Thursday, November 21, 2024
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O cinema no Brasil e a mentalidade anticapitalista

ancineA intervenção do governo brasileiro nos mais distintos aspectos da vida cotidiana está em níveis tão acentuados, que até atividades triviais do cidadão comum são afetadas.  O simples ato de ir ao cinema é uma delas.  Em especial, ir ao cinema para assistir aos filmes que justamente têm grande apelo de público: os tais megalançamentos do cinema de Hollywood.

Se você gosta de assistir a filmes como Guerra nas Estrelas, Parque dos Dinossauros, Vingadores,Homem-Aranha, Batman, Senhor dos Anéis, entre outros, é bom que saiba que a intervenção do governo brasileiro está afetando, e afetará mais ainda, a sua vida até nesse particular e quase supérfluo hábito.

A cota de tela

O governo brasileiro recentemente publicou o Decreto nº 8.386, de 30 de dezembro de 2014, que basicamente regula duas intervenções no mercado de distribuição e divulgação de filmes no Brasil, em especial nos cinemas.

A primeira delas é a cota de tela.  Essa cota determina a quantidade de filmes brasileiros que deve ser exposta nos complexos de cinema de todo o país.  Essa medida não é nova e será motivo de uma análise mais detalhada ao longo do presente artigo.

A segunda medida é bem atual.  Trata-se da imposição de um limite máximo de salas em que o mesmo filme (um título) poderá ser exibido.  O limite máximo de título por sala varia em cada caso, mas, a rigor, complexos com seis ou mais salas de cinema poderão colocar no máximo algo em torno de 30% a 35% de suas salas com o mesmo filme.

Como colocado anteriormente, a criação de uma cota para filmes brasileiros exibidos no cinema não é algo propriamente novo.  E, para ser justo, nem algo exclusivo do Brasil. México, Argentina, Coreia do Sul, Colômbia, Espanha, União Europeia — todos eles a utilizam.  Com o objetivo oficial de incentivar e proteger a cultura nacional, a cota de tela no Brasil estipula um número mínimo de dias, de quantidade e de títulos nacionais que devem ser exibidos nos complexos cinematográficos.

A intervenção governamental no mercado — no caso, o mercado de produção audiovisual — com o intuito de instituir uma cota para privilegiados é das mais antigas e mais historicamente desastradas medidas estatais, vide a Lei da Informática da década de 1980 .

Nesse sentido, para analisar os efeitos dessa interferência, vamos à abordagem de Mises, que resume a problemática da intervenção governamental da forma bastante clara:

“Em contraposição a todo esse formalismo e dogmatismo legal, é necessário enfatizar novamente que… [e]stamos diante de uma questão exclusivamente praxeológica e econômica.  Nem a filosofia do direito, nem a ciência política têm qualquer contribuição a dar para esclarecê-la.

O problema que temos de examinar ao analisar o intervencionismo não consiste em procurar definir quais seriam as tarefas ‘naturais’, ‘justas’ e ‘adequadas’ do governo. A questão a examinar é a seguinte: como funciona um sistema intervencionista? Poderá esse sistema alcançar aqueles objetivos que o governo, ao adotá-lo, pretende atingir?“Mises, Ação Humana, págs. 821 e 822.

Resta-nos então a tarefa de analisar economicamente se esse mecanismo de intervenção é uma forma de incentivar a cultura nacional ou, mais especificamente, o cinema nacional.

E, nesse caso, iniciamos por constatar o elemento mais básico e óbvio: o fato de que é um equívoco pensar em termos de “cinema nacional”.  Um filme, tal como uma obra artística, é uma manifestação da ação de um conjunto de indivíduos — que podem ter inúmeras nacionalidades, por sinal.  No caso do cinema, deve-se ressaltar em especial a participação do(s) produtor(es) do filme, do(s) diretor(es), atores e atrizes.  Logo, não há por que classificar um filme apenas de acordo com sua “nacionalidade”.

Mas a questão é que a medida trata os filmes produzidos por empresas brasileiras de forma distinta dos filmes produzidos por empresas estrangeiras; e, por isso, tem-se que estudar a medida a partir deste fato.

Assim, seguindo a análise, o efeito concreto da medida é privilegiar empresas de produção que são brasileiras em detrimento de empresas de produção que não são brasileiras.  Ao fazer isso, a medida diminui o acesso dos produtores, diretores e atores não-nacionais ao público do Brasil.  E o sentido contrário também é verdadeiro: o acesso do público brasileiro a artistas estrangeiros é reduzido.

O efeito prático é a restrição a vários filmes estrangeiros que poderiam ser mais bem difundidos caso não existisse a cota nacional, já que se trata de uma restrição baseada apenas no critério da nacionalidade da produção das obras — logo, sem qualquer justificativa artística.

Se a medida tem o intuito de privilegiar a cultura nacional, a consequência indesejada — porém efetiva — é adiscriminação da manifestação artística de estrangeiros.  A medida é preconceituosa em relação à cultura não-nacional, por assim dizer.  Em um mundo que busca integração, globalização e comércio entre os povos, uma ação que não apenas hostiliza uma cultura estrangeira, mas que tem o intuito supremo de isolar a população nacional pode ser considerada um crime.  Certamente é xenofobia.  E um atraso.

Seria difícil dizer quais filmes poderiam ser mais difundidos no Brasil caso a cota de tela não existisse.  O público brasileiro teria acesso a mais filmes oriundos do estrangeiro, mas como saber quais filmes “importados” são bons e quais são ruins?  É nesse ponto que entra o segundo efeito maléfico da cota de tela.

Se há algo que sabemos em Economia, é que valor é algo subjetivo.  Valorar uma obra de arte é algo completamente abstrato.  Algumas pessoas assistem a um filme e o consideram bom, bonito, genial, engraçado etc.  Já outros o consideram feio, chato, de mau gosto, ruim, não artístico, medíocre etc.  Ao instituir a cota de tela, o regulador passa a decidir pelo público qual filme é bom, bonito, artístico, genial etc.

Como diria Mises, a soberania do público foi seriamente prejudicada.  E quer os membros da indústria cinematográfica (produtores, cineastas, atores, críticos de cinema) queiram ou não, o real valor artístico de um filme está nos olhos de quem o vê.

Esse fato é plenamente compreendido pelos donos dos cinemas, ao ponto de o Sindicato das Empresas Exibidoras Cinematográficas do Estado do Rio Grande do Sul entrar com uma ação no STF contra essas cotas.  Um dos proprietários de cinemas resume a questão da seguinte maneira: “É importante entender que não somos contra a exibição de filmes nacionais.  Mas somos contra as cotas.  Quando a safra brasileira não é boa, os exibidores são penalizados porque os filmes não vão atrair público”.

O dono do cinema acerta com precisão.  Com a exibição garantida, os cineastas ficam protegidos das consequências negativas de apresentarem uma obra de baixo valor artístico aos olhos do público.  Esse ônus recai para os donos das redes de cinemas e para público em si.

Com os cineastas nacionais protegidos dos efeitos do sistema de lucros e prejuízos, e usufruindo o privilégio de ter a exibição garantida e parcialmente protegida da concorrência de filmes estrangeiros, o terceiro e final efeito da imposição da cota de tela não pode ser outro se não o efeito decorrente de toda instituição de reserva de mercado: a apresentação de produtos e serviços que satisfazem menos os consumidores.  No caso em questão, filmes que divertem menos o público; filmes com menor valor artístico aos olhos justamente daqueles que são as pessoas que deveriam valorar tais títulos.

Não à toa, Paulo de Almeida, do portal Filme B, afirma: “Hoje, a cota de tela não é responsável por levar um único espectador para o filme brasileiro; serve mais como um instrumento simbólico. E às vezes acaba ajudando mais o filme ruim do que o filme bom”. E prossegue: “É humilhante para o diretor brasileiro ter o filme exibido apenas por causa da cota de tela”.

Assim, analisando sob o aspecto praxeológico, constata-se que a cota gera efeitos contrários aos quais ela se pretende.  Em vez de incentivar a cultura, deprecia-a, incentivando filmes de menor valor para o público.

O limite de quantidade máxima de salas por título

Ao passo que a cota de tela tem um mecanismo discriminatório embutido — porém não totalmente explícito — contra os filmes norte-americanos, o limite de salas por títulos é abertamente contra os filmes de Hollywood, em especial contra os filmes estilo blockbuster.  É justamente por essa razão que, como mencionado no início, o hábito de assistir a uma superprodução de Hollywood será afetado.

O filme blockbuster, normalmente, é aquela produção extremamente cara — e, por essa razão, é a típica produção que gasta enorme quantidade de recursos com distribuição e divulgação.  Normalmente é uma superprodução, com sofisticados efeitos especiais, inovações tecnológicas, grandes astros, belas atrizes etc.  É muito comum referenciar o primeiro filme blockbuster como sendo Tubarão, do aclamado diretor Steven Spielberg, lançado em 1975. Provavelmente o segundo filme nesse mercado foi o Episódio IV de Guerra nas Estrelas, lançado em 1977.

Depois destes filmes, os produtores de Hollywood descobriram o que Mises disse sobre o capitalismo moderno, que “consiste essencialmente na produção em massa para atender às necessidades das massas“.

Justamente por gastar enorme quantidade de recursos em distribuição e divulgação, os lançamentos destes filmes costumam ocupar uma grande quantidade de salas de cinema no Brasil e no mundo.  Contudo, aparentemente esse fato incomoda as autoridades brasileiras e, obviamente, outros concorrentes nesse setor.  Para o presidente da Ancine, Manoel Rangel, o “alerta” foi dado no lançamento do filme “Jogos Vorazes: A Esperança”.

Segundo ele, como o título esteve em mais da metade das salas do país, tratou-se de uma ocupação “predatória”. Ainda de acordo com Rangel, o objetivo (da intervenção regulatória) seria “garantir uma pluralidade de filmes”.

Ocorre que o efeito dessa medida é muito semelhante ao da criação a cota de tela.  Nesse caso, a quantidade de telas que excederiam o limite estipulado pela Ancine não poderia expor os filmes tipo blockbuster, sendo forçadas a exibir algum título diferenciado, não importando qual a origem.  Porém, o problema de exibir filmes de menor valor artístico ou de entretenimento para o público continua a ocorrer.

Esse efeito é maléfico para o público e, de certa forma, ruim também para toda a cadeia produtiva setor.  Com filmes de menor valor de entretenimento sendo veiculados, a atratividade dos cinemas diminui de forma geral.  Consequentemente, há uma queda na demanda.  Com a redução da demanda, a lucratividade e a rentabilidade caem.

Decorrente disso, investir em salas de cinema torna-se menos atrativo, e manter as salas atuais torna-se mais custoso.  A tendência é a redução de número de salas e, consequentemente, a redução do número de filmes divulgados como um todo.  Com menos filmes em cartaz, há menos variedade, e o efeito de buscar pluralidade transforma-se no exato oposto.

Ao punir os títulos “carro-chefe” de vendas nas salas de cinema, o regulador acaba penalizando todos os outros filmes como consequência.

Outra justificativa a favor da medida decorre do seguinte argumento: “filmes blockbuster são medíocres; e o medíocre não ofende, não desafia.  E vende melhor por isso. Nem toda superprodução seria medíocre, mas, por natureza, a superprodução tende muito mais à pasteurização do que projetos menores e mais arriscados”.

Obviamente, o erro deste argumento está em ignorar o valor subjetivo da obra artística, valor que, no fim das contas, deve ser julgado aos olhos do público. Mais ainda, se projetos artísticos devem ter como proposta “arriscar”, “desafiar” e “ofender” o público, então nada mais justo do que o risco caia sobre o artista, não sobre o público.  Se um artista pretende “ousar” em sua obra, então ele deve arriscar-se financeiramente também com isso.  Não é ousadia fazer uma obra cuja exposição está previamente garantida, bem como o financiamento.

Além da justificativa anterior, outro argumento pró-intervenção seria o de que a média de público por sala aumentaria.  Esse seria um efeito colateral do excesso de espectadores: ser empurrado para outras salas e outros filmes.  O problema é que esse argumento ignora também o fato da valoração subjetiva.  Ignora também o fato de que muitos espectadores, ao irem ao cinema e se depararem com as salas do blockbuster lotadas, não desejam ver um filme substituto, justamente pelo fato de que foram ao cinema para assistir especificamente aoblockbuster.

Em muitos casos, exatamente por se tratar de obras de arte, o efeito bem substituto de um filme por outro é muito pequeno.  Pode até ser que alguns espectadores irão a filmes substitutos; porém, é mais provável que a maioria não proceda assim. A média de público por salas poderia até ficar mais bem distribuída, mas a média geral tenderá a cair.

Enfim, a medida tem potencial de causar muito mais danos do que benefícios.  Sob o ponto de vista estritamente praxeológico, ela deveria ser rejeitada.

Cabe ainda acrescentar alguns comentários suplementares sobre essas duas medidas regulatórias.  O primeiro, acerca do limite máximo do número de tela.  Aparentemente, a medida foi tomada seguindo curiosos “critérios técnicos”.  Segundo Manoel Rengel: “a Ancine entende que os grandes lançamentos são bem-vindos, assim como a câmara técnica. O que não é bem-vindo é o megalançamento, aquele que não otimiza o setor.”

Aparentemente então, segundo esse regulador, ele “conhece” o tamanho ótimo dos lançamentos para “otimizar” o setor.  A Ancine passa a arrogar para si própria qual é o ponto de equilíbrio entre oferta e demanda no setor cinematográfico brasileiro.

Por último, a decisão da intervenção foi tomada a partir de discussões realizadas em uma “câmara técnica” criada pela Ancine com profissionais da indústria cinematográfica.  E, ao que se sabe, um termo de compromisso já foi assinado por 23 empresas exibidoras e seis distribuidoras brasileiras.

Mas observe o quadro geral: o órgão regulador estabelece uma nova política de conduta comercial e estabelece um acordo para “equilibrar” esse mercado.  Quando concorrentes em um determinado mercado aceitam participar de um acordo que equaliza suas respectivas condutas comerciais em termos de quantidade ou de preço, tal ação beira a caracterização da formação de um cartel.  E, nesse caso, sendo difundido e estabilizado pelo órgão regulador.

O mercado cinematográfico brasileiro

Em 2013, de acordo com a Ancine, foram lançados no Brasil um total de 397 produções.

Desse total, 145 filmes (36,5%) são norte-americanos, 129 (32,5%) são brasileiros e 49 produções (12,3%) são francesas.  Somados, esses filmes perfazem cerca de 81% do total e lançamentos do circuito.

Os números de 2012 não divergem muito do ano posterior. Foram lançados 323 filmes — 83 brasileiros (25%), 133 norte-americanos (40%) e 39 franceses (12%).

No somatório, o total fica em aproximadamente 78,5% para esses três países.

Cabe mencionar que houve um sensível crescimento no número de filmes brasileiros lançados nos últimos anos. Isso pode ser mais bem ilustrado pelo gráfico abaixo:

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A quantidade de filmes lançados saiu de 14, em 1995, para 129, em 2013, merecendo destaque a quantidade de filmes do gênero “documentário”.  De não mais do que cinco documentários por ano lançados até 2003, nos anos de 2009 a 2013 foram lançados um total de 196 — uma média de 39 por ano, sendo que, no mesmo período de 2009 a 2013, a média do total de filmes lançados ficou em 94 filmes por ano.

De 2009 a 2013, nada menos do que quatro em cada dez filmes brasileiros são do gênero documentário.  O restante se enquadra como “ficção” ou “animação”, podendo ser drama, comédia, suspense, romance ou outros. Como comparação, observe que, segundo o site Movie Insider, do total e 1.094 filmes lançados no mercado norte-americanos no ano de 2013, apenas 105 eram documentários (9,6%).

Seguindo a abordagem, vemos que, dos 145 filmes norte-americanos lançados no Brasil em 2013, apenas dois são documentários.  Em 2012, apenas quatro foram desse gênero.  Essas informações estão no quadro abaixo, que nos permite a construção de outros insights.

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A média de público dos 145 filmes norte-americanos foi de 785.282 ingressos por filme. Já a média brasileira foi de 183.137 ingressos por filme. Ou seja, um filme brasileiro leva, em média, apenas 23,3% do público de um filme norte-americano.

Observando ainda mais, a média de público por sala (total de público do filme dividido pelo número máximo de salas em que o filme foi exibido) para filme brasileiro é menor (989) do que a dos filmes norte-americano (2.004).

Apenas essa constatação ilustra o ônus imposto ao setor quando se impõe a cota de tela para filme nacional.  Se aumentarmos ainda mais a quantidade de salas para filmes brasileiros, a tendência de queda na média de público por sala irá se acentuar.

Mas esses números agregados ainda dizem pouco. Ao desagregar os filmes pelos gêneros observam-se alguns efeitos bem interessantes.  A média de público dos 134 filmes de ficção americanos é de 690 mil ingressos por filme.  É uma média até menor do que a média geral (785 mil).  O curioso é que aí entra a categoria blockbuster. Isso se deu pelo destaque aos filmes de animação, com a enorme média de 2,36 milhões de bilhetes por filme e com uma média de público por sala de 3.198.

Já os 77 filmes brasileiros de ficção têm uma média de 302 mil bilhetes por filme.  Agora, vemos que o filme brasileiro do gênero de ficção leva ao cinema cerca de 44% do total de pessoas que leva um filme americano do mesmo gênero.  Assim, vê-se que o filme brasileiro de ficção é popular, porém, menos popular do que o americano. Isso é corroborado ao se comparar os valores do indicador de público por sala.

Mas o efeito mais perverso das intervenções no mercado se exemplifica por meio da análise dos filmes do gênero “documentário”.  Em 2013, foram produzidos no Brasil 50 documentários, lembrando que a média entre 2009 a 2013 foi de 39 por ano. Documentários americanos divulgados no Brasil nesse ano foram apenas dois, como já mencionado.

Esses 50 documentários brasileiros levaram 203 mil pessoas ao cinema, enquanto os dois filmes americanos levaram 139 mil. Foram exibidos 25 vezes mais documentários brasileiros do que norte-americanos para um público apenas 46% maior. A média de público foi de apenas 4.077 bilhetes por filme e a média de público por sala foi de míseras 408 pessoas.

Em comparação aos próprios filmes brasileiros, vemos que o gênero “documentário” não perece ter realmente nenhum apelo junto ao público de forma geral. Como já dito, praticamente 40% dos filmes lançados foram documentários; e apenas 0,9% do público que assistiu a algum filme nacional foi atraído por esse gênero.  Os gráficos abaixo ilustram melhor.

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Fica evidente que a decisão de produção e divulgação de filmes orientada a atender à necessidade de entretenimento do público é mais bem feita no caso dos filmes norte-americanos.

Vemos que apenas 3% dos filmes americanos lançados no Brasil em 2012 foram do gênero documentário (gênero claramente com menor apelo de entretenimento); em 2013, esse número foi de 1,3%.  De modo geral, esse gênero de filmes lançados no próprio mercado norte-americano não passa de 10%. Já no caso dos filmes brasileiros, esses números são muito maiores: em torno de 40%.

Em proporção, podemos dizer que o Brasil produz quatro vezes mais documentário do que os americanos, e ainda assim os brasileiros assistem bem menos a esses tipos de filmes.

O financiamento do setor cinematográfico

Entretanto, abordar apenas a intervenção via instituição da cota de tela não completa a explicação das distorções desse mercado. Não poderia deixar de abordar o tema do cinema brasileiro sem mencionar, ainda que brevemente, algumas fontes de financiamento destes filmes. Isso colabora para explicar porque dezenas de filmes brasileiros que são produzidos têm pouco ou quase nenhum apelo.

Um dos mecanismos mais utilizados para financiar filmes no Brasil é a chamada Lei do Audiovisual.  Ela concede incentivos fiscais às pessoas físicas e jurídicas que adquirem os chamados Certificados de Investimento Audiovisual, ou seja, títulos representativos de cotas de participação em obras cinematográficas.

A lei permite que o investimento seja até 100% dedutível do Imposto de Renda (com um limite para pessoas jurídicas) e o desembolso pode ser deduzido como despesa operacional.[1]

Sendo assim, ainda que essa lei forneça uma opção para o pagador de impostos brasileiro — se ele gostaria de fornecer seu dinheiro para alguma obra de cinema ou para o Tesouro Nacional —, o fato é que boa parte do financiamento do cinema brasileiro é feito com dinheiro estatal.  E isso agrava o problema da distorção de se produzir filmes de menor valor artístico ou de entretenimento, visto que ônus de arcar com um fracasso de bilheteria desses filmes já está mitigado.

Contudo, a Lei do Audiovisual ainda não é tudo em termos de financiamento.  A Medida Provisória nº 2288-1, de 2001, estabeleceu um tributo popularmente conhecido como CONDECINE, ou Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional.

E a Lei nº 12.485, de 12 de setembro de 2011, estabeleceu que essa tributação deve ser paga a cada ano pelas empresas que exploram serviços de telecomunicações.  As empresas pagam esse valor por meio de uma taxa que é cobrada em cada aparelho de celular em operação no Brasil, chamada Taxa de Fiscalização de Funcionamento — TFF.

Dos mais de 280 milhões de aparelhos em funcionamento no Brasil, para cada um deles, e anualmente, as operadoras pagam uma TFF no valor de R$ 13,42.  Desse valor, 66% ficam para o Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel), 10% para a Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública (CRPF) e 24% para o CONDECINE.  Além disso, toda estação retransmissora de sinal de celular também paga a TFF.

Façamos as contas.  Utilizemos como base os 280 milhões de celulares existentes no Brasil. Multiplicando esse número por (R$ 13,42 x 0,24), isso dá algo próximo a R$ 900 milhões de reais.

Não é à toa que a arrecadação do CONDECINE em 2012, primeiro ano dessa nova tributação, foi de R$ 725 milhões de reais; em 2013, chegou à casa dos R$ 806 milhões de reais.  Para termos uma noção da quantidade de dinheiro arrecadado, muitas das produções mais caras da história do cinema giram na casa de US$ 210 a US$ 270 milhões.

E esse enorme volume de recursos entrando no setor só pode causar ainda mais distorção no sistema de lucros e prejuízos (ou sistema de perdas versus recompensas).  O risco de produzir uma obra ruim aos olhos dos espectadores fica diluído; os artistas acabam por ficar desconectados de seu público.  Nada mais dramático do que isto.

Conclusão

O cinema brasileiro é formado por uma combinação de cotas de reserva de mercado, restrição de mercado a grandes lançamentos e financiamento governamental.  O governo intervém na oferta (via financiamento estatal) e na demanda (via cotas e restrições de numero de sala).  Isso tudo combina para a construção de obras que não são orientadas pelo mecanismo de ganhos versus perdas, ou de reconhecimento versus críticas.   Consequentemente, o público não é provido de obras cinematográficas às quais ele naturalmente daria mais valor. A indústria cinematográfica perde um importante mecanismo de averiguação da qualidade de suas próprias obras.

Com efeito, a análise factual mostra que a intervenção no setor vem causando a fabricação de dezenas de filmes que tem baixa média de público, em especial filmes de do gênero “documentário”.  Esses são típicos filmes que poderiam ser mais bem distribuídos em outras plataformas, como Netflix, Now, Globosat Play, YouTube, PSN, Xbox Live, Popcorn Time etc.  Sem contar o lançamento direto em DVD/Blu-Ray ou na TV por assinatura.

Para terminar, duas últimas informações também lamentáveis. Primeiro, a cota de tela existe no Brasil desde 1932.  E, até hoje, a indústria cinematográfica brasileira não produz filmes tão populares em comparação à indústria norte-americana; filmes que poderiam geram mais viabilidade econômica para a indústria como um todo — incluindo os filmes de menor apelo comercial.  Em verdade, a intervenção vem fazendo com que algumas produções recebam o estigma de “só entrar em cartaz por causa das cotas”.

Segundo, não contente em impor conteúdo nos cinemas e nos canais de TVs por assinatura, a sanha regulatória da Ancine ainda não terminou.  Aparentemente, o órgão regulador deseja impor cotas de conteúdo no serviço de TV via web do Netflix.

Essa medida regulatória de impor conteúdo na era da Internet regulada encaixa muito bem no roteiro desses tempos.  É a história de um drama em que nossa liberdade faz o papel de donzela em perigo.  Porém, ainda sem nenhum herói para salvá-la no final.

 


[1] Em princípio, devemos nos dizer que contrários a essa lei. O ímpeto liberal evoca a redução drástica do IRPF e IRPJ; mas, por outro lado, entendemos que, já que o mundo real existe, essa lei é uma opção pragmática de pagar menos dinheiro para o Tesouro Nacional. Ao menos o pagador de impostos escolhe se deseja financiar um filme ou até um projeto esportivo (ver Lei de Incentivo ao Esporte).

Pedro Borges Griese
Pedro Borges Griese
Pedro Borges Griese possui mestrado em economia e colabora regularmente com o Instituto Carl Menger, de Brasília.
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