o cultivo de um tipo de cereal ao cultivo de outros tipos de cereal e assim por diante.
Os antropólogos comparam o modo de vida dos caçadores e coletores com o modo de vida dos colonos; os lavradores se instalaram e, apontam os antropólogos, a vida dos caçadores e coletores era, de certa forma, mais fácil, mais agradável. Eles passavam apenas algumas horas por dia apenas caçando e então ficavam preguiçosos, enquanto os agricultores trabalhavam por longos períodos de tempo, especialmente porque tudo isso começou no Oriente Médio, com um clima relativamente bom o ano todo, e você também podia trabalhar o ano todo, enquanto os caçadores e coletores tinham temporadas inteiras de folga. Assim, os antropólogos relatam, por exemplo, que os caçadores e coletores frequentemente riam dos estúpidos colonos agrícolas de lá, que trabalhavam tanto e eles próprios tinham uma vida tão boa e preguiçosa.
Porém não é verdade. O que você encontra relatado em alguns livros, é que essas sociedades de caçadores-coletores se revelaram militarmente superiores às sociedades agrícolas e regularmente as atacavam. E se você pensar sobre isso, embora isso seja, obviamente, possível, existem razões convincentes para que não seja o caso. É por isso que as sociedades agrícolas deveriam ter sido, mesmo nesta área, isto é, defendendo-se, superiores às sociedades caçadoras-coletoras, simplesmente porque se envolvem na acumulação de capital, têm populações mais densas, têm muito mais homens e mais conflitos. Normalmente, não foram as sociedades de caçadores-coletores que venceram as sociedades agrícolas, mas vice-versa.
Por causa disso, então, deixe-me dizer algo sobre o tamanho da população novamente. Com a Revolução Neolítica, portanto, de 10.000 a 12.000 anos atrás, a população dobra a cada 1.300 anos, aproximadamente, em comparação com cada 13.000 anos antes disso. Novamente, esses são todos valores aproximados. Em uma palestra posterior, darei a você uma tabela com algum tipo de estimativa populacional. Então, a estimativa é que talvez 10.000 anos atrás, tínhamos 5 milhões de pessoas no início da Revolução Neolítica, e no ano 1 DC, os números que são fornecidos vão de 170 milhões a 400 milhões. Portanto, se você pegar a média dessas estimativas, terá essa ideia aproximada de 1.300 anos a cada duplicação da população. Agora, essa superioridade das sociedades agrícolas sobre as sociedades de caçadores-coletores é então responsável pela expansão gradual dessas sociedades. Isso não começou em todos os lugares; começou em alguns lugares, como eu disse, para o Crescente Fértil e alguns lugares na China e, gradualmente, os fazendeiros ocupam cada vez mais terras.
Os caçadores-coletores são primeiro transformados em pastores, porque eles não vagam mais por aí; eles têm que lidar com animais domesticados, mas os animais domesticados, é claro, estão nas redondezas e até mesmo os pastores gradualmente perdem mais e mais terras para a população agrícola em constante expansão. Novamente, se você apenas olhar para o mundo atual, caçadores e coletores praticamente não existem mais, exceto nas periferias do globo. E mesmo pastores existem apenas em lugares muito pequenos, novamente, muito distantes, na Sibéria e na Lapônia e em locais desse tipo. A civilização superior, se quisermos usar este termo, a civilização agrícola, gradualmente se expande para fora. O tempo, por exemplo, quando várias plantas e assim por diante aparecem em várias regiões, leva cerca de 5.000 anos para a agricultura se espalhar do Crescente Fértil e chegar a um lugar como a Inglaterra. Então, isso seria uma expansão de algo como pouco mais de um quilômetro por ano, que é adicionado a territórios de uso agrícola e retirado de territórios de caçadores-coletores.
A divisão do trabalho agora se intensifica, é claro, um pouco. Não existem apenas três ou quatro tipos diferentes de ocupações que você pode exercer; com o surgimento de pequenas aldeias, os artesãos especializados nessas tarefas evoluem com muito mais especialização. Há também uma certa quantidade de comércio inter-regional em desenvolvimento, ao passo que entre as sociedades de caçadores-coletores, como eu disse, não havia praticamente nenhum comércio acontecendo, e é claro que as inovações agora se espalham de uma certa forma regular e permanente. Novamente, com sociedades de caçadores-coletores vivendo lado a lado isto também acontece, mas acontece mais ou menos por acaso um grupo pegar uma nova técnica que foi desenvolvida por outro. Agora, nas sociedades agrícolas, as pessoas vivem lado a lado, estando integradas, até certo ponto. E, por meio da divisão do trabalho, também ocorre a difusão do conhecimento. Ou seja, algo que é desenvolvido em um lugar, chegará eventualmente em outro lugar e será imitado ali, se acontecer de ser útil nesses lugares. E, claro, a direção é sempre dos centros da civilização, ou seja, o Crescente Fértil e os vales dos rios na China, para a periferia, onde o povo selvagem ainda vive. E não acontece mais que a divisão do trabalho se desfaça tão facilmente, que algo seja simplesmente esquecido. À medida que há contato e o tamanho da população aumenta, a especialização avança e as inovações são transportadas de um lugar para outro.
E o que eu indiquei antes: agora, com a agricultura, vemos também que essa tendência anterior das línguas de se dividir em um número cada vez maior de línguas diferentes chega a um certo impasse. Agora há mais comunicação entre eles; há uma vantagem maior em falar línguas que são faladas por muita gente e também, pela primeira vez, uma tendência para aprender as línguas das regiões vizinhas, porque você comercializa e se associa com elas, em certa medida, o que você não fazia durante a fase anterior da humanidade.
Deixe-me terminar esta palestra fornecendo a vocês duas citações de Mises, a primeira uma citação cujas implicações completas só ficarão claras na próxima palestra. Mises tenta explicar por que há uma tendência inerente ao desenvolvimento humano de estender a divisão do trabalho, de ter cada vez mais pessoas participando da divisão do trabalho e de intensificar a divisão do trabalho, ou seja, se especializar cada vez mais e se dedicar todo o seu tempo para tarefas específicas, ao invés de uma hora esta tarefa e outra hora aquela, etc. E a segunda citação, que, novamente, remete à próxima palestra, é uma citação onde ele descreve as limitações inerentes que sociedades puramente agrícolas têm , o que nos permite esperar que uma nova invenção tenha que ser feita; novamente, assim como inventamos a agricultura para resolver o problema da crescente escassez de terras, a humanidade tem que resolver outro desafio que é inerente às sociedades puramente agrícolas – isto é, desenvolver sociedades industriais com cidades para lidar com o fato de que, mesmo nas sociedades agrícolas, chegaremos novamente ao ponto em que a terra não poderá mais sustentar uma população em crescimento constante – e surge uma nova instituição que nos permite viver em territórios muito mais densos e menores.
A primeira citação, como eu disse, trata da causa da evolução social. Mises disse,
A maneira mais implícita de descrever a evolução da sociedade é mostrar a distinção entre duas tendências evolutivas, que se relacionam entre si da mesma forma que a intenção e a extensão. A sociedade se desenvolve de forma subjetiva e objetiva. Subjetivamente, ao aumentar o número de membros.[2]
Vimos como isso acontece, atingindo vários milhões de pessoas no início da Revolução Neolítica e, em seguida, disparando a partir daí em um ritmo mais rápido.
Subjetivamente, ampliando seu número de membros e objetivamente, ampliando os objetivos de suas atividades. Muito mais atividades se tornam possíveis em uma sociedade agrícola. Construímos cabanas; construímos ferramentas para as quais não havia necessidade antes; construímos depósitos e assim por diante, ampliando os objetivos das atividades humanas. Originalmente confinada aos círculos mais estreitos de pessoas, aos vizinhos imediatos, a divisão do trabalho gradualmente se torna mais geral até que, finalmente, inclui toda a humanidade. Esse processo, ainda longe de ser concluído e nunca, em nenhum momento da história, concluído, é finito. Podemos, é claro, imaginar um ponto em que esse processo chega ao fim, quando todos os homens da Terra formam um sistema unitário de divisão do trabalho, ele terá alcançado seu objetivo. Lado a lado com essa ampliação dos laços sociais, ocorre um processo de intensificação. A ação social abrange cada vez mais objetivos e a área em que o indivíduo estipula para seu próprio consumo torna-se cada vez mais estreita. Não precisamos fazer uma pausa neste estágio para perguntar se esse processo acabará resultando na especialização de todas as atividades produtivas, mas, novamente, a tendência é claramente nesta direção.[3]
E agora, uma citação interessante sobre o que eu poderia chamar de as limitações das sociedades puramente agrícolas. Mises disse,
Podemos descrever as condições de uma sociedade de agricultores, em que cada membro cultiva um pedaço de terra grande o suficiente para prover a si mesmo e a sua família as necessidades indispensáveis da vida. Podemos incluir, em tal quadro, a existência de alguns especialistas, artesãos como ferreiros e profissionais como médicos. Podemos até ir mais longe e presumir que alguns homens não possuem uma fazenda, mas trabalham como trabalhadores nas fazendas de outras pessoas. O empregador os remunera por sua ajuda e cuida deles quando a doença ou a velhice o incapacitam.
Este esquema de uma sociedade ideal estava na base de muitos planos utópicos. Foi, em geral, realizado há algum tempo em algumas comunidades. A abordagem mais próxima de sua realização foi provavelmente a comunidade que os padres jesuítas estabeleceram no país que hoje é o Paraguai. Não há, entretanto, necessidade de examinar os méritos de tal sistema de organização social. A evolução histórica o estilhaçou. Sua moldura era muito estreita para o número de pessoas que vivem hoje na superfície da Terra.
A fraqueza inerente de tal sociedade é que o aumento da população deve resultar em pobreza progressiva. Se a propriedade de um fazendeiro falecido for dividida entre seus filhos, as propriedades finalmente se tornam tão pequenas que não podem mais fornecer sustento suficiente para uma família. Todos são proprietários de terras, mas todos são extremamente pobres. As condições, como prevaleciam em grandes áreas da China, fornecem uma triste ilustração da miséria dos lavradores de pequenos lotes. A alternativa para este resultado é o surgimento da enorme massa de proletariados sem terra. Então, uma grande lacuna separa os pobres deserdados dos agricultores afortunados. Eles são uma classe de párias cuja própria existência apresenta à sociedade um problema insolúvel. Eles procuraram em vão por um meio de vida; a sociedade não tem uso para eles. Eles estão destituídos.[4]
E aqui, então, uma solução para outro problema deve ser desenvolvida, que é a solução do capitalismo industrial – o desenvolvimento das cidades e do dinheiro – que permite outro impulso no crescimento da humanidade e na especialização de tarefas, e eu irei fale sobre isso na próxima palestra.
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Notas
[1] [Esta palestra começou com duas notas pessoais de Hoppe. Embora não estejam diretamente relacionados à palestra, elas são de interesse e valor histórico. — Ed.]
Primeiro, deixe-me fazer algumas observações pessoais. Uma é, já que alguns de vocês viram a fita de vídeo com Murray Rothbard, devo mencionar que, nos últimos dez anos de sua vida, fui seu colega mais próximo. De certa forma, eu era seu guarda-costas intelectual. Vim para os Estados Unidos em 1985 e trabalhei com Murray por um ano na cidade de Nova York e, quando ele estava fora da cidade, dava suas aulas. E então, em 1986, ele recebeu uma oferta para uma cátedra de professor na Universidade de Nevada, Las Vegas, que foi o primeiro grande cargo que ele já ocupou. Naquela oportunidade, havia outra vaga também, e ele me pediu para ir com ele. E, por acidente, também consegui esse emprego. Foi, eu acho, o único ano naquela universidade em que foi possível para nós dois sermos contratados. A partir daquele momento, a composição do departamento mudou de tal forma que nunca mais teríamos recebido os empregos. Sou o único reduto solitário lá, do qual eles não podem mais se livrar.
A outra observação diz respeito às palestras. A estrutura das palestras deve ser a estrutura do meu próximo projeto de livro. Por causa disso, de certa forma, eu coloco mais trabalho nisso do que o normal. E, além disso, é Lew Rockwell que, ao me convidar, sempre me obriga a superar minha preguiça natural e concentrar todas as minhas energias e, então, me preparar para essas ocasiões.
[2] Ludwig von Mises, Socialism: An Economic and Sociological Analysis (1951; Auburn, Ala .: Ludwig von Mises Institute, 2009), p. 314.
[3] Ibid.
[4] Ludwig von Mises, Human Action: A Treatise on Economics, edição acadêmica (1949; Auburn, Ala .: Ludwig von Mises Institute, 1998), p. 831.