Após o lançamento da nova série da HBO Os Anarquistas considerei que era hora de eu fazer um artigo apenas definindo e descrevendo o que anarquia e anarquista realmente significam. Vou começar com a definição simples, que é realmente tudo que você precisa saber. Então eu vou explicar porque há tanto mal-entendido e confusão e por que existem diferentes grupos e facções dizendo que eles são os verdadeiros anarquistas e que outros não são anarquistas de verdade.
Anarquia = Sem governantes
Politicamente falando anarquia não significa caos e desordem. Anarquia é uma palavra simples com um significado simples: a parte “arqui” se refere à dominação e governo autoritário. Por exemplo, monarquia significa governo por uma pessoa; oligarquia significa governo por um pequeno grupo de pessoas; e anarquia literalmente significa apenas não ser governado por ninguém – e isso é tudo o que significa. Descreve uma sociedade sem uma classe dominante – e isso é tudo.
Isso não significa sem cooperação. Isso não significa sem organização. Isso não significa cada um por si. Isso não significa todo mundo vivendo como homens das cavernas. Isso significa não ser governado por ninguém – e isso é tudo o que isso significa. E a palavra anarquista significa apenas alguém quem defende a anarquia. Então ser um anarquista significa que você não quer que haja uma classe dominante – e isso é tudo o que isso significa.
Caos e desordem
Porém, existe uma definição separada da palavra anarquia que significa caos e desordem. Eu mesmo conheço muitos milhares de anarquistas e nenhum deles quer caos e desordem, mas pense nisso por um segundo: quem se beneficia de haver uma palavra que significa sem governantes e também significa caos e desordem? Exatamente as pessoas que querem governar! Talvez elas queiram que associemos a falta de dominação autoritária com caos e desordem, o que é bastante irônico, dado que a grande maioria de caos e desordem, e violência, destruição, opressão, guerra, genocídio etc. ao longo da história tem sido um resultado direto do poder autoritário ou governo. Então não, apesar da maneira desonesta que a mídia sempre retrata os anarquistas, não significa que eles sejam punks que jogam coquetel molotov nos outros e amam violência. Anarquistas não têm nada a ver com isso. Ser anarquista significa não querer uma classe dominante – e isso é tudo o que isso significa.
Eu, por exemplo, sou um anarquista porque acho que não deveria haver uma classe dominante, mas prefiro o termo voluntarista por ser mais específico e mais preciso. Ser voluntarista significa que eu acho que toda interação humana idealmente deveria ser baseada em consentimento voluntário, não em coerção e violência. E como tudo que envolve o governo é sempre sobre roubar e controlar pessoas à força, eu me oponho a todos os governos. Mas este artigo é sobre a palavra anarquia, não voluntarismo, então voltemos a ela agora.
Anarcocomunismo?
A principal razão de tantas pessoas assumirem que os anarquistas devem ser a favor do caos e da desordem é que um monte de pessoas que se autointitulam anarquistas insiste que o termo também significa “sem hierarquias” (mesmo hierarquias voluntárias), “sem dinheiro”, “sem propriedade”, sociedades de ajuda mútua, viver em comunas, os trabalhadores possuírem os meios de produção e assim por diante. Porém, uma vez que a palavra literalmente significa apenas “sem governo”, por que alguém iria reivindicar qualquer uma destas outras características?
Historicamente muitos autointitulados anarquistas foram comunistas e agora os chamados anarcocomunistas estão amargurados com qualquer outra pessoa que use a palavra anarquista para se descrever, particularmente aqueles de nós que acreditam na legitimidade da propriedade privada, no comércio econômico, no uso de meios de troca, em hierarquias voluntárias e assim por diante. Desta forma, os anarcocomunistas insistem que não somos anarquistas de verdade, mas isso é só porque eles não sabem como as palavras funcionam.
Como uma analogia, suponha que houvesse um grupo de ateus declarados, de pessoas que não acreditam em Deus, que se reunissem todas as terças-feiras à noite para jogar xadrez usando chapéus roxos bizarros. Então, depois surgiram outras pessoas que também não acreditavam em Deus e queriam se chamar de ateus também. Mas então o primeiro grupo teve uma birra emocional e disse: não, não, não, não, para ser um ateu de verdade, você tem que se encontrar todas as terças-feiras para jogar xadrez usando chapéus roxos bizarros porque nós estávamos aqui primeiro e historicamente ateus sempre foram aqueles de nós que não acreditam em Deus e nos encontramos todas as terças-feiras à noite para jogar xadrez usando chapéus roxos bizarros.
Essa analogia ridícula é o equivalente ao que os anarcocomunistas fazem quando insistem que são os verdadeiros anarquistas porque eles decidiram juntar qualquer miscelânea arbitrária de dogmas comunista ao conceito de anarquia. Então eles querem nos fazer crer que de alguma forma a palavra anarquista agora significa todas aquelas outras coisas irrelevantes aleatórias também. Mas anarquia não significa nada daquilo. Anarquia significa alguém que se opõe à existência de uma classe dominante – e isso é tudo.
Anarcoestatistas?
No entanto, já seria ruim o suficiente se eles apenas quisessem acrescentar um monte de significados extras de coisas que eles gostam e fingir que a palavra anarquista tem que significar todas essas coisas também. Mas os anarcocomunistas fazem muito pior do que isso, pois ser um anarquista significa que você se opõe à existência de uma classe dominante – e isso é tudo o que isso significa. Teoricamente, alguém poderia ser um serial killer canibal psicopata e ser anarquista, se ele se opuser à existência de uma classe dominante, ou poderia ser um eremita hippie pacifista vivendo em uma oca na floresta e ser um anarquista, se ele se opuser à existência de uma classe dominante, ou alguém poderia acreditar em mil outras coisas e ainda ser um anarquista, se ele se opuser à existência de uma classe dominante.
Novamente, é por isso que eu prefiro o termo voluntarista, porque ao invés de apenas dizer o que não deveria haver, i.e., uma classe dominante, diz o que deveria haver, i.e., uma sociedade baseada em cooperação e organização voluntária. Então você pode acreditar literalmente em qualquer outra coisa e ainda ser um anarquista se, e somente se, você se opuser à existência de uma classe dominante. E é aqui que está o problema. Na sociedade que os anarcocomunistas defendem não há dinheiro, não há propriedade, não há hierarquias – mesmo as voluntárias. Então o que acontece se eu e as pessoas que conheço, por exemplo, quiserem comercializar, usar meios de troca, quiserem formar organizações que têm hierarquias voluntárias e assim por diante. Os anarcocomunistas concordam com isso? Bem, não. Qualquer comportamento que não for aprovado pelo comitê central do coletivo deve ser reprimido, porque afinal, de acordo com os delírios dos anarcocomunistas, aluguel é roubo, salário é escravidão, propriedade é roubo e muitos outros slogans sem sentido que os comunistas adoram vomitar: precisamos pegar o dinheiro de todos e redistribuir toda a riqueza, e assim garantir que todos tenham o que precisam segundo nosso gigante planejamento central etc.
Além de o quão completamente errados os comunistas estão em todas essas questões, você notou um problema mais fundamental? Se tivermos alguma autoridade central ditando como todos devem se comportar, – especialmente quando se trata de questões econômicas – isto é um governo, isto é uma classe dominante, e qualquer um que defenda isso, por definição não é um anarquista. Chamar este governo de “comitê coletivo do povo” ou do que quer que seja não faz com que ele deixe de ser uma classe dominante. A propósito, se você quiser ver como essa filosofia se desenrola no mundo real, leia sobre a União Soviética, ou a China comunista sob Mao, ou a Coreia do Norte, porque todas elas usaram essa terminologia, todas elas instituíram o controle coletivista autoritário centralizado em nome do comunismo, do socialismo, da igualdade, da justiça, do povo, do bem comum e blá blá blá, e todas elas acabaram sendo ditaduras autoritárias brutais.
Portanto, além de os anarcocomunistas serem confusos e errados sobre todos os tipos de coisas, eles também não são os únicos anarquistas verdadeiros como alegam ser: na verdade, eles não são anarquistas de forma alguma. Eles defendem a existência de uma classe dominante. Eles simplesmente não a chamam de governo. Se alguém escolhesse um arranjo comunal para si mesmo sem tentar impor isso a todos os outros ele ainda poderia ser um anarquista. Mas tendo conversado com muitos deles, posso lhe dizer que a maioria dos anarcocomunistas quer absolutamente que suas preferências econômicas sejam impostas a todos os outros.
Um teste simples
Ninguém tem que acreditar em tudo que eu acredito para ser um anarquista – e seria ridículo afirmar o contrário. Você não tem que ter todas as mesmas prioridades, preferências e valores que eu tenho para ser um anarquista. Tudo que você tem que fazer é se opor à existência de uma classe dominante. Ponto final. Se algumas pessoas querem ter uma comuna onde compartilham tudo o que cultivam e não usam nenhum meio de troca, e não têm ninguém encarregado de nada, eu jamais tentaria impedi-los.
A natureza humana e as leis econômicas podem impedi-los, como muitas vezes fizeram com tais empreendimentos no passado. Mas eu nunca tentaria parar à força qualquer coisa que alguém quisesse tentar, desde que seja baseada em consentimento mútuo e interação voluntária. Mil grupos de pessoas podem tentar mil formas diferentes de arranjar e organizar as coisas, e eu não vou interferir em nenhuma delas se não estiverem iniciando violência contra mais ninguém. É isto o que realmente significa ser tolerante. Se algumas pessoas querem viver de forma muito primitiva em algum lugar na natureza, vá em frente. Se outras pessoas gostam de tecnologia e ter uma economia muito sofisticada e especializada, não há problema. Cuide de sua própria vida e não tente me governar ou governar qualquer outra pessoa. Não viole o consentimento de outras pessoas. Não pegue suas coisas ou cometa agressão contra elas e você nunca terá que se preocupar comigo tentando impor à força minhas crenças e preferências em sua vida. A grande maioria dos anarcocomunistas que eu já conversei não pode dizer o mesmo, porque eles realmente não são anarquistas.
Não é pacifismo
Por outro lado, ser um voluntarista não significa ser um pacifista – embora você possa ser isso também se você quiser. A grande maioria dos voluntaristas que conheço são bastante capazes de – e estão dispostos a – usar força bruta, se necessário, para impedir alguém de agredir ou vitimizar outra pessoa. Defender uma sociedade baseada no consentimento mútuo e na cooperação voluntária não significa esperar que todos sejam pacíficos, morais e civilizados. Quando alguém comete agressão, suas vítimas ou qualquer outra pessoa têm o direito de usar qualquer força necessária para parar essa agressão e proteger os inocentes. A propósito, alegar ser uma autoridade e chamar sua agressão de lei não torna isso moral e não muda o fato de que as pessoas têm o direito de se defender, pela força, se necessário, de qualquer um que tente iniciar violência contra elas, incluindo agressores com distintivos.
Anarcocapitalistas?
Para simplificar um pouco, as pessoas que se intitulam anarquistas geralmente se encaixam mais ou menos em uma das duas categorias: anarcocomunistas, que não são realmente anarquistas pelas razões que já expliquei, e anarcocapitalistas. Particularmente não gosto do termo anarcocapitalista – mesmo eu sendo um – apenas porque hoje em dia muitas pessoas que ouvem a palavra capitalismo pensam no fascismo corporativo que temos hoje, onde o governo e as grandes empresas cooperam entre si para dominar coercivamente a tudo e a todos. Isso não é o que o capitalismo realmente significa. Capitalismo significa literalmente propriedade econômica e comércio que não é controlado pelo governo. Em outras palavras, nada parecido com o que temos agora. Mas deixemos a discussão sobre esse termo para outra oportunidade.
O termo anarcocapitalismo é redundante. Basicamente significa que eu não quero que haja um governo e eu não quero que o governo interfira na propriedade e no comércio. Bem, se eu não quero que o governo exista então obviamente eu não quero que ele se intrometa na economia. Porém, bizarramente, alguns anarquistas de esquerda clamam abertamente por um enorme estado de bem-estar social e exigem que o governo dê todo tipo de coisa grátis para todos. Vemos que consistência e lógica não são seus pontos fortes.
Conclusão
Seu corpo, seu tempo e seu esforço pertencem a você. Se você faz algo, isso pertence a você e ninguém deve tirar de você sem seu consentimento. Se você optar por dar voluntariamente o que é seu a alguém, isto pode ser generosidade e caridade, mas deve ser sua escolha fazer isso, não a escolha de qualquer governo e não a escolha de qualquer coletivo. Se você decidir trocar o que é seu – seu trabalho, algo que você produziu ou construiu – por algo que outra pessoa tem, e ambos os lados concordam, ninguém mais tem o direito de interferir à força nisso. Novamente, existem milhares de maneiras que as pessoas podem escolher voluntariamente para negociar e interagir, e eu não interferiria à força em exatamente nenhuma delas. E eu não votaria em qualquer rei, qualquer comitê central, qualquer governo, qualquer coisa para interferir à força em meu nome porque eu sou um anarquista – e mais especificamente um voluntarista.
Por acaso eu me tornei um anarquista não porque conclui que o anarquismo funcionaria melhor do que ter um governo, mas porque eu acidentalmente descobri que é logicamente impossível para qualquer governo, qualquer classe dominante, ser moral ou legítimo e, portanto, me oponho à existência de qualquer classe dominante. Sou, por definição, um verdadeiro anarquista.
Original aqui
Veja aqui Larken Rose comentando sobre as críticas na mídia mainstream desta série.
Parabéns e obrigado mais uma vez ao Instituto Rothbard por trazer ao público brasileiro textos de pensadores como Larken Rose !
Hahaha!!
Excelente.
É como eu digo, se houver respeito absoluto à sagrada propriedade privada, qualquer forma de organização é possível.