Thursday, November 21, 2024
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O totalitarismo ameaça mais a sua vida que qualquer doença

As festas de fim de ano chegaram e meu feed das redes sociais ficou abarrotado de posts e stories de pessoas revoltadas, repreendendo a “colegas” virtuais por suas fotos que retratavam aglomerações, visitas a parentes idosos e passeios sem máscara. Apela-se à empatia, ao “mais amor, por favor”, pede-se que não sejamos egoístas ou individualistas. Reproduzem notícias de idosos que estavam bem até determinado momento – depois de 9 meses de isolamento – e adoeceram ou até foram a óbito após contato com alguma visita. Perguntam-nos se não temos vergonha e declaram que sentem como se estivéssemos “tacando um foda-s**” para os outros.

Pensei que não ia mais comentar esse assunto, porém, a escalada de medidas autoritárias e mentalidade totalitária que se espalha por todo país, estabelecidas pelo uso da doença como subterfúgio, demandam algumas respostas urgentes ao tipo de discurso apelativo apresentado anteriormente: há uma subversão de valores e uma confusão quanto ao significado basilar de alguns conceitos, principalmente o de “empatia”, utilizado a todo momento como chantagem para fazer as pessoas subscreverem a uma ideologia, a uma visão de mundo. Ter preocupação com a dor do outro é importante, mas não é um valor que deve suplantar a busca da verdade e a coragem para agir conforme aquilo que nos parece correto – ainda que seja um comportamento dado como equivocado após um período de análise, esse agir com honestidade é necessário para o confronto de ideias que a busca pela verdade demanda.

“Empatia” prevê identificação com a dor do outro e não imediata e objetiva aceitação da assertividade dos motivos dessa dor, de modo que esse tipo de apelo torna-se algo paralelo a ceder a uma birra de criança para evitar o desconforto dela: a dor do outro não é imperativo para a definição de modos corretos de ação, o nível de desconforto de alguém não define a urgência da reação social a determinado problema, no máximo a lida pessoal com aquele indivíduo, o que é bem diferente daquilo que se demanda no momento atual com relação aos comportamentos alheios.

Vivemos um contexto de propagação de uma determinada narrativa a respeito da doença e de uma aceitação imediata de imposições oficiais, perpassadas pelo selo de ciência e racionalidade, sem que ninguém questione os caminhos lógicos de fato tomados para se chegar àquelas determinações e passem a seguir restrições cada vez mais severas que prejudicam de IMEDIATO a vida na Terra, em nome do medo de uma ameaça POTENCIAL.

Não culpo quem tem medo, mas culpo quem abandona totalmente os pilares estruturais que nos fizeram evoluir como civilização para ceder a ele. Violam a privacidade de outros indivíduos e famílias com base em um discurso vazio e superficial contra o “egoísmo”, discurso este que não reserva lugar para a reflexão a respeito da importância dos espaços privados de atuação: é justamente a salvaguarda destes que nos permite concorrência de modos de comportamento; sem esta não chegamos  próximo à qualquer noção de verdade, dada a natureza dispersa do conhecimento. Toda a tentativa de coordenar a sociedade de modo centralizado só desemboca em ditadura e estratégias cada vez mais manipuladoras de maquiagem dos problemas.

Estou assustada! Ainda que as determinações extremamente arbitrárias tenham alguma validade, elas propõem um olhar para apenas um aspecto da existência, insípido e dirigido. Tudo bem quando alguém faz esse cálculo por conta própria, o problema começa quando uma visão sobre a vida impera de maneira forçadamente oficial, através de uma série de estratégias para evitar a concorrência de ideias, dentre elas a tentativa de incutir culpa nos que discordam, com base em zero embasamento lógico e discursos repletos de argumento de autoridade – não custa acrescentar, também sem apresentar argumento racional, bastando o selo do especialista ou da ciência.

Quem repete a narrativa não sabe o que é ciência: modo de adquirir conhecimento altamente dependente do confronto de ideias e de perspectiva temporal para apresentar qualquer coisa meramente assertiva; vale-se de cortes da realidade, está sujeita a flutuações baseadas em interesses pessoais e coorporativos – como qualquer coisa em que há natureza humana metida no meio, o que já era para termos aprendido.

Quem repete a narrativa não é empático, está apenas reproduzindo uma versão da realidade previamente taxada de empática, está agindo com a massa e “empatia” precisa do toque pessoal, demanda mobilização real de sentimentos, aparece com o desenvolvimento do máximo de individualidade possível. Não existe empatia no coletivismo, existe sinalização de virtude, existe pseudo verdade entregue de bandeja, inclusive pseudo verdade IMPOSTA a respeito do sofrimento humano, e não uma busca honesta de reflexão sobre as condições da existência.

Moral e ética são conjuntos de valores forjados ao longo do tempo, da tradição. Dependem de distanciamento temporal e muito debate de ideias para que se chegue a alguns princípios basilares. Toda a tentativa de encaixar mudanças de comportamento supostamente demandadas por transformações bruscas de contexto, por emergências simuladas através de controle governamental e de instituições globais, nas noções que perpassam ética e moral, de modo a fundamentar exigências a respeito do comportamento alheio, é canalha, vazia e ineficaz, quando não gera mais problemas do que os que se pretendia resolver.

Dentre estes problemas o mais clássico é o aumento do poder centralizado de grupos com interesses políticos, redução da possibilidade de discussão de ideias, assassinato de reputação de quem tenta honestamente participar do debate. Abaixa-se a cabeça, sem questionar, exige-se que outros façam o mesmo, permitem atos autoritários, corroboram uma narrativa totalitária e acusam o outro de “egoísta” ou “pouco empático”.

Eu tenho empatia sim, eu me preocupo com a humanidade. E é por isso que eu venço o meu medo – de doença, de ser rechaçada – para expor uma opinião bem embasada a respeito de valores básicos, para tentar chamar a atenção para o momento de histeria em que estamos vivendo, em que esquece-se que a vida é finita, mas alguns preceitos, tão caros à civilização, não deveriam ser e dentre eles estão liberdade, propriedade e sim, VIDA, todos confluindo numa compreensão mais profunda da natureza da existência humana, que precisa de todas essas salvaguardas individuais para garantir POSSIBILIDADES e não apenas uma subsistência animal.

Vida humana não é sobrevivência; é criatividade, produção, prazer, cultura, COMUNIDADE.  Não se deixem enganar por uma proposta de existência que o priva de tudo isso, com a promessa de algo mais pleno e imaginado em um futuro remoto. Essa é a arma dos totalitários. A vida acontece agora, quem deve fazer um balanço de perdas e danos para além das regras básicas da civilização é o indivíduo e sua família ou quem quer que seja que ELE escolheu para dividir a responsabilidade sobre sua vida. Tudo além disso é engenharia social pura, é maquete sobre a realidade desenhada no escuro feita com o único objetivo de garantir poder a pequenos grupos.

Olhem em volta e percebam por conta própria as arbitrariedades das medidas impostas! Pensem na sustentabilidade do modo de vida que estão propondo a vocês. As pessoas estão acreditando naqueles que se arrogam poderes divinos de previsão, é a clássica arrogância fatal, o esquecimento da máxima da vida humana como algo incerto e o uso abusivo de argumentos similares ao “se não tivesse saído, fulano não teria morrido.” Acham-se detentores da fortuna vital dos outros! … e não enxergam-se no pecado do orgulho.

Se eu postei foto aglomerando foi para “tacar um foda-s**” SIM! Não à vida alheia, mas a esse conjunto de atitudes autoritárias governamentais, amplamente amparadas por uma classe intelectual e com poder de fala, que se entende detentora de conhecimentos o suficiente para dirigir uma sociedade inteira, que apela para a empatia, mas só enxerga um determinado problema elevado à categoria máxima por meio de narrativa manipuladora e abandona todos os demais pilares da existência. Fazem descer descarga abaixo tanto conhecimento reivindicado ao se mostrarem reprodutores das ideias mais superficiais e comuns que tentam desesperadamente associar a alguma especialidade remota que possam ter em seus títulos. Cadê o intelectual ousado, questionador, desviante, criativo, que gosta do debate…?

Eu também tenho avô e queria que ele vivesse para sempre! Ele me falou que nunca sabe se vai amanhecer morto e por isso quer aproveitar cada dia que tem com os filhos, os netos e mantendo suas atividades diárias… ele me disse que parece que as pessoas se esqueceram que “dá pra morrer de outro jeito”. Empatia é, também, perceber essas peculiaridades. Assim como a dos que usam exemplos aleatórios de pessoas que morreram por ter contato com parente, minha fala também foi anedótica, mas não estou tentando governar a sociedade com ela, só chamar a atenção para os detalhes da vida, que parecem estar passando batido em meio a tantos apelos em nome dela.

 

Natália Vicente Jaremko
Natália Vicente Jaremko
formada em história, faz mestrado na área de história moderna e estuda os seguintes temas: surgimento do Estado Moderno, legitimidade e legalidade, parlamento inglês, liberdade de imprensa, lei natural e o conceito clássico de republica - 'bem comum'. Estuda paralelamente o problema do conhecimento disperso e o papel do intelectual na sociedade.
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4 COMENTÁRIOS

  1. Que artigo sensacional. Eu geralmente me esqueço de logar e saio sem falar nada. Mas este aqui, não pude deixar de fazê-lo!

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