A poupança voluntária exerce efeitos sobre a estrutura produtiva da economia. De uma maneira geral, o que ocorre é que o sistema de preços e a função empresarial de um mercado livre causam uma diminuição da taxa de preferência temporal dos agentes (preferência de bens presentes em função dos bens futuros), modificando a estrutura das etapas produtivas, a qual tende a se tornar mais complexa e produtiva. Trata-se de um processo dos mais importantes, e que se dá em toda a economia. De uma maneira específica, os efeitos da poupança voluntária sobre a estrutura produtiva ocorrem de três formas: o efeito derivado da disparidade de lucros que surge entre as etapas produtivas; o efeito da diminuição da taxa de juros sobre o preço de mercado dos bens de capital, e o Efeito Ricardo.
1. O efeito derivado da disparidade de ganhos que surge entre as etapas produtivas
O aumento da poupança voluntária na sociedade sobre uma parte da renda total líquida reduzirá, na mesma proporção, a demanda monetária total de bens de consumo. Consequentemente, haverá uma perda contábil nas empresas dedicadas às etapas finais de consumo, além dos custos de oportunidade.
Porém, o fato de que há perdas contábeis nas etapas finais não afeta, de imediato, as etapas anteriores. Inicialmente, estas continuam experimentando ganhos parecidos com aqueles de que desfrutavam antes do aumento da poupança voluntária sobre uma parte da renda total líquida. Essa disparidade de ganhos entre as etapas atua como sinal indicador e de incentivo para que os empresários restrinjam seus investimentos nas etapas de consumo final e os direcionem para as etapas mais distantes, isto é, as etapas em que se está obtendo ganhos relativamente mais elevados. Esse crescimento da poupança tende a produzir, então, um alargamento temporal na estrutura produtiva.
Além disso, há outro ponto importante. O incremento de preços dos fatores de produção — o que normalmente ocorreria devido à sua maior demanda nas etapas mais distantes do consumo final— não se verifica (salvo aqueles fatores mais específicos). Isso porque cada aumento de demanda de fatores nas etapas mais afastadas do consumo final é neutralizado ou compensado em sua maior parte pela liberação de recursos produtivos das etapas de consumo final e das etapas próximas a ela, que agora são menos viáveis economicamente:
Daí a grande importância de que — para a coordenação empresarial entre as etapas da estrutura produtiva de uma sociedade imersa em um processo de aumento de poupança e crescimento econômico — os correspondentes mercados de fatores de produção, e em especial os fatores originários (trabalho e recursos naturais), sejam muito flexíveis, permitindo com um mínimo de custo econômico e social sua transformação paulatina de uma etapa produtiva em outra. (HUERTA DE SOTO, 2010, p. 258).
É preciso compreender que essa diminuição do investimento no setor de bens de consumo explica o começo de uma certa desaceleração da chegada de novos bens de consumo. Esta desaceleração continuará até a chegada de uma quantidade maior, a qual tem sua origem na maior produtividade derivada do aumento da complexidade e do alargamento das etapas produtivas.
Dado que os processos de produção tendem a ser mais produtivos conforme incorporam um maior número e complexidade de etapas, esta estrutura mais intensiva em capital terminará gerando um importante incremento na produção final de bens de consumo. Por isso, o incremento de poupança, junto com o livre exercício da função empresarial, é a condição necessária para impulsionar todo o processo de desenvolvimento econômico.
2. Efeito da diminuição da taxa de juros sobre o preço de mercado dos bens de capital
O incremento de poupança voluntária, ou seja, da oferta de bens presentes, propicia uma diminuição das taxas de juros de mercado, e essa diminuição tem um efeito importante sobre o valor dos bens de capital, em especial dos bens que são utilizados nas etapas mais distantes das etapas de consumo final e que possuem uma duração e aporte maior ao processo produtivo.
Isso ocorre porque o desconto intertemporal do cálculo econômico diminui, começando a viabilizar economicamente empreendimentos que até então eram inviáveis, principalmente aqueles mais distantes das etapas de consumo final. Com efeito, ocorre tanto uma ampliação na estrutura produtiva (aumento na produção de bens de capital já existentes) bem como um alongamento (aumento de etapas), ambos resultado da capacidade criativa e coordenadora da função empresarial.
3. Efeito Ricardo
Efeito Ricardo é um efeito de suma importância que ocorre em consequência de um incremento de poupança voluntária sobre o nível de salários reais. Leva esse nome devido à menção que David Ricardo fez ao fenômeno, publicado em seus “Princípios de economia política e tributação“.
O efeito, apesar da sua importância, é relativamente simples de ser compreendido. Quando se produz um aumento de poupança voluntária, os preços de bens de consumo final experimentam um redução. Logo, enquanto os salários nominais continuarem no mesmo nível que antes do incremento da poupança voluntária, haverá um aumento do salário real de todos os trabalhadores empregados em todas as etapas da estrutura produtiva. Esse aumento de salário real é um sinal, em termos relativos, de que talvez seja mais viável economicamente trocar mão de obra por bens de capital, estabelecendo a tendência de alargamento da estrutura produtiva, tornando-a mais intensiva em capital.
Apesar de que todo incremento de poupança voluntária e de investimento sempre gera inicialmente uma redução da produção de novos bens e serviços de consumo final em relação com o potencial máximo que se poderia conseguir no curto prazo, essa redução cumpre a função de liberar fatores produtivos que são necessários para a ampliação e alargamento das etapas mais distantes do consumo final.
4. Conclusão: o surgimento de uma estrutura produtiva mais capital-intensiva
Como consequência da combinação dos três efeitos anteriormente descritos, impulsionados pelo processo empresarial, haverá a tendência de surgimento de uma nova estrutura produtiva, mais ampliada e alargada. Embora a renda bruta total do exercício permaneça a mesma (pois foi apenas trocado consumo por poupança). sua distribuição torna-se completamente distinta. Em termos observáveis para os consumidores, a combinação dos três efeitos propicia uma significativa redução dos preços de mercado dos bens de consumo (tanto inicialmente com a queda na demanda, quanto posteriormente devido a uma maior produtividade de uma estrutura produtiva mais intensiva em capital) e ao consequente incremento no salário real.
Consequentemente, os efeitos de uma prática contrária ao aumento da poupança voluntária — isto é, caso os indivíduos consumam mais e poupem menos — serão contrários aos três anteriormente descritos. Haverá não um aumento no estoque de bens de capital e no salário real, mas sim o seu consumo, o que em última instância diminui a capacidade produtiva e a produção de bens e serviços de consumo final, dando lugar a um empobrecimento generalizado da sociedade.
Não obstante, esse é o receituário de crescimento econômico proposto por Keynes em função do paradoxo da poupança. No entanto, a explicação anterior não somente soluciona esse paradoxo, como na verdade revela a real consequência deste receituário: regredir a economia. Não é de se estranhar por que atualmente esse receituário keynesiano adotado pelos governos não está solucionando a crise.
Logo, somente o aumento prévio da poupança voluntária na economia possibilita torná-la mais intensiva em capital, o que, inclusive, pode ser utilizado como conceito de crescimento e, talvez, desenvolvimento econômico. Em outras palavras:
[é] o processo de crescimento e desenvolvimento econômico mais saudável e sustentável que até então se pode conceber, isto é, com menos desajustes, tensões e conflitos do ponto de vista econômico e social, e que historicamente foi verificado em diversas ocasiões, como deixam evidente os estudos mais sérios. (HUERTA DE SOTO,2010, 272).
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GARRISON, R. Os triângulos hayekianos e a estrutura do capital.
____________. Tiempo y dinero. 2.ed Madrid. Unión Editorial, 2005.
HUERTA DE SOTO, J. Dinero, crédito bancário y ciclos económicos. 4.ed. Madrid: Unión Editorial, 2009.