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O mito de que a crise econômica foi planejada

Put-people-first-Thousand-005Há vários mitos sobre a crise econômica por aí a fora.  Porém, dentre todos os mitos financeiros que afligem o movimento conservador, este é o mais ilógico: “Os banqueiros planejaram a crise financeira de 2008.”

À primeira vista, a teoria parece maluca.  Como essas pessoas se beneficiariam com a ocorrência de enormes prejuízos financeiros?  Porém, quando você examina tudo mais profundamente, a coisa fica ainda mais amalucada.

Por que os banqueiros criariam uma crise que destruiu alguns dos maiores bancos da terra?  O Wachovia desapareceu.  Era um dos cinco maiores bancos em volume de depósitos quando quebrou.  O Royal Bank of Scotland (RBS) também chegou perto de falir.  O mesmo ocorreu com o Anglo Irish Bank.  Somente os pacotes de resgate do governo salvaram estes dois últimos.

Qual teria sido a motivação dos banqueiros que planejaram a crise?  Se você está no controle da política e do sistema bancário, por que chamar atenção mundial para a fragilidade do sistema bancário de reservas fracionárias?  Não seria uma atitude mais esperta apenas deixar as coisas funcionando suave e harmoniosamente?  Por que criar uma crise tão grande a ponto de fazer com que os governos tenham de intervir, provocando assim uma enorme reação negativa do público?

A sequência de quebras bancárias em 2008 chamou a atenção do público para o fato de que os banqueiros eram na verdade idiotas.  Eles foram totalmente enganados por entidades que vendiam ativos (na verdade, dívidas hipotecárias) tóxicos.  O mercado de hipotecas subprime era uma fraude gigantesca.  Os vários contratos altamente alavancados e transferidores de risco eram igualmente fraudulentos.  Toda a indústria de serviços financeiros revelou-se um cassino gerenciado por imbecis.

Warren Buffet foi quem resumiu melhor.  Existem três estágios de desenvolvimento financeiro.  O primeiro é criado pelos inovadores.  O segundo é ampliado pelos imitadores.  O terceiro é consolidado pelos idiotas.  Em 2008, vimos o que os idiotas haviam consumado.

Nada disso é reconhecido pelo crítico conservador, que afirma: “Foi tudo uma conspiração.  Os banqueiros planejaram tudo.”

Para o conspiracionista conservador, mudanças sociais devem ser explicadas como sendo o resultado de uma conspiração.  Em seu mundo, um pequeno grupo de poderosos globais — sempre chamados de “eles” — controlam tudo.  “Eles” dão as ordens.  “Eles” decidem tudo que deve ser feito.  Mudanças sociais sempre vêm de cima.  “Eles” são oniscientes.

O conservador adepto de teorias da conspiração compartilha com o socialista e com o comunista uma enorme confiança no poder do intelecto em dirigir as relações da sociedade.  Eles atribuem a um comitê planejador central a capacidade de prever o futuro quase que perfeitamente, de estruturar as instituições sociais de modo a alterar esse futuro em benefício próprio, e de implementar seus planos de maneira absurdamente eficaz, sendo capazes de sobrepujar o interesse próprio de bilhões de agentes econômicos.

Eles acreditam em Deus.  Esse Deus é a conspiração.

A Escola Austríaca da Economia

A teoria da crise planejada põe em dúvidas a teoria de Ludwig von Mises, apresentada em 1912, sobre os ciclos econômicos, a qual é chamada de teoria austríaca dos ciclos econômicos.  Mises ensinou que a causa dos ciclos econômicos está no sistema bancário de reservas fracionárias, especialmente nos países que possuem bancos centrais, cuja função é criar um cartel para proteger o sistema bancário.  Primeiro, o banco central infla a oferta monetária.  Isso produz um crescimento econômico artificial.  Mais tarde, ele reduz a taxa de expansão da oferta monetária por causa do aumento de preços.  Isso provoca a recessão: um reajuste (para baixo) de preços dos ativos, principalmente de bens de capital.

A teoria de Mises resolveu o problema teórico central de todas as recessões: por que os empreendedores cometem os mesmos erros de investimento ao mesmo tempo.  Normalmente, é de se esperar que alguns empreendedores sejam bem sucedidos, mas à custa de outros empreendedores.  Alguns fazem previsões boas; outros, ruins.  Alguns estão voltados para o longo prazo.  Outros, para o curto prazo.  Esses planos se contrabalançam.  Mas não durante recessões econômicas.  Por quê?

Mises ofereceu uma resposta: por causa da interferência do banco central no livre mercado.  Ele reduz a taxa de juros ao expandir a quantidade de dinheiro nas reservas bancárias.  Ele faz isso por meio da compra de títulos da dívida público em posse dos bancos.  Isso diminui as taxas de juros de curto prazo.  Como consequência, as empresas pegam empréstimos para expandir suas operações, justamente por causa dos juros mais baixos.  E então, quando a inflação de preços começa a surgir, o banco central reverte sua política expansionista.  Ele reduz a taxa de compra de títulos públicos em posse dos bancos.  As taxas de juros de curto prazo aumentam.  As empresas começam a perder dinheiro.  Elas reduzem suas expansões.  As falências aumentam.

Essa explicação é consistente tanto com a teoria econômica geral quanto com a história dos pânicos financeiros.  Ela coloca a culpa no banco central.  Por essa razão, essa explicação é universalmente rejeitada por economistas acadêmicos, todos eles defensores da existência de um banco central, não obstante o fato de que todos os bancos centrais são monopólios criados pelo governo.  ao defender um banco central, os economistas acabam servindo como defensores intelectuais de um cartel de banqueiros.  Eles se recusam a aplicar, para um sistema bancário controlado por um banco central, sua própria teoria econômica sobre a ineficiência dos carteis.

Escolha qualquer livro-texto de economia.  Leia o capítulo sobre monopólios, oligopólios e carteis.  Os livros dizem que a maioria dos carteis é criada pelos governos.  O capítulo mostra como os monopólios restringem o comércio.  Eles operam de modo a enriquecer os monopolistas à custa dos consumidores.

Depois leia o capítulo sobre o banco central.  Curiosamente, nenhuma parte da análise do capítulo acima é aplicada a este capítulo.  Isso não é por acaso.  Isso é puro marketing.  Qualquer livro-texto que contenha uma análise austríaca do banco central não será publicado por uma editora convencional.  Nunca houve uma exceção a essa regra.  Pode procurar.

No campo da teoria econômica, o apoio dos economistas acadêmicos ao banco central é o melhor exemplo de como o poder político, o controle sobre o dinheiro, e o uso desse dinheiro para silenciar a academia — ao se contratar milhares de economistas como conselheiros do banco central — produziu o efeito de neutralizar toda a profissão.

Os únicos comentaristas acadêmicos que identificaram esse uso sistemático do dinheiro para corromper a academia são os economistas adeptos da Escola Austríaca, os marxistas e a Nova Esquerda aliada dos marxistas.  Esses são grupos que estão no limbo da academia.  Eles têm pouca influência.  Eles nunca tiveram muita influência dentro da guilda acadêmica, a qual se filtra a si própria.

Os conservadores que teorizam que a crise de 2008 foi uma crise planejada entendem melhor que os economistas do poder do banco central na política.  Porém, os críticos são incapazes de compreender que os bancos centrais são restringidos pala concorrência do livre mercado.  Os banqueiros não entendem ou não aceitam a teoria misesiana dos ciclos econômicos.  Eles não entendem a relação monetária de causa e efeito.  Eles ou são keynesianos ou são monetaristas seguidores da Escola de Chicago, e ambas as escolas de opinião são defensoras do conceito de bancos centrais.  Assim, eles não entendem o que estão fazendo.

De vez em quando, suas políticas produzem um pânico financeiro e uma subsequente recessão.  Mas eles não aprendem com essa experiência.  Eles não saem à procura de uma nova teoria que explique o fracasso de suas políticas.  Eles estão comprometidos com sua fé no governo e naquele monopólio concedido pelo governo, o banco central.

Isso é inconcebível para o teórico da conspiração.  A conspiração está acima da lei — não apenas da lei civil mas também da lei econômica.  Para o teórico da conspiração, não existem leis econômicas.  Existe apenas o “olho que tudo vê” da conspiração.

Sendo assim, como foi possível que a Escola Austríaca tenha previsto a recessão de 2008?  Seus membros também fazem parte da conspiração?  Eles receberam informações privilegiadas do grupo Rockefeller, sendo alertados de que a recessão estava sendo planejada pelos mais altos escalões?

Eu previ a recessão e tenho meus arquivos para provar.  O mesmo vale para Peter Schiff.  Como nós sabíamos?  Porque nós lemos Mises e Rothbard.  Porque nós acreditamos neles.  E, no meu caso, porque eu sempre prevejo que haverá uma recessão quando a curva de rendimento dos juros torna-se invertida.  O que é isso?  Sempre que os juros dos títulos de curto prazo (90 dias) ficam maiores do que os juros dos títulos de longo prazo (30 anos), a curva fica invertida.  Uma recessão sempre se segue.  Outros prognosticadores não-austríacos também sabem dessa relação, mas por causa de sua enorme fé no poder dos bancos centrais, eles concluem que “dessa vez vai ser diferente”.  Mas nunca é.

A Lei de Pareto

A lei de Pareto foi descoberta pelo economista-sociólogo Vilfredo Pareto no final do século XIX.  Ele estudou a distribuição de riqueza em várias nações europeias.  Ele descobriu que essa distribuição centraliza a riqueza.  Aproximadamente 20% da população detinha 80% do valor do capital de uma nação.  E ele aplicou esse raciocínio até o topo da pirâmide.

Se 20% da população detém 80% do valor do capital de uma nação, então 4% (20% de 20%) detém 64% (80% de 80%) do valor do capital.  Isso de fato se mostrou verdadeiro.  Portanto, aproximadamente 1% da população deteria um pouco mais da metade da riqueza de uma nação.  E isso também se comprovou verdadeiro.

Um grande número de estudos subsequentes indica que essa mesma distribuição se aplica para todas as sociedades estudadas.  Não importa se os países eram nações pré-social-democratas (antes de 1900), nem a localização geográfica ou o quão socialistas eles são.  A mesma distribuição existe.  Até hoje, nenhuma pessoa foi capaz de oferecer uma explicação convincente para tudo aquilo que não corresponde à teoria econômica ou social que ela defende.

Os socialistas atacam o capitalismo por causa de sua desigual distribuição de riqueza.  Porém, todas as vezes que os socialistas chegaram ao poder, essa distribuição não foi alterada.  Portanto, eles se recusam a discutir Pareto.  Em contraste, os defensores do livre mercado insistem em dizer que o capitalismo tende à equiparação de riqueza.  Até hoje, isso ainda não aconteceu.  Portanto, eles também não falam sobre Pareto.

Trata-se de uma omissão deliberada.  A apresentação matemática de Pareto, conhecida como o grau de ótimo de Pareto, é adorada por economistas defensores do estado assistencialista.  Toda a sua apresentação é conceitualmente falha, pois ela assume que a sua escala de valores econômicos é igual à minha e igual à de todos os outros cidadãos.  Murray Rothbard refutou essa ideia ainda em 1956, mas até hoje o teorema de Pareto é discutido com grande relevância.

Sempre que você ler algum relatório sobre a perversidade da distribuição de riqueza no capitalismo, e esse relatório citar algum recente estudo sobre essa desigualdade, pode estar certo de que ele não vai citar nenhum estudo sobre alguma nação socialista ou de alta carga tributária.  O autor provavelmente não imagina que a distribuição de riqueza é Pareto-normal, independente da estrutura econômica do país.  Ele quer apenas persuadir os eleitores a apoiar as reformas que ele defende.

O que é realmente perturbador é que a regra 20—80 de Pareto se aplica a todos os tipos de estatística institucional que pouco têm a ver com distribuição de riqueza.  Aproximadamente 20% do efetivo de uma força policial faz 80% das prisões.  Aproximadamente 20% daqueles que assinaram uma revista renovam a assinatura ao final do primeiro ano (como nós editores gostaríamos que fossem 80%!).  Aproximadamente 20% dos recebedores de uma e-letter gratuita de fato a lêem (por que não 80%?).  E por aí vai.

Eu gostaria de saber o porquê de ser assim.  Se eu soubesse o motivo, talvez pudesse descobrir uma maneira de ter os 80% ao meu lado… pelo menos até que começassem a me imitar.

Não perturbe o equilíbrio!

Isso significa que a distribuição de riqueza e influência favorece a hierarquia existente.  A distribuição não se altera.  A posição de um indivíduo na hierarquia pode mudar — normalmente para pior.  Afinal, é sempre mais fácil deslizar para baixo do que continuar subindo.

Se você estivesse no topo dessa pirâmide — entre aquele 1% ou talvez mesmo naquele 0,2% —, você iria querer planejar e gerar intencionalmente uma crise?

Pense nisso.  Se o sistema lhe transformou no líder, por que você iria querer se arriscar abalando suas fundações?  Por que você iria querer perturbar esse equilíbrio?  Por que você iria querer envolver os governos em pacotes de resgate para as maiores instituições financeiras?

A teoria da crise planejada não faz sentido, quando se considera que a teoria diz que a conspiração foi feita de cima para baixo.  Se aqueles que estão no topo realmente estão no controle, mas correm o risco de perder esse controle, por que eles iriam querer mudar alguma coisa?  A mudança é a inimiga daqueles que estão no topo.

Os teóricos da conspiração dizem que “eles” fizeram isso.  “Eles estão atrás da riqueza do povo!” Porém, “o povo” não tem riqueza o bastante a ponto de estimular sua tomada.  Os 80 % que estão na extremidade inferior da pirâmide possuem apenas 20% da riqueza.

Os teóricos da conspiração superestimam sua própria importância — politicamente, economicamente e socialmente.  Eles pensam que podem tomar o controle da situação caso exponham os conspiradores.  Porém, os custos de se fazer tal coisa são astronômicos.  Ademais, o efeito de tal revolução seria apenas o de mudar as pessoas no topo.  As massas não se beneficiariam.

O que realmente funciona?  Crescimento econômico.  Uma maré ascendente que levante todos os barcos.  E só a liberdade propicia crescimento econômico.

O que as pessoas precisam — “pessoas” aqui definidas como aquelas representando os 80% da extremidade inferior — é de liberdade.  A distribuição de riqueza não vai mudar.  A ética do enriquecimento deveria, portanto, ser essa: “Não roubarás!” — ao invés de ser “não roubarás, exceto pelo voto da maioria”.

Conclusão

Os globalistas não planejaram e deliberadamente provocaram essa crise econômica, exceto na medida em que eles utilizaram os bancos centrais para elevar suas posições hierárquicas.

Um sistema monetário gerido por bancos centrais inevitavelmente padecerá de crises financeiras recorrentes.  Os bancos centrais tentam evitar crises econômicas inflacionando, depois estabilizando, depois inflacionando de novo, e assim por diante — e, ao procederem assim, eles geram crises.  Esse foi o ensinamento de Mises.  Uma intervenção leva a outras.

Os globalistas planejaram a crise de 2008 no sentido de que foram eles que criaram esse sistema monetário em 1914, com a criação do Banco Central americano, o Fed.  Eles estão encurralados.  Nós também.

A máquina monetária vai quebrar.  A ordem política vai mudar quando a máquina monetária quebrar.  Haverá pessoas diferentes no topo após a máquina monetária ter sido substituída.  Cabe a nós não deixarmos que a nova máquina monetária seja colocada sob o controle de alguma agência governamental.

Que o livre mercado escolha a unidade monetária.  Que os correntistas determinem livremente quais bancos devem sobreviver e quais bancos devem perecer.  Em suma, que o governo seja completamente retirado do negócio de fabricar dinheiro.

Gary North
Gary North
Gary North ex-membro adjunto do Mises Institute, é o autor de vários livros sobre economia, ética e história. Visite seu website.
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