A linguagem é uma ferramenta crítica para a comunicação entre humanos; gritamos “cuidado” quando um carro em alta velocidade se aproxima de um pedestre. Também pensamos na linguagem como uma ferramenta cognitiva para a sociedade em geral, uma vez que todo aprendizado humano está intimamente ligado à forma como aprendemos e processamos a linguagem.
No entanto, às vezes esquecemos que a linguagem também é uma importante instituição social e cultural. E como todas as instituições, está sujeita à corrupção, na forma de captura por elites com agendas bastante contrárias às das pessoas comuns. Como a linguagem molda nossa compreensão de todas as interações humanas, acadêmicos de todas as disciplinas – mas principalmente cientistas sociais – devem prestar mais atenção à corrupção linguística. Quando a linguagem se torna politizada, gerenciada e policiada, devemos perceber e devemos revidar.
Eu argumento isso em um próximo ensaio intitulado “Evolução ou corrupção: a imposição da linguagem política no Ocidente hoje”, que será publicado neste outono na revista italiana Etica e politica (publicada pelo Departamento de Filosofia da Universidade de Trieste). O ensaio argumenta que as imposições de cima para baixo, em vez da evolução natural, muitas vezes levam a mudanças na linguagem. Faz uma analogia do “mercado” linguístico com o mercado de bens e serviços. As imposições são semelhantes ao planejamento central, enquanto a evolução é semelhante à ordem espontânea no mercado. A primeira ocorre quando as elites da política, mídia, jornalismo e academia tentam influenciar tanto as palavras que usamos quanto o significado dessas palavras. Isso invariavelmente está a serviço de uma agenda estatista, assim como as intervenções econômicas atendem a interesses preferenciais em detrimento da riqueza e da eficiência gerais. O uso e repetição constante da palavra “gênero” (um termo relacionado à gramática) quando o correto é usar “sexo” é um exemplo óbvio de linguagem imposta e corrompida a serviço de uma agenda política (trans). Em contraste, “vossa mercê” soa estranho aos nossos ouvidos hoje – tendo evoluído naturalmente para “você” sem imposição opressiva.
O grande economista austro-libertário espanhol Jesús Huerta de Soto aplica a teoria de Carl Menger sobre a evolução da moeda para a linguagem:
Começa assim a funcionar um processo descentralizado de tentativa e erro, que atravessa várias gerações, no qual tendem a prevalecer os comportamentos que melhor dão conta dos desajustes sociais, de forma que, por meio de um processo social inconsciente de aprendizagem e imitação, o comportamento pioneiro iniciado pelos seres humanos mais criativos e bem-sucedidos se estende à sociedade e é seguido pelos seus demais membros. Acresce que, neste processo evolutivo, as sociedades que adotam os princípios e instituições mais adequados tendem a propagá-los e a prevalecer sobre os outros grupos sociais. Embora Menger tenha desenvolvido a sua teoria para a aplicar a uma instituição econômica concreta, a do aparecimento e da evolução da moeda, não deixa de afirmar também que o mesmo esquema teórico pode, no essencial, ser aplicado, sem maiores dificuldades à emergência e evolução da linguagem, bem como ao campo que mais nos interessa neste momento, o das instituições jurídicas. Apresenta-se, desta forma, o fato paradoxal segundo o qual as instituições mais importantes e essenciais para a vida do homem em sociedade (morais, jurídicas, econômicas e linguísticas) não são suas criações deliberadas, uma vez que o homem carece da capacidade intelectual necessária para assimilar o enorme volume de informação que tais instituições geram. Antes, estas instituições vão inevitável e espontaneamente surgindo do processo social e evolutivo de interações humanas que, para Menger, constitui precisamente o campo que deve ser objeto de estudo da ciência econômica.[1]
Hoje, parece que o intervencionismo linguístico está vivo e bem no Ocidente. A linguagem é um subconjunto da cultura, embora um subconjunto muito importante, e é muito improvável que os progressistas a deixem de lado. Como a cultura, a linguagem não é propriedade e não pode ser “possuída”. Mas pode ser influenciada e dirigida por vândalos linguísticos que procuram derrubar antigos entendimentos e nos deixar sobrecarregados e desmoralizados pela nova terminologia em constante mudança.
Nos idos pitorescos e inocentes de 2015, ainda chamávamos esse impulso progressista de “politicamente correto”. Tentei defini-lo então:
O politicamente correto é a manipulação consciente e projetada da linguagem destinada a mudar a maneira como as pessoas falam, escrevem, pensam, sentem e agem, em prol de uma agenda.
PC é melhor entendido como propaganda, e é assim que sugiro que o abordemos. Mas, ao contrário da propaganda, que historicamente tem sido usada pelos governos para ganhar o apoio a uma campanha ou projeto específico, o PC é abrangente. Ele procura nada menos do que nos moldar em versões modernas do homem de sociedade não alienado de Marx, livre de todas as suas pretensões burguesas e convenções sociais monótonas.
Como toda propaganda, o PC é fundamentalmente uma mentira. Trata-se de se recusar a lidar com a natureza subjacente da realidade, na verdade tentando alterar essa realidade por decreto legislativo e social. A não é mais A.
Hoje, é claro, o PC está obsoleto – substituído inteiramente pelo conceito muito mais amplo de “woke”, que vai muito além da linguagem. E, com certeza, “woke” é tão vago e tão usado que se torna um exemplo pungente das palavras sem sentido, que discuto em detalhes no ensaio. Palavras sem sentido, explicou Orwell, são usadas de maneira conscientemente desonesta na promoção de uma agenda. Elas se desincorporam de qualquer significado ou definição real, servindo como slogans vazios para coisas que gostamos (“democracia”) ou coisas que não gostamos (“fascismo”).
Aqui está um exemplo de um progressista usando “woke” como código para “as atitudes progressistas da esquerda corretas”:
“Woke” é definido como estar ciente da injustiça na sociedade, especialmente, mas não limitado ao racismo. O que não parece com nada que a maioria das pessoas se oporia, especialmente história em quadrinhos de super-heróis, que parecem ser sobre combater a injustiça, mas, …
Bem, não, isso não é claramente o que “woke” significa. Woke é uma bobagem de egoísta: “Todas as pessoas boas (nós) são woke, o que é realmente apenas um código de esquerda para mostrar que nos importamos e temos empatia! Quem poderia ser contra a injustiça e o racismo! Eu odiaria pensar o que as pessoas que não são woke (eles) realmente acreditam, ho ho ho!” Mas esses impostores de linguagem não são pessoas boas, ou sequer pessoas bem intencionadas. Muito pelo contrário; eles estão mentindo, dissimulando, projetando ideólogos que querem comandar a linguagem. Woke é a força animadora por trás das incansáveis tentativas progressivas de hoje de impor e corromper a linguagem para promover uma série de movimentos totalmente politizados.
Do meu ensaio:
Mesmo cinco anos atrás, a força de cima para baixo ou centralizada operando para corromper a linguagem da política e da economia poderia ter sido amplamente chamada de “politicamente correto” (PC). Hoje o termo é obsoleto, outro exemplo da rápida (não natural) evolução da convenção na sociedade ocidental. PC referia-se mais estritamente ao discurso aceitável, enquanto os impositores linguísticos de hoje procuram impor uma mentalidade, atitude e maneira de pensar totalmente novas. Assim, o PC foi substituído por um termo ainda mais amplo e amorfo, “woke”. Woke, seja um insulto ou não, pode ser usado de forma muito ampla para representar crenças progressistas estridentes de esquerda em relação a raça, sexo, sexualidade, igualdade, mudança climática e afins. Woke exige uma linguagem em constante mudança e cria constantemente novas palavras enquanto elimina as antigas. Como resultado, o “cancelamento”, a desplataforma e a perda de emprego se agigantam, dando trabalho a oradores e escritores que devem considerar uma nova ortodoxia woke.
Em última análise, a linguagem imposta tenta controlar nossas ações. Quando consideramos amplamente visões de mundo politicamente corretas ou woke – ou seja, uma mentalidade ativista preocupada em promover justiça social amorfa – o elemento linguístico é direto.
Receio que o ensaio esteja embargado até setembro, então ainda não posso fornecer o texto real. Tanto Orwell quanto FA Hayek figuram com destaque nele, e está cheio de exemplos de linguagem imposta e distorcida emitida por políticos, CEOs, banqueiros centrais, figuras da mídia, anunciantes, acadêmicos e elites de todos os tipos. Ele argumenta que vale a pena defender a linguagem dos vândalos linguísticos a cada passo. Na verdade, a linguagem é a única instituição que podemos defender todos os dias por meio de nossos próprios pensamentos, palavras e escrita. É a guerrilha, travada todos os dias nas trincheiras.
Artigo original aqui
[1] Jesús Huerta de Soto, “A Emergência dos Princípios Jurídicos Tradicionais Segundo Menger, Hayek e Leoni”, em Moeda, Crédito Bancário e Ciclos Econômicos.
“Mas esses impostores de linguagem não são pessoas boas, ou sequer pessoas bem intencionadas. Muito pelo contrário; eles estão mentindo, dissimulando, projetando ideólogos que querem comandar a linguagem.”
Essa frase pode ser usada de maneira precisa para descrever todos os aloprados do estatismo e a sua sub-cultura esquerdista, que utilizada como ideologia pelo o estado – assim como o keyesiaismo satânico, torna a máfia mais violenta e corrupta. Assim como a democracia é o ápice de um sistema muito bem projetado para parasitar a sociedade.
O que diferencia a máfia comum da extremamente bem sucedida e sofisticada máfia estatal é o uso das ideologias, intelectuais maliciosos e a fé diabólica na democracia. Os intelectuais desempenham um papel fudamental na formação do estado moderno e anônimo pós revolução francesa de 1789, pedra fundamental da instauração da nova ordem mundial. Hoje os acostumamos com o intelectual como o professor de história maconheiro e ateu da federal. Mas sejamos razoáveis: tal figura jamais seria capaz de pensar qualquer idéia para subverter a ordem sobre natural que já durava mais de 1000 anos.