[Este artigo é o prefácio do livro Legal Foundations of a Free Society, de Stephan Kinsella (Houston, Texas: Papinian Press, 2023)]
A questão sobre o que é justiça e o que constitui uma sociedade justa é tão antiga quanto a própria filosofia. Na verdade, ela surge na vida cotidiana muito antes mesmo de qualquer filosofar sistemático começar.
Ao longo de toda a história intelectual, uma resposta proeminente a essa pergunta foi dizer que é o “poder” decide quais são os “direitos”. Ou mais especificamente: que o que é certo ou errado, justo ou injusto, é decretado unilateralmente por um Estado qua territorial monopolista da violência. A natureza autocontraditória dessa posição “decisionista”, isto é, do “positivismo jurídico”, vem à tona quando pedimos aos seus proponentes darem uma razão ou evidência sobre porque devemos acreditar que a proposição que “o poder decide o direito” é verdadeira e correta. Ao fornecer qualquer razão ou evidência, no entanto, e assim buscar – em última instância – um acordo unânime sobre a validade da proposição em questão, qualquer proponente reconhece implicitamente a presença de outras pessoas razoáveis e sensatas e, mais importante, que a questão do certo ou errado, verdadeiro ou não-verdadeiro, então, não é uma questão de “poder” ou “decreto”, ” mas uma questão a ser decidida com base na razão e experiência comuns. No entanto, a razão e a experiência demonstram, ao contrário da alegação inicial do proponente, que “o poder não decide o direito”. Que “o poder é poder” e o “direito é direito”, mas “nenhum poder pode decidir um direito”.
Além do decisionismo defendido pelos positivistas jurídicos, a resposta mais proeminente nos tempos modernos a essa questão, veio dos chamados teóricos dos contratos sociais. Segundo eles, o que é justo ou não, é determinado pelos termos de um contrato celebrado e acordado por todos os membros de uma sociedade. – No entanto, essa solução traz mais perguntas do que respostas e termina em um emaranhado de confusão. Por um lado, esse contrato nunca foi celebrado em lugar nenhum. No entanto, na ausência de tal contrato, as pessoas ainda seriam capazes de distinguir entre o certo e o errado? “Obviamente”, alguém pensaria assim, porque, caso contrário, elas não seriam capazes de concluir legitimamente um – na verdade qualquer – contrato válido. Dito de outra forma: primeiro deve haver um contratante – uma pessoa – e depois deve haver algo de propriedade legítima e a ser contratado por essa pessoa – propriedade privada ou pessoal – antes que possa haver um acordo contratual válido. Assim, a pessoalidade e a propriedade privada logicamente – ou mais precisamente: praxeologicamente – precedem os contratos e os acordos contratuais; e, portanto, tentar construir uma teoria da justiça sobre o fundamento dos contratos é um erro praxeológico fundamental.
Além disso, tendo a pessoalidade e a propriedade privada como fundamento praxeológicos dos contratos, é impossível qualquer contrato social universal, abrangente e inclusivo como imaginado pelos teóricos do contrato social é impossível. Pelo contrário: nesta base, todos os contratos são contratos entre pessoas identificáveis e enumeráveis e relativos a coisas ou assuntos identificáveis e enumeráveis. Nenhum contrato pode vincular ninguém além dos contratantes reais, e nenhum contrato pode dizer respeito a coisas ou assuntos diferentes dos especificados no contrato. Assim: pessoas reais, com suas várias propriedades reais, separadas e exclusivas, simplesmente – não podem – praxeologicamente não podem – celebrar um contrato como imaginado pelos teóricos do contrato social.
Para que tal contrato seja concebível, uma “nova pessoa” deve ser inventada. Uma pessoa fictícia, que pode fazer o que nenhuma pessoa real consegue fazer! Essa “nova pessoa”, inventada para o propósito pelos teóricos do contrato social, então, é invariavelmente uma entidade irrealista, severamente “desencarnada”, isto é, uma pessoa sem quaisquer necessidades ou apetites corporais; é uma razão “pura”, se quiserem colocar desta forma, livre de todas as restrições de tempo e lugar. — Os teóricos então perguntam que arranjo de mundo essas pessoas concordariam ser justo. E eles então dão uma resposta sobre o que acreditam ser esse acordo entre essas entidades e por quê. — Qualquer resposta, porém, seja ela qual for, é sempre arbitrária, porque a única coisa que se pode saber sobre pessoas fictícias e um acordo entre elas é o que já foi investido em tais seres desde o início, por suposição. De fato, como John Rawls, o mais célebre teórico moderno do contrato social, admitiu com uma franqueza cativante, ele simplesmente “defini(u) a posição original [de pessoas fictícias colocadas atrás de um ‘véu de ignorância’”. Hans-Hermann Hoppe] para que tenhamos a solução desejada.”[1] Embora os resultados que Rawls obtém de seus pressupostos sobre a posição original concordem em grande parte com as visões políticas da esquerda social-democrata, outros teóricos do contrato social, com diferentes pressupostos sobre o encontro de mentes original, como James M. Buchanan e suas construções fictícias de “contratos conceituais” e “quase-unanimidade”, por exemplo, propuseram respostas mais estreitamente associadas à direita política. Outros teóricos ainda apresentaram outros resultados. Demonstrando, então, que os esforços intelectuais dos teóricos do contrato social, por mais ambiciosos e sofisticados que possam parecer, não são, em última análise, mais do que exercícios mentais ociosos: consistem em derivar conclusões irrealistas de suposições irrealistas, ou seja, exemplos de “entra lixo, sai lixo”.
Mas há um outro aspecto, mais sinistro, na ideia de contrato social que vem à tona quando qualquer um dos vários acordos contratuais como fantasiados pelos teóricos do contrato social é realmente posto à prova, implementado e aplicado. Porque implementar e fazer cumprir os termos de um contrato que nenhuma pessoa real tinha ou poderia ter acordado significa, com efeito, que todos os contratos reais entre pessoas reais são suplantados e substituídos pelos termos de algum suposto acordo entre pessoas fictícias como o juiz supremo em questões de certo e errado. A palavra “contrato”, então, com suas conotações positivas, é usada pelos teóricos do contrato social para promover um programa que é, na verdade, destrutivo de todos os contratos. Declaram os não-contratos e não-acordos como contratos e acordos e contratos e acordos como não-contratos e não-acordos. — Assim, em última análise, a teoria do contrato social revela-se pouco menos arbitrária do que o decisionismo dos positivistas jurídicos. Para seus proponentes, a questão do certo ou errado não pode ser considerada uma questão de mero decreto como para alguns positivistas estritos. Em vez disso, para eles, são as intuições e fantasias de alguns filósofos que devem decidir isso. Mas isso não é menos arbitrário, dir-se-ia! E, claro, como nenhuma pessoa real tinha ou poderia ter concordado com qualquer suposto contrato social, sua execução sempre requer uma agência não fundada em acordo e contrato, mas em desacordo, violência e coerção: um estado. E assim como os positivistas jurídicos, então, os teóricos do contrato social invariavelmente também se revelam estatistas, atribuindo e confiando o papel de árbitro final do certo e do errado ao estado qua monopolista territorial da violência.
Outra resposta popular para essa questão é a do utilitarismo. Os utilitaristas essencialmente afirmam que as próprias regras que maximizam ou prometem maximizar a utilidade social total ou trazer a maior felicidade para o maior número de pessoas são e devem ser consideradas justas. Além de outras dificuldades ligadas ao seu consequencialismo, no entanto, essa resposta pode ser rapidamente descartada e tida como fatalmente falha pela simples razão de que não existem unidades de utilidade ou felicidade; e, portanto, que qualquer comparação interpessoal de utilidade ou felicidade e qualquer agregação de utilidade ou felicidade individual à “utilidade social” ou “felicidade social” deve ser considerada impossível (ou, se ainda for invocada, como inteiramente arbitrária).
Com as respostas dos positivistas jurídicos, teóricos do contrato social e utilitaristas todas rejeitadas como fundamentalmente falhas, por mais populares que sejam, a única resposta restante, então, vem da velha tradição intelectual pré-moderna da lei natural e dos direitos naturais. É também nessa tradição intelectual hoje bastante fora de moda, amplamente concebida, que a obra aqui apresentada de Stephan Kinsella deve ser colocada.
Os teóricos da lei natural e dos direitos naturais afirmam que os princípios da conduta humana justa podem ser descobertos a partir do estudo da natureza humana. Por um lado, tal estudo revela que os seres humanos são dotados de razão, manifestada pelo fato indiscutível de que eles podem falar e se comunicar uns com os outros, de pessoa para pessoa, em uma linguagem comum. Por outro lado, este estudo mostra que os seres humanos também são atores (e em combinação então: atores racionais). Falar e se comunicar são atividades propositais direcionadas a um objetivo. No entanto, mesmo se e quando não estamos falando ou nos comunicando, mas fazendo as coisas em silêncio, ainda estamos agindo e não podemos deixar de agir desde que não estejamos dormindo, em coma ou mortos.
Além disso, este estudo também revela a “estrutura profunda” da ação humana, ou seja, o que todas as ações de todos os seres humanos têm em comum. Cada ator individual (e apenas indivíduos agem!), o que quer que faça, busca um objetivo ou fim cuja realização ele considera mais satisfatória do que a satisfação a ser esperada de agir de forma diferente. Cada ator é assim colocado em um determinado ambiente, em um ponto específico no tempo e no espaço, com um ambiente externo específico de homens e materiais, e equipado com sua própria composição corporal e dotação mental dada pela natureza; e toda ação, então, seja ela qual for, invariavelmente visa alterar a situação atual específica de um ator para seu benefício pessoal e maior satisfação. Em qualquer caso, para alcançar seus objetivos, sejam eles quais forem, um ator invariavelmente deve empregar meios. No mínimo, ele deve empregar seu próprio corpo físico e cérebro (mais o local em que o corpo está) como meios para a obtenção de algum ganho corporal ou psíquico esperado, e ele deve, portanto, usar algum tempo que ele também poderia ter usado de forma diferente.
Geralmente, no entanto, as ações de uma pessoa envolvem mais do que o uso proposital do corpo físico e da mente. Envolve também vários elementos do mundo externo que, ao contrário do próprio corpo de uma pessoa, só podem ser controlados indiretamente, por meio de seu corpo diretamente controlado. Tais elementos do mundo externo que podem ser indiretamente controlados e manipulados por uma pessoa e que são reconhecidos ou acreditados por um ator como adequados para a consecução de seus fins são chamados de meios. Esses elementos do mundo externo que estão além – ou que se acredita estarem além – do controle humano, por outro lado, são referidos como condições externas sob as quais as ações de uma pessoa devem ocorrer. A escolha dos meios empregados por uma pessoa para a consecução de seus fins é sempre uma questão de ideias, isto é, de razão e raciocínio. Um ator sempre escolhe tal alocação e arranjo de meios que ele acredita trazer algum resultado desejado. A escolha dos meios é validada pelo seu resultado. As ações de uma pessoa, então, são sempre guiadas por algumas ideias sobre causa e efeito: realizar A, B e C levará a X, Y e Z. Mas o homem não é infalível e as ideias de uma pessoa sobre causa e efeito ou a interconexão e regularidade dos eventos podem ser falsas, e a ação de uma pessoa baseada nessas ideias levará ao fracasso em vez do sucesso antecipado, induzindo a pessoa a aprender, ou seja, a revisitar e possivelmente rever suas ideias originais.
Dada essa percepção da condição humana geral, torna-se imediatamente claro o que deve realizar uma ética humana ou uma teoria da justiça que sejam válidas. Ela deve dar uma resposta à pergunta sobre o que sou eu e o que é permitido (ou não) a cada outra pessoa fazer, agora e aqui, onde quer que uma pessoa possa se encontrar e qualquer que seja o seu ambiente externo de homens e materiais. Mais especificamente, o que é permitido uma pessoa fazer (ou não fazer) em uma interação com outra pessoa? E: que entidades externas uma pessoa pode (ou não) colocar sob seu controle para ser usada como meio para seus fins pessoais?
Como nenhuma pessoa pode parar de agir, desde seu início como pessoa até seu fim (exceto quando está dormindo, em coma ou morta), essas perguntas surgem repetidamente, sem fim, para todos, onde e quando se encontrem e devem agir. Obviamente, portanto, uma resposta a questões prementes como essas não pode esperar pelo estabelecimento da instituição de um Estado, a celebração de um contrato (que na verdade teria que pressupor uma resposta válida a essas mesmas questões para torná-lo um contrato válido) ou a chegada de algumas consequências futuras. Em vez disso, a resposta deve ser detectável e reconhecível desde o início, desde a primeira e imediata percepção da natureza do homem como ator racional. E, de fato, isso é assim uma vez que o propósito, o fim último, de toda razão e raciocínio é assumido e reconhecido. Como já observado, a razão humana se manifesta no fato indiscutível de que uma pessoa pode se comunicar com outra pessoa em uma língua comum (e línguas diferentes são intertraduzíveis). O propósito de falar e se comunicar uns com os outros, então, mesmo se e quando ao expressar sua discordância com o dito de outra pessoa em palavras significativas, é orientar ou coordenar as ações de diferentes pessoas apenas por palavras ou símbolos significativos. Esse esforço pode ser bem-sucedido e as palavras ajudam a orientar ou coordenar as ações de diferentes pessoas para satisfação mútua. Ou a empreitada pode fracassar. Mas, em qualquer caso, o objetivo de falar e comunicar é sempre e invariavelmente o mesmo: manter a paz e buscar a cooperação ou a convivência pacífica – e ao contrário: evitar conflitos, ou seja, confrontos físicos ou conflagrações de pessoas que estão destinados a resultar sempre e onde duas ou mais pessoas buscam seus próprios objetivos diferentes com a ajuda do corpo de uma mesma pessoa ou de um mesmo meio de ação externo indiretamente controlado ou controlável ao mesmo tempo.
O objetivo de uma ética humana ou de uma teoria da justiça, então, é a descoberta de tais regras de conduta humana que tornam possível que uma pessoa – na verdade, qualquer – pessoa corporal aja – na verdade, viva toda a sua vida ativa – em um mundo composto por pessoas diferentes, um ambiente externo “dado”, material e vários raros – rivais, contestáveis ou conflituosos – objetos materiais utilizáveis como meios para os fins de uma pessoa, sem nunca se deparar com choques físicos com ninguém.
Essencialmente, essas regras são conhecidas e reconhecidas desde a eternidade. Elas consistem em três componentes principais. Primeiro, a pessoalidade controle e a autopropriedade: Cada pessoa possui – controla exclusivamente – seu corpo físico que só ela e ninguém mais pode controlar diretamente (qualquer controle sobre o corpo de outra pessoa, por outro lado, é invariavelmente um controle indireto, pressupondo o controle direto prévio do próprio corpo). Caso contrário, se a propriedade do corpo fosse atribuída a algum corpo-controlador indireto, o conflito se tornaria inevitável, pois o corpo-controlador direto não pode abrir mão do controle direto sobre seu corpo enquanto estiver vivo. Assim, qualquer interferência física no corpo de outra pessoa deve ser consensual, convidada e acordada por essa pessoa, e qualquer interferência não consensual em seu corpo constitui uma invasão injusta e proibida.
Em segundo lugar, propriedade privada e apropriação original: Logicamente, o que é necessário para evitar qualquer conflito em relação a objetos materiais externos usados ou utilizáveis como meios de ação, ou seja, como bens, é claro: todo bem deve sempre e em todos os momentos ser propriedade privada, ou seja, ser controlado exclusivamente por alguma pessoa específica. Os propósitos dos diferentes atores, então, podem ser tão diferentes quanto possível, e ainda assim nenhum conflito surgirá, desde que suas respectivas ações envolvam exclusivamente o uso de sua própria propriedade privada. E como os objetos externos podem se tornar propriedade privada em primeiro lugar sem levar a conflitos? Para evitar conflitos desde o início, é necessário que a propriedade privada seja fundada por meio de atos de apropriação original, pois somente através de ações, que ocorrem no tempo e no espaço, é que se pode estabelecer um vínculo objetivo – intersubjetivamente determinável – entre uma determinada pessoa e um determinado objeto. E somente o primeiro apropriador de uma coisa anteriormente não apropriada pode adquirir essa coisa como sua propriedade sem conflito. Pois, por definição, como primeiro apropriador, ele não pode ter entrado em conflito com ninguém na apropriação do bem em questão, pois todos os outros apareceram em cena apenas mais tarde. Caso contrário, se o controle exclusivo é atribuído a alguns retardatários, o conflito não é evitado, mas contrário ao próprio propósito da razão, é tornado inevitável e permanente.
Terceiro, troca e contrato: Exceto por apropriação original, a propriedade só pode ser adquirida por meio de uma troca voluntária – mutuamente acordada – de propriedade de algum proprietário anterior para algum proprietário posterior. Essa transferência de propriedade de um proprietário anterior para um proprietário posterior pode assumir a forma de uma troca direta ou “imediata”, que pode ser bilateral ou multilateral, como quando as maçãs de alguém são trocadas por laranjas de outro, ou pode ser unilateral como quando uma pessoa dá um presente para outra pessoa ou quando alguém paga outra pessoa com sua propriedade agora, de imediato, na expectativa de alguns serviços futuros por parte do beneficiário. Ou então a transferência de propriedade pode assumir a forma de contratos relativos não apenas a transferências de títulos de propriedade presentes mas, em particular, também transferências prospectivas e futuras de títulos de propriedade. Estas transferências contratuais de títulos de propriedade podem ser transferências incondicionais ou condicionais, e também podem envolver transferências bilaterais ou multilaterais, bem como transferências unilaterais de propriedade. Qualquer aquisição de propriedade que não seja através de apropriação original ou troca voluntária ou contratual e transferência de um proprietário anterior para um proprietário posterior é injusta e proibida pela razão. (É claro que, além dessas regras normais de aquisição de propriedade, ela também pode ser transferida de um agressor para sua vítima como retificação por uma infração anterior cometida.)
Baseando-se na longa, mas no mundo de hoje, em grande parte esquecida ou negligenciada tradição intelectual da lei natural e da teoria dos direitos naturais, com seus três componentes principais apenas brevemente esboçados, então, a apresentação mais elaborada, sistemática, rigorosa e lúcida de uma teoria da justiça até então havia sido desenvolvida no decorrer da segunda metade do século XX pelo economista-filósofo Murray N. Rothbard, culminando em seu A ética da liberdade, publicado originalmente em 1982. Infelizmente, mas não totalmente surpreendente, no entanto, seu trabalho foi tipicamente ignorado ou então descartado pelos guardiões e sumos sacerdotes da academia. As conclusões anarquistas a que chegou Rothbard em suas obras pareciam simplesmente estranhas em um ambiente ideológico moldado esmagadoramente por intelectuais financiados por impostos e impregnado de estatismo ou étatisme. Entre os figurões acadêmicos, apenas o filósofo de Harvard Robert Nozick, em seu Anarquia, Estado e Utopia, reconheceu sua dívida intelectual com Rothbard e tentou seriamente refutar suas conclusões anarquistas – mas fracassou miseravelmente.
Então, embora o trabalho de Rothbard tenha caído em ouvidos moucos dentro da academia, ele exerceu considerável influência fora dela, no público em geral. De fato, através de seu trabalho, Rothbard tornou-se o fundador do movimento libertário moderno, atraindo um número considerável de seguidores populares que excedem em número o de qualquer acadêmico convencional. Quanto ao desenvolvimento de uma teoria da justiça baseada na lei natural e nos direitos naturais, no entanto, esse mesmo sucesso acabou sendo uma bênção bastante mista. Por um lado, o movimento inspirado por Rothbard provavelmente ajudou a amortecer e desacelerar a popularidade e o crescimento do estatismo, mas falhou manifestamente em deter ou mesmo reverter a tendência histórica de longo prazo para o aumento do poder estatal. Por outro lado (e essa pode muito bem ser uma das razões para esse fracasso), quanto mais o movimento crescia em número, maior também a confusão e o número de erros intelectuais espalhados e cometidos por seus seguidores. A teoria pura da justiça apresentada por Rothbard foi cada vez mais diluída, incompreendida, mal interpretada ou francamente falsificada, seja para ganhos táticos de curto prazo, por ignorância ou pura covardia. Além disso, muitas vezes perdeu-se de vista a distinção fundamentalmente importante entre o núcleo, os princípios fundamentais de uma teoria, por um lado, e sua aplicação a vários problemas práticos periféricos – muitas vezes rebuscados ou meramente fictícios, por outro; e gastou-se demasiado esforço e tempo no debate de questões periféricas cuja solução pode muito bem ser discutível, mas que é de menor importância no esquema mais amplo das coisas e ajuda a desviar a atenção e a concentração do público dos temas e questões que realmente importam e contam.
Nessa situação, portanto, mais de 40 anos após a primeira publicação de A ética da liberdade de Rothbard e caracterizada por muita decepção prática e crescente confusão teórica, a publicação da presente obra de Stephan Kinsella deve ser considerada um sinal muito bem-vindo de esperança renovada e inspiração intelectual nova e refrescante. De fato, com essa obra, que vem sendo elaborada há mais de duas décadas, Kinsella produziu nada menos que um marco intelectual, estabelecendo-se como o principal teórico jurídico e o principal pensador libertário de sua geração. Embora siga os passos de Rothbard, a obra de Kinsella não se limita a repetir o que foi dito ou escrito antes. Em vez disso, tendo absorvido também toda a literatura relevante que apareceu durante as últimas décadas desde o falecimento de Rothbard, Kinsella oferece a seguir algumas perspectivas novas e uma abordagem inovadora para a busca milenar por justiça, e ele adiciona vários refinamentos e melhorias altamente significativos e alguns novos insights centralmente importantes para as teorias da pessoalidade, propriedade e contrato, mais notoriamente algumas críticas radicais e rejeição da ideia de “propriedade intelectual” e “direitos de propriedade intelectual”.
Doravante, portanto, todos os estudos essenciais da filosofia do direito e do campo da teoria jurídica terão que levar plenamente em conta as teorias e críticas expostas por Kinsella.
Artigo original aqui
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Notas
[1] John Rawls, A Theory of Justice, revista (Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1999), p. 122.
“Demonstrando, então, que os esforços intelectuais dos teóricos do contrato social, por mais ambiciosos e sofisticados que possam parecer, não são, em última análise, mais do que exercícios mentais ociosos: consistem em derivar conclusões irrealistas de suposições irrealistas, ou seja, exemplos de “entra lixo, sai lixo”.
Essa frase do nosso Senhor Libertário II, é incrível pois pode ser utilizada em qualquer debate com estatistas ou comunistas, com total tranquilidade. É uma granada de fragmentação para ser atirada antes de entrar em qualquer quarto.