“Dentre todas as tiranias, uma tirania exercida pelo bem de suas vítimas talvez seja a mais opressiva. Pode ser melhor viver sob um ditador desonesto do que sob onipotentes cruzadores da moralidade. A crueldade do ditador desonesto às vezes pode se acomodar, em algum ponto sua cobiça pode ser saciada; mas aqueles que nos atormentam para o nosso próprio bem irão nos atormentar indefinidamente, pois eles assim o fazem com a aprovação de suas próprias consciências.” – C. S. Lewis
Sempre que vemos alguém com planos de entrar na vida pública, a primeira coisa que nos vem à mente é que se trata de mais um querendo enriquecer mamando nas fartas tetas do governo. Mas existe a possibilidade remota de ser alguém realmente interessado em melhorar a vida de todos, alguém “bem intencionado”. No entanto, por mais estranho que isso possa soar, o segundo caso pode ser, e geralmente é, muito pior que o primeiro. Um partido político intitulado Novo está em formação no Brasil e, assumindo que se trata de um grupo bem intencionado, vou demonstrar que seus objetivos são inalcançáveis da maneira que propõem, e que tudo o que podem conseguir é o agravamento dos problemas que pretendem solucionar.
O economista prêmio Nobel Milton Friedman costumava dizer que não existe nada que causa mais males do que boas intenções — e, de fato, pessoas que não são dotadas de um conhecimento necessário, ao tentar ajudar, acabam por atrapalhar ainda mais. Imagine que você reclame de uma dor no peito, e eu, sem jamais ter estudado medicina ou conhecer qualquer coisa sobre tratamento de enfermidades, pegue um bisturi e abra seu tórax! Ora, por mais que eu tenha a intenção de lhe ajudar, este meu ato certamente vai lhe matar. E o que isso tem a ver com o partido político em questão? Tudo. Eles revelam um mínimo de informações sobre si próprios — talvez querendo reunir o maior número possível de apoiadores antes de expor motivos que possam levar a desentendimentos —, mas pelo pouco que mostram, já podemos notar que são pessoas com pouco ou nenhum conhecimento em economia e filosofia política.
A economia é uma ciência de causa e consequência. Através de seus postulados axiomáticos lógico-dedutivos, a economia nos diz quais serão os resultados de determinadas ações. Ela não nos diz nada se determinado fim é desejável; mas sem o conhecimento da economia, pessoas que desejam atingir o fim X, podem adotar o meio Y que necessariamente leva ao fim Z. O Partido Novo parece ter a intenção de trazer mais prosperidade à sociedade, usando como meio “uma gestão eficiente” do estado. Mas como a economia nos ensina, isto é uma impossibilidade. Como Lew Rockwell resume
Foi a ciência econômica a primeira a descobrir a total incapacidade de o estado fazer quaisquer melhorias na ordem social. Mas o estado virou a ciência ao avesso para poder utilizar a economia como justificativa para pilhar e saquear com a desculpa de estar “estimulando o investimento”. Todo ser pensante sabe que tirar dinheiro do setor produtivo para desperdiçá-lo com os parasitas do setor público não traz estímulo nem crescimento.
A “eficiência na gestão pública” parece ser a única bandeira do Partido Novo, “um partido formado por empresários”, por pessoas que sabem administrar, que irão trabalhar com metas, e isso torna irônico o nome Novo, pois todo esse papo é velho e muito comum na política. Aliás, parece que a moda generalizada agora é essa, e os marqueteiros políticos se esforçam para estampar em seus candidatos a marca da eficiência. Kassab e Alckmin há muito são retratados como esforçados e eficientes. Eles não precisaram fundar um partido e chamar de novo para levantar esta bandeira. Já Paulo Skaf, ex-presidente da FIESP, pareceu mais coerente: se filiou ao Partido Socialista Brasileiro, ressaltando sua principal qualidade de representar uma “novidade”, ou seja, um não-político que levaria sua experiência em gestão “privada” para as atividades públicas. (Neste vídeo, Skaf inclusive se apresenta como “o novo”, com um discurso ipsis literis do Partido Novo). E o que dizer de Paulo Maluf, que há décadas usa este discurso de empresário experiente usando seus conhecimentos adquiridos em suas indústrias para a vida pública?
O Partido Novo conta com uma boa divulgação e conseguiu atrair a atenção de um número razoável de pessoas. Consequentemente, muitas questões são levantadas em relação às intenções, projetos e ideologia do partido. A resposta padrão é esta que se segue a uma pergunta feita na página do Partido Novo no facebook:
Julio — Gostei da ideia e apoio esta iniciativa, mas me respondam: Qual é a posição do partido sobre: Reforma Fiscal, Reforma do Judiciário, Reforma Política, Reforma da Educação, Meio Ambiente (leia-se proteção total e uso sustentável), Pré-sal, Reforma da Segurança Pública, Investimentos no setor de energia, tecnologia e infraestrutura de transportes do país. Sem rodeios, sem meio termo, sem politicagem, sem favorecimentos, 100% voltado ao cidadão, doa a quem doer. Se esta iniciativa for para colocar mais meia dúzia de espertalhões em Brasília ganhando dos nossos bolsos, não precisam nem responder.
Partido Novo — Julio, obrigado. Envie a sua ficha de apoio e preencha o cadastro no site para receber maiores informações sobre o NOVO. Certamente todas as propostas do NOVO irão priorizar o cidadão.
E assim eles vão seguindo, sem mostrar a cara, sem se posicionar sobre assunto algum. No site do partido lemos que
…esquerda, direita, socialismo, capitalismo, liberalismo e democracia não mais definem a ideologia de um partido. O NOVO, se pautando em objetivos e valores maiores, de acordo com seu conjunto de princípios, programa e estatuto, proporá, em conjunto com seus fundadores, filiados, críticos e comentaristas, um rótulo que defina sua metodologia baseada em gestão e cidadania.
Coincidentemente — mais uma vez — outro partido em formação utiliza a mesma “nova” descrição. É o PSD, de Kassab, que em artigo publicado na Folha de São Paulo declara:
…um novo partido não se consolida do dia para a noite, com uma ou duas eleições. Vai se formando no debate interno de ideias, no diálogo sobre princípios e valores, ao mesmo tempo em que participa e se aprimora nos embates democráticos do Congresso. O processo é dinâmico e supera a falsa polêmica reducionista de direita-centro-esquerda.
No entanto, ambos deixam transparecer suas tendências consideradas de “esquerda”, ou socialistas. No blog do Partido Novo, já começa a aparecer o viés socialista de seus integrantes. Uma das fundadoras, que é da área médica, já começa a esboçar seus próprios planos mirabolantes para consertar o sistema de saúde socializada. Desde que eu nasci, as notícias sobre a saúde pública são sempre as mesmas: filas, carência de médicos e remédios, gente morrendo por falta de atendimento. Sem levar em conta a qualidade da imagem, seria possível pegar uma reportagem feita em um hospital público há 30 anos e exibi-la no jornal da noite de hoje que ninguém notaria tratar-se de notícia antiga. Será que esta mulher realmente acha que conhece a solução mágica?
O economista Lawrence Reed sintetiza em uma frase as vãs esperanças de se remediar o irremediável; “Já repararam como os estatistas estão constantemente ‘reformando’ suas próprias realizações? Reforma na Educação, Reforma da Saúde. Reforma da Previdência. Reforma Tributária. O simples fato de eles estarem sempre ocupados ‘reformando’ é um reconhecimento implícito de que eles não fizeram direito nas primeiras 50 vezes.”
Mas agora vai dar certo, o Novo tem a solução.
O vice-presidente do partido chega a elogiar a eficiência da nefasta lei seca no Rio de Janeiro, que solapa ainda mais as liberdades dos cariocas, tornando-os reféns de policiais inescrupulosos. O presidente do partido revela que outra intenção é “diminuir as desigualdades sociais do país”. Já esclarecemos que os meios escolhidos por eles não podem levar aos fins pretendidos, mas vamos analisar agora este fim. Ora, “desigualdade” é uma condição derivada da liberdade, da economia de mercado, da meritocracia, e dificilmente pode ser considerada um problema. Por exemplo, uma família com renda de R$10 mil é mais desigual quando comparada à família de Eike Batista do que quando comparada a uma família com renda de R$1 mil. Logo, desigualdade não é o problema, e sim a pobreza. Porém, a ideologia socialista é a ideologia da inveja, e prega em seu âmago o igualitarismo e, talvez mesmo sem saber, é daí que vem a formação dos ideais do presidente do partido. Pelo menos isto é uma coisa que eles podem conseguir através dos meios que escolheram, o socialismo: acabar com as desigualdades sociais, tornando todos igualmente pobres.
Concomitante a este projeto do Partido Novo, existe outro que é realmente novo. E não é apenas novo, é também revolucionário, diferente de tudo que já se viu na política, e é formado por pessoas que realmente sabem como lidar com os problemas do país. Refiro-me ao partido Libertários, cujos fundadores e integrantes são grandes conhecedores da ciência econômica e da filosofia política, e possuem uma consistente fundamentação ideológica, na qual a liberdade é o objetivo político central. O Libertários, que também é um partido embrionário, não se furta a se posicionar perante qualquer tema, mesmo os mais polêmicos. E qual a diferença essencial entre os libertários e todos os outros? Os libertários não possuem planos mágicos para impor à sociedade; pelo contrário, o que eles querem é a ausência de planejamentos centrais.
Sabem que é impossível que o estado forneça qualquer serviço eficientemente. Sabem que o mercado é capaz de prover com mais qualidade e menores preços e, acima de tudo, com justiça, tudo que o governo se outorga a fornecer. E como sabem tudo isso? Debateram e estudaram um bocado antes de se embrenharem na política.
Será que pelo menos um destes 181 fundadores do Partido Novo está familiarizado com as obras de Ludwig von Mises, F. A. Hayek, Murray Rothbard ou Hans-Hermann Hoppe? Será que ao menos eles já ouviram falar do Ron Paul? Meter-se na política sem conhecer o pensamento austro-libertário pode ter consequências mais graves do que abrir uma pessoa com um bisturi sem saber nada de medicina — existe a possibilidade do bisturi não matar a pessoa.
De nada adiantam apenas boas intenções, planos mirabolantes, gente séria, preparada, empresários e empreendedores de êxito. Não há utopia mais infantil e desconectada da realidade que um estado eficiente. Se os membros do Partido Novo são genuinamente bem intencionados, falta unir as boas intenções ao conhecimento. Um único artigo de Rothbard pode ser suficiente para livrá-los da ingenuidade em filosofia política. Aí vai minha dica de leitura: Por que o governo não é capaz de gerenciar empresas eficientemente.
Critica perfeita! …
Gostaria de saber se o Sr. Fernando Chiocca ainda pensa isto que escreveu sobre o NOVO em 2011.
Penso tudo isso e muitas outras coisas piores.
Ele está aí para criticar. Deixa fazê-lo. Atá agora soube bem fazer o que faz.
Cara achei interessante a crítica, eu sou um curioso do pensamento libertário e simpatizo bastante, minha intensão era não votar, mas o novo me pareceu um começo pra uma mudança, dele podemos conhecer mais sobre liberdade para depois os libertários ganharem força.
Sugestão e pedido: faz outro desses sobre o novo, só que abordando mais assuntos, Pq o amoedo falou que desigualdade não é um problema e fala muito em privatizar empresas públicas e que o estado não consegue administrá-las eficientemente, na minha opinião eles pecam quanto a ideia de investir em educação e saúde como se nisso o estado fosse expert… Mas seria legal um com mais aprofundamentos sobre as propostas deles e tal e os pensamentos libertários sobre aquilo. Abraços.
O poder da escola austríaca de economia é exatamente esse… As suas críticas são a temporais… você lê um texto de 100 anos atrás e soa atual como se fosse escrito na semana passada… enquanto isso o Mises Brasil distorce o texto de uma das pessoas mais lucidas que pisou naquele instituto…
Artigo no mises
Vou colocar aqui a nota de alteração caso seja retirada ou o link deixe de existir no futuro…
NOTA DO IMB
Esta postagem de blog não mais representa a realidade dos fatos em 2018. Foi escrito e publicado em 2011, quando:
a) o NOVO não era um partido;
b) o NOVO defendia primordialmente ideias de eficiência na gestão estatal. Desde então, o NOVO se tornou um partido e assumiu claramente uma postura liberal ao defender a redução substancial do estado bem como o aumento das liberdades econômicas e individuais. Por ora, é o único partido liberal (mas não-libertário) no Brasil.
Gostaria de saber se o Sr. Fernando Chiocca ainda pensa isto que escreveu sobre o NOVO em 2021.
Sobre o Partido Novo, reitero tudo que escrevi, já que foi uma análise atemporal sobre o que acontece quando pessoas que desconhecem economia e teoria política (austrolibertarianismo) tentam melhorar as coisas através do estado. Só não esperava que fosse se tornar tão deplorável tão rápido, como podemos ver em figuras abjetas como Amoedo e Heni Cukier.
Já na parte do Partido Libertário eu discordo de mim. Mudei totalmente de opinião sobre este partido que ajudei a criar. Acho uma péssima ideia a existência de um partido libertário, mesmo que seja apenas para educar, como era a minha ideia original, sem pretensão alguma de mudar algo através dos meios políticos. E, como podia ser esperado, o Libertários acabou ficando nas mãos dos piores tipos de libertários.