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Os bancos estatais e o crédito

bbNão é raro ouvirmos agentes do estado e intelectuais sugerirem, principalmente em tempos de crise, a estatização do sistema bancário e do crédito.  Essa estatização, segundo eles, seria feita de modo a preservar a superioridade do sistema de “lucro”, ao invés de simplesmente implantar-se um gerenciamento “burocrático”.  De fato, alguns creem que isso seja possível.

Infelizmente, tais declarações revelam uma opinião que é compartilhada por um considerável número de pessoas – e sim, que até mesmo é aceita sem contestação.  Se aceitarmos essa posição estatista, devemos também saudar não só a nacionalização do crédito mas também qualquer outra medida que nos leve ao socialismo.  Com efeito, devemos aceitar sua executabilidade e até mesmo sua urgente necessidade.

O público acolhe positivamente todas as propostas destinadas a limitar a esfera da propriedade privada e do empreendedorismo porque ele prontamente aceita a crítica à ordem da propriedade privada desenvolvida por intelectuais de cátedra.  Dado que essas propostas de nacionalização ainda não foram completamente implementadas, não há porque procurarmos na literatura social e nos partidos políticos qualquer oposição a ela.  Temos, sim, de levar em conta o fato de que o público sabe que sempre que empresas são nacionalizadas e/ou municipalizadas, ou o governo interfere na vida econômica, o resultado inevitável – ao invés daquele esperado pelos planejadores – é a insolvência financeira, bem como sérios distúrbios na produção e no transporte de bens.  A ideologia ainda não os permitiu examinar a sério esse insucesso da realidade.  Continuam firmemente apegados à ilusão de que empresas públicas são vantajosas e necessárias e empresas privadas são ineficientes e inferiores.  E aqueles que se opõem a essas propostas continuam sendo vistos como egoístas, ignorantes e malevolentes – afinal, qualquer observador imparcial deveria aprovar tais propostas.

Sob essas condições, uma análise do raciocínio estatizante parece pertinente e necessária.

1. Interesse público e interesse privado

De acordo com esses proponentes, os bancos presentemente servem a interesses privados.  Eles servem os interesses públicos somente na medida em que estes não estejam em conflito com aqueles.  Os bancos não financiam aqueles empreendimentos que são os mais essenciais do ponto de vista nacional, mas somente aqueles que prometem obter a mais alta taxa de retorno.  Por exemplo, de acordo com o Dr. Robert Deumer, diretor do Banco Central alemão em Berlim e autor de um livro seminal sobre o assunto (sobre o qual basearemos este artigo), “os bancos financiam uma destilaria de uísque ou qualquer outro empreendimento que é supérfluo para a economia. Do ponto de vista nacional, suas atividades não apenas são inúteis, como também são perigosas.”

“Os bancos permitem que cresçam aquelas empresas cujos produtos não são demandados; eles estimulam um consumo desnecessário, o que por sua vez reduz o poder de compra das pessoas, que assim deixam de comprar aqueles bens que são mais importantes cultural e racionalmente.  Ademais, seus empréstimos desperdiçam capital socialmente necessário, o que faz com que a produção de bens essenciais decline, ou ao menos fazem com que os custos do crédito – e por conseguinte os custos de produção – aumentem.”[1]

É óbvio que Deumer não sabe que, em uma economia de mercado desimpedido, o capital e a mão-de-obra são distribuídos por toda a economia de tal maneira que, exceto pelo prêmio de risco, o capital produz o mesmo retorno – e trabalhos similares são remunerados com o mesmo salário.  A produção de bens “desnecessários” não paga nem mais nem menos do que a produção de “bens essenciais”.  Em última análise, são os consumidores no mercado que determinam como será o emprego do capital e da mão-de-obra nas várias indústrias.  Quando a demanda por um item aumentar, seu preço também irá aumentar, o que consequentemente elevará os lucros desse setor.  Tal sinal de mercado, coordenado pelos preços (que possibilitam o cálculo econômico), fará com que novas empresas entrem no mercado, bem como estimulará a expansão das atuais.  São os consumidores quem decidirão se é essa ou aquela indústria que irá receber mais capital.  Se eles demandam mais cerveja, mais cerveja será fermentada.  Se eles querem mais teatro clássico, os teatros irão acrescentar mais clássicos aos seus repertórios e oferecer menos farsas, pastelões e operetas.  É o gosto do público, e não o do produtor, que irá decidir que A Viúva Alegre (Die Lustige Witwe) e O Jardim do Éden (Dem Garten Eden) sejam apresentados mais vezes do que Tasso, de Goethe.

Mas, aparentemente, o gosto de Deumer difere daquele do público.  Ele está convencido de que as pessoas devem gastar seu dinheiro diferentemente.  Muitos concordariam com ele.  Mas dessa diferença de gostos, Deumer conclui que um sistema de controle socialista deveria ser estabelecido por meio da nacionalização do crédito, de forma que o consumo do público possa ser redirecionado.  Nisso, temos de discordar de Deumer.

Guiada por uma autoridade central e seguindo um planejamento centralizado, uma economia socialista pode ser democrática ou ditatorial.  Uma democracia na qual a autoridade central depende do apoio público através de eleições e cédulas de votação não pode proceder diferentemente de uma economia capitalista.  Ela irá produzir e distribuir aquilo de que o público gosta, isto é, álcool, tabaco, literatura barata, peças de teatro ruins, cinema vulgar e frivolidades da moda.  Entretanto, uma economia puramente capitalista também atende os gostos de uns poucos e distintos consumidores.  Bens que são demandados por alguns consumidores – e não por todos – também são produzidos.  Já a economia democraticamente comandada, dependendo apenas da maioria popular, não precisa levar em consideração os desejos especiais da minoria.  Ela irá fornecer exclusivamente para as massas.

Mas mesmo que a economia seja gerida por um ditador que, sem consideração pelos desejos do povo, faça o que ele achar melhor – um ditador que dê roupas, alimentos e casas para as pessoas da maneira que mais lhe aprouver -, não há qualquer garantia de que ele fará aquilo que seja mais adequado para “nós”.  Os críticos da ordem capitalista sempre parecem crer que o sistema socialista de seus sonhos irá fazer precisamente aquilo que eles consideram correto.  Embora eles não necessariamente queiram eles próprios se tornar ditadores, eles têm a esperança de que o ditador não irá agir sem antes pedir seus conselhos.  E assim eles chegam ao contraste popular entre produtividade e lucratividade.  Eles chamam de “produtivas” aquelas ações econômicas que consideram corretas.  E como as coisas às vezes podem tomar caminhos diferentes do planejado, eles rejeitam a ordem capitalista, que é guiada pela lucratividade e pelos desejos dos consumidores, os verdadeiros senhores do mercado e da produção.  Eles esquecem que um ditador também pode agir diferentemente de seus desejos, e que não há garantia alguma de que ele de fato dará o “melhor” de si.  E mesmo que ele assim proceda, não há garantia de que ele encontrará o caminho para o “melhor”.

É uma questão ainda mais séria especular sobre se uma ditadura comandada pelos “melhores” ou por um comitê dos “mais brilhantes” pode prevalecer sobre a vontade da maioria.  Será que as pessoas, no longo prazo, tolerariam uma ditadura econômica que se recusasse a dar a elas aquilo que elas querem consumir e, ao contrário, dê-lhes apenas aquilo que os líderes considerarem útil?  Não iriam, no final, as massas ter êxito em forçar os líderes a prestar atenção aos desejos e gostos populares, obrigando-os a fazer justamente aquilo que os reformistas tentaram a todo custo impedir?

Podemos concordar com o julgamento subjetivo de Deumer de que o consumo de nossos conterrâneos é frequentemente indesejável.  Se acreditamos nisso, podemos tentar convencê-los de seus erros.  Podemos informar-lhes dos malefícios do uso excessivo do álcool e do tabaco, da falta de valores de certos filmes e muitas outras coisas.  Aquele que quiser promover a boa leitura pode imitar o exemplo da Sociedade Bíblica, que faz sacrifícios financeiros com o intuito de vender Bíblias a preços reduzidos e disponibilizá-las em hotéis e outros locais públicos.  Se ainda assim isso for insuficiente, não pode haver qualquer dúvida de que a vontade de nossos conterrâneos não pode ser vencida.  Uma produção econômica de acordo com a lucratividade significa uma produção de acordo com os desejos dos consumidores, cuja demanda determina os preços dos bens e assim faz com que o capital gere seu retorno e traga lucros ao empreendimento.  Sempre que a produção econômica – ou a “produtividade nacional” – não se der de acordo com a lucratividade, estará havendo uma produção que desconsidera os desejos dos consumidores e que agrada apenas aos caprichos do ditador ou do comitê de ditadores.

Certamente, em uma ordem capitalista, uma fração da renda nacional é gasta pelos ricos com bens de luxo.  Mas independentemente do fato de essa fração ser muito pequena e não afetar substancialmente a produção, o luxo dos abastados tem efeitos dinâmicos que o tornam uma das forças mais importantes do progresso econômico.  Toda inovação surge primeiro como sendo um mero “consumo de luxo”.  Depois que a indústria fica ciente disso, ela “massifica” esse bem, até que ele se torna uma “necessidade” para todos.  Vejamos, por exemplo, nosso vestuário, a eletricidade e as instalações sanitárias, o automóvel e as facilidades de viagem.  A história econômica mostra como os luxos de ontem se tornaram a necessidade de hoje.  Muitas coisas que as pessoas nos países menos capitalistas consideram luxo já são bens triviais nos países capitalistas mais desenvolvidos.  Em Viena, ter um carro é um luxo (não apenas na visão do coletor de impostos); nos Estados Unidos, um em cada quatro indivíduos possui um.

Qualquer crítico da ordem capitalista que queira melhorar as condições das massas não deveria censurar esse consumo de luxo sem antes refutar a afirmação dos teóricos – e a comprovação da realidade – de que apenas a produção capitalista assegura a maior produção possível.  Se um sistema planejado produz menos do que um sistema de propriedade privada, então obviamente não será possível suprir as massas com mais do que elas têm hoje.

Geralmente culpa-se a administração burocrática pela débil performance das empresas do estado.  Para que empresas estatais, municipais e outras operações públicas sejam tão eficazes quanto empresas privadas, elas teriam de ser organizadas e dirigidas seguindo-se critérios comerciais.  É por isso que, por décadas, tentou-se de tudo para fazer com que tais operações fossem mais produtivas através da “comercialização”.  À medida que as operações municipais, estaduais e nacionais foram se expandindo, o problema se tornou ainda mais importante.  Mas em momento algum alguém chegou perto de apresentar alguma solução.

2. Gerenciamento burocrático ou gerenciamento de lucro para o sistema bancário?

Deumer também considera necessário “gerenciar o monopólio do sistema bancário nacional de acordo com critérios comerciais”, e faz várias recomendações sobre como atingir isso.[2]  Elas não diferem muito das outras propostas apresentadas em anos recentes.  Fala-se sobre escolas e avaliações, sobre a promoção do “capaz”, sobre pagamento justo para empregados e sobre a divisão dos lucros.  Mas a essência do problema não é atacada.  Aliás, esse é o procedimento padrão daqueles que se arvoram em tornar o inevitavelmente improdutivo sistema de operações públicas mais produtivo.

Os intervencionistas e estatistas creem erroneamente que o “arranjo comercial” é uma forma de organização que pode facilmente ser transplantada para empresas governamentais de modo a desburocratizá-las.  Aquilo que normalmente é classificado de “comercial” é a essência da iniciativa privada: focar-se em nada mais do que a maior lucratividade possível.  E aquilo que é classificado de “burocrático” é a essência das operações governamentais: focar-se nos objetivos “nacionais” (isto é, aquelas que o governo julga importantes).  Uma empresa governamental jamais pode ter um “arranjo comercial”, não importa quantas características externas de empresa privada lhe sejam sobrepostas.

O empreendedor opera de acordo com sua própria responsabilidade.  Se ele não produzir aos menores custos de capital e trabalho aquilo que os consumidores demandam com mais urgência, ele sofrerá prejuízos.  Mas os prejuízos irão levar a uma transferência de sua riqueza – e consequentemente de seu poder de controle sobre os meios de produção – para mãos mais capazes.  Em uma economia capitalista, os meios de produção estão sempre sendo direcionados para os administradores mais capazes, isto é, para aqueles que sabem melhor como utilizar mais economicamente esses meios para satisfazer as necessidades dos consumidores.  Uma empresa governamental, por outro lado, é gerida por homens que não são responsáveis pelas conseqüências de seu sucesso ou fracasso.

O mesmo às vezes é dito sobre os principais executivos de grandes empresas privadas que porventura administrem essas empresas tão “burocraticamente” quanto operações estatais.  Mas tais argumentos ignoram a diferença básica entre empresas públicas e privadas.

Em uma empresa privada, que esteja em busca de lucro, cada departamento e divisão é controlado por escriturações contábeis que têm como objetivo comum o lucro.  Os departamentos e divisões que não são lucrativos são reorganizados ou fechados.  Trabalhadores e executivos que fracassam em suas tarefas são removidos.  A contabilidade na unidade monetária vigente controla cada parte do negócio.  O cálculo monetário mostra o caminho para a maior lucratividade.  Os proprietários – isto é, os acionistas de uma empresa – emitem somente uma ordem para o gerente, que a transmite para os empregados: obtenham lucros.

A situação é bem diferente nas repartições e cortes que administram os assuntos do estado.  Suas tarefas não podem ser medidas e calculadas da mesma maneira que os preços de mercado são calculados, e as ordens dadas aos subordinados não podem ser tão facilmente definidas como o são aquelas dadas por um empreendedor aos seus empregados.  Se a administração for uniforme e não houver um poder executivo delegado exclusivamente a administradores reais, todas as ações terão de ser reguladas em todos os detalhes para cada situação imaginável.  Assim, torna-se o dever de todos os funcionário seguir essas instruções.  O sucesso e o fracasso são menos importantes do que a observância formal das regulamentações.  Isso é especialmente visível na contratação, no tratamento e na promoção dos funcionários, e isso se chama “burocratismo”.  Não se trata de algo ruim que surge de algum fracasso ou deficiência da organização ou da incompetência de funcionários; trata-se da natureza de toda empresa que não é voltada para o lucro.

Quando a presença estatal vai além da esfera dos tribunais e da polícia, o burocratismo se torna um problema básico de organização social.  Mesmo uma empresa estatal em busca de lucro não tem como não ser burocrática.  Já se tentou eliminar a burocracia permitindo que os administradores dessas empresas tivessem participação nos lucros.  Mas como – por tratar-se de empresas estatais – eles estão isentos de responsabilidade por eventuais prejuízos, eles são constantemente tentados a perseguir um comportamento imprudente.  E para coibir tal comportamento, os funcionários de cargo mais alto têm de criar regulamentos que limitem a autoridade dos administradores.  E esses regulamentos serão impostos pela criação de conselhos e comitês, que por sua vez seguirão a orientação de “especialistas”.  Novamente, mais regulamentações e burocracias são criadas.

Mas normalmente o público espera que empresas estatais se esforcem para conseguir algo que não a lucratividade.  É por isso que elas são geridas pelo governo.  Intervencionistas como Deumer querem que o sistema bancário seja nacionalizado para que ele possa então ser guiado por interesses nacionais ao invés de privados – isto é, que os bancos invistam seus fundos não onde o retorno seja o maior, mas onde eles sirvam ao interesse nacional.

Não precisamos analisar outras conseqüências dessas políticas de crédito, tais como a preservação de empresas insolventes.  Mas olhemos para seus efeitos sobre o gerenciamento de empresas governamentais.  Quando o banco nacional de crédito, ou um de seus departamentos, apresentar resultados deficitários, ele poderá alegar que “Sem dúvida, do ponto de vista dos interesses privados e da lucratividade, não tivemos muito êxito.  Mas deve-se levar em conta que o prejuízo mostrado pela contabilidade comercial é contrabalançado pelos serviços públicos prestados e que não são visíveis nos registros contábeis.  Por exemplo, dólares e centavos não podem expressar nossas conquistas na preservação de pequenas e médias empresas, bem como a melhoria das condições materiais das classes ‘determinantes’ da população”.

Sob tais condições, a lucratividade de uma empresa perde significância.  Se o gerenciamento estatal tiver de ser examinado, ele deve ser julgado pelo mesmo parâmetro do burocratismo.  Todo o gerenciamento tem de ser estritamente controlado, e todos os cargos têm de ser preenchidos por indivíduos dispostos a obedecer regulamentações.

Não importa o quanto procuremos, é impossível encontrar uma forma de organização que possa evitar os estrangulamentos que o burocratismo provoca nas empresas estatais.  Não vale dizer que muitas grandes corporações também se tornaram “burocráticas” em décadas recentes.  É um erro acreditar que isso é em decorrência do tamanho.  Mesmo a maior das empresas permanecerá imune aos perigos do burocratismo enquanto estiver voltada exclusivamente para o lucro.  É verdade que, se outras considerações forem impostas, ela perderá a característica essencial de uma empresa capitalista.  Foram as predominantes políticas estatistas e intervencionistas que obrigaram grandes empresas a se tornarem mais e mais burocráticas.  Elas foram forçadas, por exemplo, a apontar executivos com boas conexões políticas, ao invés de profissionais capazes; ou a executar operações não-lucrativas a fim de agradar políticos influentes, determinados partidos ou o próprio governo.  Elas foram também obrigadas o manter operações que gostariam de cancelar, bem como se fundir a outras empresas e fábricas que não desejavam.

Essa mescla entre política e negócios não apenas é danosa para a política, como é frequentemente observado, mas é ainda pior para os negócios.  Muitas grandes empresas precisam fazer milhares de concessões e considerações em relação a questões políticas, o que planta as sementes da burocracia.  Mas tudo isso não justifica as propostas de se burocratizar completa e formalmente toda a produção por meio da estatização do crédito.  Onde estaria a economia alemã hoje caso o crédito tivesse sido nacionalizado em 1890 ou até mesmo em 1860?  Quem pode imaginar os desenvolvimentos que serão impedidos se o crédito for nacionalizado hoje?

3. O perigo da expansão excessiva e da imobilização

O que foi dito aqui se aplica a todas as tentativas de se transferir empresas privadas, principalmente o sistema bancário, para as mãos do estado.  Porém a estatização do sistema bancário em particular é algo que, com foi dito, geraria na prática a nacionalização de toda a economia.  Mas, além disso, tal medida iria criar problemas de crédito que não podem ser ignorados.

Deumer procura mostrar que, por motivos fiscais, o monopólio do crédito não poderia sofrer abusos.  Mas os perigos da nacionalização do crédito não estão aí; eles jazem é no poder de compra do dinheiro.

Como é bem sabido, depósitos a vista que podem ser sacados por meio de cheques têm o mesmo efeito que as cédulas de dinheiro têm sobre o poder de compra de uma unidade monetária.  E Deumer chega ao ponto de propor uma emissão de “certificados de garantia” ou “certificados de compensação” que jamais devem ser redimidos.[3]  Ou seja, o banco nacional na prática estaria livre para inflacionar.

A opinião pública sempre quer “dinheiro fácil”, isto é, taxas de juros baixas.  Mas é exatamente a função do banco emissor de cédulas resistir a tais demandas, protegendo sua própria solvência e mantendo a paridade de suas cédulas em relação às cédulas estrangeiras e ao ouro.  Se o banco for isentado da sua obrigação de redimir seus certificados, ele estará livre para expandir seu crédito de acordo com os desejos dos políticos.  Ele não conseguiria resistir também aos clamores dos requerentes de crédito.  Mas, de acordo com Deumer, o sistema bancário deve ser nacionalizado “para dar atenção às queixas das pequenas indústrias e das várias firmas comerciais de que elas apenas estão conseguindo os empréstimos necessários com grandes dificuldades e com muitos sacrifícios”.[4]

Há poucos anos teria sido necessário elaborar mais detalhadamente as conseqüências da expansão do crédito.  Não há mais necessidade para tal esforço atualmente.  A relação entre expansão creditícia, aumento nos preços dos bens e aumento na taxa de câmbio já é bem conhecida hoje.  Essa relação foi ilustrada não apenas pela pesquisa de alguns economistas, mas também pelas experiências e teorias americanas e britânicas com as quais os alemães já se familiarizaram.  Seria supérfluo explicar isso em mais detalhes.

4. Resumo final

O livro de Deumer claramente revela que o estatismo, o socialismo e o intervencionismo já se exauriram.  Deumer é incapaz de sustentar suas propostas com qualquer outra coisa que não sejam os velhos argumentos marxistas e estatistas que já foram refutados centenas de vezes.  Ele simplesmente ignora as críticas feitas a esses argumentos.  Tampouco ele leva em consideração os problemas ocorridos na recente experiência socialista alemã.  Ele ainda defende seu ponto baseando-se em uma ideologia que saúda toda nacionalização como sendo um progresso, mesmo que tal ideologia já tenha tido suas bases totalmente estremecidas em anos recentes.

_____________________________________________

[1] Die Verstaatlichung des Kredits: Mutualisierung des Kredits (Nacionalização do Crédito: Mutualização do Crédito), Ensaio Premiado da Fundação Travers-Borgstroem em Berna, Munique e Leipzig, 1926, p. 86.

[2] Idem., p. 210.

[3] Idem., p. 152 et seq.

[4] Ibid., p. 184.

Ludwig von Mises
Ludwig von Mises
Ludwig von Mises foi o reconhecido líder da Escola Austríaca de pensamento econômico, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor prolífico. Os escritos e palestras de Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política. Suas contribuições à teoria econômica incluem elucidações importantes sobre a teoria quantitativa de moeda, a teoria dos ciclos econômicos, a integração da teoria monetária à teoria econômica geral, e uma demonstração de que o socialismo necessariamente é insustentável, pois é incapaz de resolver o problema do cálculo econômico. Mises foi o primeiro estudioso a reconhecer que a economia faz parte de uma ciência maior dentro da ação humana, uma ciência que Mises chamou de 'praxeologia'.
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