|
|
O século XX testemunhou o surgimento, o desenvolvimento e o colapso do mais trágico experimento da história humana: o socialismo. Esse experimento resultou em monstruosas perdas humanas, na destruição de economias potencialmente ricas e em colossais desastres ecológicos. Tal experimento (teoricamente) acabou, mas a devastação continuará afetando a vida e a saúde das inúmeras gerações vindouras.
Mas a verdadeira tragédia desse experimento é que Ludwig von Mises e seus seguidores — dentre as melhores mentes econômicas deste século — já haviam desmascarado e explicitado toda a realidade do socialismo ainda em 1920. Entretanto, o alerta deles foi completamente ignorado.
No presente ensaio, “O Cálculo Econômico sob o Socialismo”, Mises examina as alegações mais fundamentais do marxismo. Ao fazer isso, Mises expõe o socialismo como sendo um esquema que, além de utópico, é ilógico, antieconômico e impraticável em sua essência. Ele é “impossível” e destinado ao fracasso porque é desprovido da fundamentação lógica da economia; o socialismo não fornece meio algum para se fazer qualquer cálculo econômico objetivo — o que, por conseguinte, impede que os recursos sejam alocados em suas aplicações mais produtivas. Em 1920, entretanto, o entusiasmo pelo socialismo era tão forte, principalmente entre os intelectuais ocidentais, que esta pequena e perspicaz obra-prima de Mises não apenas não foi compreendida, como também foi deliberadamente distorcida pelos seus críticos.
Porém, a efetiva implementação do socialismo mostrou a total validade da análise de Mises. O socialismo tentou substituir bilhões de decisões individuais feitas por consumidores soberanos no mercado por um “planejamento econômico racional” feito por uma comissão de iluminados investida do poder de determinar tudo o que seria produzido e consumido, e quando, como e por quem se daria a produção e o consumo. Isso gerou escassez generalizada, fome e frustração em massa. Quando o governo soviético decidiu determinar 22 milhões de preços, 460.000 salários e mais de 90 milhões de funções para os 110 milhões de funcionários do governo, o caos e a escassez foram o inevitável resultado. O estado socialista destruiu a ética inerente ao trabalho, privou as pessoas da oportunidade e da iniciativa de empreender, e difundiu amplamente uma mentalidade assistencialista.
O socialismo produziu monstros como Stalin e Mao Tsé-tung, e cometeu crimes até então sem precedentes contra a humanidade, em todos os estados comunistas. A destruição da Rússia e do Camboja, bem como a humilhação sofrida pela população da China e do Leste Europeu, não foram causadas por “distorções do socialismo”, como os defensores dessa doutrina gostam de argumentar; elas são, isto sim, a consequência inevitável da destruição do mercado, que começou com a tentativa de se substituir as decisões econômicas de indivíduos livres pela “sabedoria dos planejadores”.
A verdadeira natureza da economia centralmente planejada foi bem ilustrada por uma tirada espirituosa feita há alguns anos pelo economista soviético Nikolai Fedorenko. Ele disse que, com a ajuda dos melhores computadores, um plano econômico totalmente detalhado, ponderado e examinado, o qual deveria ser implantado já no ano seguinte, só poderia ficar pronto em 30.000 anos. Existem milhões de tipos de produtos e centenas de milhares de empresas; são necessárias bilhões de decisões relativas a insumos e produtos, e os planos devem abranger todas as variáveis relativas à força de trabalho, à oferta de materiais, aos salários, aos custos de produção, aos preços, aos “lucros planejados”, aos investimentos, aos meios de transporte, ao armazenamento e à distribuição. E mais: essas decisões se originam de diferentes partes da hierarquia planejadora. Mas essas partes são, em regra, inconsistentes e contraditórias entre si, uma vez que cada uma reflete os interesses conflitantes de diferentes estratos da burocracia. E como o plano precisa ficar pronto até o início do ano seguinte, e não em 29.999 anos, ele será inevitavelmente irracional e assimétrico. E Mises provou que, sem propriedade privada dos meios de produção, mesmo 30.000 anos de cálculos computacionais não conseguiriam fazer o socialismo funcionar.
Assim que destruíram a instituição da propriedade privada, os defensores do socialismo se viram em um entrave teórico e prático. Consequentemente, eles recorreram à criação de esquemas artificiais. Na economia soviética, o lucro é planejado como função do custo. Os planejadores centrais fornecem “variáveis de controle” às empresas, que as utilizam para determinar os “lucros planejados” em termos da porcentagem dos custos. Assim, quanto mais você gastar, maiores serão seus lucros. Sob uma monopolização de 100%, esse simples arranjo arruinou completamente as economias da União Soviética, da Europa Oriental e de outros estados “socialistas” em um grau comparável apenas às invasões bárbaras a Roma.
Hoje, as consequências desastrosas da imposição dessa utopia na desventurada população dos estados comunistas já estão claras até para seus líderes. Como Mises previu em sua introdução, a despeito da “quimera de suas fantasias”, os pombos assados acabaram não voando diretamente para dentro das bocas dos camaradas, ao contrário do que Charles Fourier havia dito que ocorreria. E até mesmo de acordo com as estatísticas oficiais da URSS, 234 dos 277 bens de consumo básico incluídos pelo Comitê Estatal de Estatísticas na “cesta básica” da população soviética estão “em falta” no sistema de distribuição do estado.
Todavia, os defensores ocidentais do socialismo ainda seguem repetindo a mesma ladainha sobre a necessidade de se restringir os direitos de propriedade e substituir o mercado pela “sabedoria” do planejamento central.
Em 1920, o mundo negligenciou e rejeitou o alerta misesiano de que “o socialismo é a abolição da racionalidade econômica”. Não podemos nos dar ao luxo de repetir esse erro novamente. Temos de estar sempre alerta a todos os esquemas que porventura possam nos levar a uma nova rodada de experimentos estatais sobre as pessoas e sobre a economia.
“A propriedade privada dos fatores materiais de produção”, enfatizou Mises, “não representa uma restrição na liberdade de todas as outras pessoas poderem escolher o que melhor lhes convém. Representa, ao contrário, o mecanismo que atribui ao homem comum, na condição de consumidor, a supremacia em todos os campos econômicos. É o meio pelo qual se estimula os indivíduos mais empreendedores de um país a empenhar a melhor de suas habilidades a serviço de todas as pessoas”.
Que jamais voltemos a ignorar as constatações deste grande pensador, pelo bem da liberdade e das gerações futuras.
Yuri N. Maltsev
Membro Sênior do International Center for Development Policy e do The Ludwig von Mises Institute; foi Pesquisador Sênior do Instituto de Economia da Academia de Ciências da URSS (1987-89).
Abril de 1990
A refutação seminal da economia socialista, escrita por Ludwig von Mises há 70 anos e aqui republicada, é uma perfeita descrição do “socialismo real” de hoje — ou melhor, de ontem. A tese de Mises é que em uma economia socialista é impossível haver um cálculo econômico racional; quaisquer tentativas de se alocar eficientemente os recursos na ausência de propriedade privada dos meios de produção irão necessariamente falhar. A desastrosa experiência do Bloco Oriental com o socialismo mostrou ao mundo que Mises estava correto desde o início.
Nesse artigo, Mises fala sobre o socialismo em sua forma completa, onde o estado é o único proprietário de todos os meios de produção. Embora escrito há muito tempo, sua descrição é um reflexo perfeito da realidade econômica da União Soviética desde o final dos anos 1920, e da Europa Central e Oriental desde o final dos anos 1940 até praticamente hoje.
Na economia socialista que Mises descreveu, indivíduos com gostos diferentes demandam e trocam livremente bens de consumo. O dinheiro pode existir, mas somente dentro da limitada esfera do mercado para bens de consumo. Na esfera da produção, entretanto, não há propriedade privada dos meios de produção. Eles — os meios de produção — não são comercializados e, como consequência, é impossível estabelecer preços que reflitam as condições reais. E se não há preços, não há um método para se encontrar a combinação mais efetiva dos fatores de produção.
Esse ensaio pioneiro de Mises levou a um famoso debate sobre o cálculo econômico no socialismo. O economista polonês Oskar Lange contestou a posição de Mises e tentou mostrar que um socialismo pode funcionar através de um método de “tentativa e erro”.[1] No modelo de Lange, a economia tem um livre mercado apenas para bens de consumo. A esfera da produção é organizada em empresas e filiais, e há um Comitê de Planejamento Central. Exige-se que os chefes das empresas estabeleçam planos de produção exatamente da mesma maneira que empreendedores privados fariam — uma maneira que minimize os custos e faça com que o custo marginal seja igual ao preço. O Comitê de Planejamento Central determina a taxa de investimento, o volume e a estrutura dos bens públicos, e os preços de todos os insumos. A taxa de investimento é estabelecida igualando-se a demanda à oferta de bens de capital. O Comitê aumenta os preços quando a demanda não é satisfeita e os diminui quando a oferta é muito grande.
Presumindo-se por um momento que isto funcionaria, surge a pergunta inevitável: por que esse método seria melhor do que o mercado verdadeiro? Para Lange, havia duas vantagens. Primeiro, a renda poderia ser mais igualmente distribuída. Uma vez que não há renda de capital, as pessoas seriam pagas de acordo com seu trabalho. (Algumas pessoas receberiam uma renda adicional, que seria um tipo de “aluguel” por suas habilidades específicas). Segundo, o socialismo permitiria um melhor planejamento para investimentos de longo prazo. O investimento não seria guiado por flutuações de curto prazo nas opiniões sobre as oportunidades futuras e, por isso, haveria menos desperdício e mais racionalidade. Similarmente ao que pensava John Maynard Keynes e, mais tarde, Paul Samuelson, Lange também pensava que, embora o livre mercado de fato pudesse fornecer sinais adequados quanto às decisões de produção no curto prazo, ele não poderia fornecer sinais de longo prazo em relação ao investimento.
Lange utilizava terminologia neoclássica ao invés de marxista. Embora fosse um socialista por convicção, ele era fascinado pelo lado intelectual da economia marginalista e pela possibilidade de mostrar através desse aparato que Mises estava errado. Lange pensava que, teoricamente, a possibilidade do cálculo econômico sem um genuíno mercado havia sido mostrada pelo economista italiano Enrico Barone em 1908.[2] Barone referiu-se a um sistema de equilíbrio geral dizendo que, se o sistema de equações pudesse ser resolvido, os equilíbrios parciais entre produtores e consumidores poderiam ser estabelecidos ex ante. Entretanto, o argumento de Barone era que tal possibilidade era praticamente impossível; portanto, assim como Mises, ele defendia a idéia de que o socialismo não poderia funcionar de modo eficiente. A intenção de Lange era mostrar que tanto Mises quanto Barone estavam errados (mas Mises em um grau maior) e que, na teoria e na prática, o cálculo era de fato possível.
Lange pensava ter finalmente resolvido os problemas do cálculo socialista demonstrados por Mises em seu ensaio “O Cálculo Econômico sob o Socialismo”. E, sobre isso, Lange escreveu em seu artigo “Sobre a Teoria Econômica do Socialismo”:
Os socialistas certamente têm boas razões para se mostrarem gratos ao Professor Mises, o grande advocatus diabol da causa deles. Pois foi seu poderoso desafio que obrigou os socialistas a reconhecerem a importância de se ter um adequado sistema de contabilidade econômica para guiar a alocação de recursos em uma economia socialista. Mais ainda: foi principalmente por causa do desafio apresentado pelo Professor Mises que muitos socialistas se tornaram cientes da existência de tal problema… [O] mérito de ter feito com que os socialistas abordassem sistematicamente esse problema pertence totalmente ao Professor Mises.
E então Lange sugeriu o seguinte:
Tanto como uma forma de expressar reconhecimento pelo grande serviço prestado por ele, quanto como uma forma de se lembrar da primordial importância de se ter um sólido método de contabilidade econômica, uma estátua do Professor Mises deveria ocupar um lugar de honra no grande hall do Ministério da Socialização ou no do Comitê de Planejamento Central do estado socialista.
As idéias teóricas de Lange, bem como sua convicção quanto a aplicabilidade prática de um “mercado simulado” dentro da economia socialista, foram, por sua vez, questionadas por Friedrich A. Hayek.[3] Hayek percebeu que Lange havia cometido vários erros. Na versão langeana do socialismo, seria necessário haver um exército de controladores para verificar os cálculos feitos pelos dirigentes das empresas. Porém, o que exatamente iria motivar os dirigentes das empresas e das filiais? O que os impediria de trapacear? Ademais, os resultados desses cálculos teriam de ser comparados com cálculos contrafatuais que deveriam ser realizados posteriormente a fim de se determinar se os chefes das empresas haviam de fato escolhido a melhor combinação possível de fatores de produção. Tudo isso iria exigir um imenso estado burocrático.
O lado prático do socialismo seguiu seu próprio rumo. A economia comunista como a conhecemos foi construída na União Soviética no final dos anos 1920 e início dos anos 1930, e foi então transplantada para a Europa Central e Oriental após a Segunda Guerra Mundial. Durante algum tempo, as coisas pareciam estar indo bem, pelo menos do ponto de vista das burocracias governantes, que não hesitaram em utilizar medidas totalitárias e terrorismo em massa.
Não havia lugar para a propriedade privada e nem para o mercado. O único método de coordenação da atividade econômica se dava por meio de ordens governamentais e alocações burocráticas. O resultado foi uma crise prolongada, marcada pela estagnação e até mesmo decréscimo da produção, inflação, desastres ecológicos (por causa da utilização desregrada de todos os tipos de recursos — energia, água, florestas etc.), queda no padrão de vida, frustrações públicas e patologias sociais em larga escala. Essa crise, conjuntamente com algumas ocorrências políticas, como a ascensão de uma oposição organizada, trouxe as mudanças revolucionárias que testemunhamos em 1989.
Nos países do Leste Europeu, e na Polônia em particular, há hoje um forte desejo de se restabelecer a propriedade privada e o livre mercado.
Quando isso tiver se consumado, talvez a sugestão de Lange deva ser considerada: uma estátua de Mises deveria ser erguida na Polônia — em homenagem ao seu derradeiro triunfo intelectual. Pois é a sua visão de uma sociedade livre que vai fornecer uma firme base intelectual para o surgimento de uma Polônia livre e próspera.
Jacek Kochanowicz
Professor de Economia
Universidade de Varsóvia, Polônia
Abril de 1990
Introdução de Ludwig von Mises
Existem muitos socialistas que jamais estudaram, de uma forma ou de outra, os problemas da ciência econômica, e que jamais fizeram qualquer tentativa de formar claramente algum conceito sobre as condições que determinam a natureza da sociedade humana. E existem outros que examinaram profundamente a história econômica do passado e do presente, e se esforçaram — baseando-se em seus achados — para construir uma teoria sobre a economia da sociedade “burguesa”. Eles criticaram livremente a estrutura econômica da sociedade “livre”, mas consistentemente se omitiram de aplicar à economia do controverso estado socialista o mesmo discernimento cáustico que já exibiram em outras análises, nem sempre com sucesso.
A economia, em sua forma real, figura de maneira muito esparsa no cenário glamouroso pintado pelos utopistas. Na quimera de suas fantasias, eles invariavelmente discorrem sobre como pombos assados irão de alguma forma voar diretamente para dentro das bocas dos camaradas, mas se furtam de mostrar como esse milagre virá a ocorrer. Quando eles começam de fato a ser mais explícitos no âmbito econômico, rapidamente se descobrem completamente perdidos — basta lembrarmo-nos, por exemplo, dos devaneios fantásticos de Proudhon, que queria criar um banco para empréstimos sem juros —, de modo que não é difícil apontar suas falácias lógicas.
Quando o marxismo proíbe solenemente que seus partidários se preocupem com problemas econômicos que vão além da expropriação, ele não está adotando nenhum princípio novo, uma vez que todos os utopistas, em todos os seus devaneios, também negligenciam quaisquer considerações econômicas mais profundas, concentrando-se exclusivamente em pintar cenários lúgubres para as atuais condições, e cenários fulgurantes para a era de ouro que virá como consequência natural dessa Nova Revelação.
Quer se considere a chegada do socialismo como sendo um resultado inevitável da evolução humana, ou que a socialização dos meios de produção é a maior das bênçãos ou o pior dos desastres que pode acometer a humanidade, ao menos se deve consentir que uma investigação acerca das condições de uma sociedade organizada sobre os princípios socialistas é algo que vai um pouco além de ser apenas “um bom exercício mental, e um meio de se promover a clareza política e a consistência do pensamento”.[4] Em uma época em que estamos nos aproximando cada vez mais do socialismo, e que até mesmo estamos, em um certo sentido, dominados por ele, uma investigação detalhada acerca dos problemas inerentes ao estado socialista adquire uma significância suplementar para a explicação do que está acontecendo ao nosso redor.
As análises anteriormente feitas para a economia de trocas voluntárias não mais são suficientes para um entendimento adequado dos fenômenos sociais ocorrendo na Alemanha e em seus países vizinhos ao leste. Nossa tarefa nesse contexto é compreender, de modo amplo, os elementos da sociedade socialista. As tentativas de se obter clareza nesse assunto não precisam de justificativas adicionais.
1. A distribuição de bens de consumo no socialismo
No socialismo, todos os meios de produção são propriedade da comunidade. É somente a comunidade que pode manuseá-los, bem como determinar como se dará seu uso em uma determinada produção. Desnecessário dizer que a comunidade só estará apta a empregar esses poderes através da criação de um corpo especial para esta finalidade. A estrutura deste corpo e a maneira como ele irá articular e representar o desejo da comunidade é, para nós, de importância secundária. Pode-se pressupor que esta última irá depender da escolha do corpo de funcionários ou — nos casos em que o poder não estiver assentado em uma ditadura — do voto majoritário dos membros da corporação.
No capitalismo, o dono dos bens de produção, que é quem manufaturou os bens de consumo e por isso se tornou o proprietário deles, tem a opção de ele próprio consumir esses bens de consumo ou deixar que terceiros o façam. Mas no caso em que a comunidade se tornou a proprietária absoluta dos bens de consumo — os quais ela adquiriu durante a produção —, tal opção não mais existirá. E eis que surge o cerne do problema da distribuição socialista: quem irá consumir e o que deverá ser consumido por cada um.
É característico do socialismo que a distribuição de bens de consumo deve ser independente da produção e de suas condições econômicas. Mas ocorre que a propriedade comunal dos bens de produção é incompatível com o fato de que sua distribuição irá depender de uma atribuição econômica: o rendimento de determinados fatores de produção. Assim, é uma contradição lógica falar que no socialismo os trabalhadores irão desfrutar de “todo o rendimento” de seu trabalho, quando, na verdade, está-se distribuindo distintamente os fatores materiais da produção. Pois, como iremos mostrar, a própria natureza da produção socialista impossibilita que a participação de cada fator de produção no conjunto de toda a produção nacional seja determinada, além de ser impossível medir a relação entre despesa e renda.
Qual critério será escolhido para a distribuição dos bens de consumo entre os camaradas é, para nós, uma consideração de importância relativamente secundária. Se eles serão distribuídos de acordo com as necessidades individuais — de modo que receberá mais aquele mais necessitado —, ou se o homem superior irá receber mais que o inferior, ou se uma distribuição estritamente igualitária deve ser contemplada como o ideal, tudo isso é irrelevante se considerarmos o fato de que, em qualquer caso, as porções serão administradas pelo estado.
Assim, vamos partir de uma proposição simples: a distribuição será determinada de acordo com o princípio de que o estado trata todos os seus membros de forma absolutamente igual. Para tal, não é difícil conceber um número de peculiaridades tais como idade, sexo, saúde, ocupação etc., de acordo com as quais cada indivíduo será classificado. Desta forma, cada camarada irá receber um punhado de cupons que podem ser redimíveis, durante um determinado período de tempo, em uma quantidade definida de bens específicos. Assim, ele poderá comer várias vezes ao dia, encontrar alojamento permanente, desfrutar de diversões ocasionais e, de tempos em tempos, adquirir uma nova vestimenta. Se a provisão de tais necessidades será ampla ou não, isso irá depender da produtividade do trabalho.
Ademais, não é preciso que cada homem consuma a quantidade total de sua cota. Ele pode deixar que parte dela pereça sem ser consumida; ele pode doá-la como presente; ele pode até — caso a natureza dos bens permita — estocá-la para uso futuro. Ele também pode, por outro lado, trocar alguns de seus bens com os de outros camaradas. Um beberrão, por exemplo, irá alegremente abrir mão das bebidas não alcoólicas dadas a ele caso possa trocá-las por mais cerveja, ao passo que o abstêmio irá prontamente abrir mão de sua cota de bebidas caso consiga trocá-las por outros bens. O amante das artes estará disposto a ceder suas entradas de cinema caso possa trocá-las pela oportunidade de ouvir boa música, ao passo que o filisteu certamente estará pronto para trocar suas entradas para exposições artísticas por divertimentos que sejam mais fáceis de entender. Todas essas pessoas irão aceitar de bom grado qualquer troca. Mas o material dessas trocas será sempre um só: bens de consumo. Bens de produção, em uma comunidade socialista, são exclusivamente comunais; eles são propriedade inalienável da comunidade — logo, eles são res extra commercium (coisas fora do comércio).
Portanto, o princípio básico da troca poderá operar livremente em um estado socialista, dentro dos limites permitidos. E a troca nem sempre precisará se desenvolver na sua forma direta. As mesmas bases que sempre sustentaram as trocas indiretas continuarão existindo em um estado socialista, trazendo vantagens para aqueles que incorrerem nelas. Donde se segue que o estado socialista também irá permitir o uso de um meio de troca universal — isto é, o dinheiro. Sua função será fundamentalmente a mesma tanto na sociedade socialista quanto na competitiva; em ambas, ele serve como meio universal de troca.
No entanto, a significância do dinheiro em uma sociedade em que os meios de produção são controlados pelo estado será diferente daquela em que os meios de produção são propriedade privada. Com efeito, a significância será incomparavelmente menor, uma vez que o material disponível para troca será mais limitado, já que as trocas estarão confinadas apenas aos bens de consumo. Ademais, exatamente pelo fato de os bens de produção jamais se tornarem objeto de troca, será impossível determinar seu valor monetário. Sob esse aspecto, o dinheiro jamais poderá determinar, em um estado socialista, o valor dos bens de produção da mesma forma que ele o faz em uma sociedade competitiva. No socialismo, portanto, o cálculo em termos monetários será impossível.
A relação resultante desse sistema de trocas entre os camaradas não poderá ser desconsiderada pelos responsáveis pela administração e distribuição dos produtos. Eles terão de se basear nessas relações quando forem distribuir bens per capita de acordo com seus valores de troca. Se, por exemplo, 1 charuto passar a valer o mesmo que 5 cigarros, será impossível para a administração fixar arbitrariamente o valor de 1 charuto como sendo igual a 3 cigarros e então utilizar essa igualdade como base para uma distribuição equânime de charutos e cigarros. Se os cupons de tabaco não puderem ser redimidos uniformemente para cada indivíduo — ou seja, uma parte em charutos e a outra parte em cigarros —, e se alguns receberem apenas charutos e outros receberem apenas cigarros, seja porque essa é a vontade deles ou porque a repartição pública que gerencia as trocas nada pode fazer no momento, as condições do mercado de troca teriam então de ser monitoradas. Caso contrário, as pessoas adquirindo cigarros estariam em desvantagem, pois o indivíduo que obtivesse um charuto poderia trocá-lo por cinco cigarros, embora este estivesse artificialmente precificado em apenas três cigarros.
Logo, variações nas relações de troca entre os camaradas terão de acarretar variações correspondentes nas estimativas da burocracia quanto ao valor representativo dos diferentes bens de consumo. Sempre que houver uma variação é porque surgiu uma disparidade entre as necessidades e as satisfações dos camaradas, o que significa que uma mercadoria está sendo mais fortemente desejada do que outra.
A administração terá de se esforçar para levar esse ponto em consideração também no que diz respeito à produção. Os bens que estiverem em maior demanda terão de ser produzidos em maiores quantidades, ao passo que aqueles menos demandados terão de ter sua produção reduzida. Tal controle pode até ser possível, mas uma coisa terá de ser especificamente controlada: o indivíduo comum não poderá pesquisar por conta própria quanto vale seu cupom de tabaco tanto em charutos quanto em cigarros. Pois, se ao camarada for dado o direito de escolher o que quer, então nada impedirá que a demanda por charutos e cigarros exceda a oferta, ou vice versa, isto é, que os charutos e os cigarros se acumulem nas repartições distribuidoras porque ninguém os quer. Em ambos os casos a oferta seria descasada da demanda.
Se for adotada a perspectiva da teoria do valor-trabalho, então o problema admitirá uma solução simples. O camarada será classificado de acordo com cada hora de trabalho, o que lhe habilitará a receber o produto equivalente às horas trabalhadas, menos a quantia deduzida para se atender os gastos obrigatórios da comunidade, como o sustento do incapaz, a educação etc.
Considerando-se — para fins de exemplo — que a quantia deduzida para se cobrir os gastos comunais seja o equivalente à metade do produto do trabalho, então cada hora trabalhada renderá efetivamente ao trabalhador uma quantia do produto equivalente a apenas meia hora de trabalho. Consequentemente, qualquer um que esteja em condições de oferecer o dobro das horas de trabalho poderá então adquirir esse produto por completo, tirando-o do mercado e utilizando-o para consumo próprio. Para deixar nosso problema mais claro, seria melhor se assumíssemos que o estado impõe efetivamente um imposto sobre a renda dos trabalhadores. Desta forma, cada hora gasta a mais de trabalho daria a esse trabalhador o direito de obter para si uma quantia maior do bem produzido.
Entretanto, essa maneira de regular a distribuição seria obviamente impraticável, uma vez que o trabalho não é uma quantidade uniforme e homogênea. Há necessariamente uma diferença qualitativa entre os vários tipos de trabalho, o que leva a uma valoração distinta de acordo com a diferença nas condições de demanda e oferta de seus produtos. Por exemplo, a oferta de obras-de-arte não pode ser aumentada, ceteris paribus, sem que haja uma queda na qualidade do produto. Da mesma forma, não se pode permitir que o trabalhador que ofertou uma hora do mais simples tipo de trabalho tenha o direito de receber o produto originado de uma hora de trabalho bem mais qualificado. Assim, torna-se completamente impossível, em uma comunidade socialista, postular uma conexão entre a importância de qualquer tipo de trabalho para a comunidade e a maneira como será feita a distribuição do produto originado do processo comunal de produção.
A remuneração da mão-de-obra não pode se dar de outra forma que não seja arbitrária; ela não poderá se basear na valoração econômica do produto, como ocorre em uma sociedade competitiva, onde os meios de produção estão em mãos privadas, pois, como vimos, qualquer valoração desse tipo é impossível em uma comunidade socialista. A realidade econômica impõe limites claros ao poder que a comunidade tem para fixar a remuneração do trabalho arbitrariamente: em nenhuma circunstância a soma gasta com os salários poderá exceder a renda, em qualquer período de tempo.
Dentro desses limites observados, a comunidade poderá proceder como quiser. Ela poderá determinar que toda a mão-de-obra seja avaliada igualmente, de forma que cada hora de trabalho, independentemente de sua qualidade, acarrete a mesma remuneração; da mesma maneira, ela poderá levar em consideração apenas a qualidade do trabalho feito. Entretanto, em ambas as situações ela deverá reservar a si própria o poder de controlar a distribuição específica do produto do trabalho. Jamais será possível fazer com que aquele indivíduo que colocou uma hora de seu trabalho na produção também tenha o direito de consumir o produto de uma hora de trabalho (mesmo deixando de lado a questão da diferença na qualidade da mão-de-obra e dos produtos, e assumindo que seja possível medir a quantidade de trabalho despendida na fabricação de um determinado bem). Pois, além da mão-de-obra empregada, a produção de todos os bens econômicos impõe também custos materiais. Um bem que utilizou mais matéria-prima do que outro jamais poderá ser estimado como tendo o mesmo valor que este.
2. A natureza do cálculo econômico
Todo homem que, no decorrer de sua vida econômica, faz uma escolha entre satisfazer uma necessidade em detrimento de outra, está, por definição, fazendo um juízo de valor. Tais juízos de valor, assim que formulados, incluem inicialmente apenas a satisfação da necessidade em si; e, só após isso, é que o indivíduo irá recuar e começar a refletir mais objetivamente nos meios para se atingir tal objetivo, começando com os bens de ordem mais baixa e então indo em direção aos bens de ordem mais alta.[5]
Em geral, o homem que conhece sua própria mente está em posição de avaliar quaisquer bens de ordens mais baixas. E sob condições simples, é também possível que ele forme algum julgamento sobre a importância para ele de alguns bens de ordem mais alta. Mas nas situações em que o cenário é mais complexo e há mais interconexões que não são facilmente discerníveis, meios mais sutis devem ser utilizados para se obter uma avaliação correta[6] dos meios de produção. Por exemplo, não seria difícil para um agricultor em isolamento econômico fazer uma distinção entre a expansão de seu pasto e a expansão de sua atividade de caça. Nesse caso, os processos de produção envolvidos são relativamente pequenos, e os custos e a renda inerentes a cada processo podem ser facilmente mensurados. Mas a situação se torna bem diferente quando a escolha passa a ser entre a utilização de um rio para a obtenção de eletricidade ou a ampliação de uma mina de carvão ou a formulação de quaisquer outros planos para o melhor emprego da energia latente no carvão bruto. Nesse caso, o processo de produção é maior e mais indireto, sendo que cada etapa é mais longa; consequentemente, as condições necessárias para um empreendimento ter sucesso são diversas, o que significa que não se pode incorrer em avaliações vagas. Passa a ser necessário ter estimativas mais exatas, bem como algum julgamento das questões econômicas envolvidas.
Avaliações e valorações só podem ocorrer em termos de alguma unidade. Entretanto, é impossível haver alguma unidade que meça o valor subjetivo de cada bem. A utilidade marginal não postula qualquer unidade de valor, uma vez que é óbvio que o valor de duas unidades de um determinado bem é necessariamente maior — mas menos que o dobro — do que o valor de apenas uma unidade. Juízos de valor não mensuram; eles meramente estabelecem graduações e escalas.[7] Mesmo Robinson Crusoé — que tem de tomar uma decisão em um ambiente onde não há um juízo de valor pré-definido, o que significa que ele tem de construir um baseando-se em estimativas pouco exatas — não pode operar utilizando unicamente seus valores subjetivos; antes, ele precisa levar em consideração a capacidade intersubstitutiva dos bens para então formar suas estimativas.
Nessas circunstâncias, será impossível para ele avaliar todos os bens de acordo com uma unidade já pré-estabelecida. Ele tem de avaliar todos os elementos que devem ser levados em consideração na formação de suas estimativas baseando-se naqueles bens econômicos que podem ser analisados por um juízo de valor mais óbvio — ou seja, os bens de ordens mais baixas, além do próprio custo do trabalho. Que isso só seja possível em condições muito simples é algo óbvio. Para o caso de processos de produção mais complicados e mais longos, tal procedimento não trará respostas.
Em uma economia de trocas voluntárias, a unidade comum de cálculo econômico é representada pelo valorobjetivo de troca das mercadorias. Isso gera uma vantagem tripla. Em primeiro lugar, passa a ser possível basear o cálculo econômico de acordo com as valorações de todos os participantes da troca. O valor subjetivoque um dado bem tem para uma pessoa é um fenômeno puramente individual e, portanto, não pode ser imediatamente comparado ao valor subjetivo que esse mesmo bem tem para as outras pessoas. Isso só se torna possível quando se utiliza valores de troca, os quais surgem naturalmente da interação das valorações subjetivas de todos os indivíduos que participam da troca. Nesse caso, o cálculo baseado nos valores de troca fornece um controle sobre o método mais apropriado de se empregar os bens. Qualquer um que deseje fazer cálculos relacionados a algum complicado processo de produção irá imediatamente perceber se ele está agindo de maneira mais econômica que os concorrentes ou não; se ele descobrir — por meio das relações de troca predominantes no mercado — que não será capaz de produzir lucrativamente, isso significa que outros estão sabendo melhor como fazer um uso mais adequado desses bens de ordem alta. Por último, utilizar os valores de troca para se fazer cálculos econômicos é o que possibilita avaliar os bens de acordo com uma unidade de conta definida. E para esse propósito — dado que os bens são mutuamente substituíveis de acordo com as relações de troca predominantes no mercado —, qualquer bem existente pode ser escolhido. Em uma economia monetária, esse bem escolhido é o dinheiro.
O cálculo monetário tem seus limites. O dinheiro não é um parâmetro de valor, tampouco de preço. Nem o valor e nem o preço são mensurados em dinheiro. Valores e preços são meramente representados pelo dinheiro. O dinheiro transmite o valor, mas ele não mensura o valor. Não há uma medida para um valor econômico. Não há uma maneira objetiva de se medir um valor subjetivo. O dinheiro é um bem econômico e, como tal, não possui um valor estável, como tem sido ingênua e erroneamente assumido. A relação de troca que há entre o dinheiro e outros bens está sujeita a constantes — quando não muito violentas — flutuações, que podem se originar não só do lado dos bens econômicos, mas também do lado do dinheiro. Entretanto, essas flutuações perturbam apenas minimamente os cálculos de valor, uma vez que, por causa das incessantes alterações que ocorrem nas outras variáveis econômicas, esses cálculos irão se referir a períodos de tempo comparativamente pequenos — períodos nos quais uma moeda “forte” irá sofrer apenas flutuações relativamente triviais em seu poder de compra.
A causa principal da inaptidão do cálculo monetário do valor não está no fato de o valor ser calculado em termos de um meio universal de troca, o dinheiro. Mas, sim, no fato de que, nesse sistema, o cálculo se baseia no valor de troca e não no valor subjetivo que o uso de tal bem traz para um indivíduo. O cálculo monetário nunca poderá ser utilizado como medida para calcular o valor daqueles elementos que estão além do domínio das trocas. Se, por exemplo, um homem tivesse de calcular a lucratividade de se construir uma usina hidráulica, ele não seria capaz de incluir em seus cálculos os danos que tal esquema iria trazer à beleza das cachoeiras; o que ele poderia fazer seria prestar atenção à diminuição que poderia haver no fluxo de turistas ou coisas similares, os quais poderiam ser avaliados em termos monetários. E essas considerações poderiam acabar sendo um dos fatores que irão decidir se a construção deverá ser feita ou não.
Convencionou-se denominar tais elementos como “extra-econômicos”. Isso talvez seja apropriado; não estamos preocupados com disputas acerca de terminologias. Não obstante, as considerações feitas dificilmente podem ser consideradas irracionais. Em qualquer lugar em que o homem considere significante a beleza de uma vizinhança ou de um prédio, a saúde, a felicidade e a satisfação da humanidade, a honra de indivíduos ou de nações, estas coisas, tanto quanto os fatores econômicos, são forças que motivam a conduta racional, mesmo onde elas não são substituíveis entre si no mercado, o que significa que elas não entram, portanto, nas relações de troca.
Que o cálculo monetário não possa abranger esses fatores é algo inerente à sua própria natureza; mas, para os propósitos de nossa vida econômica diária, isso não reduz a importância do cálculo monetário. Pois todos esses bens ideais são bens de ordens mais baixas, e podem portanto ser incluídos diretamente no âmbito de nossos julgamentos de valor. Assim, não há qualquer dificuldade em levá-los em consideração, ainda que eles tenham de permanecer fora da esfera dos valores monetários. O fato de eles não admitirem tal cômputo faz com que seja mais fácil — e não mais difícil — considerá-los nos aspectos diários de nossa vida. Assim que percebemos claramente o tanto que valorizamos a beleza, a saúde e o orgulho, certamente nada pode nos impedir de ter a devida consideração por eles. Aos espíritos sensíveis, pode parecer doloroso ter de equilibrar os bens espirituais com os materiais. Mas isso não é culpa do cálculo monetário; é algo totalmente inerente às coisas em si. Mesmo nos casos em que os juízos de valor podem ser estabelecidos diretamente sem qualquer cálculo monetário, a necessidade de escolher entre satisfação material ou espiritual não pode ser esquivada. Robinson Crusoé e o estado socialista têm a mesma obrigação de fazer essa escolha.
Qualquer indivíduo que tenha uma noção genuína dos valores morais não padece qualquer dificuldade em se decidir entre a honra e o sustento. Ele sabe muito bem qual a sua obrigação. Se um homem não pode honrar seu pão, ele pode ao menos renunciar a seu pão em nome da honra. Somente aqueles que preferem estar livres da agonia dessa decisão — porque não conseguem renunciar ao conforto material em nome da vantagem espiritual — veem na escolha uma profanação dos valores verdadeiros.
O cálculo monetário tem sentido apenas dentro da esfera da organização econômica. Trata-se de um sistema por meio do qual as regras da economia podem ser aplicadas para o arranjo e a distribuição dos bens econômicos. Os bens econômicos apenas participam desse sistema em proporção ao grau em que podem ser trocados por dinheiro. Qualquer amplificação da esfera do cálculo monetário irá provocar equívocos. O cálculo monetário não pode ser considerado um padrão de medida para a avaliação de bens, e não pode ser tratado em investigações históricas sobre o desenvolvimento das relações sociais; ele não pode ser utilizado como um critério para a riqueza e a renda nacional e tampouco como um meio de mensurar o valor dos bens que estão fora da esfera de troca. Afinal, quem seria capaz de estimar o grau de perdas humanas, em termos monetários, ocorridas por causa das emigrações ou guerras?[8] Isso é uma mera tolice travestida de erudição, por mais que tal método seja utilizado por economistas normalmente perspicazes.
Apesar disso, dentro desses limites, os quais nunca são ultrapassados dentro da vida econômica, o cálculo monetário preenche todos os requisitos do cálculo econômico. É ele quem nos guia através da plenitude opressiva das potencialidades econômicas. Ele nos permite imputar a todos os bens de ordem mais alta o nosso juízo de valor, juízo esse que está estreitamente ligado aos bens que estão prontos para o consumo final, ou que são, na melhor das hipóteses, bens de produção da mais baixa ordem. O cálculo faz com que os valores desses bens possam ser computados, o que consequentemente nos fornece as bases para todas as operações econômicas com os bens de ordens mais altas. Sem a possibilidade do cálculo, todos os processos de produção que duram vários anos, bem como todos os processos longos e indiretos, inerentes à produção capitalista, seriam como tatear no escuro.
Há duas condições que governam a possibilidade de se calcular o valor em termos de dinheiro. Primeiramente, não são apenas os bens de ordem mais baixa que devem estar dentro do âmbito da troca; os de ordem mais alta também têm de estar. Se eles não fossem incluídos, as relações de troca não surgiriam. As considerações que predominam no caso em que Robinson Crusoé, em seus domínios e por meio de sua própria produção, pretende trocar trabalho e farinha por pão, são indistinguíveis daquelas que predominam quando ele está preparado para trocar pão por roupas no mercado aberto. Portanto, é de certa forma correto dizer que cada ação econômica, incluindo a própria produção de Robinson Crusoé, pode ser denominada de troca.[9]
Ademais, a mente de um só homem, por mais brilhante que seja, é incapaz de compreender a importância de qualquer um dos inúmeros bens de ordem mais alta. Nenhum homem pode jamais dominar todas as possibilidades de produção — que são inúmeras — de modo a estar apto a fazer juízos de valor diretamente evidentes, sem a ajuda de algum sistema de computação. Se distribuíssemos para alguns indivíduos os controles administrativos sobre os bens de toda uma comunidade — cujos homens que trabalham na produção desses bens estão também economicamente interessados neles — teríamos de ter algum tipo de divisão intelectual do trabalho, algo que não seria possível sem algum sistema que calculasse a produção.
A segunda condição é que existe de fato um meio de troca universalmente empregado — a saber, o dinheiro — que também executa a mesma função de meio de troca para os bens de produção. Se esse não fosse o caso, não seria possível reduzir todas as relações de troca a um denominador comum.
Somente sob condições muito simples é que a economia pode dispensar o cálculo monetário. Dentro dos limites estreitos de uma economia doméstica, por exemplo, na qual o pai pode supervisionar toda a conduta econômica, é possível determinar, mesmo sem fazer uso de auxílios avançados, qual a importância de algumas mudanças no processo de produção e, ainda assim, obter razoável precisão. Nesse caso, todo o processo se desenvolve sob um uso relativamente limitado do capital. Os processos indiretos de produção, típicos do capitalismo, que se encaixam neste modelo são muito poucos: nesse caso, o que estaria sendo manufaturando seriam bens de consumo, ou, no máximo, bens de uma ordem mais alta que estão muito próximos dos bens de consumo. A divisão do trabalho está em seus estágios mais rudimentares: um único trabalhador controla a mão-de-obra daquilo que é, na realidade, um processo de produção completo de bens prontos para o consumo, do início ao fim. Tudo isso é diferente, entretanto, nas produções comunais. As experiências de um período remoto e antigo de produção simples não fornecem qualquer tipo de argumento para se estabelecer a possibilidade de um sistema econômico sem cálculo monetário.
Nos limites estreitos de uma economia doméstica fechada, é possível analisar completamente o processo de produção desde o início até o fim, e julgar durante todo o tempo qual procedimento vai produzir mais bens de consumo. Isso, entretanto, deixa de ser possível nas circunstâncias incomparavelmente mais intrincadas de nossa economia social. Assim, é evidente que, mesmo em uma sociedade socialista, 100.000 litros de vinho são preferíveis a 80.000; e não é difícil se decidir entre 100.000 litros de vinho ou 500 de azeite. Não é necessário sistema algum de cálculo para se estabelecer o seguinte fato: o elemento determinante é a mera vontade dos agentes econômicos envolvidos. Porém, uma vez que essa decisão tenha sido tomada, a verdadeira tarefa da orientação econômica racional está apenas começando — isto é, como colocar economicamente os meios a serviço dos fins. Isso só pode ser feito com algum tipo de cálculo econômico. A mente humana não é capaz de se orientar a si própria adequadamente ao longo de toda a atordoante massa de produtos intermediários, bem como dentre todas as potencialidades de produção, sem tal ajuda. Ela simplesmente se quedaria perplexa ante os problemas de gerenciamento e ambientação. [10]
É uma ilusão imaginar que, em um estado socialista, o cálculo in natura pode substituir o cálculo monetário. O cálculo in natura, em uma economia sem trocas, pode abranger somente os bens de consumo; ele fracassa completamente quando tem de lidar com bens de ordem mais alta. E tão logo se abandone a idéia de preços monetários livremente estabelecidos para os bens de ordem mais alta, a racionalidade na produção se torna completamente impossível. Qualquer medida que nos afaste da propriedade privada dos meios de produção e do uso do dinheiro, também nos afasta da racionalidade econômica.
É fácil negligenciar este fato quando consideramos que o grau de socialismo genuíno à nossa volta constitui apenas uma ilha de socialismo em meio a uma sociedade com trocas monetárias — e que ainda é uma sociedade livre, até certo ponto. De certo modo, podemos concordar com a afirmação dos socialistas — afirmação essa que, em outros contextos, é totalmente insustentável e defendida apenas por motivos demagógicos — de que a estatização de empresas não representa de fato o socialismo, uma vez que essas empresas são tão dependentes do sistema econômico e do livre comércio que as cercam, que não se poderia dizer que elas representam uma economia essencialmente socialista.
Aperfeiçoamentos técnicos estão sendo introduzidos em empresas estatais porque tais aperfeiçoamentos foram adotados por empresas privadas similares — domésticas ou estrangeiras — com bons resultados, e também porque as indústrias privadas que produzem os materiais para esses aperfeiçoamentos fomentam sua introdução. Nessas empresas, as vantagens da reorganização podem ser verificadas porque elas operam dentro da esfera de uma sociedade baseada na propriedade privada dos meios de produção e no sistema monetário de trocas, sendo assim capazes de calcular e contabilizar. Essa situação, entretanto, não seria predominante no caso de empresas socialistas operando em um ambiente puramente socialista.
Sem o cálculo econômico não pode existir uma economia. Portanto, em um estado socialista no qual o cálculo econômico é impossível, não pode existir — no nosso sentido do termo — qualquer economia. Em questões triviais e secundárias, a conduta racional poderia ainda ser possível, mas em termos gerais seria impossível falar de produção racional. Não haveria meios de se determinar o que seria racional; e, sendo assim, é óbvio que a produção jamais poderia ser guiada por meras considerações econômicas. O que isso significa — além dos efeitos sobre a oferta de mercadorias — está muito claro: a conduta racional estaria completamente divorciada de seu âmbito apropriado. Mas será que de fato existe algo como ‘conduta racional’, ou, mais ainda, algo como racionalidade e lógica dentro de nossas noções e reflexões? Historicamente, a racionalidade humana é um desenvolvimento da vida econômica. Poderia aquela prevalecer se divorciada desta? Se tal evento acontecesse, como seria?
Por algum tempo, a memória da experiência adquirida com a economia competitiva — que, afinal, é o sistema dominante há alguns milhares de anos — poderia adiar um pouco o completo colapso da economia. Os antigos métodos de procedimento poderiam ser mantidos, não por causa de sua racionalidade, mas porque aparentariam já estarem consagrados pela tradição. Após algum tempo, esses métodos se tornariam irracionais, pois não mais seriam compatíveis com as novas condições. Eventualmente, por causa da reconstrução generalizada do pensamento econômico, eles sofreriam alterações que os tornariam de fato antieconômicos. A oferta de bens não mais prosseguiria anarquicamente por si só, como atualmente. Todas as transações com o propósito único de satisfazer as necessidades mútuas estariam sujeitas ao controle de uma autoridade suprema. Assim, em lugar de haver um método “anárquico” de produção, todos os recursos estariam entregues à produção irracional de maquinarias despropositais. As engrenagens iriam girar, mas sem efeito algum.
Pode-se antecipar qual será a natureza da futura sociedade socialista. Haverá centenas de milhares de fábricas em operação. Poucas estarão produzindo bens prontos para seu uso final; na maioria dos casos, o que será manufaturado serão bens inacabados e bens de produção. Todas essas empresas serão inter-relacionadas. Cada bem passará por uma série de estágios de produção antes de estar pronto para uso. Entretanto, nesse ininterrupto, monótono e repetitivo processo, a administração estará sem quaisquer meios de avaliar a eficácia de sua produção. Ela nunca poderá determinar se um dado bem ficou ou não por um tempo desnecessariamente longo em sua linha de produção, ou se houve desperdício de trabalho e materiais durante a manufatura. Ademais, como poderá ela determinar qual dos inúmeros métodos de produção é o mais lucrativo? Na melhor das hipóteses, ela poderá apenas comparar a qualidade e a quantidade do produto final produzido, mas, somente em casos extremamente raros poderá comparar as despesas acarretadas pela produção.
Ela saberá, ou pensará que sabe, os fins a serem alcançados pela organização econômica, e terá de regular suas atividades correspondentemente — isto é, ela terá de atingir esses fins com o menor gasto possível. Ela terá de fazer suas estimativas na esperança de encontrar o método mais barato. Essa estimativa terá naturalmente de ser uma estimativa de valor. E a esta altura já está eminentemente claro — e não se faz necessário qualquer prova adicional — que tal estimativa não tem como ser de caráter técnico e tampouco pode se basear no valor objetivo do uso de bens e serviços.
Por outro lado, no sistema econômico de propriedade privada dos meios de produção, o sistema de estimativa se dá pelo cálculo de valor, e este é necessariamente empregado por cada membro independente de uma sociedade. Todos participam desse processo em uma via de mão dupla: de um lado, como consumidor; do outro, como produtor. Como consumidor, o indivíduo estabelece uma escala de valoração para os bens que estão prontos para o consumo final. Como produtor, ele arranja os bens de ordem mais alta de modo a gerarem o maior retorno possível na produção destes bens que os consumidores querem. Dessa forma, todos os bens de ordem mais alta são posicionados na escala de valorações de acordo com o estado atual das condições de produção e de acordo também com as necessidades sociais. Através da interação desses dois processos de valoração, os meios serão capazes de reger tanto o consumo como a produção, por todo o sistema econômico. Todo o sistema de precificação é um sistema de graduações, e tal sistema deriva do fato de que os homens sempre harmonizaram, e sempre harmonizarão, suas próprias necessidades com suas estimativas acerca dos fatos econômicos.
Tudo isso está necessariamente ausente em um estado socialista. A administração pode até saber exatamente quais bens são os mais urgentemente necessitados, mas esse é somente um dos dois pré-requisitos necessários para o cálculo econômico. E, pela natureza do socialismo, a administração terá de renunciar a esse outro pré-requisito — a valoração dos meios de produção. Ela pode chegar a estabelecer algum valor para a totalidade dos meios de produção; este valor será obviamente idêntico ao valor dado a todas as necessidades satisfeitas. Ela também poderá calcular o valor de qualquer meio de produção estimando quais serão as consequências para a satisfação das necessidades caso esses meios sejam retirados. Todavia, a administração não poderá fazer com que esse valor seja expresso uniformemente na forma de um preço monetário, como o faz uma economia competitiva, onde todos os preços podem ser representados por meio de uma expressão comum em termos de dinheiro. Em uma sociedade socialista, embora ela não tenha por necessidade que abolir todo o dinheiro, seria impossível utilizá-lo para expressar os preços dos fatores de produção (incluindo a mão-de-obra). O dinheiro não terá função alguma no cálculo econômico.[11]
Imagine a construção de uma nova ferrovia. O primeiro passo seria responder às seguintes questões: será que ela deve ser construída e, em caso positivo, quantas, dentre um número de trechos concebíveis, deveriam ser construídas? Em uma economia monetária e competitiva, essas dúvidas seriam resolvidas pelo cálculo monetário. A nova ferrovia iria baratear o transporte de alguns bens e seria possível calcular se tal redução de custos de transporte supera os custos envolvidos na construção e manutenção de uma outra ferrovia. Tudo isso só pode ser calculado em termos monetários. Não é possível chegar a alguma conclusão simplesmente contrabalanceando o consumo de equipamentos e o estoque de equipamentos. Quando passa a não ser possível expressar ferro, carvão, horas de trabalho e todos os tipos de materiais de construção, de máquinas e outras coisas necessárias para a construção e manutenção da ferrovia em termos de alguma unidade comum, então não mais é possível fazer qualquer tipo de cálculo. A contabilização de despesas, em termos econômicos, somente é possível quando todos os bens e serviços podem ser aludidos em termos monetários. É fato que o cálculo monetário tem suas inconveniências, bem como sérios defeitos, mas certamente não temos nada melhor para colocar em seu lugar; e, para os propósitos práticos da vida, o cálculo monetário como o conhecemos, em um sistema monetário sólido, sempre será suficiente. Tivéssemos de aboli-lo, qualquer sistema econômico baseado no cálculo se tornaria absolutamente impossível.
A sociedade socialista saberia como se virar. Assim, provavelmente ela iria emitir algum decreto decidindo se tal construção deveria ou não ser realizada. Entretanto, essa decisão iria, na melhor das hipóteses, depender de estimativas vagas; ela jamais seria fundamentada em algum cálculo exato de valor.
O estado estático pode dispensar o cálculo econômico porque nele os mesmos eventos da vida econômica ocorrem repetidamente; e se pressupormos que o primeiro arranjo de uma economia socialista estática será baseado no estado final em que se encontrava a economia competitiva, podemos até conceber — de um ponto de vista econômico — um sistema de produção socialista racionalmente controlado. Mas isso é possível apenas conceitualmente. Por ora, deixaremos de lado o fato de que um estado estático é algo impossível na vida real, uma vez que os dados econômicos estão em constante mudança. (A natureza estática da atividade econômica é apenas uma suposição teórica que não corresponde a nenhuma situação real, por mais necessária que possa ser para o nosso raciocínio e para o aperfeiçoamento do nosso conhecimento econômico).
Ainda assim, é correto supor que a transição para o socialismo irá — como consequência do nivelamento das diferenças de renda e dos reajustes no consumo, e consequentemente da produção — alterar todos os dados econômicos de tal modo que um elo com o estado final em que se encontrava a economia competitiva seria algo impossível. Mas aí então teríamos o espetáculo de uma ordem econômica socialista sem a bússola do cálculo econômico, o que a faria se debater em meio a um vasto oceano de combinações econômicas possíveis e concebíveis.
Portanto, em um estado socialista, cada mudança econômica se torna um empreendimento cujo sucesso não pode nem ser estimado antecipadamente e nem ser determinado retroativamente. Há apenas movimentos cegos. O socialismo é a abolição da racionalidade econômica.
3. O cálculo econômico na comunidade socialista
Mas será que estamos realmente abordando as inevitáveis consequências da propriedade comunal dos meios de produção? Não há um meio através do qual algum tipo de cálculo econômico possa ser associado a um sistema socialista?
Em todas as grandes empresas, cada seção possui, de certa forma, uma independência em sua contabilidade. Cada seção é capaz de calcular e comparar os custos da mão-de-obra com os custos dos materiais, o que torna possível que cada grupo individual atinja um determinado equilíbrio e classifique, por meio de uma abordagem contábil, os resultados econômicos de sua atividade. Pode-se assim apurar qual foi o sucesso que cada seção em particular obteve, bem como tirar conclusões quanto à necessidade de haver reorganizações, cortes de despesas, abolição ou expansão de grupos existentes, ou até mesmo a criação de novos. Reconhecidamente, alguns erros são inevitáveis em tais cálculos. Eles surgem parcialmente em decorrência das dificuldades de se alocar as despesas gerais. Já outros erros surgem da necessidade de se calcular aquilo que, sob vários pontos de vista, não constitui dados rigorosamente determináveis — por exemplo, quando, ao se avaliar a lucratividade de um dado método de produção, calcula-se a depreciação das máquinas baseando-se na hipótese de elas terem uma durabilidade já pré-determinada. Ainda assim, todos esses erros podem ser considerados ínfimos, de modo que eles não atrapalham o resultado líquido do cálculo. O que restar de incerto vai entrar no cálculo da incerteza das condições futuras, que afinal é uma característica inevitável da natureza dinâmica da vida econômica.
Seguindo-se essa lógica, pode ser tentador querer fazer — por meio de analogias — estimativas e valorações individuais para determinados grupos de produção no estado socialista. Mas isso seria totalmente impossível, pois cada cálculo econômico para cada seção individual da mesma empresa só pode ser feito se houver um livre mercado de formação de preços. É exatamente nas transações de mercado que os preços de mercado — a serem tomados como base para todos os cálculos — são formados para todos os tipos de bens e mão-de-obra empregados. Onde não há um livre mercado, não há mecanismo de preços; e sem um mecanismo de preços, é impossível haver cálculo econômico.
Alguns podem imaginar que é possível uma situação na qual a troca entre determinados ramos de negócios seja permitida a fim de se obter o mecanismo que determina as relações de troca (preços) e, com isso, criar uma base para o cálculo econômico, mesmo na comunidade socialista. Dentro da estrutura de uma economia uniforme, na qual não há propriedade privada dos meios de produção, cada grupo trabalhista é constituído de maneira independente, porém todos continuam subjugados e tendo de se comportar de acordo com as diretivas expedidas pelo supremo conselho econômico. Não obstante, cada grupo trabalhista iria ofertar serviços e bens materiais ao outro grupo somente em troca de algum pagamento, que teria de ser feito utilizando-se o meio geral de troca. Grosso modo, quando se fala da completa socialização da economia, é dessa maneira que algumas pessoas imaginam como seria a organização da gerência socialista dos negócios. Mas ainda não chegamos ao ponto crucial. Relações de troca entre bens de produção somente podem ser estabelecidas se estiverem baseadas na propriedade privada dos meios de produção. Quando o “sindicato dos carvoeiros” fornece carvão ao “sindicato dos metalúrgicos”, nenhum preço pode ser formado, exceto se ambos os sindicatos forem os donos dos meios de produção empregados em seus respectivos negócios. Isso não seria um socialismo, mas, sim, um sindicalismo ou um capitalismo trabalhista.
Para aqueles teóricos socialistas que se fundamentam na teoria do valor trabalho, o problema, obviamente, é realmente muito simples. Segundo Engels,
Tão logo a sociedade se aposse dos meios de produção e ponha-os a produzir em sua forma diretamente socializada, o trabalho de cada indivíduo, por mais diferente que sua utilidade específica possa ser, se transforma a priori e diretamente em trabalho social. A quantidade de trabalho social investida em um produto não precisará, a partir de então, ser estabelecida indiretamente; a experiência diária imediatamente nos dirá quanto será necessário, na média. A sociedade poderá simplesmente calcular quantas horas de trabalho são empregadas em uma máquina a vapor, na colheita de um determinado volume de cereais e em 100 jardas de linho de uma dada qualidade… Certamente a sociedade também terá de saber quanto trabalho será necessário para produzir qualquer bem de consumo. Ela terá de arranjar seu plano de produção de acordo com a disponibilidade de seus meios de produção — e, é claro, a força de trabalho cai nessa categoria. As utilidades dos vários bens de consumo, ponderadas entre si e em relação à quantidade de trabalho requerida para produzi-las, irão em última instância determinar o plano. O povo irá simplificar tudo, sem a mediação do famigerado “valor”[12]
Não é nossa tarefa aqui reafirmar as objeções críticas à teoria do valor-trabalho. Neste ponto, elas podem nos interessar apenas na medida em que nos permitem julgar a possibilidade de fazer do trabalho a base dos cálculos econômicos em uma comunidade socialista.
À primeira vista, o cálculo em termos do trabalho também leva em consideração as condições naturais — isto é, não humanas — da produção. A lei dos retornos decrescentes já está incluída no conceito marxista do tempo de trabalho socialmente necessário, uma vez que a variação das condições naturais de produção altera o cálculo do trabalho. Por exemplo, se a demanda por uma mercadoria aumentar, e isso consequentemente fizer com que recursos naturais piores tenham de ser explorados, então o tempo médio do trabalho socialmente necessário para a produção de uma unidade irá aumentar também. Se recursos naturais mais favoráveis forem descobertos, a quantidade de trabalho socialmente necessário irá diminuir.[13] Essa consideração acerca das condições naturais de produção somente será válida se puder ser refletida na quantidade de trabalho socialmente necessário.
Mas é nesse aspecto que a valoração em termos do trabalho se mostra inadequada. Ela não leva em conta o emprego dos fatores materiais de produção. Suponhamos que a quantidade de tempo de trabalho socialmente necessário requerido para a produção de duas mercadorias, P e Q, seja de 10 horas cada. Além disso, além do trabalho requerido, a produção tanto de P quanto de Q exige o uso da matéria-prima A, sendo que uma unidade desta é produzida em uma hora de trabalho socialmente necessário; 2 unidades de A e 8 horas de trabalho são utilizadas na produção da P, e uma unidade de A e 9 horas de trabalho são utilizadas na produção de Q. Em termos de trabalho, P e Q parecem ser equivalentes, mas não são. Em termos de valor, P vale mais do que Q. Somente essa última desigualdade corresponde à essência e ao propósito do cálculo econômico. É verdade que este excedente — o fato de P valer mais do que Q, de acordo com o cálculo de valor — é um substrato material “fornecido pela natureza sem qualquer adição humana”.[14] Ainda assim, o fato de tal bem existir apenas em quantidades não-abundantes, o que necessariamente obriga um uso mais frugal, tem de ser levado em conta, de uma forma ou de outra, no cálculo do valor.
O segundo defeito do cálculo em termos de trabalho é que tal método ignora as diferentes qualidades do trabalho. Para Marx, todo trabalho humano é economicamente do mesmo tipo, pois ele é sempre “o dispêndio produtivo do cérebro, dos músculos, dos nervos e das mãos humanas.”[15]
O trabalho qualificado nada mais é do que um trabalho simples que foi intensificado ou mesmo multiplicado. Destarte, uma quantidade pequena de trabalho qualificado é igual a uma quantidade grande de trabalho simples. A experiência mostra que o trabalho qualificado sempre poderá ser traduzido em termos de trabalho simples. Não importa que uma dada mercadoria seja o produto do trabalho mais altamente capacitado — seu valor sempre poderá ser equiparado ao valor daquela que é produto de um trabalho simples, de modo que ela representa meramente uma quantia definida de trabalho simples.
Böhm-Bawerk não está muito errado quando diz que esse argumento é “um truque teórico espantosamente ingênuo”.[16] Para julgarmos a visão de Marx nem é preciso averiguarmos se existe uma medida fisiológica uniforme para todo o trabalho humano, seja ela física ou “mental”. Pois é certo que existe entre os homens graus variáveis de capacidade e destreza, o que faz com que os produtos do trabalho tenham qualidades variáveis. Ao decidirmos se é válido fazer cálculos em termos de trabalho, o que deve ser verificado é se é possível ou não colocar diferentes tipos de trabalho sob um mesmo denominador comum sem que os consumidores façam qualquer valoração dos produtos gerados por cada trabalho. Porém, a prova que Marx tenta apresentar não logra êxito. A experiência na verdade mostra que os bens são consumidos em relações de troca sem que se considere se foram produzidos por trabalho simples ou complexo. E apenas se fosse possível mostrar que o trabalho é a fonte do valor de troca desses bens é que se poderia dizer que certas quantidades de trabalho simples são diretamente iguais a certas quantidades de trabalho complexo. Essa homogeneidade não apenas não é demonstrada, como na verdade ela é exatamente o que Marx estava tentando demonstrar através desses mesmos argumentos.
O fato de que, em uma economia de troca, as taxas de substituição entre trabalho simples e complexo se manifestam em termos de salário em nada ajuda na tentativa de se comprovar essa homogeneidade — um fato ao qual Marx não faz qualquer alusão nesse contexto. Esse processo de comparação é o resultado das transações de mercado; ele não as antecede, ele advém delas. O cálculo em termos do trabalho, para funcionar igualmente bem, teria de criar uma proporção arbitrária que fizesse essa substituição entre o trabalho simples e o complexo. Mas isso o tornaria inútil como instrumento de organização econômica dos recursos.
Há muito se supunha que a teoria do valor-trabalho era indispensável ao socialismo, e que ela fornecia uma necessária base ética para a exigência da socialização dos meios de produção. Agora já sabemos o erro que isso representa. Embora a maioria dos defensores do socialismo tenha empregado essa concepção errônea — inclusive Marx, que, conquanto tenha adotado fundamentalmente outra visão, não estava completamente livre daquela —, já está claro que os clamores políticos pela implantação da produção socializada não requerem e nem podem obter o suporte da teoria do valor-trabalho. Outras pessoas que tenham idéias diferentes quanto à natureza e origem do valor econômico também podem ser socialistas em seus sentimentos; entretanto, a teoria do valor-trabalho é inerentemente necessária aos defensores do modo socialista de produção de uma maneira que não é exatamente a imaginada: em uma economia socialista, a produção só poderá parecer racionalmente realizável se fizer uso de uma unidade de valor objetivamente reconhecível, a qual iria permitir o cálculo econômico em uma economia em que nem o dinheiro e nem as trocas estariam presentes. E apenas o trabalho pode concebivelmente ser considerado essa unidade de valor.
4. Responsabilidade e iniciativa em empresas comunais
O problema da responsabilidade e da iniciativa em empresas socialistas é estritamente ligado ao problema do cálculo econômico. Trata-se de um fato universalmente aceito que, a exclusão da livre iniciativa e da responsabilidade individual, das quais depende o sucesso das empresas privadas, constitui a mais séria ameaça à organização econômica socialista.[17]
Grande parte dos socialistas silenciosamente ignora esse problema. Já outros acreditam que podem responder a este desafio fazendo uma alusão aos diretores-executivos das empresas. Não obstante o fato de eles, os diretores-executivos, não serem realmente os proprietários dos meios de produção, as empresas sob seu comando prosperam. Logo, argumentam os socialistas, se a sociedade, em vez de os acionistas da empresa, se tornar a proprietária dos meios de produção, então nada terá se alterado. Os diretores-executivos não trabalhariam menos satisfatoriamente para a sociedade do que trabalham para os acionistas.
É necessário aqui se fazer um comparativo entre dois grupos de empresas de sociedade anônima. No primeiro grupo, que consiste primordialmente de pequenas empresas, alguns poucos indivíduos se unem em um empreendimento comum que assume a forma jurídica de uma empresa. Normalmente, eles são os herdeiros dos fundadores da empresa, ou são ex-concorrentes que decidiram se fundir. Neste exemplo, o controle e a administração da empresa está nas mãos dos próprios acionistas ou de pelo menos alguns dos acionistas, que comandam a empresa de acordo com seus próprios interesses; ou nas mãos de acionistas intimamente relacionados, como esposas, filhos etc. São os próprios diretores, na condição de membros do conselho de administração, que exercem a influência decisiva na conduta dos negócios. Tal arranjo não é alterado caso parte do capital social esteja nas mãos de um consórcio financeiro ou de um banco. Neste caso, com efeito, a empresa só se diferencia de uma empresa comercial de capital aberto em sua forma jurídica.
A situação se torna bastante diferente para o caso de grandes empresas, nas quais apenas uma fatia dos acionistas — isto é, os grandes acionistas — participa do controle efetivo da empresa. E eles normalmente possuem tanto interesse na prosperidade da empresa quanto qualquer proprietário. Ainda assim, é perfeitamente possível que os interesses deles sejam diferentes dos interesses da vasta maioria dos pequenos acionistas, que são excluídos da administração, mesmo possuindo a maior fatia do capital social. Vários conflitos de interesse podem ocorrer entre acionistas e diretores, principalmente quando os negócios da empresa são geridos em prol destes últimos. Seja como for, está claro que os verdadeiros detentores do poder nas empresas gerem os negócios de acordo com seus próprios interesses, independentemente de se tais interesses coincidem com os dos acionistas ou não. No entanto, no longo prazo, é do interesse do administrador sério, que deseja uma carreira sólida — e que não está meramente empenhado em obter um lucro passageiro —, representar os interesses de seus acionistas em todas as situações e evitar manipulações que possam trazer-lhes prejuízos. Logo, o sucesso de uma empresa não depende meramente da adoção de motivos éticos. Os interesses econômicos são também essenciais.
A situação se altera por completo quando uma empresa é estatizada. A motivação desaparece com a exclusão dos interesses materiais dos empreendedores privados; e se de algum modo as estatais prosperarem, isso se deve ao fato de elas estarem copiando “práticas de administração” de empresas privadas, ou ao fato de estarem constantemente sendo forçadas a adotar reformas e inovações pelos empreendedores privados de quem elas compram instrumentos de produção e matéria-prima.
Dado que hoje estamos em uma posição que nos permite pesquisar décadas de empreendimentos estatais e socialistas, é algo amplamente reconhecido que não há meios de se adotar mecanismos de estímulo para reformar e aprimorar a produção em empresas socialistas, que elas não são capazes de se ajustar às constantes alterações na demanda, e que, em suma, elas são um membro morto em um organismo econômico. Todas as tentativas de dar vida a elas até hoje têm sido em vão. Supunha-se que uma reforma no sistema de remuneração poderia alcançar o objetivo desejado. Se os administradores destas empresas estivessem interessados nos seus rendimentos, imaginava-se que eles então estariam em uma posição comparável àquela do administrador de grandes empresas. Esse foi um erro fatal. Os administradores de grandes empresas estão ligados aos interesses das empresas que eles administram de uma maneira totalmente diferente daquela que impera em empresas estatais. Eles ou já são proprietários de uma considerável fatia das ações da empresa ou esperam se tornar no devido tempo. Ademais, eles estão na posição de obter lucros por meio de especulação das ações da empresa. Eles têm a perspectiva de legar seus cargos — ou ao menos garantir parte de sua influência — para seus herdeiros. O tipo de administrador responsável pelo sucesso de empresas de sociedade anônima não se assemelha em nada ao de um complacente diretor-executivo semelhante a um funcionário público em sua mentalidade e experiência; ao contrário, tal administrador é necessariamente um gerente profissional, um empreendedor e homem de negócios que está ele próprio, na condição de acionista, interessado no bem da empresa. E é exatamente esse tipo de administrador que toda a estatização tem o objetivo de excluir.
Em um contexto socialista, de nada adianta recorrer a estes argumentos para garantir que uma ordem econômica construída sobre fundamentos socialistas terá sucesso. Todos os sistemas socialistas, inclusive aquele de Karl Marx e seus apoiadores ortodoxos, partem da suposição de que, em uma sociedade socialista, um conflito entre os interesses do indivíduo e do coletivo jamais poderá surgir. Todos irão agir com total interesse em dar o seu melhor, pois ele participa da produção de toda a atividade economia. A óbvia objeção de que o indivíduo está muito pouco preocupado em determinar se ele próprio é diligente e entusiástico, e que é da maior importância para ele que todos os outros o sejam, é algo completamente ignorado por eles. Quando muito, é insuficientemente abordado. Eles acreditam que podem construir uma economia socialista tendo por base apenas o Imperativo Categórico. O quão suave é a intenção deles em proceder desta maneira foi bem explicitado por Kautsky quando ele diz, “Se o socialismo é uma necessidade social, então é a natureza humana, e não o socialismo, quem deve se reajustar às necessidades caso os dois venham a colidir.”[18] Isso nada mais é do que uma absoluta quimera.
Porém, mesmo se por um momento concedermos que tais expectativas utópicas possam realmente se materializar, que cada indivíduo em uma sociedade socialista irá se empenhar com o mesmo fervor com que se empenha hoje em uma sociedade na qual ele está sujeito à pressão da livre concorrência, ainda há o problema de se mensurar o resultado da atividade econômica em uma economia que não permite qualquer tipo de cálculo econômico. Não podemos agir de maneira racionalmente econômica se estamos em uma situação que não nos permite entender o que é agir de modo economicamente racional.
Uma frase popular afirma que, se os trabalhadores de empresas estatais pensarem menos burocraticamente e mais comercialmente, tais empresas irão funcionar tão bem quanto empresas privadas. Se os principais cargos forem ocupados por mercadores, a renda crescerá aceleradamente. O problema é que “mentalidade comercial” não é algo externo, algo que pode ser arbitrariamente transferido. As qualidades de um comerciante não dependem de aptidões inatas e nem são adquiridas por meio de estudos em uma escola de comércio ou por meio do trabalho em um estabelecimento comercial. Tampouco dependem de ele já ter sido um homem de negócios durante algum tempo. A atitude e a vivacidade comercial de um empreendedor surge de sua posição no processo econômico; porém, ela é perdida quando ele sai desse ramo.
Quando um homem de negócios bem sucedido é nomeado gerente de uma empresa estatal, ele ainda pode trazer consigo alguma experiência de sua atividade anterior e, com isso, ser capaz de fazer proveitoso uso dela por algum tempo. No entanto, com sua entrada na atividade estatal, ele deixa de ser um comerciante e se torna uma burocrata igual a qualquer outro funcionário público que ganhou uma sinecura no setor estatal. Não é o conhecimento de regras de contabilidade, de organização empresarial ou do estilo de comunicação comercial que fazem de um indivíduo um bom comerciante, mas sim sua posição representativa no processo de produção, o qual permite a identificação entre seus interesses e os da empresa. Otto Bauer [proeminente pensador marxista e líder Partido Social-Democrata Austríaco] não está apresentando nenhuma solução quando propõe, em sua mais recente obra publicada, que os diretores do Banco Central Nacional, para os quais será concedido o comando do processo econômico, sejam nomeados por um conselho diretor, do qual também participariam representantes do sindicato dos professores do ensino médio.[19] Assim como os filósofos de Platão, os diretores nomeados podem até ser os mais brilhantes e sábios de sua categoria, mas eles não podem se portar como mercadores ocupando cargos de comando de uma sociedade socialista, mesmo que eles já tenham sido mercadores anteriormente.
Trata-se de uma reclamação geral o fato de que a administração de empresas estatais não possui iniciativa. Os socialistas creem que isso pode ser remediado por meio de mudanças na organização. Trata-se de outro erro atroz. A administração de uma empresa socialista não pode ser inteiramente colocada nas mãos de um único indivíduo, pois sempre haverá uma constante suspeita de que ele irá tirar proveito de tal situação e, com isso, permitir que seus erros que inflijam pesados danos à sociedade. Por outro lado, se as decisões importantes tornarem-se dependentes dos votos de comitês, ou do consentimento de importantes funcionários do governo, então se está impondo limitações na iniciativa deste indivíduo. Comitês raramente são propensos a introduzir inovações ousadas.
A ausência de livre iniciativa nas empresas estatais decorre não de uma ausência de organização, mas sim do fato de isso ser algo inerente à natureza desse tipo de organização. Não se pode permitir que um empregado tenha a liberdade de organizar livremente os fatores de produção, por mais alto que ele esteja no escalão da burocracia. A tentação para tirar vantagem da situação será enorme. Quanto mais acentuado for o seu interesse material na consecução de suas atribuições, menor será a possibilidade de a ele ser designada tal tarefa. Pois, na prática, ele poderá no máximo ser moralmente responsabilizado pelas perdas geradas. Ele não terá como restituir seus erros. Portanto, no socialismo, as fraquezas éticas são justapostas às oportunidades de ganhos materiais.
Já sob um arranjo liberal, o dono da propriedade arcará ele próprio com a responsabilidade, pois ele será o principal atingido pelo prejuízo de ter conduzido seus negócios imprudentemente. É precisamente neste quesito que existe uma percuciente diferença entre o modo de produção liberal e o modo de produção socialista.
5. As mais recentes doutrinas socialistas e o problema do cálculo econômico
Desde que os recentes eventos ajudaram os partidos socialistas a obterem poder na Rússia, na Hungria, na Alemanha e na Áustria, e consequente fizeram com que a implementação de um programa socialista de estatização se tornasse uma questão atual,[20] escritores marxistas começaram eles próprios a abordar com mais detalhes os problemas da regulação da economia socialista. Porém, mesmo hoje eles ainda evitam a questão crucial, deixando que ela seja resolvida pelos “utopistas”. Eles próprios preferem confinar sua atenção a tudo o que deve ser feito no futuro imediato. E é isso que eles sempre fizeram: estão eternamente elaborando programas sobre o caminho para o socialismo e não sobre o socialismo em si próprio. A única conclusão possível a ser obtida destes escritos é que tais escritores não estão sequer conscientes do problema maior, que é exatamente o problema do cálculo econômico em uma sociedade socialista.
Para Otto Bauer, a estatização dos bancos é o último e decisivo passo rumo ao programa socialista de estatização. Se todos os bancos forem estatizados e amalgamados em um único banco central, então seu conselho administrativo passará a ser “a suprema autoridade econômica, o principal órgão administrativo de toda a economia. Somente por meio da estatização dos bancos terá a sociedade o poder de regular sua mão-de-obra de acordo com um plano, e de distribuir seus recursos racionalmente entre os vários setores da produção de modo a adaptá-los às necessidades da nação”.[21]
Bauer não está discutindo os arranjos monetários que irão prevalecer na economia socialista após a conclusão da estatização dos bancos. Assim como outros marxistas, ele está tentando mostrar quão simples e óbvio será o processo de transição das atuais condições vigentes em uma economia capitalista para a futura ordem socialista. “Basta transferir para os representantes da nação o poder que hoje é exercido pelos acionistas dos bancos por meio dos Conselhos Administrativos que eles elegem”[22] para que se possa estatizar os bancos e, com isso, assentar o último tijolo na construção do socialismo.
Bauer deixa seus leitores completamente ignorantes do fato de que a natureza dos bancos é totalmente alterada nesse processo de estatização e fusão em um único banco central. Assim que os bancos se fundirem em um único Banco, toda a sua essência será inteiramente transformada; eles passarão a poder emitir crédito sem qualquer restrição.[23] Consequentemente, o sistema monetário como o conhecemos hoje desaparecerá por completo. Quando, no mais, o único banco central de uma sociedade — a qual já está completamente socializada — for estatizado, as transações de mercado irão desaparecer e todas as trocas comerciais por meio da moeda serão abolidas. Ao mesmo tempo, o Banco deixa de ser um banco e suas funções específicas são extintas, pois não mais há lugar para ele nesta sociedade. Pode até ser que o nome “Banco” seja mantido, que o Supremo Conselho Econômico da economia socialista passe a ser chamado de Conselho de Diretores do Banco, e que eles façam suas reuniões em um edifício anteriormente ocupado por um banco. Mas ele não mais é um banco, ele não cumpre nenhuma daquelas funções que um banco realiza em um sistema econômico baseado na propriedade privada dos meios de produção e no uso de um meio geral de troca — o dinheiro. Ele não mais distribui qualquer tipo de crédito, pois uma sociedade socialista faz com que o crédito inevitavelmente se torne impossível.
O próprio Bauer não nos diz o que é um banco, porém ele começa seu capítulo sobre a estatização dos bancos com a seguinte frase: “Todo o capital disponível flui para um fundo comum nos bancos”.[24] Como marxista, não deveria ele suscitar a pergunta sobre quais serão as atividades dos bancos após a abolição do capitalismo?
Todos os outros escritores que já abordaram os problemas da organização da economia socialista são também culpados de confusões similares. Eles não percebem que as bases do cálculo econômico são removidas pela exclusão do mecanismo de precificação e de trocas, e que algo deve ser colocado em seu lugar, caso se deseje que toda a economia não seja abolida e disso não surja um caos desesperador. As pessoas acreditam que instituições socialistas irão se desenvolver sem dificuldades e sem grandes cerimônias a partir das instituições de uma economia capitalista. Mas isso, em absoluto, irá ocorrer. E tudo se torna ainda mais grotesco quando se fala de bancos, gerenciamento de bancos etc. em uma economia socialista.
Referências às condições que ocorreram na Rússia e na Hungria sob domínio soviético nada provam. O que ocorre lá nada mais é do que um retrato da destruição de uma vigente ordem de produção social, a qual foi substituída por uma economia fechada baseada na sociedade camponesa. Todos os setores da produção dependentes da divisão social do trabalho se encontram em um estado de total dissolução. O que está ocorrendo sob o domínio de Lênin e Trotsky é pura destruição e aniquilação.
Se, como asseguram os liberais, o socialismo inevitavelmente deixa tais consequências em seu rastro, ou se, como respondem os socialistas, tais consequências são apenas resultado do fato de que a República Soviética está sendo atacada de fora, é uma questão que para nós não tem importância dentro do contexto aqui abordado. O que tem de ser estabelecido é o fato de que a comunidade socialista soviética nem sequer começou a discutir o problema do cálculo econômico, tampouco possui a intenção de fazê-lo. Pois nos lugares da Rússia Soviética onde bens ainda são produzidos para serem vendidos no mercado — não obstante as proibições governamentais —, tais bens ainda são valorados em termos de dinheiro, pois ainda existe ali a propriedade privada dos meios de produção, e os bens são vendidos em troca de dinheiro. Nem mesmo o governo pode negar a necessidade, a qual ele próprio confirma ao aumentar a quantidade de dinheiro em circulação, de manter um sistema monetário por um período de tempo suficiente para, no mínimo, efetuar o período de transição.
Que a essência do problema a ser enfrentado pela Rússia Soviética ainda não tenha vindo à luz é algo perfeitamente comprovado pelas declarações de Lênin contidas em seu ensaio Die nächsten Aufgaben der Sowjetmacht. Nas deliberações do ditador há a recorrente ideia de que a mais urgente e imediata tarefa do comunismo russo é “a organização das escriturações contábeis e o controle daquelas empresas das quais os capitalistas já foram expropriados, bem como de todas as outras empresas da economia.”[25] Lênin continua longe de entender que há um problema inteiramente novo com o qual ele está lidando, problema esse que é impossível de ser solucionado por meio dos instrumentos tradicionais da cultura “burguesa”. Como um verdadeiro político, ele não se preocupa com as questões que vão um pouco mais além do seu nariz. Ele ainda se encontra rodeado de transações monetárias, e não percebe que, com a progressiva socialização, o dinheiro também irá necessariamente perder a sua função de meio de troca de uso geral, pois, com a abolição da propriedade privada, as trocas também desaparecerão.
A implicação contida naquela frase de Lênin é a de que ele gostaria de reintroduzir na economia soviética as técnicas contábeis “burguesas”, as quais só podem ocorrer em um ambiente monetário. Consequentemente, ele também deseja fazer com que “especialistas burgueses” sejam novamente elevados a um estado de graça.[26] De resto, Lênin é tão ignorante quanto Bauer do fato de que, em uma economia socialista, as funções de um banco são inconcebíveis considerando-se seu atual formato. Ele deseja ir ainda mais longe na “estatização dos bancos”, implementando “uma transformação completa dos bancos, fazendo com que eles se tornem o ponto nodal do sistema socialista de contabilidade social.”[27]
As ideias de Lênin sobre o sistema econômico socialista, o qual ele está se esforçando para implementar sobre seu povo, são amplamente obscuras.
O estado socialista só pode surgir como uma rede de comunas produtoras e consumidoras, as quais diligentemente registram sua produção e consumo, efetuam seu trabalho de maneira parcimoniosa, elevam a produtividade de sua mão-de-obra ininterruptamente e, assim, alcançam a possibilidade de reduzir as horas de trabalho para sete ou seis ou até menos horas por dia.[28] […]
Cada vilarejo representa uma comuna produtora e consumidora que tem o direito e a obrigação de aplicar a legislação geral soviética à sua própria maneira (‘à sua própria maneira’ não no sentido de sua violação, mas sim no sentido da variedade de suas formas de realização), e de solucionar à sua própria maneira o problema de como calcular a produção e a distribuição dos produtos.[29]
“As mais importantes comunas devem e irão servir como educadoras, professoras e líderes estimulantes para as mais atrasadas.” Os sucessos das principais comunas têm de ser difundidos em todos os seus detalhes para assim servirem de bom exemplo. As comunas que “mostrarem bons resultados” devem ser imediatamente premiadas “com uma redução no dia de trabalho e com um aumento nos salários, e permitindo que se dê mais atenção a bens e valores culturais e estéticos.”[30]
Podemos deduzir que o ideal de Lênin é uma sociedade na qual os meios de produção não são de propriedade de alguns distritos ou municipalidade, e nem mesmo dos trabalhadores das empresas, mas sim de todo o público. Seu ideal é socialista e não sindicalista. Tal contradição não precisa ser especialmente enfatizada para um marxista como Lênin — afinal, tal programa, embora não seja estranho para o Lênin teorista, é bastante estranho para o Lênin estadista, que é o líder da revolução sindicalista camponesa russa. No entanto, por ora, estamos nos concentrando no escritor Lênin, e podemos considerar seus ideais separadamente, sem nos deixarmos afetar pelo retrato da fria realidade.
De acordo com o Lênin teorista, cada grande empresa agrícola e industrial é um membro da grande comunidade do trabalho. Aqueles que são ativos nessa comunidade têm o direito a um governo autônomo; eles exercem uma profunda influência na direção da produção e, de novo, na distribuição dos bens que lhes são especificados para consumo. No entanto, dado que a mão-de-obra é propriedade de toda a sociedade, e como seu produto também pertence à sociedade, a consequência é que os trabalhadores não controlam sua distribuição. Logo, a pergunta torna-se inevitável: como o cálculo econômico será feito em uma comunidade socialista organizada desta forma? Lênin nos fornece uma resposta totalmente inadequada ao apelar novamente às estatísticas.
Temos de levar a estatística às massas e torná-la popular, de modo que a população ativa irá gradualmente aprender por conta própria a perceber quanto e qual tipo de trabalho tem de ser realizado, e quanto e qual tipo de recreação deve ser implementado, de modo que a comparação dos resultados industriais das comunas individuais se torne objeto de educação e interesse geral.[31]
Baseando-se nestas escassas alusões, é impossível concluir o que Lênin entende por estatística, e tampouco se ele está pensando em uma computação monetária ou in natura. Em todo caso, temos de voltar ao que já foi dito sobre a impossibilidade de se determinar preços monetários dos bens de produção em uma economia socialista e sobre as dificuldades que impedem a valoração in natura.[32] A estatística só seria aplicável ao cálculo econômico se ela pudesse ir além do cálculo in natura, cuja inadequação a esse propósito já foi demonstrada. Ela é naturalmente impossível de ser utilizada onde nenhuma relação de troca entre bens no processo de transação comercial é formada.
Os defensores de um sistema socialista de produção alegam preferência por tal sistema em decorrência de sua suposta maior racionalidade em relação a uma economia constituída de forma a depender da propriedade privada dos meios de produção. Dentro do arcabouço do presente ensaio, não é necessário levar em consideração essa opinião, uma vez que ela recai na afirmação de que a atividade econômica racional necessariamente não pode ser perfeita, pois existem determinadas forças que impedem tal consumação. Consequentemente, devemos nos concentrar apenas nas razões técnicas e econômicas dessa opinião. Os seguidores desta doutrina possuem uma confusa concepção de racionalidade técnica, a qual é vista como a antítese da racionalidade econômica, sobre a qual eles também não são muito claros. Eles têm o hábito de ignorar o fato de que “toda a racionalidade técnica da produção é idêntica a um baixo nível de gastos específicos no processo de produção”.[33] Eles ignoram o fato de que o cálculo técnico não é suficiente para descobrir o “grau de conveniência geral e teleológica”[34] de um evento; que ele só pode qualificar eventos individuais de acordo com a significância destes, mas que ele jamais pode nos guiar naqueles julgamentos que são exigidos pelo sistema econômico como um todo. É somente em decorrência do fato de que considerações técnicas podem ser baseadas na lucratividade, que podemos superar a dificuldade que surge da complexidade das relações entre, de um lado, o poderoso sistema de produção vigente e, do outro, a demanda e a eficiência de empresas e unidades econômicas. Da mesma forma, é somente por causa de considerações técnicas para com a lucratividade que podemos obter o retrato completo da situação em sua totalidade, algo essencial para uma atividade econômica racional.[35]
As teorias socialistas são dominadas por uma confusa concepção quanto à primazia do valor objetivo. Com efeito, no que tange à administração da economia, o valor objetivo irá adquirir significância para a economia somente por meio da influência que ele deriva do valor subjetivo, o qual determina as relações de troca de bens econômicos. Uma segunda ideia confusa é inexplicavelmente incluída nessa primeira — a oposição entre o juízo de valor pessoal que um observador faz em relação à utilidade de determinados bens e o juízo de valor que todas as outras pessoas que participam nas transações econômicas também fazem desses bens. Se um indivíduo considera “irracional” gastar muito dinheiro com cigarros, bebidas e prazeres similares, então sem dúvida ele está certo do ponto de vista de sua própria escala pessoal de valores. Porém, ao fazer tal julgamento, ele está ignorando o fato de que a economia é apenas um meio, e que, quaisquer que sejam suas considerações racionais que influenciam seu padrão de preferências, a escala de fins supremos é uma questão de conação [tendência consciente para atuar] e não de cognição.
O fato de que a atividade econômica racional é impossível em uma sociedade socialista não pode, obviamente, ser utilizado como um argumento a favor ou contra o socialismo. Aquele que está disposto a adotar o socialismo por questões éticas e que sabe que a oferta de bens de consumo para os seres humanos sob um sistema de propriedade comum dos meios de produção será reduzida, ou aquele que é guiado por ideais ascéticos em seu desejo pelo socialismo, não irá deixar seus esforços serem influenciados por tudo o que foi dito neste ensaio. Menos ainda serão influenciados aqueles socialistas “culturais” que, como Muckle, esperam que o socialismo primariamente efetue “a dissolução da mais assustadora de todas as barbáries — a racionalidade capitalista.”[36] Porém, aquele que espera que o socialismo traga um sistema econômico racional será forçado a reexaminar suas noções.
[1] Oskar Lange, “On the Economic Theory of Socialism,” Review of Economic Studies (1936-37).
[2] Enrico Barone, “Ii zninisterio della produzione nello stato collettivista,” Giornale degli Economisti e Revista di Statistica, vol 37 (1908).
[3] Friedrich A. Hayek, “Socialist Calculation: the Competitive ‘Solution’,” Economica, ns., vol. vii, no. 26 (1940).
[4] Karl Kautsky, The Social Revolution and On the Morrow of the Social Revolution (London: Twentieth Century Press, 1907), Parte II, p.1.
[5] [Por “ordem mais baixa”, Mises se refere aos bens de consumo final, e por “ordem mais alta”, àqueles utilizados na produção.]
[6] Aplicando-se esse termo, é claro, apenas no sentido do agente que avalia, e não em um sentido objetivo e universalmente aplicável.
[7] Franz Cuhel, Zur Lehre von den Bedürfnissen (Innsbruck: Wagner’ssche Universität-Buchhandlung, 1907), pp.198 f.
[8] Cf. Friedrich von Wieser, Über den Ursprung und die Hauptgesetze des wirtschaftlichen Eertes (Viena: A. Hölder, 1884), pp. 185 f.
[9] Cf. Mises, Theorie des Geldes und der Umlaufsmittel (Munich and Leipzig: Duncker & Humblot, 1912), p. 16, com as referências ali fornecidas. [Ver a tradução de H.E. Batson, The Theory of Money and Credit (Indianapolis: Liberty Classics, 1980), p. 52.]
[10] Friedrich von Gottl-Ottlilienfeld, Wirtschaft und technik (Grundriss der Sozialökonomik, Seção II; Tübingen: J.C.B. Mohr, 1914), p. 216.
[11] Esse fato também é reconhecido por Otto Neurath (Durch die Kriegswirtschaft zur Naturalwirtschaft[Munique: G.D.W. Callwey, 1919], pp. 216 f.). Ele defende a idéia de que toda economia completamente administrativa é, em última instância, uma economia natural. “A socialização”, diz ele, “é portanto a busca pela economia natural”. Neurath meramente ignora as insuperáveis dificuldades que seriam inerentes ao cálculo econômico em uma sociedade socialista.
[12] Friedrich Engels, Herrn Eugen Dührings Umwälzung des Wissenschaft, 7th ed., pp. 335 f. [Traduzido por Emile Burns como A Revolução Científica de Herr Eugen Dühring – Anti-Düring (Londres: Lawrence & Wishart, 1943).]
[13] Karl Marx, Capital, traduzido por Eden e Cedar Paul (Londres: Allen & Unwin, 1928), p. 9.
[14] Karl Marx, Capital, traduzido por Eden e Cedar Paul (Londres: Allen & Unwin, 1928), p. 12.
[15] Karl Marx, Capital, traduzido por Eden e Cedar Paul (Londres: Allen & Unwin, 1928), p. 13 et seq.
[16] Cf. Eugen von Böhm-Bawerk, Capital and Interest, traduzido por William Smart (Londres e Nova York: Macmillan, 1890), p. 384.
[17] Cf. Vorläufiger Bericht der Sozialisierungskommission über die Fragse der Sozialisierung des Kohlenbergbaues, concluído em 15 de fevereiro de 1919 (Berlin, 1919), p. 13.
[18] Cf. Karl Kautsky, Prefácio de “Atlanticus” [Gustav Jaeckh], Produktion und Konsum im Sozialstaat (Stuttgart: J.H.W. Dietz, 1898), p. 14.
[19] Cf. Otto Bauer, Der Weg zum Sozialismus (Vienna: Ignaz Brand, 1919), p. 25.
[20] [O leitor deve ser lembrar que Mises está escrevendo em 1920]
[21] Cf. Otto Bauer, Der Weg zum Sozialismus (Vienna: Ignaz Brand, 1919), p. 26 f.
[22] Cf. Otto Bauer, Der Weg zum Sozialismus (Vienna: Ignaz Brand, 1919), p. 25.
[23] Cf. Mises, Theorie des Geldes und der Umlaufsmittel (Munich and Leipzig: Duncker & Humblot, 1912), p. 474 ff. [Ver a tradução para o inglês The Theory of Money and Credit (Indianapolis: Liberty Classics, 1980), p. 411 da edição de 1980.]
[24] Cf. Otto Bauer, Der Weg zum Sozialismus (Vienna: Ignaz Brand, 1919), p. 24 f.
[25] Cf. V.I. Lenin, Die nächsten Aufgaben der Sowjetmacht (Berlin: Wilmersdorf, 1919), pp. 12 f., 22ff. [English translation, The Soviets at Work]
[26] Cf. V.I. Lenin, Die nächsten Aufgaben der Sowjetmacht (Berlin: Wilmersdorf, 1919), pp. 15. [English translation, The Soviets at Work.]
[27] Cf. V.I. Lenin, Die nächsten Aufgaben der Sowjetmacht (Berlin: Wilmersdorf, 1919), pp. 21 and 26. [English translation, The Soviets at Work.] Ver também Bukharin, Das Programm der Kommunisten (Zurich: no pub., 1918), pp. 27 ff.
[28] Cf. V.I. Lenin, Die nächsten Aufgaben der Sowjetmacht (Berlin: Wilmersdorf, 1919), pp. 24 f.. [English translation, The Soviets at Work.]
[29] Cf. V.I. Lenin, Die nächsten Aufgaben der Sowjetmacht (Berlin: Wilmersdorf, 1919), pp. 32. [English translation,The Soviets at Work.]
[30] Cf. V.I. Lenin, Die nächsten Aufgaben der Sowjetmacht (Berlin: Wilmersdorf, 1919), pp. 33. [English translation, The Soviets at Work.]
[31] Cf. V.I. Lenin, Die nächsten Aufgaben der Sowjetmacht (Berlin: Wilmersdorf, 1919), pp. 33. [English translation, The Soviets at Work.]
[32] Neurath também imputa grande importância à estatística na concepção do plano econômico socialista. Otto Neurath (Durch die Kriegswirtschaft zur Naturalwirtschaft [Munich: G.D.W. Callwey, 1919], pp. 212 et seq.).
[33] Friedrich von Gottl-Ottlilienfeld, Wirtschaft und technik (Grundriss der Sozialökonomik, Section II; Tübingen: J.C.B. Mohr, 1914), p. 220.
[34] Friedrich von Gottl-Ottlilienfeld, Wirtschaft und technik (Grundriss der Sozialökonomik, Section II; Tübingen: J.C.B. Mohr, 1914), p. 219.
[35] Friedrich von Gottl-Ottlilienfeld, Wirtschaft und technik (Grundriss der Sozialökonomik, Section II; Tübingen: J.C.B. Mohr, 1914), p. 225.
[36] Friedrich Muckle, Das Kulturideal des Sozialismus (Munich and Leipzig: Duncker & Humblot, 1919), p. 213. Por outro lado, Muckle exige o “mais alto grau de racionalização da vida econômica com o intuito de reduzir as horas de trabalho e permitir que o homem se recolha a um ilha onde ele possa ouvir a melodia de seu ser.”