Muitas pessoas que são ou se consideram anarcocapitalistas afirmam que essa teoria de defesa da propriedade privada e do direito natural transcende o diagrama político de direita e esquerda. É evidente que é possível interpretar dessa maneira. No entanto, se analisarmos o anarcocapitalismo dentro de suas proposições morais, éticas, culturais e filosóficas, vamos ver que o mesmo se enquadra perfeitamente à direita do diagrama político, podendo inclusive ser considerado sua representação mais radical; acima de tudo, é interessante nos propormos a fazê-lo, pelo simples fato de que existem muitos outros anarquismos, e todos eles são, sem exceções, de esquerda. Portanto, é interessante inserirmos o anarcocapitalismo na direita do diagrama político, como uma disciplina complementar dentro da cultura anarquista.
Mas, então, que outros anarquismos existem? E por que o anarcocapitalismo é tão diferente dos demais?
O anarcocoletivismo, o anarcocomunismo, o anarcoindividualismo, o anarcoprimitivismo, o anarcossindicalismo e o anarquismo de mercado anticapitalista são algumas das principais vertentes anarquistas que são estudadas e difundidas atualmente. Todas elas são filosofias sócio-culturais que poderiam ser inequivocamente classificadas como anarquismos de esquerda.
Todos essas escolas anarquistas são derivadas ou foram diretamente influenciadas pelo anarquismo clássico, cujo expoente máximo foi o filósofo e pensador francês Pierre-Joseph Proudhon (1809 – 1865), fundador do mutualismo e, historicamente, o primeiro indivíduo a definir-se como um anarquista; embora naquela época a definição de direita e esquerda que usamos hoje ainda não existisse — ao menos, não da maneira como interpretamos atualmente —, o anarquismo clássico também poderia ser facilmente enquadrado na esquerda do diagrama político. Isso porque Proudhon defendia a democratização da propriedade. Uma de suas obras, inclusive, é intitulada “A Propriedade é um Roubo”. (Não obstante, é interessante ressaltar que o posicionamento de Proudhon, bem como as interpretações posteriores, tanto críticas quanto acadêmicas, de sua obra, além da distinção que ele fazia entre posse e propriedade, são bastante controversas, e dão margem para interpretações bem variadas).
O anarcocapitalismo, no entanto, possui inúmeras distinções com relação a todas as demais escolas anarquistas. Para começar, sua origem está no liberalismo clássico. Por essa razão, tem uma base econômica muito mais coesa, sólida e racional. Essa é uma das razões que faz com que anarcocapitalistas sejam exímios defensores da propriedade privada, pois sabem que ela é indispensável para o cálculo econômico. Não obstante, sua defesa está igualmente alicerçada a um conjunto ético de valores e princípios, jamais se restringindo ao simples utilitarismo.
Aqui nesse artigo, portanto, vamos exaltar duas diferenças fundamentais do anarcocapitalismo com relação aos demais anarquismos. O fato de que anarcocapitalistas são defensores intransigentes da propriedade privada — o que possivelmente constitui a maior divergência entre o anarcocapitalismo e as demais filosofias anarquistas —, e o fato de que o anarcocapitalismo é a única vertente do anarquismo que é compatível com indivíduos de cultura e mentalidade conservadora antiesquerdista e antirrevolucionária.
A origem e a teoria econômica do anarquismo
A abolição da propriedade privada sempre foi um pilar central de doutrinas como o socialismo, o comunismo e o anarquismo clássico. Mesmo quando todos os seus proponentes brigavam e discutiam fervorosamente entre si, eles convergiam nessa questão. Na verdade, podemos aprofundar essa explicação, para entender sua origem.
Até a metade do século 19, termos como socialismo e anarquismo eram praticamente intercambiáveis, e queriam dizer basicamente a mesma coisa. Se um indivíduo se declarasse anarquista, ele imediatamente era compreendido como sendo também um socialista, e vice-versa. Esse era o caso de Mikhail Bakunin, Benjamin Tucker e Peter Kropotkin, para citar apenas os ideólogos mais proeminentes. Com a ascensão do socialismo autoritário de vertente marxista, esses indivíduos posteriormente passaram a ser descritos como socialistas anarquistas, para distingui-los dos socialistas estatistas, cujo movimento acabaria crescendo, vindo a suplantar e infelizmente eclipsar o socialismo de vertente libertária, que inicialmente era muito maior.
O socialismo, portanto, surgiu inicialmente como uma vertente cultural e filosófica libertária em oposição ao capitalismo. É fundamental entender, no entanto, que até o século XIX, o vocábulo “capitalismo” tinha um sentido muito diferente do que tem hoje. O termo capitalismo era basicamente compreendido no sentido de “monopólio econômico” — a concentração de renda e poder que servia de estrutura para a burguesia sufocar e escravizar o proletariado. Pouco tempo depois, com a ascensão da ideologia marxista, o termo capitalismo seria difundido basicamente nesse sentido, sendo consolidado e divulgado como análogo à exploração econômica, com a expansão da hegemonia cultural da esquerda política.
No entanto, a ideia central do socialismo (no sentido libertário anarquista) era acabar com o estado, porque isso invariavelmente acabaria com o sistema capitalista de exploração econômica da burguesia sobre o proletariado. Na visão dos anarquistas, a burguesia, além do capital, tinha também o monopólio e o controle sobre o estado, que ela usava para criar leis que a favoreciam, protegiam suas empresas, e criava um sistema social que garantia que o proletariado permanecesse escravo, em total sujeição a burguesia, que controlava integralmente os meios de produção.
Na visão dos primitivos anarquistas, portanto, o socialismo era um arranjo social e econômico que existia em oposição ao capitalismo. Abolindo o estado, o capitalismo — assim como a exploração econômica promovida e sustentada por ele — também deixaria de existir. No entendimento deles, o capitalismo só era sustentado e mantido graças ao estado. Consequentemente, o que surgiria a partir de um arranjo social sem o estado seria o socialismo. Para o socialismo triunfar, portanto, era necessário abolir o estado. Abolindo o estado, o capitalismo também desapareceria.
Quando Mikhail Bakunin conheceu Karl Marx, ambos se tornaram grandes amigos, por terem afinidades políticas, como a defesa radical do socialismo e do proletariado. A amizade, no entanto, durou pouco tempo, porque eles invariavelmente acabaram percebendo que defendiam tipos muito diferentes de socialismo.
Enquanto Bakunin propunha um socialismo sem estado, Marx propunha um socialismo de estado. Bakunin afirmava — e Kropotkin posteriormente aprofundaria as críticas nesse sentido — que o socialismo de estado jamais poderia funcionar, pois eventualmente se transformaria em um governo altamente repressivo. Não seria uma ditadura do proletariado, mas uma ditadura que se voltaria contra o proletariado. Infelizmente, as ditaduras socialistas que eclodiram no decorrer do século XX mostraram inequivocamente que as suposições de Bakunin sobre o socialismo marxista estavam totalmente corretas.
Marx, no entanto, era intransigente, e nunca se importou em dar ouvidos a Bakunin. Invariavelmente, ambos acabaram rompendo, em virtude das enormes divergências e incompatibilidades de pensamento que formaram um abismo intransponível entre eles, e que posteriormente mostrou ser irreconciliável. Não obstante, tanto o socialismo anarquista de Bakunin quanto o socialismo autoritário de Marx conservaram uma semelhança: ambos defendiam a abolição da propriedade privada.
A ojeriza a propriedade privada tem sua origem em um conceito econômico equivocado. Os anarquistas, socialistas e comunistas originais ingenuamente acreditavam que a propriedade privada garantia aos detentores dos meios de produção um monopólio exclusivo, e quem o blindava era o estado burguês. Sua abolição, portanto, libertaria o mercado, e paralelamente libertaria a população da sua condição de escravidão e pobreza. Eles erroneamente acreditavam que a propriedade privada era o principal vetor da exploração econômica.
Ignorantes para o fato de que a pobreza é o estado natural de qualquer civilização, eles não levavam em consideração o fato de que o capitalismo industrial — por mais brutal que tenha sido no seu alvorecer para as classes inferiores — produziu um nível de prosperidade e desenvolvimento tecnológico sem precedentes na Europa. Se a propriedade privada fosse abolida, ou os meios de produção socializados, a economia simplesmente entraria em colapso, e a pobreza voltaria a crescer, porém em níveis muito mais estarrecedores.
Os anarquistas de outras vertentes, no entanto, hostilizam o anarcocapitalismo porque persistem em compreender o capitalismo de acordo com a sua definição clássica histórico-marxista. Como em muitos de seus conceitos, eles permanecem presos a definições arcaicas e obsoletas, o que é comum a praticamente todas as ideologias de esquerda, que são incapazes de fazer uma leitura congruente da realidade, justamente por estarem presas a teorias políticas do passado. Adicionalmente, eles persistem em ver a propriedade privada como um eixo da exploração da classe trabalhadora, o que só reforça os parâmetros retrógrados dos anarquismos de esquerda, que ainda estão presos ao século 19, e portanto são fundamentalmente incapazes de analisar o mundo por uma perspectiva atual.
Para piorar essa miopia intelectual, esses indivíduos ainda enxergam a luta de classes como o elemento central dos conflitos da sociedade, quando na verdade o epicentro do conflito há muito tempo deixou de ser entre ricos e pobres, e hoje acontece entre o estado e a sociedade produtiva, que é composta por ricos, pobres e a classe média. Ou seja, a luta hoje é entre produtores e parasitas, criadores de riquezas e políticos, agentes inovadores e oligarcas monopolistas. O conflito social simplório e reducionista vislumbrado por anarquistas de outras vertentes resiste sumariamente em enxergar a raiz do problema, ainda que eles afirmem se opor vigorosamente ao estado. O anarcocapitalismo, portanto, por ser uma filosofia muito mais recente do que as demais vertentes anarquistas, faz uma leitura muito mais congruente, profunda e realista da sociedade contemporânea e dos problemas que a cercam.
Esquerda — do anarquismo radical ao estatismo totalitário
Quando indivíduos como o agorista Samuel Konkin, entre outros, afirmava que originalmente o livre mercado era defendido pela esquerda, ele expressava uma verdade. O anarquismo surgiu na esquerda; os anarquistas clássicos eram vigorosos opositores do estado, e combatiam com fervor e mordacidade o autoritarismo e o monopólio, e eram a favor de mercados livres e desimpedidos, não-monopolizados pela burguesia industrial detentora dos meios de produção, com influências na burocracia estatal.
Em decorrência das definições semânticas que foram mudando com o passar do tempo, no entanto, o significado de determinados termos acabou sendo completamente alterado. Anarcocapitalistas chamam a simbiose do estado com as grandes corporações de corporativismo, mas para os anarquistas que seguem a vertente clássica — e por extensão, o mesmo é válido para todos os anarquistas de esquerda —, isso seria apenas uma ramificação distinta e inevitável do capitalismo. Ainda assim, ambos não chegam a um acordo, tampouco defendem a mesma coisa, porque suas bases teóricas são radicalmente distintas.
Portanto, é necessário reconhecer em virtude da análise histórica, que a esquerda política, em sua concepção clássica, realmente pretendia libertar os indivíduos — e acima de tudo a classe trabalhadora — da escravidão promovida pelo capitalismo (em seu sentido marxista). Por isso, tantas vertentes diferentes de anarquismos de esquerda se desenvolveram. A esquerda era, de fato, originalmente libertária. Como explicado acima, os anarquistas originais (que eram todos socialistas libertários) viam o estado como a instituição que protegia a burguesia, e permitia a ela promover a exploração capitalista impunemente. Portanto, para libertar o proletariado, era fundamental deflagrar uma revolução para derrubar e abolir o estado. Abolindo o estado, a classe proletária estaria livre da opressão burguesa e capitalista. Karl Marx, no entanto, foi um dos primeiros a chamar os anarquistas revolucionários de socialistas utópicos.
Com o desenvolvimento da teoria marxista, todo esse cenário mudou drasticamente. Marx propunha algo radicalmente diferente — um socialismo autoritário. Ele defendia que o proletariado deveria se apropriar dos meios de produção, e também do estado, mas ao invés de aboli-lo, o proletariado deveria controlá-lo e implementar uma ditadura, a ditadura do proletariado (que, ironicamente, nunca existiu; todos os regimes socialistas totalitários foram implementados por revolucionários profissionais, e não por trabalhadores). Marx também argumentava que era fundamental abolir a democracia, para impedir a burguesia de voltar ao poder. Os proletários deveriam assumir o controle total do estado, tomar os meios de produção e oprimir a burguesia.
Dessa maneira, o socialismo autoritário ganhou proeminência, e em pouco tempo suplantou quase que totalmente o socialismo anarquista e suas inúmeras vertentes. Com o passar do tempo — especialmente no decorrer do século 20 —, a esquerda política foi se tornando radicalmente cada vez mais estatista e autoritária, e todas as formas de anarquismo propostas por ela acabaram sendo relegadas ao ostracismo, e eventualmente se tornaram teorias políticas marginais. Tanto isso é verdade que, atualmente, quando falamos em esquerda, a maioria das pessoas associa o termo a estatismo, autoritarismo e controle político. Pouquíssimas pessoas fazem qualquer associação da esquerda com anarquismo. Historicamente, no entanto, a esquerda era anarquista e libertária.
O anarcocapitalismo e os anarquismos de esquerda
As divergências teóricas existentes entre o anarcocapitalismo e as demais vertentes anarquistas são inevitáveis, porque o anarcocapitalismo é uma criação atual; portanto, faz uma leitura do mundo, dos problemas e das possibilidades econômicas como estas de fato se apresentam. Os anarquistas clássicos, por sua vez, ficaram totalmente parados no tempo. Isso é inevitável, visto que a teoria que defendem se originou no século XIX, e em quase nada acompanhou as mudanças drásticas e as evoluções radicais pelas quais a sociedade humana passou nos séculos XX e XXI. Por essa razão, muitas das críticas e avaliações que eles fazem estão fundamentalmente erradas, visto que persistem em analisar o mundo atual utilizando como ferramenta intelectual teorias políticas e econômicas que há muito tempo tornaram-se arcaicas e obsoletas.
Consequentemente, visto que estes indivíduos ainda estão, em sua maioria, presos a teorias do século XIX, usando termos, conceitos econômicos e teorias ultrapassadas que pouca validade tem no mundo atual, é natural que seus proponentes não compreendam — ou se recusem a compreender — as modificações orgânicas que ocorreram a partir da revolução econômica que deflagrou o capitalismo industrial e a produção de bens para consumo de massa, que se tornou uma força colossal imbatível no mundo moderno, o que permitiu inclusive a eclosão de múltiplos desdobramentos econômicos no século XX, dos quais o capitalismo liberal e o capitalismo de estado são apenas duas das principais ramificações.
O capitalismo liberal, por sua vez — conforme foi ganhando elasticidade em mercados menos regulados — procurou libertar-se progressivamente das amarras do estado, por perceber que a prosperidade dependia da redução, ou mesmo da supressão das regulações e da burocracia estatal. A partir do final do século XIX e começo do século XX, em vigorosa oposição a doutrinas estatistas e paternalistas, o capitalismo liberal passou a ser defendido pelo seu mais vigoroso proponente, o liberalismo clássico, que em pouco menos de um século se tornaria o embrião do anarcocapitalismo.
Por se originar não do anarquismo, mas do liberalismo clássico, o anarcocapitalismo é fundamentalmente diferente de todos os demais anarquismos, e justamente em função dessas diferenças, ele é alvo de constantes críticas por parte de praticamente todos os proponentes das demais vertentes anarquistas. Imprescindível, no entanto, é analisarmos a maior das divergências do anarcocapitalismo para as demais vertentes anarquistas: a defesa radical e intransigente da propriedade privada.
Todas as demais vertentes anarquistas, de uma forma geral, não consideram a propriedade privada legítima, em função das deficiências econômicas da sua teoria, que como mencionado acima, são arcaicas e obsoletas; portanto, são incapazes de fazer uma leitura eficaz da realidade. Anarcocapitalistas, no entanto, sabem perfeitamente que a propriedade privada é imprescindível para o estabelecimento de um sistema econômico viável, racional e eficaz na alocação de recursos. Abolir a propriedade privada equivale a deflagrar o caos econômico. Invariavelmente, a abolição da propriedade privada implicaria em um total colapso da ordem social e econômica. Assim sendo, fome, miséria, desemprego e outras consequências sórdidas se tornariam generalizadas. A propriedade privada promove o estabelecimento de um ordenamento social pacífico, sobre o qual a civilização consegue prevalecer e prosperar.
Isso não significa necessariamente que anarcocapitalistas iriam se opor a outros arranjos econômicos, como o estabelecimento de cooperativas de trabalhadores; não obstante, por entenderem como funcionam efetivamente as leis de mercado, e o quão imutáveis elas são — afinal, sempre responderão proporcionalmente a estímulos externos, sejam eles negativos ou positivos —, anarcocapitalistas sabem perfeitamente que determinadas propostas, como a socialização dos meios de produção, que continua sendo defendida pelos socialistas libertários atuais, é um arranjo invariavelmente fadado a se desmantelar, no médio ou mesmo no curto prazo.
A propriedade privada, a hierarquia e a divisão do trabalho são fundamentais para o estabelecimento de um sistema econômico coeso, que será dinâmico e funcional, por respeitar a ordem natural de mercado e o cálculo econômico. É fundamental compreender que as leis econômicas jamais irão se modificar para atender as fantasias de determinadas ideologias. São os seres humanos que devem estudar e compreender a realidade econômica, e adequarem os arranjos produtivos a ela. Portanto, não pode existir economia — na verdade nem mesmo um arranjo social viável — sem a propriedade privada. Propor qualquer coisa que vá agredir ou abolir a propriedade privada é propor um arranjo econômico e social impreterivelmente fadado ao fracasso. Consequentemente, haverá colapso econômico, e seres humanos definharão na pobreza e morrerão de inanição.
O anarcocapitalismo dentro de um contexto cultural conservador
Além de entender e explicar o ordenamento econômico de uma forma racional, o anarcocapitalismo possui outra particularidade interessante, que a distingue dos demais anarquismos: por dar espaço a indivíduos cultural e socialmente conservadores — o que nenhum outro anarquismo faz —, ele é capaz de promover amplamente o que Hans-Hermann Hoppe chama de “cultura burguesa”, ou seja, uma cultura mais ética, coesa e civilizada, que dispensa totalmente do seu meio os libertários modais, que não possuem respeito por hierarquias naturais, pela propriedade privada, pela estrutura familiar patriarcal e pela religião cristã. Esses indivíduos devem ser fundamentalmente excluídos de nossos círculos sociais.
Portanto, pela promoção de um ambiente cultural inflexível e elitista, excludente e não-reformista, — sendo portanto intrinsicamente reacionário e anti-establishment em todos os sentidos —, o anarcocapitalismo é capaz de propiciar aos seus integrantes a criação e a manutenção de um refúgio cultural seguro, exclusivamente conservador, que não existe em nenhuma outra vertente anarquista, visto que todas elas são radicalmente hostis ao homem branco, cristão, tradicionalista, empreendedor e capitalista. Além do mais, todas as demais vertentes anarquistas se opõem igualmente a tradição religiosa, a todas as hierarquias (até mesmo as naturais) e algumas são contrárias inclusive ao matrimônio.
O anarcocapitalismo, portanto, é particularmente atraente sobretudo para indivíduos conservadores — especialmente brancos de mentalidade aristocrática, oriundos das classes média e alta, bem como das elites urbanas sem conexões com o estado —, que são um alvo das leis misândricas e raciais do estado progressista, que o consideram um inimigo que deve ser combatido e depreciado em favor de negros, mulheres, militantes, ativistas gays, minorias oprimidas e todos os demais mascotes da esquerda política.
Portanto, o anarcocapitalismo tem enorme potencial para atrair integrantes da direita política e indivíduos de mentalidade conservadora, visto que o anarcocapitalismo é simplesmente uma extensão mais radical de tudo o que eles defendem. É fundamental que estes indivíduos entendam que defender a existência de um estado para proteger a família, a propriedade e os direitos naturais é uma contradição, visto que o estado é justamente a instituição monopolista que representa a maior ameaça a todas essas coisas que genuínos conservadores buscam ativamente proteger.
Muito mais do que uma filosofia econômica de defesa da propriedade privada, portanto, o anarcocapitalismo pode criar, promover e difundir uma cultura conservadora genuinamente elitista, fraterna e exclusivista, que, por ser radicalmente antiestatista, será inclusive capaz de proteger e blindar genuínos conservadores das influências espúrias e nocivas de social-democratas de mentalidade excessivamente politizada — os famosos “conservadores” de ocasião —, que geralmente nada produzem, e tem ambições de ingressar em uma carreira política ou de concorrer a algum cargo no estado.
Conservadores que rejeitam o anarcocapitalismo não são genuínos conservadores capitalistas armamentistas defensores da propriedade privada, mas socialistas moderados com inclinações conservadoras nos hábitos e nos costumes. Defender o estado é uma incoerência e uma contradição, pois o estado é o maior de todos os agressores; é simplesmente impossível estabelecer um sistema de freios e contrapesos que impeça o estado de se expandir de forma voraz e estarrecedora, e de posteriormente infligir danos severos à sociedade na mesma proporção.
Invariavelmente, o estado sempre crescerá assustadoramente, a ponto de ser uma ameaça pontual a toda a sociedade, estando sempre disposto a usurpar a propriedade privada, agredir a família tradicional e fazer tudo o que estiver ao seu alcance para se perpetuar a custa de todos os indivíduos. Acima de tudo, é ostensivamente utópico acreditar que o homem branco cristão, capitalista e conservador terá algum tipo de serventia ou será tratado com alguma deferência pelo estado republicano pós-moderno, progressista, positivista, misândrico e racialista, que é absolutamente hostil a tudo aquilo que o homem branco, cristão e conservador defende e representa.
O anarcocapitalismo, portanto, embora não discrimine ninguém, pode ser considerado um “anarquismo elitista”. Sua base não é o proletariado de mentalidade marxista, o ativista partidário, o homem comum desprovido de talentos e qualidades, a feminista que exige privilégios da sociedade ou o militante ressentido de cabelos coloridos que deseja arduamente combater o patriarcado. O seu eixo axial é o homem branco, cristão, tradicionalista e conservador, empreendedor capitalista, armamentista, radicalmente antipolítico e antiestatista. Por defender arduamente a propriedade privada, e ter entre seus integrantes indivíduos que consideram a família tradicional — aquela formada por um homem, uma mulher e seus filhos — a estrutura basilar da sociedade, o anarcocapitalismo promove uma organização social e econômica que se aproxima muito mais da ordem natural do que todos os demais anarquismos, que hoje não passam de teorias políticas e sociais anacrônicas, interessantes se estudadas dentro do seu contexto, mas que são completamente incapazes de analisar e fazer uma leitura objetiva da realidade atual dentro dos parâmetros em que esta se apresenta.
Podemos, na verdade, ir mais longe e afirmar categoricamente: nenhuma outra filosofia se propõe a resguardar de forma mais inflexível e intransigente a ordem natural do que o anarcocapitalismo, uma escola de pensamento cujos valores — sociais, culturais, teóricos e econômicos — são capazes de gerar ordem, paz, progresso e prosperidade, muito mais do que qualquer outro sistema.
Muito bom o artigo.
É curioso que quando encontro algum anarquista clássico, esse argumento da defesa intransigente dos anarcocapitalistas pela propriedade privada é o que impede os Ancap de serem anarquistas! Mesmo que em um ancapistão não exista estado, a propriedade para eles é uma extenção de fato do grande capital. Assim eles acabam entendo a nossa crítica à máfia estatal como um liberalismo radical.
O termo capitalismo acabou historicamente – de maneira equivocada, associado ao mercado e todas as suas derivações, como a democracia liberal de mercado, por exemplo. Mas de fato, ele descrevia o monopólio econômico burguesia/estado. O mercado, as interações e trocas econômicas entre os indivíduos de maneira voluntária – portanto livre, na minha opinião foi cunhado por Adam Smith: sistema de liberdade natural. Da maneira com eu entendo, isso exclui o estado, a própria negação disso tudo.
O Rothbard foi o primeiro economista que eu li que afirmou que se os marxista identificavam o estado burguês como o explorador original, tudo o que eles concluiram a partir disso poderia ser considerado belo e moral. Ou seja, a esquerda era libertária no início, além de socialistas e anarquistas. Isso me fez ser mais tolerante com esse pessoal, deixando uma posição neocon de trata-los como o próprio demônio. Eu acho que isto no Manifesto libertário.
Muito bom esse texto, pois deixa bem claro que o anarquismo de propriedade privada é mais consistente que todos esses grupos de esquerda.
Excelente conclusão
Excelente artigo.
Eu vivo dizendo que eu, anarcocapitalista, é quem sou de extrema direita, baseado no que o artigo abordou.
Quanto mais à esquerda, mais controle. Quanto mais à direita, mais Liberdade.
E não tem nada mais livre do que o Anarcocapitalismo.