Lembro-me vividamente do dia, no final de março, quando as máscaras repentinamente se tornaram sinônimo de moralidade: ou alguém se preocupava com a vida dos outros e colocava uma máscara, ou era egoísta e se recusava a fazê-lo. A mudança ocorreu virtualmente na calada da noite.
Apenas um ou dois dias antes, eu associava esse traje apenas a cirurgiões e pessoas que viviam em regiões altamente poluídas. Agora, o passatempo favorito dos meus amigos durante nossas sessões semanais de Zoom era criticar as pessoas por correr ou se socializar sem máscaras no parque. Fiquei perplexa a certeza deles de que pedaços de pano eram a única coisa que nos separava da morte em massa, principalmente quando, poucas semanas antes, a mensagem de especialistas médicos contradizia essa nova doutrina.
Em 29 de fevereiro, o cirurgião geral dos Estados Unidos tweetou de forma categórica: “Sério gente – PAREM DE COMPRAR MÁSCARAS. . . Elas NÃO são eficazes para evitar que o público em geral pegue o #Coronavírus.” Anthony Fauci, o membro mais conhecido da força-tarefa do coronavírus, aconselhou as pessoas a não usarem máscaras. Da mesma forma, nas primeiras semanas da pandemia, o CDC afirmou que as máscaras deveriam ser usadas apenas por indivíduos sintomáticos ou cuidando de uma pessoa doente, uma posição que a OMS defendeu por ainda mais tempo.
Tão rapidamente quanto o uso de máscaras se tornou uma questão de ética, a questão se transformou em política, exemplificada por um artigo publicado em 27 de março no New York Times, intitulado “Mais pessoas provavelmente deveriam usar máscaras para proteção”. O texto era duro em fomentar o medo e fraco em evidências. Embora reconhecendo que “há muito poucos dados mostrando que as máscaras cirúrgicas, em particular, têm um efeito protetor para o público em geral”, o autor continuou a argumentar que “podem ser melhores do que nada” e citou alguns estudos nos quais as máscaras cirúrgicas reduziram ostensivamente as taxas de transmissão da gripe.
Um relatório chegou à sua conclusão com base nas observações de uma “cabeça de manequim presa a um simulador de respiração“. Outro analisou o uso de máscaras cirúrgicas em pessoas com pelo menos dois sintomas de doença respiratória aguda. A propósito, nenhum desses estudos envolveu máscaras de pano ou levou em conta o uso (ou mau uso) de máscara no mundo real entre leigos, e nenhum estabeleceu a eficácia do uso generalizado de máscara por pessoas que não exibiam sintomas. Simplesmente não havia nenhuma evidência de que pessoas saudáveis deviam usar máscaras quando viviam suas vidas, especialmente ao ar livre. No entanto, em abril, andar pelas ruas do bairro com o nariz e a boca expostos evocou o tipo de reação que em fevereiro teria sido observada no caso de alguém passeando com uma metralhadora.
Em pouco tempo, a politização se intensificou. O presidente Trump se recusou a usar máscara relativamente cedo, então a resistência a usa-las foi equiparada a seu apoio. Da mesma forma, os políticos democratas em todos os escalões adotaram avidamente o traje; consequentemente, todos os bons esquerdistas usavam máscaras religiosamente no início de abril. Da mesma forma, jornais de esquerda como o New York Times e o Washington Post promoveram inequivocamente o uso de máscaras (i.e., aqui, aqui, aqui e aqui) depois daquele artigo de 27 de março, sem nenhuma análise real ou consideração de pontos de vista e evidências opostas.
A velocidade com que o uso de máscaras pelo público em geral passou de uma necessidade desconhecida para uma necessidade moral me pareceu suspeita. Afinal, se a ciência fosse tão hermética quanto aqueles ao meu redor afirmavam, certamente as máscaras teriam sido recomendadas em janeiro ou fevereiro, sem falar em surtos de doenças infecciosas anteriores, como a gripe suína de 2009. Parecia improvável que a prova científica se tornasse incontestável em algum momento entre o final de fevereiro e o final de março, particularmente na ausência de qualquer nova evidência aparecendo durante esse período.
Talvez nada disso seja particularmente surpreendente nesta era hiperpolítica. O que é chocante é a participação da comunidade científica na subversão de evidências que não condizem com o consenso. Um excelente exemplo é a afirmação bastante surpreendente do Institute of Health Metrics Evaluation (“IHME”), publicada na revista Nature-Medicine e ecoada em incontáveis artigos posteriormente, de que as vidas de 130.000 pessoas poderiam ser salvas com um decreto de máscara em todo o país.
Como meu colega Phil Magness apontou em um artigo no Wall Street Journal, o modelo IHME foi baseado em dados defeituosos: ele assumiu que 49% dos americanos estavam usando máscaras com base em uma pesquisa realizada entre abril e junho, enquanto afirmava que a estatística representava o número de americanos usando máscaras em 21 de setembro. Na verdade, no verão, cerca de 80% dos americanos as usavam regularmente. (Ironicamente, se o Dr. Fauci e o Cirurgião Geral não tivessem estragado a mensagem em março, o uso da máscara provavelmente teria atingido taxas muito mais altas muito antes).
Isso colocou em questão a precisão do número de 130.000, uma vez que muito mais pessoas usavam habitualmente máscaras do que o estudo presumia.
Embora Magness tenha contatado a Nature-Medicine para apontar o problema, após protelar por quase duas semanas, o jornal se recusou a abordar o assunto. Desnecessário dizer que o estrago estava feito: jornais como o New York Times sem dúvida não conseguiriam corrigir o erro e qualquer retratação certamente seria colocada longe da primeira página, onde o artigo inicial anunciando os números do IHME apareceu. Assim, como esperado, a alegação infundada de que 130.000 vidas poderiam ser salvas com um decreto de máscara em todo o país continua a ser repetida, incluindo pelo presidente eleito Joe Biden e o Diretor do National Institutes of Health Francis Collins.
Que a ciência por trás do uso da máscara é questionável, na melhor das hipóteses, é ainda exemplificado por uma carta ao editor escrita em resposta ao artigo de Magness. O Dr. Christopher Murray reconheceu que as taxas de uso de máscaras aumentaram constantemente, mas então concluiu que as máscaras deveriam ser usadas porque são “nossa primeira linha de defesa contra a pandemia” e o modelo IHME atual indica que “se 95% dos residentes dos EUA usassem máscaras ao sair de casa, poderíamos evitar a morte de dezenas de milhares de americanos” porque “as máscaras funcionam e “haverá uma dor muito mais profunda se nos recusarmos a usá-las”.
Nada disso explica a falha da Nature-Medicine ou dos modeladores do IHME em reconhecer e corrigir o erro. Além disso, nem os modeladores do IHME nem o Dr. Murray fornecem qualquer evidência de que as máscaras funcionem. Eles presumem que as máscaras são extremamente eficazes na prevenção da disseminação do coronavírus e, então, afirmam que o modelo está correto por esse motivo. Esse tipo de raciocínio circular é muito típico daqueles que insistem tão veementemente que as máscaras são eficazes sem se dar ao trabalho de substanciar essa afirmação – ou diferenciar o que seria provavelmente um benefício ínfimo do uso de máscara em locais internos específicos e quando em contato próximo de indivíduos e alto risco da propensão da mídia de retratar as máscaras como uma bala de prata para deter o vírus em todas as circunstâncias.
A cobertura dada a um estudo recente de máscaras conduzido na Dinamarca também resume o fracasso da comunidade científica em se envolver rigorosamente com resultados que não se encaixam na narrativa de máscaras-como-panaceia prevalecente. O primeiro estudo randomizado e controlado desse tipo (outro apareceu em maio, mas referia-se à gripe e teve resultados semelhantes), encontrou uma ausência de evidências empíricas de que as máscaras fornecem proteção às pessoas que as usam, embora aparentemente não avalie se elas evitam infecção daqueles que tem contato com o portador do vírus. O relatório foi coberto por um artigo do New York Times com a manchete paternalista: “Um novo estudo questiona se as máscaras protegem os usuários. Você precisa usá-las de qualquer maneira.”
Observando que os resultados “conflitam com os de uma série de outros estudos”, principalmente “exames de laboratório das partículas bloqueadas por materiais de vários tipos”, o autor observou que, portanto, esta pesquisa “não é susceptível de alterar as recomendações de saúde pública no país.” Notavelmente, os exames laboratoriais, ao contrário do estudo dinamarquês, não levam em consideração a realidade do uso diário de máscaras por profissionais não médicos.
O autor então cita Susan Ellenberg, uma bioestatística da Universidade da Pensilvânia, que afirma que o estudo indica uma tendência: “‘na direção do benefício ’, mesmo que os resultados não sejam estatisticamente significativos. ‘Nada neste estudo sugere. . . que é inútil usar uma máscara’”, de acordo com a Dra. Ellenberg.
Nem nada neste estudo sugere que seja útil usar uma máscara, um fato que a Dra. Ellenberg (e a manchete) convenientemente ignora. Além disso, se um resultado é estatisticamente insignificante, ele não deve ser usado para justificar qualquer proposição – como mesmo eu, uma leiga, sei.
Os cientistas devem analisar desapaixonadamente os dados que contradizem seus preconceitos e suposições e estar abertos para mudar suas crenças de acordo. O fato de os resultados do único estudo randomizado e controlado terem sido e continuarem a ser automaticamente desconsiderados demonstra que, quando se trata do assunto das máscaras, qualquer coisa que se aproxime do método científico foi jogada na lata do lixo. Isso é ainda mais evidente devido à falta de interesse que os proponentes das máscaras mostraram em conduzir eles próprios um estudo randomizado e controlado.
Um artigo do Los Angeles Times foi ainda mais longe: distorceu as descobertas do estudo dinamarquês ao argumentar, incompreensivelmente, que a pesquisa demonstrou que mais uso de máscaras é necessário. O autor citou, como evidência supostamente convincente de que as máscaras funcionam, as baixas taxas de mortalidade da Covid-19 em Cingapura, Vietnã e Taiwan. De fato, de acordo com a última pesquisa YouGov, realizada em meados de novembro, 83% dos americanos agora usam máscaras em público, taxas mais altas do que no Vietnã (77%) e Taiwan (82%).
Além disso, existem outras explicações, além do uso generalizado de máscaras, para as taxas de mortalidade notavelmente baixas nesses países. Alguns cientistas acreditam que a exposição prévia a outros coronavírus nessas regiões pode conferir imunidade parcial ou total ao SARS-CoV-2. Outros especularam que a obesidade, o meio ambiente ou a genética poderiam ser a razão de a Europa e os Estados Unidos terem taxas de mortalidade substancialmente mais altas do que muitos países asiáticos e africanos; afinal, a obesidade é um dos fatores de risco mais significativos para doenças graves.
Concluir com base nas baixas taxas de mortalidade em vários países que as máscaras evitam a transmissão do coronavírus é evidentemente absurdo, ilógico e não científico. Um observador casual também pode notar que os casos de coronavírus (embora não necessariamente mortes) estão aumentando em muitas partes do mundo, independentemente dos decretos de máscara ou taxas de implementação. Embora não seja um experimento controlado, esse fato pelo menos deve ser abordado ao fazer tais afirmações abrangentes.
Em última análise, não tenho as credenciais para determinar se ou não – ou em que medida – as máscaras funcionam. Mas é óbvio que a questão se tornou tão politizada que os principais meios de comunicação, políticos e até cientistas aproveitam o menor sinal de evidência favorável, descartam de imediato qualquer coisa que entre em conflito com sua teoria e, o mais grave de todos, deturpam os dados, para apoiar a conclusão de que as máscaras usadas por pessoas assintomáticas impedem a transmissão do coronavírus.
E as máscaras são apenas uma parte dessa história: fechamentos de escolas, quarentenas e distanciamento social foram todos dogmaticamente adotados como um meio de controlar infecções. A evidência substancial de que esses mecanismos não são eficazes, especialmente além de sua duração, foi automaticamente rejeitada por muito tempo. Isso não é ciência: é política, e aqueles dentro da profissão que se recusaram a examinar seus vieses de confirmação, ou manipularam as evidências para marcar pontos políticos, são totalmente desqualificados para o trabalho.
Artigo original aqui.