Thursday, November 21, 2024
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O Cavalo de Troia de cristal; ou o Gradualismo Libertário

Dentre os feitos militares e façanhas estratégicas, o Cavalo de Troia é um dos mais memoráveis. Reza a lenda que, após várias tentativas de penetrar as muralhas de Troia, os gregos deixaram um enorme cavalo de madeira diante dos portões como um presente que representava a intenção de reconciliação. Os troianos levaram-no para o interior da cidade e, durante a noite, soldados irromperam de dentro do artefato, matando os guardas desprevenidos e abrindo os portões às hordas da Grécia.

Essa anedota encerra um princípio tático muito simples: é mais fácil destruir o inimigo penetrando furtivamente suas defesas ao invés de quebrá-las num ataque direto.

No contexto libertário, os gradualistas dizem ser os engenheiros do Cavalo de Troia que será usado como uma arma contra a tirania do estado. Meu objetivo, portanto, é analisar essa tática do ponto de vista unicamente estratégico, ou seja, avaliar a eficácia do gradualismo para alcançar os objetivos a que se propõe. Deixemos de lado, por enquanto, as questões morais e jurídicas para pensarmos nas implicações concretas de nossas ações.

O que é, de fato, o gradualismo?

Essa palavra é usada de diversas maneiras por libertários e mesmo por outras vertentes políticas. No que nos interessa, pode ter duas acepções: 1) a crença de que o estado não pode ser reduzido ou abolido de forma abrupta porque isto geraria danos e conflitos sociais; e 2) a ideia de que é efetivo usar meios político-eleitorais como uma arma contra o estado.

A primeira dessas ideias, que chamarei de gradualismo ideológico, não será objeto de debate aqui. Permito-me apenas dizer que é, no mínimo, uma confusão ou uma fraqueza moral, uma vez que ninguém tem o direito de garantia sobre o espólio do patrimônio alheio; se o espólio cessa de repente, o fato de pessoas ficarem desamparadas não é justificativa para que ele não tivesse terminado; se eu mato o ladrão, a família dele não tem qualquer reivindicação contra mim por ter ficado sem seu meio de sustento. O gradualismo ideológico é praticamente irrelevante entre os libertários, pois todos ou quase todos entendem e aceitam esse argumento como verdadeiro, além do que a teoria econômica nos permite supor que as condições gerais de vida melhorariam sensivelmente com o fim do estado.

A segunda forma chamarei gradualismo estratégico. Quando se discute o gradualismo no meio libertário o que está em questão, na imensa maioria das vezes, é a validade estratégica de se atacar o estado usando-se da política e, mais especificamente, elegendo-se “políticos libertários”. Para ser justo, a maioria dos gradualistas admite que o uso da política jamais será capaz de destruir a instituição criminosa do estado; defendem que o gradualismo é apenas mais um dentre muitos meios de diminuir a intervenção estatal na economia ou, no mínimo, de retardar seu avanço.

Gradualistas justificam sua participação política afirmando que seria o único meio efetivo disponível de impedir o avanço da esquerda, de confrontá-los nas urnas para que não tomem conta do aparato burocrático e façam-no crescer a níveis em que haveria miséria e controle a ponto de inviabilizar a própria propagação do libertarianismo.

As ações gradualistas, então, são as seguintes: incentivar as pessoas a se candidatar e votar em candidatos com discurso que aponte na direção da diminuição do estado ou que se digam abertamente libertários; divulgar candidatos ditos libertários; candidatar-se e assumir cargos dizendo-se libertário. Se eleito, o gradualista garante que vai atuar sempre de acordo com a teoria libertária em todos os aspectos.

Um ponto muito importante: o gradualista é aquele que age na política em nome do libertarianismo; ele se apresenta como um libertário e liga os políticos que defende ao libertarianismo de maneira mais ou menos direta; os pedidos de voto que ele faz para si ou para outros são acompanhados da indicação de que o candidato agirá segundo as teorias libertárias. Se alguém, embora acredite nas ideias libertárias, não expõe essa posição em público e entra na política, a situação é irrelevante porque esse sujeito não terá nenhum vínculo público com o libertarianismo e nós sequer saberemos os motivos de sua atuação política; obviamente, não será um gradualista.

Também é pouco relevante o fato de um libertário decidir ou não votar em determinado candidato se ele não defende esse ato e esse político em público. Por outro lado, o ato de não votar é bastante significativo, razão pela qual abordarei esse tema posteriormente neste texto.

Agora que delimitamos os objetivos, as justificações e a estratégia gradualista, vamos avaliar o gradualismo pela ótica da estratégia de Sun Tzu:

“Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas. Se você se conhece mas não conhece o inimigo, para cada vitória ganha sofrerá também uma derrota. Se você não conhece nem o inimigo nem a si mesmo, perderá todas as batalhas.”

Seguindo a lição do general, cabe a nós conhecer quem somos de fato. Os libertários são pessoas que perceberam uma simples verdade: ninguém tem o direito de iniciar a agressão contra outra pessoa e qualquer instituição que se baseie na agressão é uma organização criminosa. Libertários defendem o direito à propriedade privada e levam-no às suas últimas consequências lógicas. Por esse motivo, libertários rejeitam o estado e consideram-no a entidade mais nociva à humanidade.

Os objetivos dos libertários – da maioria deles – são a abolição do estado e de todas as formas de iniciação de força. Do ponto de vista doutrinário, apoiam todas as medidas que signifiquem redução real das ações estatais.

As principais forças do libertarianismo são a integridade moral, a coerência lógica e a simplicidade de suas ideias. Sempre que sofrem algum ataque, os atacantes nunca rebatem diretamente as noções de que “imposto é roubo” ou “o indivíduo é dono do próprio corpo”. As objeções ao libertarianismo são, no mínimo. moralmente duvidosas e abstratas e complexas demais para que alguém entenda sem um enorme esforço intelectual (lembre, por exemplo, do abjeto utilitarismo e da guilhotina de Hume). Assim, é muito fácil convencer alguém da natureza criminosa da tributação e, por isso mesmo, os grandes libertários sempre se dedicaram prioritariamente à divulgação das ideias e à conscientização das pessoas sobre os males do estado, inclusive os efeitos descivilizatórios da intervenção na economia.

“Sempre que queiras atacar a um exército, assediar uma cidade ou atacar a uma pessoa, deves conhecer previamente a identidade dos generais que a defendem, de seus aliados, seus visitantes, seus sentinelas e de seus criados; assim, pois, faz que teus espiões averigúem tudo sobre eles.”

O estado, via de regra, é apontado como inimigo a ser combatido. Trata-se de uma estrutura burocrática formada por órgãos formalmente constituídos, regida por normas legais e controlado por políticos, burocratas e servidores públicos. Associada a essa estrutura burocrática está uma crença geral que permite que seus representantes retirem recursos dos indivíduos sem consentimento e sem que isto seja visto como um crime (o crime seria resistir), que ajam violentamente contra pessoas pacíficas sem serem questionados, impondo regras arbitrárias e exigindo obrigações que seriam consideradas inaceitáveis se viessem de pessoas não cobertas pelo manto estatal.

Rothbard, citando Étienne de la Boétie, refere-se à “servidão voluntária”; Hoppe descreve esse fenômeno como a existência concomitante de duas leis, uma que se aplica à grande maioria das pessoas e outra que permite que uns poucos possam espoliar e controlar livremente a propriedade dos demais sem sofrerem punição alguma.

Essa nota ideológica, certamente, é a maior vantagem estratégica do estado e é o principal elemento que o diferencia de outras máfias e gangues. Cria um fluxo permanente de recursos, uma massa relativamente leal à organização mesmo sem qualquer contraprestação e, notadamente, a imunidade quase absoluta perante qualquer contraataque. Aqui cabe uma observação importante: se o estado é uma estrutura burocrática sem vontade própria, é necessário investigar quem é, de fato, o controlador dessa entidade, quem se beneficia do espólio e das atrocidades que comete.

“Uma vez que não tens forma perceptível, não deixas pegadas que possam ser seguidas, os informadores não encontram nenhuma fresta por onde olhar e os que estão a cargo da planificação não podem estabelecer nenhum plano realizável.”

Os mais apressados diriam que os políticos são os verdadeiros controladores do estado e, portanto, os inimigos últimos dos libertários. Acontece que, como alerta Sun Tzu, o verdadeiro estrategista não se revela, age nas sombras, evita ser publicamente reconhecido. Só por isto já se poderia supor que políticos não são os chefes máximos das organizações criminosas que combatemos; políticos estão sujeitos, em maior ou menor grau, às vontades da massa e à opinião pública, ao menos no contexto das democracias modernas, e seria demasiado frágil um poder que fosse fundado exclusivamente na volúvel opinião pública.

Na verdade, políticos recebem financiamento do dito “establishment” e são, portanto, empregados deste com níveis variados de independência. O establishment é composto de diversos grupos de interesses – às vezes convergentes, às vezes conflitantes – que determinam o curso das ações do estado; tais grupos podem ter diferentes âmbitos de atuação, desde a escala local até a global. Vale transcrever aqui a descrição que Olavo de Carvalho, no livro “Os EUA e a Nova Ordem Mundial”, faz do “Consórcio”, expressão que usa para designar a elite globalista:

“Tão abundante é a bibliografia sobre o Consórcio, que toda tentativa de resumi-la aqui seria vã. Só o que cabe fazer é indicar alguns títulos essenciais, citados aqui e ali ao longo desta exposição, e destacar alguns pontos indispensáveis à compreensão deste debate:

  1. O Consórcio formou-se há mais de cem anos, por iniciativa dos Rothschild, uma família multipolar, com ramificações na Inglaterra, na França e na Alemanha desde o século XVIII pelo menos.
  2. O Consórcio reúne algumas centenas de famílias bilionárias para a consecução de planos globais que assegurem a continuidade e expansão do seu poder sobre todo o orbe terrestre. Esses planos são de longuíssimo prazo, transcendendo o tempo de duração das vidas dos membros individuais da organização e mesmo o da existência histórica de muitos Estados e nações envolvidos no processo.
  3. O Consórcio é uma organização dinástica, cuja continuidade de ação é assegurada pela sucessão de pais a filhos desde há muitas gerações. Veremos adiante (§ 9, “Geopolítica e História”) que esse tipo de continuidade é o fator que distingue entre os verdadeiros sujeitos agentes do processo histórico e as formações aparentes, veneráveis o quanto sejam, que se agitam na superfície das épocas como sombras chinesas projetadas na parede.
  4. O Consórcio atua por meio de uma multiplicidade de organizações subsidiárias espalhadas pelo mundo todo, como por exemplo o Grupo Bilderberg ou o Council on Foreign Relations, mas não tem ele próprio uma identidade jurídica. Isso é uma condição essencial para a sua atuação no mundo, permitindo-lhe comandar inumeráveis processos políticos, econômicos, culturais e militares sem poder jamais ser responsabilizado diretamente pelos resultados (ou pela iniqüidade dos meios), seja ante os tribunais, seja ante o julgamento da opinião pública. Tendo agentes fidelíssimos espalhados em vários governos – e no comando de alguns deles –, é sobre esses governos que recai, no debate público, a responsabilidade pelas decisões e ações do Consórcio, fazendo com que os Estados e nações usados como seus instrumentos se tornem também, automaticamente e sem a menor dificuldade, seus bodes expiatórios. É esta a explicação de que tantas decisões políticas manifestamente contrárias aos interesses e até à sobrevivência das nações envolvidas sejam depois, paradoxalmente, atribuídas a ambições nacionalistas e imperialistas fundadas no “interesse nacional”. Os exemplos históricos são muitos, mas, para ficarmos no presente, basta notar que o presidente Obama, notório servidor do Consórcio, gastou em apenas uma semana 500 milhões de dólares num esforço de guerra destinado a entregar o governo da Líbia a facções políticas declaradamente antiamericanas, podendo ser então acusado de imposição tirânica do poder americano no instante mesmo em que debilita esse poder e o põe a serviço de seus inimigos, tornando-se alvo da fúria “anti-imperialista” destes últimos no ato mesmo de ajudá-los paternalmente a demolir a força e o prestígio dos EUA. Não fez outra coisa o presidente Lyndon Johnson quando enviou os soldados americanos à guerra ao mesmo tempo que lhes amarrava as mãos para que não pudessem vencê-la de maneira alguma, tornando-se assim, ante a mídia de esquerda, o supremo agressor imperialista, quando era na verdade o melhor amigo secreto dos vietcongues. Mesmíssima desgraça produziu o presidente Clinton quando, ao fornecer ajuda à Colômbia para que combatesse o comércio de drogas, impôs como condição para isso que “as organizações políticas” envolvidas no narcotráfico fossem deixadas incólumes: o narcotráfico não diminuiu, apenas seu controle foi transferido das quadrilhas apolíticas para as Farc, que, enriquecidas e livres de concorrentes, puderam então financiar a construção do Foro de São Paulo e a transformação da América Latina quase inteira numa fortaleza do anti-americanismo militante. Duplamente presenteada, a esquerda latino-americana pôde assim beneficiar-se de um fabuloso acréscimo de poder e ao mesmo tempo protestar, com ares de indignação, contra a “intervenção imperialista” à qual deviam o mais generoso dos favores. Os exemplos poderiam multiplicar-se ad infinitum. Esse é o modo de ação característico do Consórcio: usar os governos como instrumentos de planos que prejudicam as suas nações, e depois ainda acusá-los de prepotência nacionalista e imperialista.
  5. O Consórcio é uma entidade caracteristicamente supra-nacional, formada de famílias de nacionalidades diversas, independente e soberana em face de qualquer interesse nacional possível e imaginável. Um breve exame da lista dessas famílias basta para demonstrá-lo com evidência sobrante. Supor que os Onassis, os Dupont, os Agnelli, os Schiff, os Warburg, os Rothschild, o príncipe Bernhard e a rainha Beatrix da Holanda, o rei Juan Carlos da Espanha, o rei Harald V da Noruega sejam todos patriotas americanos, empenhados em exaltar o poder e a glória dos EUA, é uma hipótese tão boba, tão pueril que nem merece discussão. A identificação do poder globalista com o interesse nacional americano – como outrora com o Império Britânico ou variados colonialismos – é apenas a camuflagem de praxe com que essa entidade onipresente confere a si própria as vantagens e confortos de uma relativa invisibilidade, batendo e roubando com mão alheia para não queimar os dedos nas fogueiras que vai ateando pelo mundo (e contando, para isso, com a colaboração servil da mídia internacional, que pertence a membros do próprio Consórcio).”

Caso você tenha alguma resistência a ler o que escreve Olavo, recomendo buscar autores como Daniel Estulin e John Coleman.

Ainda na escala mundial, pode-se distinguir, no mínimo, mais duas organizações com a intenção de estabelecer um domínio global: a Irmandade Muçulmana, que tem por base a ideologia que mescla islamismo e socialismo; e o Partido Comunista, com suas muitas ramificações, às vezes até superficialmente antagônicas entre si.

Esses clubes internacionais se relacionam com outros grupos regionais e locais, os quais também têm projetos de poder. Podemos exemplificar lembrando o Foro de São Paulo, que elegeu presidentes membros seus em quase toda a América Latina. Outros exemplos são as dinastias que se formam localmente a partir do conluio de políticos e empresários, como o que se vê com José Sarney, Renan Calheiros, Aécio Neves, Antônio Carlos Magalhães, todos sutilmente vinculados a pessoas do mundo corporativo que sempre se beneficiaram de suas políticas e, mesmo assim, poucas vezes foram prejudicados quando algum escândalo emergia.

Diferentemente do que possam pensar alguns libertários, essas organizações informais não crescem apenas com a expansão da intervenção estatal na economia. Mesmo uma política consistentemente reducionista do poder estatal pode favorecê-los, e isto se constata facilmente quando se percebe que suas empresas se beneficiarão do crescimento da economia e poderão aproveitar o grande fluxo de recursos até que seus concorrentes comecem a incomodar, quando, mais uma vez, financiarão políticos que irão novamente aumentar a interferência estatal, direcionando-a sobre que ousaram competir. A nova intervenção irá levar muitos à falência e trará oportunidades de compra de capital a preços baixos, o que pode fazer necessário que aqueles mesmos políticos reduzam novamente a intervenção para permitir o crescimento dos novos negócios adquiridos. Enfim, o establishment ganha quando o estado cresce e ganha quando ele diminui.

Esse ciclo transforma recursos privados em públicos e depois os transforma novamente em privados; espolia a propriedade da população, repassa-a ao estado e entrega-a em seguida aos corporativistas por meio de subsídios, crédito, dívida pública, licitações e uma infinidade de outras formas. É uma espécie de lavagem de dinheiro em grande escala e à vista de todos.

Logo, o estado, a estrutura jurídico-burocrática que utiliza agressão e é possibilitada pela servidão voluntária, é apenas um recurso, uma ferramenta manejada habilmente pelo establishment (ou pelos diversos establishments). Se um órgão estatal for eliminado mas o grupo de poder permanecer intacto e a servidão voluntária permanecer incrustada na mente das pessoas, outro órgão surgirá em seu lugar, possivelmente mais invasivo que o anterior, porque o que desapareceu não foi o inimigo, mas um mero instrumento dele que poderá ser substituído enquanto a sociedade o sustentar.

Sendo assim, esse inimigo, imensamente provido de recursos de todos os tipos, só pode ser atingido se forem empregadas estratégias que: 1) ataquem diretamente os agentes de poder e 2) suprimam a servidão voluntária da consciência moral dos indivíduos. Se, por hipótese, os agentes de poder parasitários forem completamente destruídos, mas a mentalidade servil não for afetada, é muito provável que outros sujeitos com a mesma índole parasitária ocupem o seu lugar, daí dizer-se que “não existe vácuo de poder”. Se, em outra situação hipotética, a servidão voluntária for extinta mas os grupos parasitas permanecerem intocados, podemos supor os seguintes cenários: estes agentes terão seu fluxo de recursos cortado, de forma que todas as ações futuras deverão ser sustentadas por reservas previamente constituídas; e o parasitismo só poderá se manter se os agentes subjugarem novos servos pelo uso da força ou se empreenderem medidas que visem a reintroduzir na cultura a servidão voluntária.

A eliminação do estatismo – essa forma massiva de parasitismo – só tenderia a se concretizar se essas duas hipóteses tornassem-se objetivos estratégicos de um grupo coeso e organizado de indivíduos.

Conhecido o inimigo, vamos à guerra!

“Alguns terrenos são fáceis, outros difíceis, alguns neutros, outros estreitos, acidentados ou abertos. (…) Se não conheces o lugar e a data da batalha, mesmo que tuas tropas sejam mais numerosas que as deles, como podes saber se vais ganhar ou perder?”

Você deve estar pensando: “mas o gradualismo não tem a ver com guerra, o gradualismo é o uso de meios pacíficos, da política”.

É preciso compreender que, para Aristóteles, a política é a busca do bem comum dos habitantes da pólis. A política aristotélica, assim, passou a ser entendida como um ramo da filosofia e sempre se associa à moral.

Ocorre que Maquiavel, por outro lado, tratou a política como a análise dos meios de aquisição e manutenção do poder sobre os habitantes de um determinado território, desligando-a do aspecto moral aristotélico.

Não é possível dizer se, no plano das ações práticas, as limitações morais preconizadas por Aristóteles tiveram algum efeito sobre a conduta dos agentes políticos do período, mas não seria inadequado afirmar que, depois das lições de Maquiavel, a agressividade das ações políticas sobre os indivíduos cresceu e continua em crescimento, sacrificando a vida, a liberdade e a propriedade em favor de inúmeras formas de coletivismo.

Com o advento da democracia liberal de sufrágio universal, a política se tornou, como descreveu Lysander Spooner, a guerra de todos contra todos. Hans-Hermann Hoppe constatou que, nessa guerra, admite-se como moralmente válido expor publicamente sua vontade de tomar para si a propriedade dos outros. É, como toda situação de conflito bélico, um sistema de alta preferência temporal, destruição de capital (inclusive humano, degenerando valores) e descivilização; é espólio, agressão e sujeição da pessoa à massa e, mais precisamente, aos controladores da massa.

Nesse sentido, fica muito claro o sentido do que disse outro general e grande estrategista clássico, Carl von Clausewitz: “A guerra é a continuação da política por outros meios”. Guerra e política são faces da mesma moeda, são fundamentalmente de mesma natureza, e pressupõem poder e violência.

Portanto, a escolha do uso da ação militar ou da política democrática não passa de uma opção estratégica por um ou outro terreno em que acontecerá a batalha.

Se os gradualistas escolheram o terreno da política para combaterem o inimigo, deveriam ter em mente esse conselho:

“Em terreno acidentado, se és o primeiro a chegar, deves ocupar seus pontos altos e ensolarados e esperar o adversário. Se este já os ocupou antes, retira-te e não o persigas.”

Quando se pensa na política e na estrutura burocrática do estado, normalmente imagina-se que as posições de vantagem estratégica, os “pontos altos e ensolarados” são os cargos federais eletivos (presidente, deputados e senadores). O fato é que essas posições já estão totalmente ocupadas pelo establishment, isto é notório. Um bom estrategista evitaria desperdiçar esforços, tempo e recursos nessa batalha.

Mas essa análise do campo é só parcialmente verdadeira. Poucos consideram como posições de vantagem, inclusive mais poderosas que as anteriores, os cargos do STF e dos demais tribunais. Esses cargos não são alcançados por vias político-democráticas; os ministros de tribunais superiores e os desembargadores dos tribunais estaduais só conseguem chegar a essas posições se tiverem forte apoio dos grupos dominantes, apenas uma parcela minúscula consegue entrar como juiz em um concurso público e subir a um cargo mais elevado sem se valer de influência e, mesmo assim, esses poucos jamais conseguem obter um número relevante.

Além disso, a imensa maioria das análises de estratégia política desconsidera totalmente o chamado “deep state”. Trata-se daqueles cargos na burocracia estatal que são praticamente invisíveis aos olhos do público e que não são acessíveis por eleições, além de serem permanentes ou de longa duração, ou seja, relativamente imunes às mudanças políticas. Mesmo assim, esses cargos costumam deter uma grande parcela de poder e podem até mesmo ser usados para trabalhar contra um eventual presidente que não esteja alinhado. Imagine, por exemplo, que os gradualistas conseguiram subir a rampa do Planalto, o que eles fariam em relação ao Comitê de Política Monetária do Banco Central (que define as taxas de juros), ou aos delegados da Polícia Federal e à ABIN, ou aos Auditores da Receita Federal, ou às diversas diretorias e secretarias que já estarão repletas de servidores públicos com estabilidade? O deep state é um fator determinante para o curso da política, como ocorre atualmente com o confronto entre Donald Trump e o FBI.

Bem, não parece que a política é um campo de batalha minimamente favorável aos libertários, mesmo assim, os gradualistas continuam tentando.

“Toda operação militar tem o logro como base. Por isso quando capazes de atacar, devemos parecer incapazes; ao utilizar nossas forças devemos parecer inativos, quando estivermos perto, devemos fazer o inimigo acreditar que estamos longe; quando longe, devemos fazê-lo acreditar que estamos perto.”

Logro, segundo o dicionário: ato praticado de má-fé que objetiva lesar ou ludibriar outrem, ou de não cumprir determinado dever; fraude, burla, embuste.

Retomando o início deste texto você deve se lembrar que o gradualista é aquele que defende a atuação política ou atua em nome do libertarianismo. Essa não parece ser, estrategicamente, uma boa ideia. Gradualistas entram num terreno em que o inimigo ocupou os pontos de vantagem há muito tempo, atacam uma sombra e, pior, expõem aos quatro ventos quais são seus objetivos.

Assumindo que gradualistas acreditam nas ideias libertárias, eles deveriam saber que o estado é uma gangue. Imagine por um instante: você é escolhido para se infiltrar na máfia italiana e trabalhar de dentro para desmantelar as operações, mas você tem a brilhante ideia de dizer a todos “eu estou aqui para acabar com os crimes de vocês, ou, pelo menos, atrapalhar o máximo que puder”. Parece um pouco ingênuo, não é? É como se os gregos, ao conceberem a estratégia do Cavalo de Troia, decidissem construí-lo todo em cristal, um belo trabalho artístico, mas completamente frágil e imprestável.

Normalmente, esses exímios estrategistas seriam cruelmente torturados e mortos assim que expusessem seus objetivos, mas a máfia estatal é mais sofisticada. Ela necessita do que os teóricos do estado conceituam como legitimidade e nós conceituamos como servidão voluntária. O estado, para alcançar seus objetivos, precisa que as pessoas acreditem que ele é uma instituição que tem base na sociedade, que é aceita pela maioria das pessoas e, mesmo que alguns não gostem do que ele faz, age em nome do povo. Qual a melhor forma de parecer uma instituição legítima? Dar a impressão de ser um verdadeiro mediador, ou seja, o estado, através da democracia, cria a falsa impressão de que todos estão representados e fazem parte da tomada de decisões. Não consigo imaginar um meio mais convincente de gerar essa percepção que acomodar no sistema até mesmo aqueles que dizem querer reduzir ou atrapalhar o próprio sistema. Mas não se engane, caso os gradualistas que se aventuram na política tivessem alguma possibilidade real de danificar a máquina de espólio montada pelo establishment, já estariam no fundo de algum rio ou enterrados como indigentes.

A partir dessa exposição, até as pessoas mais simples percebem uma clara contradição: “como você pode querer acabar com o estado e fazer parte dele ao mesmo tempo?”, “se o estado é uma organização criminosa e você está nele, então você é um criminoso também?”, “você diz que o estado é ilegítimo mas me pede para te colocar lá dentro?”. Como essa contradição é muito evidente e fácil de ser percebida, será a primeira impressão que as pessoas terão ao entrarem em contato com ideias libertárias sendo propagadas através da política e, ainda que os gradualistas tenham uma série de argumentos para dizer que essa contradição é apenas aparente, devem admitir que, ao menos, terão que trabalhar para desfazer na mente dos indivíduos essa primeira impressão e que somente atingirão aqueles que forem intelectualmente mais dispostos a se aprofundarem numa ideia; o restante – a maioria, eu diria – vai descartar o libertarianismo de imediato por não parecer algo coerente. É por isso que se diz que os gradualistas prejudicam os objetivos libertários ao legitimarem o estado defendendo a participação política.

Sei que neste momento os gradualistas estão dizendo: “nós não legitimamos o estado! Nós não concordamos com ele, nós queremos destruí-lo e deixamos isto muito claro em nossos discursos! Usar o estado como uma arma contra o próprio estado é apenas mais um meio de reduzí-lo, e fazer isto é muito melhor que não fazer nada e deixar a esquerda dominar tudo!”

O que você não entendeu, meu caro gradualista, é que o seu discurso tem pouca ou nenhuma influência sobre as pessoas. O que você faz ao incentivar as pessoas a votarem e participarem da política é compelí-las a se comportarem como servos voluntários submetendo-se à autoridade do estado. Vejamos os efeitos psicológicos disto:

“Dissonância cognitiva ou o espiritualismo dialético

A teoria da dissonância cognitiva, elaborada em 1957 por Festinger, permite perceber o quanto nossos atos podem influenciar nossas atitudes, crenças, valores ou opiniões. Se é evidente que nossos atos, em medida mais ou menos vasta, são determinados por nossas opiniões, bem menos claro nos parece que o inverso seja verdadeiro, ou seja, que nossos atos possam modificar nossas opiniões. A importância dessa constatação leva-nos a destacá-la, para que, a partir dela, tornem-se visíveis as razões profundas da reforma do sistema educacional mundial.

(…)

Uma dissonância cognitiva é uma contradição entre dois elementos do psiquismo de um indivíduo, sejam eles: valor, sentimento, opinião, recordação de um ato, conhecimento etc. Não é nada difícil provocar dissonâncias cognitivas. As técnicas de “pé na porta” e “porta na cara” têm a capacidade de extorquir a alguém atos em contradição com seus valores e sentimentos. O exercício do poder ou da autoridade (de um professor, por exemplo) permite que se alcance facilmente o mesmo resultado.

(…)

A experiência prova que um indivíduo numa situação de dissonância cognitiva apresentará forte tendência a reorganizar seu psiquismo, a fim de reduzi-la. Em particular, se um indivíduo é levado a cometer publicamente (na sala de aula, por exemplo) ou frequentemente (ao longo do curso) um ato em contradição com seus valores, sua tendência será a de modificar tais valores, para diminuir a tensão que lhe oprime. Em outros termos, se um indivíduo foi aliciado a um certo tipo de comportamento, é muito provável que ele venha a racionalizá-lo.

(…)

Dispõe-se, assim, de uma técnica extremamente poderosa e de fácil aplicação, que permite que se modifiquem os valores, as opiniões e os comportamentos e capacita a produzir uma interiorização dos valores que se pretende inculcar. Tais técnicas requerem a participação ativa do sujeito, que deve realizar atos aliciadores os quais, por sua vez, os levarão a outros, contrários às suas convicções.”

O trecho acima foi retirado do primeiro capítulo do livro Maquiavel Pedagogo, de Pascal Bernardin, onde o autor expõe as técnicas descobertas pela psicologia social e usadas nos sistemas educacionais para moldar e modificar as crenças e valores das pessoas. Como você pode perceber, a manipulação ocorre fora do nível da mente racional e não tem nada a ver com convencimento, argumentação ou retórica. Tudo acontece no nível do comportamento e da ação prática, os quais o indivíduo é induzido a praticar e depois busca uma forma de racionalizar, de justificar a si mesmo o motivo de ter agido de maneira contrária àquilo que acreditava ser certo. Penso que não é difícil perceber como isso é perigoso e, evidentemente, já é largamente utilizado pelo establishment (como você perceberá se avançar na leitura do livro).

Algumas experiências largamente documentadas mostram a eficácia desse processo, sobre as quais farei alguns comentários breves e trarei para o nosso contexto.

Bernardin cita as descobertas de Asch e Sherif sobre a tendência ao conformismo e ao surgimento de normas de grupo. Nesses experimentos, as pessoas em um grupo eram solicitadas a responder perguntas extremamente simples (como dizerem se linhas traçadas em um papel tinham o mesmo comprimento ou se eram de tamanhos diferentes), sendo que, a maioria dos membros do grupo era de pesquisadores que estavam instruídos a dar respostas claramente erradas propositalmente. O resultado foi que até três quartos das pessoas pesquisadas deu respostas erradas para se conformar ao grupo, com medo de parecer diferente e sofrer uma pressão social ou por não terem confiança em si mesmas.

A respeito das chamadas técnicas do “pé na porta” e da “porta na cara”, descreve o autor:

“Portanto, o princípio do pé-na-porta é o seguinte: começa-se por pedir ao sujeito que faça algo mínimo (ato aliciador), mas que esteja relacionado ao objetivo real da manipulação, que se trata de algo bem mais importante (ato custoso). Assim, o sujeito sente-se engajado, ou seja, psicologica mente preso por seu ato mínimo, anterior ao ato custoso.

(…)

Técnica complementar à precedente, a “porta na cara” consiste em apresentar, de início, um pedido exorbitante, que naturalmente será recusado, depois do que se formula um segundo pedido, então aceitável. Em uma experiência clássica, Citaldini et al. solicitaram a alguns estudantes que acompanhassem, por duas horas, um grupo de jovens delinquentes em uma visita ao zoológico. Formulada diretamente, essa solicitação obteve somente 16,7% de aceitação. Entretanto, colocando-a após um pedido exorbitante, a taxa elevou-se a 50%.

Naturalmente, um “pé na porta” ou uma “porta na cara” podem ser úteis para se extorquir um ato custoso, o qual, por sua vez, consistirá em um ato aliciador, no caso de um próximo pé na porta. Com tal expediente, é possível obter comprometimentos cada vez mais significativos. Essa técnica de “bola de neve” é efetivamente aplicada.”

Outro experimento que ficou famoso (inclusive sendo tema de um filme) é o realizado por Stanley Milgram, descrito no livro Obediência à Autoridade. Num resumo breve, o pesquisador convidava pessoas a participarem de uma pesquisa a respeito de métodos de aprendizagem. Nesta pesquisa, o voluntário faria o papel de professor e sua função era fazer perguntas a um aluno (que fazia parte da equipe do experimento) e, caso ele errasse, aplicar-lhe choques elétricos cuja voltagem iria crescendo a cada erro. O “professor”, no início da experiência, ouvia o “aluno” dizer que tinha um leve problema cardíaco e, para se convencer da veracidade da situação, recebia um choque leve. O procedimento começava com uma ordem do pesquisador e o “professor” era orientado a ir aumentando a voltagem, até um ponto em que o “aluno” pedia para parar e gritava de dor na outra sala. Se o “professor” questionasse o pesquisador ou sinalizasse que iria parar o teste, o pesquisador insistia para que ele continuasse, variando de um pedido brando a uma ordem autoritária.

Esse experimento, realizado com mais de 300 mil pessoas e em inúmeros países, mostrou que aproximadamente 70% das pessoas prossegue com o teste até o final, aplicando uma corrente elétrica que seria fatal ao “aluno”. Questionadas sobre os motivos de terem feito isso, elas se justificam dizendo que a responsabilidade era do pesquisador e não delas, que elas estavam apenas cumprindo suas funções ou que o aluno não estava sendo disciplinado o suficiente.

A essa altura você já deve ter percebido o que tudo isso tem a ver com o gradualismo. Sempre que um gradualista pede que sua família, seus amigos ou seus seguidores votem, apoiem um partido ou um candidato, ele está pedindo que pessoas que confiem nele comportem-se de maneira obediente em relação ao estado, que sigam as regras estatais, que façam parte da democracia; ele usa da autoridade e da confiança que tem com essas pessoas para submetê-las à outra autoridade e inserí-las no grupo dos servos do estado.

Se essa pessoa não é um libertário, a possibilidade de convencê-la de que o estado é criminoso diminuirá drasticamente, porque você já a convenceu a se engajar e ela vai racionalizar e tentar justificar qualquer argumento que você faça, por mais lógico e coerente que seja. Você já deve ter se deparado com pessoas que são muito inteligentes e compreensivas, mas parecem perder toda essa capacidade quando você diz a elas um simples “imposto é roubo”; elas simplesmente começam a disparar proposições desconexas e até contraditórias, tão incoerentes que até crianças perceberiam. Isso não é um debate racional, isso é uma reação emocional: você mexeu com uma crença extremamente arraigada e reforçada por uma vida inteira de comportamentos de colaboração ou de conivência com o estado e não será fácil admitir que se esteve errado a vida toda. Eu mesmo tive uma enorme relutância em aceitar as simples proposições do libertarianismo e, ainda que eu soubesse que não tinha mais qualquer argumento plausível, relutava; havia uma forte tensão na minha mente que demorou a ceder.

Esse efeito foi chamado por George Orwell, no livro 1984, de criminterrupção: “Criminterrupção significa a capacidade de estacar, como por instinto, no limiar de todo pensamento perigoso. O conceito inclui a capacidade de não entender analogias, de deixar de perceber erros lógicos, de compreender mal os argumentos mais simples, caso sejam antagônicos ao Socing, e de sentir-se entediado ou incomodado por toda sequência de raciocínio capaz de enveredar por um rumo herético. Em suma, criminterrupção significa burrice protetora”. Parece familiar?

Se, porém, a pessoa que você está tentando convencer a participar da política já é um libertário, fique ciente que está expondo-a a uma forte dissonância cognitiva. Certamente você também já presenciou libertários em dissonância cognitiva tentando resolver suas tensões psicológicas: essas pessoas se comprometeram em diferentes níveis com o Livres ou com o Partido Novo (normalmente citados pelos gradualistas como as melhores alternativas), ou ainda apoiaram publicamente certo candidato, e, quando são confrontadas com o progressismo esquerdista do Livres, o fato de o Partido Novo ser um partido criado e composto por membros da cúpula dos bancos do establishment e ter ligações com Marina Silva e os globalistas da ONU (inclusive no caso agenda 2030), ou com a defesa por seus candidatos da democracia, de assistencialismo (Bolsa Família e vouchers) e de outros pontos que tornam difícil diferenciá-los da esquerda, sempre têm uma justificativa ou uma forma de mudar de assunto. Imagine o quanto se engajaram psicologicamente aquelas pessoas que participaram de campanhas, que pediram votos ou que fizeram apresentações públicas; essas pessoas provavelmente vão defender seu partido e seus candidatos contra todas as evidências e fatos.

Mesmo o mero voto, um ato pequeno e anônimo, é um primeiro “pé na porta” e torna o indivíduo mais sucetível a colaborar de formas mais intensas no futuro. Ele irá tender a defender o candidato em quem votou, justificando os erros com algo como “fez o que era possível” e os atos claramente contrários ao libertarianismo como “manobras estratégicas”, as ligações com esquerdistas e membros do establishment serão “alianças políticas circunstanciais”.

Entretanto, vejamos o que acontece numa situação diferente, quando alguém dá o exemplo de desobediência. Referindo-se às experiências que testaram o conformismo de grupo, Bernardin observa:

“Convém notar que, se um dos colaboradores dá a resposta correta, o indivíduo avaliado então se sente liberto da pressão psicológica do grupo e dá, igualmente, a resposta correta, resultado que ilustra bem o papel dos grupos minoritários.”

Com relação à experiência de obediência à autoridade de Milgram:

“Quando a experiência envolve dois professores, um dos quais, atuando em colaboração com o pesquisador, abandona precocemente a experiência, em 90% dos casos o outro professor segue-lhe o exemplo.”

O seu voto, do ponto de vista estratégico, é irrelevante; à vista das outras pessoas é apenas a confirmação de sua submissão, o que acaba por desencorajá-las a desobedecer, afinal, “até o libertário está indo votar”. Já o ato de não votar quebra a cadeia da servidão e serve de exemplo e incentivo às pessoas que o rodeiam, que confiam em você por alguma razão, e coloca-o na posição de alguém que é moralmente íntegro, de alguém que inspira coerência entre discurso e ação.

Indo mais além, uma aplicação dessa teoria a favor do libertarianismo ocorre nos eventos de “Cerveja sem Imposto”. As pessoas que participam desses eventos têm a percepção de que estão efetivamente sonegando e irão buscar justificativas para esse comportamento, momento em que convencê-las de que não estão cometendo nenhum crime, que na verdade estão defendendo legitimamente seu patrimônio contra uma gangue de ladrões, será consideravelmente mais fácil.

Aí está o fundamento da psicologia social para que libertários rejeitem firme e ostensivamente a política, uma vez que participar dela é um comportamento que gera dissonâncias cognitivas, e defendam abertamente a desobediência civil, incentivando as pessoas a não votarem, a ridicularizarem os políticos e a não reconhecerem e até desafiarem a autoridade do estado. O gradualismo, a ação política com roupagem libertária, portanto, induz comportamentos que reforçam a servidão voluntária e prejudica o libertarianismo ou, como se costuma dizer, legitima o estado na mente das pessoas.

Poderíamos encerrar com essa conclusão, mas vamos continuar a análise.

Como vimos, o gradualista ignora a advertência do general Sun Tzu de que a guerra se baseia no logro e decide ir à batalha expondo seus objetivos e estratégias ao inimigo, no caso, expondo suas ideias e se comprometendo com elas por meio de propostas de campanha. Ocorre que, numa eleição, essas propostas serão apresentadas à opinião pública, o que faz surgir alguns dilemas.

Hoppe demonstra que: “Políticos são escolhidos em decorrência de sua comprovada eficiência em serem demagogos moralmente desinibidos. Assim, a democracia virtualmente garante que somente os maus e perigosos cheguem ao topo do governo.”

O primeiro dilema é que, se as pessoas já acreditassem nas ideias do libertarianismo, não seria necessário recorrer à política para reduzir o estado, mas, como elas não são libertárias, aqueles que ingressam na política dizendo-se libertários terão que convencê-las de que suas ideias são as corretas, ou seja, ainda que um trabalho político fosse viável em tese, ele deveria necessariamente ser precedido de um trabalho cultural.

Para tentar solucionar esse paradoxo, ao se apresentar à opinião pública, o candidato gradualista terá duas opções: ou ele confia que poderá convencer as pessoas com argumentos racionais durante o pleito eleitoral e fala sem rodeios os motivos de estar ali, que pretende acabar com todos os serviços públicos, que pretende eliminar o estado e que defende que cada um viva exclusivamente do próprio trabalho; ou ele pode (se ainda tiver a intenção de se apresentar como libertário) tentar camuflar as duras conclusões do libertarianismo com discursos mais palatáveis e mais alinhados ao eleitor médio. No primeiro caso, esse candidato hipotético estaria sendo bastante ingênuo, ao menos é o que diz Bryan Caplan em seu livro O Mito do Eleitor Racional: ele argumenta que as crenças dos eleitores estão quase sempre erradas e que eles não se interessam em se aprofundar em assuntos de política, tendendo a apoiar guerras e intervenções no mercado. Você não acredita que vai ensinar ética e economia às pessoas durante uma eleição, acredita? Além de tudo, ainda será atacado como alguém que vai “retirar direitos” dos pobres, dos trabalhadores e das minorias.

Porém, como a democracia seleciona os maiores demagogos moralmente desinibidos, aqueles que são capazes de mentir, confundir e enganar mais convincentemente, os políticos gradualistas tentarão disfarçar seu libertarianismo com mesclas, fusões e abrandamentos. Essa é a proposta do dito “humanismo libertário”.

Uma das formas pelas quais tentam fazer isso é aproximar o libertarianismo do liberalismo quando, na verdade, são inconciliáveis e antagônicos. Não é raro o uso de expressões como “liberal-libertário” ou “mais próximo do libertarianismo”. Segundo Jesús Huerta de Soto e Hoppe, os liberais dizem defender os direitos naturais mas admitem em suas teorias a existência da entidade mais parasitária e violadora de todos esses direitos, eles incorporam uma contradição e estão cientes dela, mas preferem a imoralidade. Além disso, os liberais são ferrenhos defensores da democracia, apesar desse sistema ter se mostrado totalmente inapto para trazer qualquer limitação ao poder estatal e, pelo contrário, ter elevado a preferência temporal das pessoas e desorientado seu senso moral fazendo-as lutar pelo direito de usurpar a propriedade umas das outras. Liberais são contrários à desobediência civil e à sonegação, são partidários da gestão estatal eficiente e colocam a economia acima da ética. Alguém que não conhece as duas vertentes até poderia fazer confusão entre os termos, mas os gradualistas em geral conhecem muito bem as distinções e mesmo assim insistem em tratá-los como similares.

A outra maneira recorrente de tornar o libertarianismo mais politicamente vendável aos olhos do eleitor é relacioná-lo com o progressismo pós-moderno. Você deve conhecer pessoas que se dizem libertárias e, em nome disso, defendem os direitos dos gays, o empoderamento feminista, o racialismo e todas essas pautas identitárias das ditas minorias oprimidas que, não é difícil perceber, somente reforçam o discurso de aumento da intervenção estatal e corroem cultural e moralmente os valores que deram origem ao próprio libertarianismo, sem os quais seria impossível a manutenção de uma sociedade de leis privadas. Relembrando, mais uma vez, Hans-Hermann Hoppe, a defesa dessas pautas é completamente incompatível com uma sociedade de direito privado e essas pessoas teriam que ser removidas fisicamente pelos proprietários a fim de garantir a manutenção da ordem libertária.

A confusão gerada por essa máscara liberal-progressista que se tenta colocar nos libertários mina a maior vantagem estratégica do libertarianismo: a consistência lógica e a clareza de suas ideias. Associando aos conceitos libertários contradições e ideias vagas que não fazem parte deles, esses “marketeiros” acabam por enfraquecer a mensagem libertária e manchar a imagem dos que acreditam nela. Não é difícil encontrar quem associe o libertarianismo à esquerda e à libertinagem, e esse é um dos motivos. E pouco importa se o gradualista faz isto de boa ou má fé; quando ele se apresenta em público e se atribuiu um rótulo, as pessoas irão vincular naturalmente o que ele faz às demais pessoas que possuem o mesmo rótulo. Você pode dizer “mas eu não quero um rótulo, eu sou um indivíduo”, porém isso não fará qualquer efeito prático, porque é uma tendência humana a categorização e a busca de padrões.

Além do mais, ao invés de colocar em xeque a credibilidade do estado, o gradualista pede a você que confie no sistema eleitoral. Ele pode até gritar aos quatro ventos que nada que o estado faça funciona, mas, quando te pede para votar, está pedindo para que você confie no sistema democrático pelo menos dessa vez. E então, o estado é de fato sempre injusto e ineficiente ou ele consegue organizar uma eleição limpa e funcional?

Os gradualistas perdem uma grande oportunidade de incentivar a desobediência civil quando não se posicionam (ou se posicionam de maneira contraditória) relativamente a todas as falhas da urna eletrônica, aos inúmeros casos de compra de votos e ao fato de que políticos não têm qualquer obrigação de representar as pessoas ou de cumprir suas promessas. Em vez disso, pedem que você vote, faça campanha, auxilie os partidos e se candidate. Eles sabem que você conhece o que disse Hoppe, mas pedem que você se oriente de acordo com meros discursos proferidos por demagogos moralmente desinibidos adornados com palavras como “liberdade”, “livre mercado”, “privatização”, “empreendedorismo”, “desregulamentação” etc. Caso você atenda a esses pedidos, esteja ao menos preparado para lidar com a tensão da dissonância cognitiva e para criar justificativas aos erros do seu “representante”.

E se o político gradualista ganhar uma eleição, isso significa que o sistema eleitoral funciona? E se ele conseguir cumprir uma promessa de campanha, então isso significa que, se nós votarmos corretamente e escolhermos os políticos certos, a democracia pode dar certo? Você precisa admitir que essas são, pelo menos, perguntas razoáveis que podem surgir na mente das pessoas e que desfazer essas contradições reforçadas por comportamentos será muito mais trabalhoso que simplesmente convencer alguém de que “imposto é roubo”.

Vamos prosseguir. Suponhamos que, depois de muito esforço material, engajamento e mobilização dos libertários o político gradualista finalmente foi eleito.

Mais uma vez, ele terá dois caminhos: ou se age estritamente de acordo com as ideias libertárias, ou age de acordo com a conveniência política. Se ele optar pela segunda opção, ainda que eventualmente atue segundo os preceitos libertários, não será diferente dos demais políticos. O problema é que sua conduta volátil será, novamente, associada ao libertarianismo, assim como as alianças e as negociações de bastidores que fizer e, outra vez, os libertários serão associados a outras vertentes que não têm qualquer relação com o que defendem.

Por outro lado, se ele tenta manter-se alinhado ao libertarianismo em sua conduta, terá problemas para aprovar qualquer medida que pretender. Somente alguém que desconhece completamente os princípios básicos da estratégia poderia considerar que é bom que seus adversários saibam de antemão o que você pretende fazer. Repito o ensinamento de Sun Tzu: a base da guerra é o logro.

Da perspectiva das técnicas de negociação, o político que pautar sua conduta pelo libertarianismo – se é que isto é possível – estará sempre em desvantagem. Um conceito básico é o de ancoragem: um bom negociador é capaz de definir uma proposta inicial o mais custosa possível à outra parte sem que isso faça que ela abandone a negociação. Todavia, isso pressupõe que as partes não conheçam o objetivo ou os limites umas das outras. No caso da política democrática, você não pode simplesmente “abandonar a negociação”, porque eles irão impor aquela lei de uma forma ou de outra. No caso dos gradualistas o agravante é que o objetivo já é conhecido por todos. Resultado: o libertário acabará tendendo a ceder aos estatistas se quiser ter algum apoio.

Tomemos o exemplo de uma tentativa de abolir o Banco Central (embora eu jamais tenha visto um político indicado pelos gradualistas tocar minimamente nesse assunto), você acredita que ele terá sucesso nessa empreitada? Eu digo: claro que não! O Banco Central é uma das principais estruturas que alimenta o establishment de recursos para continuar com seu projeto de poder. Abolir o Banco Central seria um golpe certeiro que reduziria drasticamente o poder desses grupos e, por isso mesmo, eles usariam todos os seus recursos e métodos (principalmente os “não republicanos”, não se engane) para impedir isso. Só uma fortíssima pressão externa ao sistema (mesmo pelo uso de força) seria capaz de surtir algum efeito nessa direção, mas, para que haja essa pressão externa, a população já teria que estar convencida do aspecto criminoso do Banco Central, o que nos faz retornar ao paradoxo da política versus cultura.

O gradualista sabe disso e não irá tentar atacar diretamente o establishment dessa maneira; ele colocará seu foco no que chamará de redução do estado e aumento da liberdade econômica. Mesmo que esses objetivos econômicos sejam bons do ponto de vista da melhora da qualidade de vida das pessoas, eles não representam ataques às estruturas fundamentais que sustentam o estado e podem ser até mesmo um meio de fortalecer o establishment, simplesmente porque ele não atua apenas por meio da burocracia. Além disso, atacar a estrutura burocrática ao invés de atacar os agentes reais por trás dela acaba por direcionar o foco dos observadores do conflito ao estado, como se ele fosse um ente provido de vontade própria, o que contribui para a estratégia do establishment de se esconder por trás dele.

Vamos acrescentar a isso o fator apontado pela Escola da Escolha Pública. Assim como é bastante difícil acreditar que libertários entram na política tão somente para buscar o ideal de acabar com o estado, os teóricos da “public choice” constataram que políticos agem não pelo interesse público mas pelo interesse particular. Nessas circunstâncias a legislação torna-se uma mercadoria, que será comprada por pequenos grupos organizados em prejuízo da maioria dispersa. Não me parece que os gradualistas tenham um plano estratégico para lidar com esse problema a não ser tentar convencer os políticos de que eles devem abandonar seus lucros e passarem a agir de acordo com a economia e a ética.

E se o próprio gradualista viesse a ceder a essas regalias? Certamente a probabilidade de que isto aconteça aumenta à medida em que ele passa a se relacionar com pessoas de níveis mais elevados na hierarquia ou torna-se mais próximo de corporativistas. Esse relacionamento é problemático de diversas maneiras, mas a primeira e mais óbvia delas é o simples fato dele estar mais próximo do inimigo expressando abertamente seus objetivos.

Outro problema é a corrupção. Qualquer ato ilegal em que for flagrado o gradualista irá se vincular ao libertarianismo, queira ele ou não. Para entender isso apenas pense se você confiaria em alguém que se diga petista e defenda Lula publicamente. Naturalmente, esse efeito irá variar de acordo com a escala da violação, mas será inevitável.

Nesse ponto vale um parêntese. O que seria considerado corrupção para os gradualistas? Se o político gradualista desviasse dinheiro e devolvesse diretamente às pessoas, provavelmente seria enquadrado em diversos crimes e acusado por compra de votos, mas como isto seria classificado do ponto de vista libertário? E se ele deixasse de cobrar os impostos, parasse de pagar a dívida pública ou criasse dificuldades para que os fiscais cumprissem regulações? O fato é que ações eticamente corretas são tratadas como crimes enquanto violações éticas são deveres legais, e o autodeclarado libertário estará rodeado dessas contradições sempre que tentar agir através do estado.

Na prática veremos o libertarianismo ser relativizado sempre que o gradualista eleito for confrontado com um comando da lei estatal. Parar de cobrar impostos se transformará em atuar junto ao Parlamento para negociar democraticamente uma redução da arrecadação; cessar o pagamento da dívida pública se transformará em gestão financeira eficiente; acabar com os sistemas de previdência e assistencialismo se transformará, no máximo, em pleitear uma diminuição gradual ou uma regra de transição para um modelo economicamente viável. Demitir servidores e cortar salários e gastos? Infelizmente, inconstitucional. Promover secessão e fechar o Banco Central? Inconstitucional.

Ironicamente, por mais que os gradualistas estratégicos tentem se desvencilhar do gradualismo ideológico, as diferenças não vão além do discurso pois são indistintos no campo das ações concretas.

Seria de se esperar que os gradualistas – que se julgam estrategistas preocupados com a realidade – estivessem dispostos, pelo menos, a usar o estado que buscam controlar para atacar diretamente o establishment.

Eles seriam capazes de desapropriar bens e empresas ligadas a notórios parasitas como Lula, Calheiros ou Sarney? Eles proibiriam os partidos e a propaganda socialista? Eles fechariam as fronteiras e o comércio com governos totalitários para que eles não enriqueçam e usem esses recursos para atacar o próprio mercado? Usariam a Receita Federal e as agências reguladoras para perseguir os financiadores da esquerda? Isto sim seria uma verdadeira estratégia de usar as armas do inimigo contra ele e reduziria sensivelmente o poder dos grupos que promovem o estatismo e o parasitismo, mas não espere essa atitude dos gradualistas. Pelo contrário, eles irão atacar implacavelmente quem quer que faça tais propostas porque são antiéticas e antieconômicas.

Vamos pensar no peculiar caso das privatizações. Essa medida é defendida invariavelmente e sem restrições por candidatos que se dizem libertários ou por aqueles que os gradualistas nos indicam como “na direção do libertarianismo”. O motivo dessa defesa é óbvio: a teoria econômica é muito clara sobre a ineficiência da gestão estatal de empreendimentos, o que causará aumento dos gastos e distorções no mercado e, consequentemente, mais riquezas seriam produzidas caso o estado abandonasse toda e qualquer atividade no mercado.

Que a privatização é economicamente muito positiva não é mérito algum para qualquer libertário saber, mas é raro vê-la sendo observada do ponto de vista ético e, mais raro ainda, da perspectiva estratégica. Eticamente, não se pode vender aquilo que é de outra pessoa, o que nos leva à conclusão de que somente uma privatização que distribuisse todas as ações aos pagadores de impostos seria justa, mas o que se vê é a defesa da venda das estatais a grupos corporativistas e do uso dos frutos dessa venda para pagar a dívida pública, o que está diametralmente oposto aos princípios libertários. Estrategicamente, as privatizações apoiadas pelos estrategistas do gradualisto irão quase sempre servir para que o establishment (que costuma ser o único agente detentor de recursos suficientes para adquirir empresas desse porte) adquira capital a preços baixos e possa renovar suas fontes de renda para continuar financiando a propaganda estatista e esquerdista que mantém a servidão voluntária na mente dos indivíduos.

Sendo assim, pergunto: onde está, então, a visão estratégica dos gradualistas se eles relativizam o libertarianismo quando seguí-lo traria bons resultados práticos e são ardentemente dogmáticos quando relativizá-lo seria eficaz contra o adversário?

Feita nesses termos, a participação de libertários na política não parece ser capaz de enfraquecer o estatismo, seja porque envolve o elevado custo de reforçar a servidão voluntária e criar dissonâncias cognitivas na mente das pessoas, seja porque é incapaz de causar qualquer dano significativamente aos grupos detentores do poder estatal. O gradualismo, por conseguinte, coloca o libertarianismo numa posição de extrema vulnerabilidade moral e expõe suas ideias a fortes contradições, sem que isto traga qualquer mínima vantagem na luta contra o estatismo.

“Assim, pois, quando sua vanguarda está preparada, sua retaguarda é defeituosa, e quando sua retaguarda está preparada, sua vanguarda apresenta pontos débeis. As preparações de sua ala direita significarão carência em sua ala esquerda. As preparações por todas partes significará ser vulnerável por todas partes.”

Por fim, os gradualistas deparam-se com um fato inexorável: a escassez. Eles direcionam seus esforços à política e incitam que seus familiares, amigos e seguidores façam o mesmo. Obviamente, drenam a energia de outras ações libertárias como o estudo e a divulgação das ideias, o agorismo, o empreendedorismo, as associações voluntárias e a caridade.

A isto eles responderão que uma atuação não impede a outra, que cada pessoa pode se dedicar àquilo em que for melhor e que não pretendem fazer um planejamento central da luta pela liberdade. A primeira objeção já foi largamente abordada ao longo deste texto e fica claro que a vinculação do libertarianismo à política democrática é antagônica ao trabalho de divulgação e convencimento das pessoas, além de não proporcionar nenhuma vantagem estratégica significante à prática do agorismo.

Quanto à segunda objeção, se o gradualista acredita que não possui nenhum talento que não seja convencer pessoas a participarem da democracia, ele poderia direcionar esse talento a convencer os socialistas, progressistas e esquerdistas em geral a não votarem. O custo de tempo e recursos seria o mesmo, o efeito de impedir que a esquerda mais agressiva chegue ao poder seria equivalente e, principalmente, não colocaria o libertarianismo em meio a contradições e relativismo. Atualmente não é difícil convencer um esquerdista a boicotar o processo eleitoral, bastando lembrar que eles acreditam terem sofrido um “golpe”, inclusive algumas vertentes da esquerda já trabalham nesse sentido. Como bônus, se você induz um esquerdista a desobedecer o estado, pelas mesmas razões de psicologia social, a probabilidade de convencê-lo no futuro de que se trata de uma organização criminosa é maior do que se você simplesmente expor essa proposição num argumento racional.

A última objeção, contudo, parece ser a mais pueril. Creio que o problema do cálculo econômico, conforme delimitado pelos austríacos, não se refira à possibilidade de pessoas organizarem-se voluntariamente e avaliarem as opções estratégicas para alcançar certo objetivo, ou seja, dizer que seria “planejamento central” propor que libertários usem ou não determinado método contra o estatismo não vai além de uma figura de linguagem com ares de cientificismo.

Além do mais, ao assim objetarem, gradualistas demonstram que não querem fazer planejamento algum. Embora não se possa negar que, mesmo com todas as condições adversas já mencionadas, a atuação política possa acarretar benefícios pontuais, na ausência de um plano estratégico concreto e bem definido contra o estado, esses benefícios eventuais serão “pontos fora da curva” ou concessões feitas pelo próprio establishment para reforçar a crença na representatividade do sistema e não serão mantidos a longo prazo.

Concluo, então, que o gradualismo não pode sequer ser considerado uma estratégia e só tende a prejudicar os objetivos que diz perseguir. O máximo que gradualistas poderão obter é alguns privilégios pessoais junto às esferas do poder estatal – e é possível que alguns já tenham se dado conta disto -, visibilidade entre os interessados por política e, talvez, a falsa sensação de estarem fazendo algo concreto.

Não podemos negar que, num contexto puramente estratégico, a estrutura burocrática e jurídica do estado é um recurso, mas de nada servirá essa percepção se os gradualistas não estão dispostos a se valer dele para atacar o adversário. Normalmente, o gradualismo é acompanhado de um desconhecimento de quem são os verdadeiros agentes que determinam o curso das ações estatais, fazendo com que os ataques atinjam meras sombras.

Quando dizem que os libertários que negam a ação política não fazem nada a não ser críticas nas redes sociais, esquecem-se que, muito provavelmente, não seriam libertários hoje se não tivessem conhecido tais ideias através do trabalho dos irmãos Chiocca, fundadores do Instituto Mises Brasil (atual Instituto Rothbard). A divulgação do libertarianismo é o que nos permitiu chegar ao ponto de sermos um dos países com maior número de libertários.

Seria muito bom ver essas pessoas doando aos “think tanks” libertários o mesmo valor que pagam aos partidos, esforçando-se para divulgar iniciativas agoristas com a mesma intensidade que divulgam seus candidatos, usando sua criatividade para atrair mais pessoas ao libertarianismo ao invés de conduzí-las ao estatismo.

Os gradualistas sentem-se como soldados gregos participando de uma das estratégias mais memoráveis da história, mas não percebem que o cavalo é feito de cristal. Eles estão totalmente expostos e expõem também os companheiros de batalha.

Termino estas linhas com um último conselho do general Sun Tzu:

“Sê extremamente sutil, discreto, até o ponto de não ter forma. Sê completamente misterioso e confidencial, até o ponto de ser silencioso. Desta maneira poderás dirigir o destino de teus adversários.”

Alberto Guerra
Alberto Guerra
é advogado especializado em direito público. Tornou-se libertário após conhecer por experiência os males do estatismo. Entusiasta da economia austríaca, dedica-se ao estudo do direito natural e do funcionamento dos sistemas jurídicos policêntricos.
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6 COMENTÁRIOS

  1. Não existe libertário de política, mas sim, liberais. Então, quando o liberal consegue desviar o curso do rio, reduzindo/evitando um novo imposto, votando contra aumento de salário de políticos, eles não são tão bom quanto um libertário? A curto prazo, temos esse alívio, (um imposto que não vai ser cobrado). Mas, a longo prazo, as pessoas/eleitores aindam passam a acreditar/legitimar o estado votando, para um libertário, isso não faz sentido. Um liberal e um libertário são inimigos? Claro que não. Mas, o primeiro é o que muda o curso do rio/estado, e o segundo é o que acaba com o estado.

  2. Só lembrando que foi através da educação que o estatismo e o esquerdismo se consolidaram na cabeça das pessoas. Portanto o trabalho intelectual de divulgação do Libertarianismo é mais importante do que pode parecer. E apesar de não aprovarmos a justiça estatal é imprescindível termos conosco advogados e pessoas com conhecimento dessas leis. Parabéns pelo belo trabalho.

  3. Só não concordo com a afirmação de que os corporativistas – que obviamente também fazem parte da estrutura de dominação – sejam os controladores do estado. Creio que a consecução dos planos de cada um desses grupos demande um trabalho colaborativo, mas o stablishment não detém o poder político e militar que os estados possuem. George Soros não tem tanques de guerra ou arsenal nuclear e nem os Bilderberg possuem isso. Creio que o próprio estado não permitiria perder sua hegemonia para grupos de metacapitalistas lunáticos como esses caras. Pode-se dizer que esses grupos corporativistas e o estado dependam um do outro para que a ordem social vigente continue em funcionamento, mas não há qualquer prova concreta desse tipo de ação controladora por parte dos corporativistas. Texto magnífico! Excelente exposição.

  4. Eu sou ancap e para mim liberal nunca vai deixar de bloquear um aumento de impostos. Ancaps realmente nunca iriam participar do estado. O aumento de impostos é até benefico ao movimento. As pessoas apanham muito mais do estado e percebem a verdade. “Ele só serve para roubar meu dinheiro e aumentar seus privilégios”.

  5. Incrível o texto! Estava buscando um lugar com os argumentos contra o gradualismo arrumados e encadeados, e o seu caiu como uma luva.

    Concordo que a divulgação destemida de ideias e a desobediência civil são as armas mais poderosas contra o estado, e afirmo que devemos nos aproveitar da relativa liberdade de expressão e da inigualável burrice e ineficiência do estado banânico para praticar extensivamente os dois.
    Devemos o crescimento exponencial do libertarianismo por aqui à mega ineficiência do estado. Ela é nossa aliada, lutar contra ela – querendo reduzí-la, tornando o estado “eficiente” – é lutar contra o crescimento da ação libertária e prejudicar o trabalho de tantos outros libertários empenhados em diculgar ideias e lutar pela coerência destas..

    Mises já dizia que apenas ideias podem iluminar a escuridão – mas a escuridão é a essência da política, não há como dissociá-las. Foquemos nossos eforços em iluminar a escuridão da servidão voluntária – esta sim é passível de exterminação.

  6. Certo então é impossível o gradualismo. Mas é possível a “revolução libertariana”? Eu acho ela mil vezes mais impossível então chegamos a conclusão que o Estado deve ser soberano para sempre já que nem gradualismo nem qualquer outra forma de superação é viável. Se eu estiver errado me diga.

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