O que significa ser um eficaz defensor da liberdade? Significa amar aquilo que você faz e adotar sólidos padrões de pensamento e estilos de vida que contribuem para fazer do mundo um lugar melhor.
A solidez é essencial. A maior parte dos atuais ataques dirigidos aos amantes da liberdade inclui a caricatura de que o libertarianismo é uma ideologia para crianças idealistas (ou talvez iludidas), e não uma para adultos. Segundo tais críticos, é natural que você possa se sentir extasiado pelos escritos de Bastiat ou de Ayn Rand ou de Rothbard quando ainda está no ensino médio ou na faculdade; porém, prosseguem eles, tão logo você adentra o mundo real, você se torna mais maduro e abandona as ilusões de um mundo mais livre.
Já eu não acredito nisso. Apenas dentro do âmbito da liberdade é possível descobrir o caminho para a prosperidade, para a paz social e para o desenvolvimento humano. Cada limitação imposta à liberdade de pensamento, de ação e de propriedade impede que o mundo tenha mais criatividade, mais riqueza e mais progresso.
E, ainda assim, não há nenhuma garantia de liberdade em um mundo em que várias formas de despotismo estão continuamente surgindo. A liberdade tem de ser reconquistada a cada geração. Com efeito, são justamente aqueles que gostam de se arvorar como “adultos maduros” — capazes de tomar decisões em nome do resto da humanidade — que se transformam nos déspotas da próxima geração. Faz parte da própria fundação da maturidade moral e intelectual resistir a esse nível de orgulho arrogante e reconhecer as nossas limitações.
A maturidade nos mostra os limites do poder. E a causa da liberdade vale nossos esforços constantes e vitalícios.
No entanto, há uma plausibilidade, ainda que superficial, nas alegações dos críticos: há uma tendência, entre os libertários, de abrir mão da esperança. Eu mesmo já conheci vários que perderam seu entusiasmo pela liberdade por várias razões, nenhuma delas de cunho estritamente intelectual. As pessoas tendem a se sentir desestimuladas ao descobrirem quão pouco elas podem fazer para mudar o mundo. A distância entre sonhos e realidade cresce muito e se torna insuportável. O idealismo desaparece quando você sente que está batendo sua cabeça contra a parede.
O que pode ser feito para manter a paixão pela liberdade ao longo de uma vida? Eis as minhas sugestões de sete hábitos para fomentar um apego vitalício à liberdade e para viver uma vida que faça a melhor contribuição possível para o bem-estar humano.
1. Oponha-se à opressão, mas ame a liberdade ainda mais
A alvorada da consciência libertária normalmente ocorre em duas etapas.
Primeiro, você percebe que há uma entidade chamada ‘estado’, que essa entidade é distinta da sociedade como um todo, e que as ciências sociais (para não falar da mídia convencional) tentam esconder esse fato.
Segundo, há a nova percepção de que o estado é distinto de todas as outras instituições da sociedade, pois ele utiliza de força agressiva para alcançar seus objetivos. No que mais, o estado não entrega os objetivos que promete. Ao contrário, ele viola direitos, solapa as bases da economia, cria dependência, e serve a uma elite política e empresarial em vez de ao povo.
Neste ponto da sua jornada intelectual, você percebe que as alternativas convencionais — divididas entre esquerda e direita — deixam muito a desejar; nenhuma delas representa uma oposição íntegra (baseada em princípios) e consistente ao poder do estado.
Uma nova consciência nasce. Ela pode levar a uma ira virtuosa e moralmente correta. Pela primeira vez, você percebe a diferença entre como o mundo é (percepção esta que pode parecer sombria e deprimente) e como ele poderia ser. Ato contínuo, pode ser tentador concentrar-se no lado negativo: a corrupção, o roubo do dinheiro do povo, o abuso de poder, a espoliação das pessoas produtivas, os subornos, o enriquecimento ilícito, a violência policial contra inocentes, as guerras etc.
Essa ira explica por que todas as notícias postadas por grupos de discussão na Internet formados por libertários quase sempre consistem de péssimas notícias.
Mas qual o volume de notícias ruins uma pessoa consegue aguentar? Não temos meios com os quais diretamente corrigir as injustiças e mudar o mundo para melhor em uma só tacada. Sem uma mentalidade forte, ver malefícios que não podemos mudar pode levar ao desespero: uma armadilha na qual vários libertários caem.
É crucial não apenas pensar no problema, mas também ver as soluções sendo experimentadas ao nosso redor. Temos de aprender a observar todos os maravilhosos empreendimentos que são iniciados diariamente e que se revelam bem-sucedidos; a apreciar toda a beleza envolvida nas espontâneas e voluntárias interações humanas; a ordem e a prosperidade que emergem do simples exercício da escolha humana.
Devemos nos emocionar com as várias maneiras como as pessoas vivem suas vidas, informalmente desafiando o poder centralizado. Podemos prestar respeito e deferência a todas as criações à nossa volta que não foram planejadas ou aprovadas por políticos — ou pelos burocratas que trabalham sob suas ordens.
Em outras palavras, concentrar-se nas soluções em vez de exclusivamente nos problemas é uma atitude que pode iluminar o seu dia e gerar criatividade a serviço do bem.
A liberdade não é apenas a ausência de opressão; é a existência de vidas bem vividas e de instituições que surgem apesar de todas as tentativas de se impedi-las. Nesse sentido, a liberdade está vicejando ao redor do mundo. Se pudermos nos concentrar em fazer esta mudança positiva, em vez de perder tempo com o que há de errado no mundo, nossa tarefa se torna mais prazerosa, e a dedicação à liberdade se torna mais sólida e duradoura.
2. Leia muito e seja confiante em suas idéias
Debates políticos podem ser divertidos, mas eles também podem ser estridentes e improdutivos, com os dois lados brigando e não alcançando nenhum progresso intelectual. Eles geram mais calor do que luz.
Se você quer mudar esse padrão, você tem de ter a confiança de ouvir com cuidado e atenção as outras idéias, sem se sentir ameaçado por elas. Com confiança intelectual, você pode responder de uma maneira segura e bem-fundamentada, em vez de beligerante. Você pode ser ponderado e refletido, em vez de apenas agressivo e reativo.
Pense na diferença entre a maneira como um assaltante de rua se comporta e como um especialista em artes marciais se porta durante um combate. Um é furioso, colérico, ameaçador e impulsivo. O outro é calmo, inteligente, espirituoso e eficaz. Em um combate mano a mano entre os dois, o segundo irá ganhar. Por quê? Porque o especialista em artes marciais possui habilidades genuínas, ao passo que o valentão tem apenas ar desafiador e emoção.
Libertários deveriam ser como o habilidoso lutador e exibir a confiança gerada pela disciplina. No entanto, tornar-se um faixa-preta na liberdade leva tempo e aprendizado; não é algo que acontece da noite para o dia.
Temos também de conhecer os argumentos dos nossos oponentes melhor do que eles próprios, e estarmos preparados para responder a eles de maneira justa e honesta, sem caricaturas, moldando nossos argumentos de uma maneira que sejam realmente persuasivos em vez de apenas estridentes. Isso requer que dediquemos muito tempo à leitura e ao estudo de outras escolas de pensamento. Nossa biblioteca tem de ser ampla e conter amostras de todas as disciplinas e pontos de vista.
Jamais devemos nos isolar de idéias que sejam diferentes das nossas. Algumas vezes, nossos oponentes intelectuais — mesmo que estejam completamente errados — são nossos mais valiosos benfeitores. Eles nos ajudam a pensar melhor em como refinar nossos argumentos, a afiar nossas habilidades, e nos inspiram a pesquisar mais e a ler mais. É assim que as pessoas se aprimoram. Ato contínuo, podemos fazer debates sem medo.
Essa abordagem irá nos tornar mais eficazes ao longo do tempo. Fanfarronice e abordagens agressivas e bombásticas podem calar oponentes, mas será que conquistam corações e mentes? Provavelmente não. Como enfatizou Ludwig von Mises em seu excelente livro Liberalismo, de 1927, a razão, os bons argumentos e o poder da reflexão — combinados com um genuíno desejo de um mundo melhor — são os itens que nos farão triunfar.
Não queremos bloquear nossos oponentes, fazendo com que eles se refugiem em seu confortável e familiar modo de pensamento. Agindo assim, é impossível vencer a batalha das idéias. Queremos que nossos oponentes continuamente interajam conosco; que façam perguntas a nosso respeito; que continuem desafiando nossas idéias enquanto nós os confrontamos. Queremos que eles continuem dialogando conosco e com outros. O contínuo debate é um sinal de curiosidade e abertura que devemos saudar e receber com prazer.
3. Olhe para além da política
Para a maioria dos libertários, a política é a primeira atração. Não há nada de errado com isso. É típico de nossa cultura pensar que são necessárias campanhas políticas para fazer com que as pessoas fiquem interessadas em grandes questões como o papel da liberdade humana, a função do estado, a guerra às drogas etc.
No entanto, não são necessárias mais do que duas campanhas para que as pessoas percebam que a política não representa uma maneira muito eficaz de mudar o mundo para melhor. Nossos votos não afetam praticamente nada. Quase sempre estamos votando em pessoas, e não em idéias ou políticas. E as pessoas dentro da política tendem a trair princípios. Se depositarmos muita fé em políticos — os quais, na melhor das hipóteses, estarão confrontando um sistema muito maior do que podem controlar — iremos inevitavelmente nos sentir frustrados e impotentes. No que mais, não há coisa mais nojenta no planeta. Calúnias, fraudes e enganações definem o mundo político.
Trabalhar em campanhas políticas é válido se é desse tipo de coisa que você gosta. Algumas pessoas realmente gostam de se envolver nisso. Mas sejamos realistas: a política é majoritariamente uma ilusão. A política tende a ser um indicador atrasado, em vez de prematuro, das mudanças sociais. Os primeiros passos de uma mudança são culturais, e não políticos. A política é reativa, e não proativa. Se formos capazes de contribuir para alterar mentes e estimular uma cultura pró-liberdade, todo o resto ocorrerá espontaneamente, principalmente na política.
Há várias outras maneiras de se fazer a diferença fora da política. Pense em como os aplicativos de smartphones estão desafiando o status quo em praticamente todas as áreas comerciais. Os monopólios municipais dos táxis estão atordoados pela concorrência trazida por aplicativos de carona. A tecnologia P2P (peer-to-peer) está revolucionando a hotelaria caseira, gerando uma inesperada concorrência para os hotéis e ignorando regulações como as leis de zoneamento. As criptomoedas estão desafiando o dinheiro estatal e os antiquados sistemas de pagamento. O homeschooling e a educação via internet estão tornando irrelevante o sistema educacional estatal. Esses esforços já alcançaram mais do que qualquer reforma feita de cima para baixo por meios políticos.
Com efeito, toda e qualquer start-up representa uma espécie de ato revolucionário contra o status quo, ato esse que as regulações e as espoliações governamentais sempre conspiraram para impedir. A existência de start-ups é a prova de que é impossível abolir a criatividade humana por meio de qualquer tipo de controle. No futuro, iremos olhar para trás e reconhecer como as start-ups tiveram uma contribuição muito mais poderosa para a liberdade do que todas as campanhas políticas em conjunto.
Libertários há muito já entenderam que soluções locais — de baixo para cima — para os problemas sociais funcionam muito melhor do que abordagens de cima para baixo. O mesmo vale para a construção de uma sociedade livre.
4. Veja todas as pessoas como amigas ideológicas
Você conhece alguém que realmente se oponha à liberdade humana? Eu não. O que acontece é que todos nós tempos diferentes maneiras de entender essa ideia e diferentes graus de tolerância para aplicações inconsistentes. Devemos ver todos como aliados em potencial para a causa maior, independentemente de gênero, raça, religião, idade ou classe social.
A atual política democrática divide as pessoas de acordo com suas afiliações a grupos de interesse. De acordo com o espírito dominante, as mulheres têm de preferir um determinado arranjo de políticas e homens, outro. Os negros querem as coisas de um jeito e os brancos, de outro (e as outras etnias têm um arranjo próprio cada). Jovens e idosos são rivais, assim como ricos e pobres, gays e heterossexuais. Dessa maneira, como Frédéric Bastiat nunca se cansou de mostrar, a política divide as pessoas, criando uma guerra de todos contra todos.
Mas os liberais clássicos sempre enfatizaram que a liberdade significa uma harmonia de interesses entre todos os grupos. Somente genuínos liberais defendem o bem comum de todos, pois eles querem abolir o grande gerador de animosidade e divisão da sociedade. Eles defendem que todos os grupos e todos os indivíduos sejam livres para se associar, transacionar, produzir e cooperar visando a um aprimoramento mútuo. A sociedade pode se gerenciar a si própria muito mais efetivamente do que jamais poderia qualquer planejador central.
Entender isso hoje, nessa época de guerra fria entre grupos de pessoas, exige um pensamento imbuído de altos princípios morais. Com frequência, exige reconhecer que há algum sentido nas reclamações de determinados “grupos vitimistas” e então chamar a atenção para como foi justamente o estado quem criou o problema relatado. Isso está ligado a uma grande variedade de fenômenos da sociedade, do desemprego ao racismo institucionalizado, da miséria extrema à exploração. Não é que todos nós temos objetivos diferentes; nós apenas discordamos dos meios que devem ser utilizados para se alcançar estes objetivos.
Sempre comece todas as discussões partindo do princípio de que a outra pessoa é um potencial amante da liberdade. Quando tal pessoa disser algo correto e verdadeiro, agarre-se a isso e expanda o raciocínio libertário sobre o que ela disse. Não se sinta desestimulado caso não a converta imediatamente. Como ocorre em todas as trocas de idéias, o objetivo deve ser o de plantar as sementes, e não o de colher a plantação. É por meio de esforços sutis, porém persistentes, que ganharemos mais corações e mentes para a causa da liberdade.
5. Não presuma ter todas as respostas
É típico dos não-libertários exigir respostas completas e detalhadas sobre todos os problemas humanos que hoje são remediados por meios estatistas. Quem irá cuidar dos pobres? Como funcionará a educação? Como as pessoas terão acesso a serviços de saúde? Quem resolverá o racismo, a misoginia e a intolerância religiosa? Acima de tudo, quem construirá as estradas? (Ignorando que todas as estradas são hoje construídas por empresas privadas contratadas pelo estado).
É tentador se aventurar a oferecer respostas completas. E a história, com efeito, pode oferecer fatos, indícios e sugestões sobre como tais coisas provavelmente seriam. É válido chamar a atenção para a maneira como as intervenções governamentais deslocaram e expulsaram toda uma gama de indústrias privadas: escolas, estradas, caridade, tribunais, organismos de certificação etc.
No entanto, é essencial resistirmos à tentação de construir uma espécie de “planejamento central libertário”. Se mordermos a isca, estaremos preparando uma armadilha para nós mesmos.
Não temos todas as respostas. Em um ambiente de liberdade, descobrimos as respostas por meio de um contínuo processo de tentativa e erro. Uma sociedade aberta existe para permitir o máximo espaço possível para a inovação e a descoberta.
F.A. Hayek estava em correto em seu extraordinário ensaio “O argumento em prol da liberdade“:
Não poderemos alcançar as metas [da liberdade] se limitarmos o uso da liberdade às circunstâncias especiais nas quais sabemos que será benéfica. Não é liberdade aquela concedida somente quando seus efeitos benéficos são conhecidos de antemão. Se soubéssemos de que forma a liberdade seria usada, não teríamos necessidade de justificá-la.
Nunca conseguiremos os benefícios da liberdade, nunca alcançaremos os avanços imprevisíveis que ela possibilita, se ela não for também concedida nos casos em que sua utilização parecer indesejável.
Portanto, não se pode alegar como argumento contra a liberdade individual que as pessoas frequentemente abusam dessa liberdade. Liberdade significa, necessariamente, que cada um acabará agindo de uma forma que poderá desagradar aos outros.
Nossa fé na liberdade não se baseia nos resultados previsíveis em determinadas circunstâncias, mas na convicção de que ela acabará liberando mais forças para o bem do que para o mal.
[…]
É justamente porque não sabemos como os indivíduos a usarão, que a liberdade é tão importante.
Como Leonard Read costumava dizer, a característica singular e mais importante da liberdade é a sua humildade. Ela se submete aos resultados da ação humana; ela não tenta moldar os resultados antecipadamente.
A liberdade não significa um governo de libertários sagazes que se julgam mais espertos e oniscientes do que todos os outros indivíduos. A liberdade significa a abolição de fontes institucionalizadas de poder, as quais governam com a arrogante presunção de que há apenas uma maneira de gerenciar a sociedade, e que a sociedade pode e deve ser gerenciada.
Não há nada de errado em responder aos críticos da liberdade que “Eu não sei todas as respostas. E advinha só? Os políticos e burocratas também não. E é por isso que eles não estão em posição de impor suas idéias sobre todos nós. Precisamos de liberdade — e precisamos da liberdade — para resolver os problemas sociais por nossa própria conta. Se você vê um desafio a ser superado, então é garantido que as outras pessoas também vêem o mesmo problema. Trabalhemos juntos para encontrar uma resposta. A liberdade é uma condição necessária para se encontrar as melhores soluções.”
Continua ao longo do dia….
Cadê a continuação?