Em um mercado livre, isto é, sem nenhuma regulação nem barreiras legais à entrada, uma empresa só cresce se satisfizer os consumidores de uma maneira mais eficiente do que as empresas concorrentes.
Para isso, uma empresa deve estar sempre atenta às mudanças nas demandas, as quais se alteram contínua e incessantemente, a um ritmo praticamente diário. À medida que inovações criam novos produtos e serviços ou barateiam e aperfeiçoam a produção de antigos, os empreendedores só sobreviverão se souberem se adaptar incessantemente a esse implacável processo de mercado.
Nesse processo concorrencial de livre mercado, o consumidor é, em última análise, quem manda nas empresas. Nem CEO´s, nem proprietários, nem acionistas majoritários decidem os rumos de uma empresa bem sucedida. Os consumidores são os reis soberanos, exigentes e impiedosos, que por puro capricho podem, a qualquer instante, trocar de fornecedor simplesmente por não gostarem da cor do produto ou pelo fato de o concorrente estar vendendo um pouco mais barato.
Assim sendo, se uma empresa crescer a ponto de dominar, por exemplo, 60% de um determinado mercado, ela o fez porque logrou sucesso em obedecer à vontade dos consumidores. Nesse cenário, a empresa fica satisfeita porque conseguiu aumentar seu tamanho e seus lucros; e os consumidores também ficam satisfeitos porque têm seus desejos atendidos mais satisfatoriamente.
Logo, se há uma satisfação geral, por qual motivo existe um órgão do governo encarregado de impedir que empresas cresçam e dominem grande parte, ou o todo, de um mercado?
Para responder a essa pergunta é necessário olhar para uma terceira parte que não ficou nada feliz com esse crescimento da empresa bem sucedida: seus concorrentes. Uma empresa que inova, aperfeiçoa e barateia seus produtos irá superar, na preferência dos consumidores, empresas que se acomodaram — e estas sofrerão perdas.
No livre mercado, a única opção que as empresas concorrentes teriam para se manter, ou para voltar a crescer, seria acompanhar ou até mesmo superar a empresa líder. Essa competição seria ainda mais benéfica para os consumidores. No entanto, no mundo estatista e intervencionista em que vivemos, existe uma opção mais cômoda: recorrer ao estado para que ele coercitivamente impeça o crescimento da empresa mais eficiente.
É exatamente nesse ponto que surgem a legislação e os órgãos antitruste: as empresas menos eficientes começaram a recorrer ao estado para que este criasse leis e regulamentações com o intuito de restringir a ação das empresas mais eficientes. Legislações e órgãos antitruste, pois, nada mais são do que o uso da violência estatal para prejudicar empreendedores eficientes e, em última instância, os seus consumidores.
Obviamente, o estado não conseguiria, por si só, legitimar esse privilégio concedido a uma ínfima minoria de empresas ineficientes, pois tal atitude deixaria explícita uma preferência corporativa, além de prejudicar o público consumidor. Sendo assim, ele recorre a um artifício sagaz: para justificar esse ataque coercitivo ao livre mercado, o estado alega que esse arranjo de felicidade geral (que não é tão geral assim, pois vimos o caso dos concorrentes ineficientes insatisfeitos com os resultados da liberdade) seria bom apenas para a empresa líder, mas ruim para a coletividade.
Logo, prossegue o argumento, é necessário que o abnegado estado intervenha para defender os interesses dos oprimidos consumidores e, acreditem, manter a concorrência.
Tendo em mente o arranjo de felicidade geral descrito anteriormente, essa alegação é difícil de ser levada a sério. E realmente é. Por isso, o estado recorre a uma teoria pseudoeconômica para dar suporte às suas agressões ao livre mercado.
Essa pseudoeconomia distorce o conceito de concorrência, a qual deixa de ser um processo dinâmico competitivo de descoberta e passa a ser um modelo estático e fictício de “concorrência perfeita”, arranjo esse que nada tem a ver com a realidade. Confunde o conceito de monopólio, que sempre foi definido como uma barreira coercitiva à entrada e que agora passa a ser reconhecido como sinônimo de único produtor, ou produtor majoritário, de algum bem ou serviço. E cria teorias absurdas que nunca encontraram exemplos na realidade histórica, e que nem mesmo em um mundo imaginativo fazem qualquer sentido.
Foi essa alegação de defesa da concorrência e dos consumidores que fez com que o professor André Luiz Santa Cruz Ramos — que tinha um viés liberal — fosse, com a melhor das intenções, trabalhar no órgão antitruste brasileiro, o CADE. Porém, logo no início de suas atividades, ao deparar com uma tentativa de se aplicar uma dessas teorias absurdas — a teoria do “preço predatório” —, o professor André percebeu que havia algo de muito errado com as leis e os órgãos antitruste: ele percebeu na prática que suas ações estavam contrárias a tudo que ele defendia, pois prejudicavam, em vez de proteger, os consumidores e a concorrência.
Tal foi o caso contra a rede de farmácias Drogaria São Paulo, a qual, quando resolveu entrar no mercado nordestino, abriu diversos pontos e praticou altos descontos. Para proteger os consumidores dessa “situação calamitosa”, as farmácias concorrentes se uniram e usaram a lei antitruste para atacar a Drogaria São Paulo. A acusação foi aquela que está entre as teorias mais absurdas da pseudoeconomia que domina o direito antitruste: a prática de precificação predatória. Segundo essa “teoria”, uma empresa grande pode cobrar preços abaixo do custo por certo período de tempo, fazendo todos os seus concorrentes falirem; depois disso, já com seus concorrentes aniquilados, ela pode aumentar os preços o quanto quiser, prejudicando os consumidores, que agora não teriam outra opção.
Obviamente, uma situação dessas jamais ocorreu. E por motivos óbvios para qualquer administrador minimamente sensato: uma empresa operar no vermelho por muito tempo significa, por definição, que ela está destruindo seu próprio capital; na melhor das hipóteses, ela está queimando reservas que poderiam ser utilizadas para investimentos futuros. Proponha essa estratégia para qualquer administrador sério, e a resposta que você terá é uma estrepitosa gargalhada.
Aliás, isso realmente aconteceu. O professor Thomas DiLorenzo — muito citado como referência nesta obra —, quando dava aulas de MBA para executivos da Black & Decker, propôs a eles a seguinte estratégia para conquistar mercado: “o que vocês acham de sugerir ao seu empregador que pegue uma furadeira que custa US$10 para ser produzida e comece a vendê-la por US$1 durante um período indeterminado de tempo — pode ser tanto 5 anos quanto 50 anos —, até que todos os demais fabricantes de furadeira do mundo vão à falência, e então, após isso, ele possa cobrar US$500 por essa furadeira?” Os executivos, em gargalhadas, disseram que, se eles propusessem isso, certamente seriam demitidos no ato.
E vale ressaltar que, quanto maior a escala de produção de uma empresa, maiores e mais impactantes serão os prejuízos.
Apesar de ser risível, essa teoria é ensinada pela economia convencional, é aceita pelos alunos que não refletem um segundo a respeito, e é colocada em prática por governos, que a utilizam para privilegiar empresas ineficientes.
DiLorenzo é atualmente um dos maiores especialistas do mundo em antitruste e dedica grande parte de seu tempo destruindo mitos sobre o tema em seus escritos e palestras. Quando estudante de economia, sempre ouviu a história de que a razão pela qual as leis antitruste foram criadas é que, antes delas (e a primeira foi oSherman Act), estava ocorrendo uma cartelização desenfreada das indústrias nos EUA, possibilitando que os empresários aumentassem seus preços o quanto quisessem; e então o governo decidiu intervir e, com isso, salvou a todos com suas sacrossantas regulações.
Porém, como nunca havia sido demonstrado nenhum exemplo concreto de nada disso, ele decidiu pesquisar o assunto por conta própria, recolhendo e analisando estatísticas da época — coisa que ninguém havia feito até então. O que ele descobriu é que, em todas as indústrias acusadas pelo congresso de monopolizarem setores nos anos anteriores ao Sherman Act, estava ocorrendo uma deflação acelerada de preços, uma enorme expansão da produção e constantes e profundas inovações. Por isso, elas foram atacadas por seus concorrentes ineficientes, que utilizaram a coerção do governo para restringi-las e interromper seu crescimento.
Desde suas origens, portanto, a legislação antitruste foi apenas um esquema de proteção a empresas ineficientes.
Com efeito, a própria lógica utilizada pela legislação antitrute não faz nenhum sentido. Por que empresas iriam acionar o governo para processar empresas concorrentes, acusando-as de estar monopolizando o setor, se esse monopólio, segundo a teoria, faria os preços aumentar? Se as empresas fazem parte do mesmo setor, como um aumento de preços efetuado por uma empresa afetaria as demais concorrentes? Ora, essas empresas reclamantes poderiam aumentar seus preços também, ou aumentar seus preços em menor proporção, com isso dominando todo o setor!
Isso apenas mostra que os órgãos antitruste somente são acionados quando empresas concorrentes estãodiminuindo seus preços.
Esses e vários outros mitos sobre o antitruste propagados pela pseudoeconomia mainstream são desmascarados por este livro do professor André Luiz Santa Cruz Ramos, que já pode ser considerado, sem nenhum exagero comercial, a principal referência sobre o tema no Brasil. É uma obra que deve ser lida não só por economistas e juristas, mas por todas as pessoas, pois as mentiras que vigoram sobre o tema afetam negativamente a todos nós, que somos prejudicados ao vermos limitado nosso acesso a bens e serviços melhores e mais baratos.
Somente quando as ideias aqui apresentadas forem absorvidas e repassadas a um grande número de pessoas, tentativas de obstruir empresas eficientes por meio de leis antitruste serão rechaçadas pela sociedade, e os nefandos órgãos antitruste irão para a lata de lixo da história.
Fernando Fiori Chiocca
Fundador do Instituto Ludwig von Mises Brasil
Leandro Roque
Tradutor e editor do Instituto Ludwig von Mises Brasil
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Os fundamentos contra o antitruste é o resultado da tese de doutoramento do professor André Luiz Santa Cruz Ramos na PUC-SP, aprovada com a nota máxima. Usando como referencial teórico os ensinamentos da Escola Austríaca, o autor entrega aos leitores uma obra didática e muito bem escrita, apoiada em uma vasta pesquisa bibliográfica, boa parte dela desconhecida, infelizmente, no meio acadêmico brasileiro.
O Instituto Ludwig von Mises Brasil parabeniza o autor e a editora Forense e agradece a oportunidade de fazer parte desse projeto editorial. Saber que nosso trabalho de divulgação de ideias contribuiu para que esta obra se concretizasse nos dá a certeza de que estamos no caminho certo.
Que este seja não o único, mas apenas o primeiro de uma longa série de estudos jurídicos em defesa da liberdade no Brasil.
Helio Beltrão
Presidente do Instituto Ludwig von Mises Brasil
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Traz-nos enorme satisfação a publicação do livro do professor André Luiz Santa Cruz Ramos, fruto de sua tese de doutoramento, de cuja banca nós tivemos a honra de participar. Esta publicação é mais um importante passo para a consolidação do processo de formação de uma comunidade acadêmica associada à tradição da Escola Austríaca no Brasil.
A Escola Austríaca tem uma tradição secular de gerar contribuições intelectuais fundamentais que, embora contrariem o espírito da época na qual foram escritas, gradualmente mostram seu valor no longo prazo. O próprio rótulo “Escola Austríaca” tem origem no desdém que a comunidade intelectual alemã do final do século XIX nutria por acadêmicos como Carl Menger, Eugen Böhm-Bawerk e Friedrich von Wieser, que ousaram defender a teoria econômica em um ambiente marcado pelo historicismo.
No século seguinte, caracterizado pelo coletivismo na política e pelo positivismo na filosofia da ciência, Ludwig von Mises e Friedrich August von Hayek desenvolveram suas teorias em isolamento quase completo, confrontando diretamente essas tendências. Embora tidas como radicais e ultrapassadas, as contribuições de todos esses autores resistiram ao teste da História, ao passo em que várias de suas rivais mais “aceitáveis” em seu tempo entraram em declínio.
No Brasil, a introdução dessas ideias não foi mais fácil: por décadas a divulgação das teorias austríacas foi obra de pioneiros trabalhando em isolamento, os quais colocaram suas convicções intelectuais na frente de sua aceitação no ambiente acadêmico. Em tempos recentes, porém, com o auxílio da internet, a comunidade “austríaca” brasileira cresceu de forma vertiginosa, gerando condições para a consolidação da tradição dessa Escola de pensamento no País. Os estudantes universitários não mais se graduam, como até bem pouco tempo atrás, sem jamais ouvirem falar nos nomes dos autores austríacos, nem que seja pela internet ou pela crítica superficial de professores.
O entusiasmo gerado pelas ideias austríacas junto aos alunos reflete a recuperação de um ponto de vista ao mesmo tempo teoricamente rigoroso e interdisciplinar para interpretar os problemas sociais.
O próximo passo na consolidação dessa comunidade científica é a formação de pesquisadores com embasamento austríaco em diversas áreas das ciências humanas, como Economia, Direito, Filosofia ou História. Esse processo de formação deve ser acompanhado pela publicação de artigos e livros que interpretam o mundo sob a ótica austríaca, ajudando a influenciar o desenvolvimento institucional do País na direção de um ambiente mais próspero.
O livro do professor André Ramos deve ser celebrado como uma das primeiras contribuições nesse processo, utilizando a teoria austríaca de processo de mercado para criticar o sistema de defesa da concorrência brasileiro.
Novamente, embora soe como um ponto de vista extremado, os argumentos teóricos são sólidos, e as evidências históricas são significativas. Para aqueles incomodados com convicções minoritárias, o entendimento da competição como rivalidade empresarial, cara aos austríacos modernos, nada mais faz do que recuperar a visão clássica de competição, que era dominante até a segunda geração de economistas neoclássicos na virada do século XIX para o XX.
Em quem acreditar? Com o passar do tempo e da experiência da prática antitruste, o leitor fica cada vez mais em condições de ignorar a teoria que é mais popular e reconhecer, por si mesmo, qual concepção de concorrência explica melhor os fatos.
A obra do professor André Ramos tem outro grande mérito, que é o de demonstrar, mediante rigoroso tratamento lógico e exemplos internacionais e nacionais, o quão equivocadas são as concepções que, infelizmente, se tornaram comuns entre a maioria dos economistas e o público em geral, segundo as quais, primeiro, trustes e cartéis não apenas existem, mas — pior do que isso! — devem ser “combatidos” pelo Estado mediante agências regulatórias e seu emaranhado de leis. O livro, sem qualquer sombra de dúvida, desmistifica com clareza contundente essa visão equivocada.
Adicionalmente, o livro é também um exemplo marcante de que os ensinamentos da Escola Austríaca não se restringem aos manuais de História do Pensamento Econômico, mas que possuem extensa aplicação quando se trata de analisar os fenômenos práticos do mundo real e de explicá-los com muito maior precisão do que os surrados manuais da mainstream economics e do direito antitruste.
Assim, é com grande prazer que apresentamos ao leitor este importante e pioneiro trabalho aplicando a teoria austríaca dos mercados ao Direito e à Economia, uma leitura que consideramos fundamental para que velhos e surrados mitos sejam desmascarados, e a evidência inelutável dos fatos venha à tona. Boa leitura!
Fabio Barbieri
Professor Doutor da USP
Ubiratan Jorge Iorio
Professor Doutor da UERJ