Do Reino Unido à Espanha e aos Bálcãs, tornou-se prática comum na Europa se referir a grupos secessionistas de vários tipos como “nacionalistas”. Às vezes, o termo é empregado como um termo pejorativo, e muitas vezes não. Nacionalistas escoceses, por exemplo, muitas vezes se referem a si mesmos como nacionalistas. Por outro lado, às vezes o termo “nacionalista” é empregado para menosprezar os grupos separatistas. Foi fácil ter essa impressão durante o auge do mais recente conflito sobre o separatismo catalão na Espanha. Quando os unionistas espanhóis falaram sobre a secessão catalã, ficou bastante claro que em suas mentes o termo “nacionalismo” comunicava um certo tipo de atraso ou iliberalismo.
A esquerda, é claro, há muito emprega o termo pejorativamente para nacionalistas de todos os tipos. Isso ficou claro logo após o assassinato do político japonês Shinzo Abe. Em artigos póstumos sobre a carreira de Abe, ele foi descrito como um “ultranacionalista” divisivo. A suposta natureza repugnante do nacionalismo é muitas vezes evidente na grande mídia pelo fato de que os políticos raramente são descritos por esses especialistas como “ultrainternacionalistas” divisivos. Por essa maneira de pensar, nunca se pode ser muito internacionalista. Só se pode ser nacionalista demais.
Embora o termo tenha sido usado há muito tempo pelos historiadores para descrever com naturalidade o desenvolvimento dos estados nacionais, é claro que, na linguagem moderna casual, o termo geralmente é pouco mais do que um insulto inespecífico do mesmo jeito que “fascista”.
Portanto, isso nos deixa com uma dúvida crucial: o nacionalismo é sempre uma coisa boa? A resposta é “depende”. Depende se o nacionalismo está agindo como um freio ao poder estatal ou um catalisador para um maior poder estatal.
O nacionalismo pode fortalecer o estado e derrubá-lo
Como vimos nos exemplos acima, o nacionalismo pode ter dois significados muito diferentes e funcionar em duas direções muito diferentes. O rótulo de nacionalismo de Abe poderia ser considerado como o nacionalismo de status quo porque seu conceito de nação coincidia com um estado nacional existente. Nesse contexto, “nacionalismo japonês” significa simplesmente apoio ao estado-nação japonês. É uma postura pró-regime.
Em outros casos, como na Escócia e na Catalunha, o nacionalismo atua contra os estados existentes, questionando sua legitimidade e suas fronteiras. Ou seja, é um tipo de nacionalismo que se opõe aos regimes que existem atualmente.
Essa natureza dual do nacionalismo existe desde que o nacionalismo começou a tomar forma no século XVII e no início do século XVIII. Na época, a ideia de que os seres humanos eram principalmente parte de uma “nação” era nova e demonstrava um afastamento da organização de comunidades humanas nos moldes de grupos religiosos, famílias extensas ou governo dinástico. Em vez disso, os seres humanos começaram a abraçar a noção de que as nações – compostas principalmente de pessoas que nunca conheceremos e nunca ouviremos falar – eram a maneira “normal” de dividir a população humana.[1]
A ideia foi fabulosamente bem-sucedida, e o mundo agora é composto principalmente de estados-nação. Aqueles países que são verdadeiros Estados-nação – ou seja, países onde um único grupo linguístico e étnico é a maioria desigual – têm mais facilidade em preservar a unidade política baseada na crença da identidade étnica. Mas mesmo naqueles países que são explicitamente multiétnicos, os residentes muitas vezes se identificam com alguma versão nacional da história ou alguma ideologia nacional. Um católico hispânico americano em El Paso, por exemplo, considera-se parte da mesma nação que um anglo ateu em Boston. Por quê? Porque o el pasoano acredita que existe um vínculo entre ele e o bostoniano porque ambos residem dentro das fronteiras do estado nacional conhecido como Estados Unidos. Em outras palavras, essas duas pessoas fazem parte do que o historiador Benedict Anderson chama de “comunidade imaginada”. A ideologia do nacionalismo convenceu muitos de que eles compartilham uma “nação” com pessoas em cidades distantes que não compartilham uma religião, etnia ou – em muitos casos – até mesmo um idioma com eles.
Como o nacionalismo fortalece o estado
Podemos assim ver como esse tipo de nacionalismo reforça e fortalece os estados existentes. O estado americano fica muito mais forte quando seus moradores abraçam a ideia de que ser “americano” é uma parte importante de suas identidades. Além disso, enquanto essas pessoas acreditarem que a maioria das pessoas dentro das fronteiras do estado são “meus compatriotas”, as forças de desintegração nacional que surgem naturalmente devido a diferenças regionais, étnicas e culturais dentro da população são contrabalançadas (estas são conhecidas como “forças centrífugas” e se tornam mais comuns quanto maior o estado se torna). O mesmo pode ser dito de outros estados multiculturais, incluindo Bélgica, Suíça e Ucrânia. Em todos esses casos, a capacidade do estado de reter e consolidar o poder depende muito da preponderância de moradores que acreditam em declarações como “sou suíço” ou “sou ucraniano”.
Quando o nacionalismo é um problema para o estado
Mas os grupos nacionais nem sempre coincidiram com as entidades políticas que agora chamamos de estados ou estados-nação. Em muitos casos, o nacionalismo convence um residente de um estado – ou um súdito de um regime – a se considerar parte de uma nação dita minoritária que não tem um estado próprio e é governada por membros de uma nação estrangeira. Este é o caso hoje com os nacionalistas escoceses e catalães. Historicamente, inúmeros grupos regionais e culturais se consideraram vivendo sob regimes que não representavam seus interesses nacionais.
De fato, o nacionalismo começou em grande parte como uma força contra a formação de estados nacionais em uma época em que monarcas cada vez mais poderosos tentavam formar estados sem muita consideração pelas novas forças do nacionalismo que estavam surgindo. Por exemplo, o historiador Joseph Strayer escreve:
A lealdade ao estado [no século XVII] logo seria posta à prova pelo surgimento da ideia de nacionalismo. Onde nação e estado coincidiam de forma bastante próxima, não havia problemas particulares. Mas onde um grupo nacional foi dividido em muitos estados, como na Alemanha, ou onde um estado abraçou muitos grupos nacionais, como nos domínios dos Habsburgos, era provável que houvesse conflito entre as antigas e as novas lealdades.[2]
Strayer observa que o século XVII viu o surgimento da questão que continua até hoje: se o nacionalismo “reforça” ou “desafia” a lealdade aos estados europeus existentes.
Em meados do século XVII, os estados nacionais mais fortes da Europa eram os estados ingleses, franceses e espanhóis. A “unidade nacional” foi mais forte sob o estado inglês, com a nascente identidade nacional galesa tendo sido completamente esmagada por Eduardo I e a Escócia ainda não unida à Inglaterra através dos Atos de União. Na França, no entanto, as simpatias e línguas regionais continuaram às vezes a se assemelhar a movimentos nacionalistas. Os monarcas franceses foram naturalmente forçados a dedicar tempo e recursos para impedir qualquer separação verdadeira. Enquanto isso, na Espanha, como observa Strayer, “os catalães estavam constantemente ameaçando rebelar-se” e os portugueses reconquistaram a independência em 1640, após um curto período de união sob a coroa espanhola.
Em outras partes da Europa, os nacionalistas locais tiveram mais sucesso. No século XVIII, muitos húngaros e tchecos já começavam a se ressentir do domínio dos Habsburgos. Isso levaria a movimentos nacionalistas completos no século XIX e início do século XX. O estado russo – talvez procurando evitar a descentralização que os nacionalistas húngaros forçaram ao regime austríaco – impôs uma ampla “russificação” aos muitos grupos étnicos dentro da Rússia. No entanto, o nacionalismo continuou a minar a força dos regimes centrais, especialmente em toda a Europa Central e Oriental. (A russificação fracassou, por exemplo, na Finlândia, que fazia parte do Império Russo até 1917.)
Desde então, os fundamentos do nacionalismo não mudaram muito. Nas áreas em que o estado nacional de jure conseguiu eliminar ou minimizar o nacionalismo minoritário, há poucas ameaças à unidade do estado ou à integridade territorial. Em lugares onde os nacionalistas minoritários conseguiram se manter – ou até mesmo aumentar seu número – a autodeterminação local tem mais probabilidade de se tornar uma realidade e uma ameaça aos estados existentes.
É nesses casos, então, que o nacionalismo pode atuar como uma verdadeira força de descentralização e enfraquecimento do poder estatal. Nesses casos, tudo o mais sendo igual, o nacionalismo pode ser uma coisa boa.
Estados nacionais versus superestados internacionais
Mas há uma outra ressalva que devemos mencionar. Na medida em que o nacionalismo pode fortalecer os regimes nacionais – por mais perigoso que seja – também pode enfraquecer organizações internacionais que buscam se tornar superestados. O mais notável entre esses superestados em potencial, é claro, é a Comissão Europeia, um órgão que busca rotineiramente centralizar o poder em Bruxelas e expandir sua própria autoridade burocrática estatal sobre dezenas de estados nacionais. Ou, como Marco Bassani e Carlo Lottieri descrevem:
O que já está acontecendo na Europa é muito significativo. Se as tendências atuais continuarem, os diferentes povos europeus, diariamente envoltos em conflitos e dificuldades causadas por seus próprios estados, estão prestes a se submeter à autoridade de um superestado continental, sem sequer perceber.
Bassani e Lottieri observam que a experiência sugere que uma das maiores barreiras à expansão desse superestado são, de fato, os próprios estados nacionais. Assim, os estados nacionais podem inesperadamente tornar-se instituições úteis para conter um poder estatal ainda maior:
Há uma certa ironia no fato de que os que buscam a liberdade em todo o mundo devem confiar na relutância dos estados em cumprir os sonhos políticos abrangentes dos unificacionistas do euro e do mundo. A resistência contemporânea do estado a essa nêmesis histórica de sua própria lógica – a mesma que no passado abriu o caminho para a ascensão da modernidade política e agora está cavando sua cova – parece ser a única esperança realista para as liberdades individuais.
Isso é irônico, de fato. Por muito tempo com os instrumentos de centralização política, unificação, padronização e burocratização, alguns estados nacionais parecem ter chegado ao ponto em que concluem que a tendência de maior tamanho e centralização foi longe o suficiente.
Assim, o nacionalismo pode animar e fortalecer instituições que são obstáculos para uma maior centralização do poder estatal. Nesse sentido, alguns regimes estatais podem, de fato, provar ser ferramentas ad hoc úteis para resistir a uma maior centralização.
Esses benefícios do nacionalismo, no entanto, são puramente acidentais. Sim, o nacionalismo pode ajudar a deslegitimar os estados existentes e fortlecer a descentralização e o separatismo, enfraquecendo os estados. No entanto, a ideologia continua perigosa precisamente porque nos ensina a abraçar os estados nacionais como instituições necessariamente benéficas, fundamentais para a autoidentidade e a cultura. Na realidade, o nacionalismo é de fato uma invenção puramente moderna de nossa imaginação, e também afasta os seres humanos de instituições orgânicas mais reais, como famílias extensas, instituições religiosas e comunidades locais.
Artigo original aqui
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Notas
[1] Benedict Anderson, Imagined Communities: Reflections on the Origin and Spread of Nationalism (Londres: Verso, 1983), p. 6. Anderson coloca desta forma: “Consequentemente, os membros da menor nação nunca conhecerão a maioria de seus compatriotas, os encontrarão, ou mesmo ouvirão falar deles, mas na mente de cada um vive a imagem de sua comunhão.”
[2] Joseph R. Strayer, On the Medieval Origins of the Modern State (Princeton, NJ: Princeton University Press, 1980), p. 109.