Na semana passada, foi fechado o Acordo Transpacífico de Cooperação Econômica, também chamado de Parceira Transpacífico (TPP, em sua sigla em inglês) entre EUA, Canadá, México, Peru, Chile, Japão, Austrália, Nova Zelândia, Vietnã, Malásia, Brunei e Cingapura.
Este está sendo anunciado como um dos tratados de “livre comércio” mais ambiciosos da história, e seria apenas o prenúncio do ainda mais importante Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP, em sua sigla em inglês) entre EUA e União Européia.
Em princípio, acordos de livre comércio são uma notícia magnífica. Os economistas, há mais de dois séculos, já provaram que a cooperação econômica internacional permite fazer prosperar todos os envolvidos: mais liberdade comercial significa maior produtividade, menores custos, maiores investimentos e, em definitivo, maior bem-estar. Países que abrem suas economias expõem seus empreendedores ao mercado global, algo que os obriga a ser eficientes, inovadores e ousados. De quebra, todo o país é obrigado a melhorar suas referências em educação e a aperfeiçoar seu ambiente burocrático, diminuindo impostos e regulamentações, e aprimorando sua infraestrutura.
Já as barreiras ao comércio e todo o tipo de protecionismo, ao contrário, não apenas pioram o padrão de vida dos cidadãos, como também são apenas subterfúgios para privilegiar exclusivamente aqueles grupos de interesse (empresários poderosos e grandes sindicatos que não querem concorrência estrangeira) que possuem ligações estreitas com o governo.
Por essa perspectiva, o TPP e o TTIP deveriam ser considerados instrumentos formidáveis para o progresso econômico dos EUA, da Europa e dos demais países signatários.
Porém, como sempre acontece, o diabo está nos detalhes.
Páginas e páginas com regulamentações
Em primeiro lugar, o texto do acordo simplesmente não foi disponibilizado para o público, e não o será pelos próximos 4 anos. No entanto, de acordo com o Office of the Unites States Trade Representative [agência responsável por criar e desenvolver políticas comerciais norte-americanas], o tratado é um calhamaço de mais de mil páginas que especificam inúmeras regulamentações para os participantes. Há capítulos específicos para nada menos que 22 assuntos, dentre eles leis ambientais, patentes, compras governamentais, novas regulamentações para o e-commerce, políticas específicas para o setor de têxteis, políticas específicas para o setor de remédios, regras sobre a origem de produtos, exigências de verificação, e a imposição de leis trabalhistas (o Vietnã será obrigado a criar sindicatos).
Isso ilustra aquilo que Ludwig von Mises já havia apontado meio século atrás: o enfoque desses acordos comerciais há muito deixou de ser a liberalização comercial (que significa simplesmente a remoção de toda e qualquer tarifa de importação e barreira comercial) e passou a ser a regulação comercial. Acordos de “livre comércio” nada mais são do que acordos que implantam um comércio regulado e dirigido pelos governos em prol de grupos de interesse poderosos (grandes empresários ligados ao governo e grandes sindicatos).
Como disse Mises “cada país possui um sistema de privilégios variados para cada grupo de interesse… [e] nenhum desses privilégios funcionaria caso países estrangeiros pudessem livremente ofertar produtos para esse mercado doméstico”.
Acordos comerciais apenas ampliam o poder regulatório dos governos e sua capacidade de conceder mais privilégios.
O TPP, como todos os outros acordos comerciais desse tipo, foi criado para servir aos interesses estratégicos dos governos envolvidos, e nada tem a ver com a abertura de novas oportunidades para um livre comércio entre os cidadãos comuns dos países envolvidos (os quais são tributados para financiar os governos envolvidos nesse esquema).
Não é à toa que grandes interesses corporativos já demonstraram resoluto apoio a esse tratado (dica: sempre que grandes empresas — normalmente avessas a qualquer tipo de concorrência — demonstram apoio a um “tratado de livre comércio”, pode saber que não há nada de “livre” nesse comércio). E isso é fácil de entender: grandes empresas possuem os recursos e a influência necessários para alterar e moldar esses acordos de modo a saírem favorecidas. Já pequenas e médias empresas irão apenas ter de lidar com maiores restrições.
Mesmo regulamentações que, à primeira vista, parecem ruins para grandes empresas (pois impõem mais custos), acabam sendo boas, pois, se são caras para grandes empresas, são praticamente inviáveis para as pequenas, o que reduz em muito qualquer perigo de concorrência para as grandes.
O que nos leva ao segundo item.
Barreiras não-tarifárias
No mundo atual, os principais obstáculos ao livre comércio internacional não estão na forma de tarifas de importação, mas sim nas chamadas “barreiras não-tarifárias” (regulamentações nacionais que encarecem enormemente a importação de produtos estrangeiros: licenças, regulações técnicas ou fitossanitáarias, regras de origem, legislação antitruste, controles de preços, patentes, monopólios regionais etc.). Um verdadeiro tratado de livre comércio deveria não apenas eliminar todas as tarifas de importação, como também reduzir ao máximo a influência deformadora de todas estas barreiras não-tarifárias.
Como era de se esperar, os novos tratados comerciais, como o TTP e o TTIP, buscam apenas padronizar custosas normas e regulações para todos os países membros, o que em muitos casos pode aumentar as barreiras não-tarifárias.
Por exemplo, o TPP amplia a todos os signatários o modelo americano de gestão de conteúdos de internet. Por esse modelo, qualquer provedor está obrigado a retirar da internet todo e qualquer material que porventura receba uma queixa dos usuários. Para grandes empresas, tal norma é relativamente fácil de ser cumprida. Mas para as pequenas startups dos países mais pobres, haverá um notável incremento dos custos online, o que afetará sua competitividade.
Adicionalmente, o TPP obriga todos os signatários a aprovar normas de salário mínimo, a ampliar o regime de patentes dentro de suas economias (o que pode encarecer sobremaneira os custos de produção e limitar a concorrência), e a adotar normas ambientalistas mais rígidas (em conformidade com a americana). E há também, como já dito, o caso do Vietnã, que agora terá de ter sindicatos.
Dito de outra maneira, com a desculpa de estarem “harmonizando” e “padronizando” as regulamentações entre todos os países, os tratados de “livre comércio” podem multiplicar os custos regulatórios de alguns de seus membros e, com isso, solapar suas vantagens competitivas: a barreiras tarifárias são reduzidas, mas as barreiras não-tarifárias são elevadas.
Não é de se estranhar que seja justamente Obama um grande entusiasta deste acordo.
Alijando a China
No que mais, tais tipos de tratado também têm a intenção de alterar politicamente os fluxos comerciais globais: se, por um lado, podem reduzir tarifas de importação entre os signatários, por outro, e indiretamente, também podem aumentar as tarifas de importação de todos os não-signatários.
Por exemplo, suponha que os cidadãos da Malásia estivessem importando veículos da Alemanha a uma tarifa de importação de 10%. Com a adesão ao TTP, os automóveis americanos terão agora tarifas menores, mas os da Alemanha não. Consequentemente, as fabricantes alemãs deixariam de exportar para a Malásia em benefício das americanas (as quais não eram as preferidas dos malaios). Sendo assim, fica claro que o TTP é claramente um tratado firmado contra a China: o gigante asiático é o grande ausente deste acordo que parece ter sido elaborado com o claro propósito de garantir mercados cativos para as exportadoras dos EUA (em detrimento das da China). Promover um verdadeiro livre comércio multilateral não é e nem nunca foi o objetivo.
Conclusão
Economistas canadenses fizeram seus cálculos e concluíram que, ao contrário do que diz o governo canadense, o TPP não trará reduções nem nos preços dos supermercados e nem nos preços dos automóveis. Se um acordo comercial não faz nada para realmente baratear preços e aumentar a oferta de bens e serviços para o público, então ele realmente não tem nada a ver com livre comércio.
Embora estes tratados de “livre comércio” possam até se inspirar em princípios corretos, e embora alguns países signatários possam realmente obter ganhos líquidos, sua implantação é mais do que criticável: eles não deveriam servir nem para instituir novas barreiras não-tarifárias e nem para criar fortalezas protecionistas frente a terceiros.
Donde se conclui que o verdadeiro mecanismo para se gerar o tão benéfico livre comércio não são estes tratados governamentais, mas sim o caminho muito mais simples que seguiu a Inglaterra durante a segunda metade do século XIX: a desregulamentação e abolição unilateral das tarifas de cada país perante todo o resto do mundo.
Um genuíno acordo de livre comércio deve, por definição, ser curto e até mesmo unilateral. Todas as barreiras ao livre trânsito de mercadorias e capitais deveriam ser extintas. E ponto. Apenas isso é livre comércio. Não são necessários tratados e nem acordos. Apenas a abolição irrestrita de barreiras, tarifas e imposições governamentais.
O último e mais importante efeito do TPP é que, quando ele fracassar em criar os seus supostos benefícios — e o TPP, com efeito, não fará nada para promover uma maior e mais ampla divisão do trabalho —, o mercado será o bode expiatório, como sempre. E o governo será novamente chamado para corrigir essa “falha de mercado”.
Parafraseando Elinor Dashwood (do livro Razão e Sensibilidade, de Jane Austen), o mercado sofrerá a punição de um acordo comercial mal feito sem nem jamais ter usufruído qualquer vantagem dele.
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Leia também:
Acordos de livre comércio envolvem muito mais “acordos” do que “livre comércio”
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Juan Ramón Rallo, diretor do Instituto Juan de Mariana e professor associado de economia aplicada na Universidad Rey Juan Carlos, em Madri. É o autor do livro Los Errores de la Vieja Economía.
Carmen Dorobat, pós-doutoranda em economia na Universidade de Angers e professora na Bucharest Academy of Economic Studies.