O destino do dólar
Meus leitores já estão familiarizados com minhas recentes previsões quanto ao futuro do dólar: a moeda americana está em declínio terminal. Os EUA estão tragicamente falidos, o governo é incapaz de quitar seus empréstimos sem que tenha de recorrer à impressão de dólares e o país está enredado em uma depressão econômica. O relógio já está em contagem regressiva para o dia em que o dólar finalmente irá enfrentar uma crise de confiança, assim como ocorre com todas as bolhas. A diferença essencial entre esse colapso e, por exemplo, o estouro da bolha imobiliária é que o dólar americano é a espinha dorsal da economia global. Sua destruição deixará um vácuo que terá de ser preenchido.
Os comentaristas convencionais sempre enumeram os três principais concorrentes para assumir essa função: o euro, o iene, e o renminbi chinês (conhecido informalmente como yuan). Entretanto, todas essas três possuem, cada uma à sua maneira, falhas cruciais que as tornam despreparadas e incapazes de assumir a função de moeda de reserva internacional quando chegar o momento do colapso do dólar.
Ou seja, no que diz respeito a alternativas fiduciárias, parece que o mundo irá simplesmente sair da frigideira e ir direto para o fogo.
Euro: desfiando-se nas bordas
O euro é um experimento de apenas dez anos de idade, uma tentativa de unir divergentes interesses políticos, econômicos e culturais sob uma moeda de papel de curso forçado, a qual é controlada por um único e muito poderoso banco central.
Caso fosse gerenciada corretamente, tal moeda poderia servir para manter honestos os governos que a utilizam — mas esse não é o mundo em que vivemos. Exatamente por isso, os governos fiscalmente irresponsáveis já estão debatendo a possibilidade de sair da moeda, e logo no primeiro sinal de problemas. Ou seja, tais governos preferem ter e manusear uma moeda própria, a qual eles poderiam inflacionar sempre que quisessem reduzir o fardo de suas dívidas públicas. Sendo assim, com o intuito de manter coeso esse arranjo do euro, as nações credoras foram forçadas a dar pacotes de socorro fiscal para as nações devedoras — ainda que tal medida viole as regras do pacto que criou a moeda comum.
Logo, a pergunta passa a ser: até quando os alemães — ainda escaldados pelas lembranças da hiperinflação da República de Weimar e a consequente ascensão do Terceiro Reich — irão aceitar que o Banco Central Europeu continue imprimindo euros para pagar as dívidas dos perdulários gregos? Quantos políticos alemães irão vencer eleições sob a promessa de pacotes de socorro infinitos e preços crescentes por toda a Europa? Esse é o defeito crucial do euro.
E, é claro, a Grécia não é o único problema. Irlanda e Portugal estão em disputa acirrada pelo título europeu de segunda pior crise da dívida. A Espanha, que representa 12% do PIB da zona do euro, viu os juros de sua dívida pular de 4,1% para 6,6% ao longo de 2010. Os juros dos títulos das dívidas de todos os outros países da zona do euro também continuam subindo — uma clara indicação de que a zona do euro é uma aposta crescentemente arriscada.
É verdade que, caso os PIGS decidissem sair do euro, isso poderia de fato tornar o euro mais forte; porém, tal secessão seria um evento traumático. Essa possibilidade está solapando a confiança no euro justamente no momento em que o mundo está analisando para onde ir daqui pra frente.
Talvez uma moeda mais madura, que não vacilasse tão facilmente em meio à recente crise financeira global, fosse uma melhor opção para assumir o posto de moeda de reserva internacional. O euro, no entanto, é jovem e já está com sérios problemas. Se menos de duas dúzias de nações já mostraram ser um fardo imenso para o euro suportar, será que devemos esperar melhores resultados caso o euro passasse a servir a duas centenas?
Yuan: país capitalista, moeda comunista
Os investidores estão lentamente começando a adotar o meu entusiasmo — o qual mantenho há muito tempo — quanto ao miraculoso crescimento da China. E essa mudança de postura não se trata de nenhum furor. Com efeito, se algo, creio que muitos ainda são muito ariscos quando se trata desse mercado. Entretanto, aqueles que se encantaram com a China e já entraram alegremente no trem da alegria, começaram agora a proclamar que o yuan chinês é o sucessor lógico do moribundo dólar. Porém, embora a China esteja se tornando uma imensa força econômica, o próprio yuan ainda continua amarrado e restringido pelo passado comunista do país.
Antes de tudo, a China impõe um rígido controle de capital sobre o yuan. Uma moeda de reserva internacional tem de ser livre e facilmente conversível em outras moedas. Mesmo dentro das fronteiras da China, um indivíduo não consegue trocar grandes quantias de yuan por dólares ou por qualquer outra moeda.
A China está, muito lentamente, fazendo reformas para aliviar esses controles, mas vale lembrar que estes não foram impostos arbitrariamente; eles estão ali para permitir que a China contenha a valorização do yuan, permitindo — dentre outras consequências — que seu setor exportador se mantenha artificialmente expandido. Caso o governo chinês permitisse que o yuan fosse livremente conversível, ele perderia esse poder que mantém sobre sua moeda — e, por conseguinte, sobre seu povo.
Vale lembrar que todas as moedas de papel são rotineiramente manipuladas e inflacionadas. O Banco Central da China relatou que o M2 cresceu mais de 140% nos últimos cinco anos — crescimento esse que se deu quase que exclusivamente para manter uma taxa de câmbio estável perante um dólar cada vez mais desvalorizado.
Iene: buraco negro de dívidas
O iene japonês é o terceiro Don Juan dessa fiesta fiduciária internacional. Embora não padeça dos riscos estruturais do euro, o iene sobrevive em um ambiente de colossal dívida soberana. A razão dívida/PIB do Japão, de 225%, é a maior dentre todos os países desenvolvidos, o que significa que sempre haverá aquele ímpeto de imprimir mais dinheiro para quitar ao menos parte dessa dívida. Dado que o iene tem de suportar esse nó corrediço, ele se torna uma alternativa fraca ao dólar americano, o qual padece exatamente do mesmo problema.
Embora eu creia que o Japão está em uma situação muito melhor que a americana — porque mantém uma balança comercial positiva e porque a maior parte de sua dívida está em mãos domésticas —, sua moeda ainda não é uma unidade estável com a qual conduzir o comércio mundial.
Talvez ainda mais importante: caso o mundo começasse a buscar ienes para construir suas reservas, o preço da moeda japonesa iria aumentar drasticamente. Isso seria politicamente inaceitável no Japão, onde o lobby exportador está constantemente tentando desvalorizar o iene para estimular suas vendas internacionais.
A combinação desses dois fatores torna impraticável o iene ser uma moeda de reserva internacional. A valorização do iene iria, ao mesmo tempo, piorar os problemas da dívida do Japão e fazer com que sua indústria exportadora sofresse enormemente — o que significa que o Japão provavelmente está menos interessado em assumir essa função do que nós queremos que ele esteja.
A solução mais simples frequentemente é a melhor
Como J.P. Morgan memoravelmente disse ao Congresso americano em 1913, “apenas ouro é dinheiro, nada mais”. Morgan quis dizer que o ouro era incomparável e insuperável em sua eficácia como reserva de valor e meio de troca.
Dado que seu banco homônimo, em fevereiro passado, começou a aceitar barras de ouro como garantia para empréstimos, por que a tendência de retorno em ampla escala para o ouro deveria ser considerada apenas uma possibilidade remota? Ao contrário, ela deveria ser esperada — no mínimo, simplesmente porque todas as outras moedas de papel estão fundamentalmente em estado desanimador.
Mercados são arranjos poderosos, e requerem um meio de troca confiável, honesto e seguro. A exigência de uma moeda sólida e forte não é apenas filosófica; ela advém do próprio mercado. Ao longo da história humana, mercadores e comerciantes sempre recorriam ao ouro e à prata perante o surgimento de novas moedas pretendentes. O arranjo em que vivemos hoje não é o primeiro experimento da história com um sistema de dinheiro de papel, tampouco estamos vivendo a primeira desvalorização do dinheiro em larga escala. Com efeito, as lições da história já haviam sido apreendidas pelos pais fundadores dos Estados Unidos, os quais escreveram claramente na Constituição americana: “Nenhum estado deverá… tornar qualquer coisa que não seja moedas de ouro e prata em meio de pagamento forçado para a quitação de dívidas.”
Embora sempre tenha existido a possibilidade de outra moeda de papel crescer a ponto de assumir o lugar o do dólar como moeda internacional de reserva, e assim dar continuidade a esse experimento irracional de dinheiro em contínua desvalorização, as circunstâncias específicas que predominam atualmente tornam cada vez menos provável que isso ocorra. Ao contrário: de minha perspectiva, vejo sinais de que o mundo está voltando para o ouro a uma velocidade atordoante.
Isso seria meramente um retorno à normalidade e traria muitas implicações positivas para a economia global. É certamente um rumo que todos nós devemos acolher favoravelmente, e lucrar com isso.