Muitos sofismas têm surgido em virtude da lei de associação de Ricardo, mais conhecida como lei das vantagens comparativas. A razão é óbvia. Esta lei contraria todos aqueles que procuram justificar o protecionismo e o isolamento econômico, ao deixar claro que sua única justificativa é a defesa dos interesses egoístas de alguns produtores ou a preparação para a guerra. —Ludwig von Mises, Ação Humana
Alexander Macris, chamou a atenção para os argumentos de Ian Fletcher contra o livre comércio no livro pouco conhecido O livre comércio não funciona: o que deveria substituí-lo e por quê. Repudiando sua juventude como um ” doutrinador livre-mercadista” sob o domínio da “economia austríaca”, quando considerava o livre comércio “mais do que apenas uma crença econômica”, Macris deixou para trás sua ingenuidade juvenil e abraçou as críticas de Fletcher a vários pressupostos teóricos feitos por Ricardo que tornam questionável a relevância da descoberta de Ricardo para as decisões políticas governamentais do mundo real.
Macris segue Fletcher ao enquadrar os argumentos contra a doutrina do livre comércio especificamente contra a ortodoxia matemática prevalecente. No entanto, como um auto-descrito estudante de economia austríaca, Macris deve estar ciente da generalização de Ludwig von Mises da vantagem comparativa ricardiana na Ação Humana, que ou escapa de muitas das críticas apresentadas por Fletcher ou as torna irrelevantes no âmbito da ciência econômica.
Seria uma tarefa excessivamente ambiciosa corrigir todos os mal-entendidos ou esclarecer quantas de suas críticas se aplicam estritamente à economia matemática, mas, para o bem deste artigo, bastará mostrar que compreender adequadamente o escopo e as implicações da lei misesiana de associação lança luz sobre o que exatamente é (e não é) o argumento econômico pelo livre comércio, permitindo-nos, pelo menos, distinguir considerações económicas de considerações políticas.
Mises e a Lei de Associação
Mises situa sua discussão sobre a “lei das vantagens comparativas” ricardiana, ou a “lei da associação” na terminologia de Mises, na parte 2 de Ação Humana. Em pouco mais de cinco páginas, Mises descreve e defende o fato de que a especialização e a troca são mais produtivas fisicamente do que a ação isolada, resultando em ganhos mútuos para todos os que participam da divisão do trabalho, mesmo quando um indivíduo ou grupo de indivíduos é produtivamente superior em todas as linhas de produção imagináveis. Assim, Mises reconhece que a própria sociedade é “ação concertada”, ou seja, mais tecnicamente, “divisão do trabalho e combinação do trabalho”.
Mises chama brilhantemente a atenção para o fato de que se não fosse verdade que todos podem se beneficiar com a participação na especialização e na troca, a própria sociedade dificilmente seria possível em qualquer medida significativa, pois não haveria vantagem seletiva em se envolver em cooperação em vez de violência. É porque a noção ricardiana de vantagem comparativa é verdadeira, entendida de forma mais ampla por Mises como sendo aplicada universalmente fora dos limites do modelo particular de Ricardo, que as sociedades humanas já tiveram a oportunidade de se desenvolver.
Reconhecer a verdade universal da lei de associação não prescreve ações particulares. Sabemos, por meio do raciocínio econômico, que participar da divisão estendida do trabalho de acordo com a eficiência relativa é benéfico para todos os participantes, dada a existência de desigualdades na capacidade humana e nos fatores de produção não humanos, mas esse fato analítico nos diz pouco sobre quais linhas concretas de produção cada pessoa deve se especializar durante suas vidas ou onde estão localizadas as melhores oportunidades. Se uma unidade de negócios está de fato se especializando de acordo com a vantagem comparativa em um determinado momento é uma questão de julgamento empresarial e não pode ser identificada empiricamente da mesma forma que podemos explicar a lógica da vantagem comparativa no quadro-negro.
O conhecimento das leis econômicas também não requer a necessidade de maximizar a produtividade física dos bens acima de todas as outras considerações. Os ensinamentos da ciência econômica simplesmente nos ajudam a entender, pelo menos em um sentido qualitativo, do que estamos abrindo mão ao perseguir objetivos alternativos, como uma política industrial nacional que restrinja as decisões empresariais voluntárias dos empresários em apoio a uma indústria nacional que, de outra forma, não teria sido lucrativa o suficiente para atrair gastos de investimento.
Fletcher e Macris erram quando acreditam que devem atacar a vantagem comparativa ricardiana para defender restrições comerciais. Eles simplesmente devem declarar seus objetivos e admitir sua disposição de apoiar a coerção para alcançá-los, o que remove do domínio da teoria econômica nos leva para a política.
Economia versus Política
Fletcher e Macris concentram sua atenção inteiramente na “nação” como unidade de análise. O livro de Fletcher está repleto de referências sobre como a “nação” adquire habilidades, a “nação” cresce, a “nação” se especializa, certas indústrias têm “valor para a economia nacional” e assim por diante. Raramente são mencionados os empreendedores individuais que realmente tomam as decisões de buscar certas linhas de produção em vez de outras. Como estudante de economia austríaca, Macris deveria saber que a “nação” não é a unidade de análise relevante quando se trata de entender a natureza mutuamente benéfica da troca.
Você certamente pode traçar linhas em torno de regiões geográficas e, em seguida, reivindicar uma “nação” especializada em certas linhas de produção. No entanto, fixar a atenção em tal “nação” é uma questão política, não uma questão de teoria econômica. Enquanto o próprio Ricardo se refere às nações em sua exposição original de vantagem comparativa, o esclarecimento de Mises sobre a lei da associação deixa claro que a lógica se aplica universalmente a qualquer troca. Uma vez que as nações não se envolvem em troca como uma unidade singular, a confusão resulta quando os críticos do livre comércio tentam refutar a lógica ricardiana com base no fato de que é possível que uma região geográfica seja comparativamente mais pobre após uma abertura ao comércio.
Se o trabalho e o capital são móveis em qualquer medida, é possível que a terra ou as oportunidades produtivas em certas regiões sejam consideradas inferiores às oportunidades viáveis alternativas no exterior. A migração ou o investimento estrangeiro podem então deixar uma região relativamente desocupada e mais pobre do que teria sido o caso sem a livre circulação de trabalho e capital. Pode-se lamentar essa situação, mas não há nada que possa ser feito a menos que se esteja disposto a impedir à força os indivíduos de se mudarem fisicamente ou de investirem seu capital no exterior de acordo com o que considerarem suas oportunidades preferidas.
É irrelevante do ponto de vista econômico se os críticos do livre comércio buscam fins que acreditam que só podem ser alcançados por meio da política industrial ou se preocupam com a liberdade dos indivíduos para tomar suas próprias decisões sobre quais linhas de produção e trocas seguir. No entanto, seria revigorante se tais juízos de valor fossem expressos abertamente.
Quem decide: empresários ou burocratas?
Uma vez que saímos do domínio da teoria econômica a priori, uma questão relevante é quem deve decidir no que uma pessoa ou grupo se especializará durante qualquer intervalo de tempo: empreendedores ou planejadores governamentais? Fletcher culpa o livre comércio por muitos aspectos da modernidade que ele considera alarmantes, ignorando os efeitos dos bancos centrais, particularmente nos Estados Unidos, onde o status de moeda de reserva global e a demanda por dólares contribuíram tanto para o grande déficit em conta corrente quanto para o aumento da desigualdade, já que os primeiros recebedores do novo dinheiro se beneficiam às custas de todos os outros.
Fletcher então afirma que a intervenção do governo pode resolver muitos dos problemas. Por exemplo, ele afirma que dependências de trajetórias produzem efeitos de locaute, nos quais um produtor potencialmente mais eficiente de um bem nunca pode capturar participação de mercado potencial. A “solução” de Fletcher é uma “política industrial racional” com uma tarifa fixa de 30%, mas ele não explica como isso garante que linhas de produção mais eficientes não sejam negligenciadas. Na verdade, tal “política industrial racional” provavelmente empurraria os produtores domésticos para linhas de produção ainda menos eficientes do que no caso básico do livre comércio.
Tanto Fletcher quanto Macris imputam aos “ricardianos” o bizarro conselho político de especialização de acordo com a vantagem comparativa de curto prazo em detrimento da vantagem comparativa de longo prazo, mesmo quando recursos não renováveis podem ser esgotados ou indústrias altamente avançadas podem ser abandonadas devido a investimentos insuficientes. Eles deixam sem explicação por que presumem que os planejadores governamentais são mais capazes do que os empresários de identificar oportunidades de lucro futuras ou utilizar cuidadosamente recursos não renováveis.
Fletcher e Marcis não oferecem uma análise comparativa da natureza e da qualidade das decisões de produção tomadas por planejadores políticos versus empresários privados. As restrições comerciais são apresentadas como deus ex machina para corrigir falhas percebidas do livre comércio. Enquanto isso, o planejamento cuidadoso dos empreendedores, que colocam seu próprio capital em jogo para satisfazer os clientes e, assim, obter lucro, é ignorado. Seus planos e aspirações, sem dúvida, são considerados menos importantes do que as necessidades da “nação”.
Conclusão
Em última análise, as disputas sobre o livre comércio ocorrem nos domínios da política e da ética, não da economia. Se os consumidores preferem importar bens ou os empresários preferem organizar a produção no exterior, aqueles que defendem o protecionismo devem admitir que defendem sufocar as trocas voluntárias por meio da coerção patrocinada pelo estado para perseguir objetivos que consideram mais importantes.
Embora se possa construir exemplos em que uma indústria não existiria sem a intervenção do governo, não se pode observar contrafactuais para saber se essa ausência seria preferível ao que já existe. Como não se pode agregar preferências, as alegações de que certas políticas são “melhores” para uma nação não têm base econômica e apenas refletem os juízos de valor pessoais daqueles que promovem a intervenção do governo.
Esta não é uma crítica geral a Macris, cujo blog geralmente vale a pena ler. No entanto, o post que está sendo discutido faz parte de um gênero em que autores da “nova direita” repudiam sua herança libertária para abordar o que afirmam ser o escopo culturalmente insensível e intelectualmente limitado da economia austríaca.
No entanto, os economistas da escola austríaca buscam leis causais da ação humana, que são separadas da consideração do que se deve valorizar. Os “austríacos” são encontrados em todos os lados das questões políticas e culturais modernas e podem discordar em certos pontos.
A lei de associação declara que as restrições burocráticas à divisão do trabalho em busca de outros objetivos reduzem a produtividade. No entanto, a própria sociedade humana só é possível em qualquer medida significativa se a lei de associação for verdadeira. Não há meio termo.
Artigo original aqui
“autores da “nova direita” repudiam sua herança libertária para abordar o que afirmam ser o escopo culturalmente insensível e intelectualmente limitado da economia austríaca.”
A crítica até certo ponto está certa, muito provavelmente devido ao capitalismo selvagem defendido pelos liberais randianos, uma raça de viboras. No entanto, nao é para ser radical nas críticas, como o nosso Paulo Kogos que andou chamando Mises e Rothbard de satanistas…