Com sua eleição, o presidente recém-eleito do Chile, o antigo líder da oposição Gabriel Boric, jurou: “Se o Chile foi o berço do neoliberalismo, também será seu túmulo”. Enquanto o termo sofre por falta de uma definição clara, Boric não foi tímido ao longo de sua carreira em deixar claro a quais políticas ele se opõe, e assim podemos inferir algo sobre o que ele quer dizer. De menos impostos e regulamentações ao livre comércio e ao relaxamento dos controles de capital, Boric se opõe a todas elas.
Talvez ironicamente, essas são justamente as políticas, a partir dos anos 1970, que o país adotou para enriquecer. Por exemplo, desde 1970 o PIB do Chile aumentou cinco vezes e cresceu em média 5% ao ano de 1990 a 2018. Durante a última metade do mesmo período, a pobreza foi reduzida em três quartos, para 9%. E assim, superficialmente, pode parecer estranho que um fanático defensor da justiça social, da qual a redução da pobreza certamente conta como um objetivo principal, se oponha a políticas que enriquecem o Chile – e ainda mais estranho que os chilenos tenham votado nele.
Então, como Boric foi eleito e do que ele está falando?
Em primeiro lugar, o que Boric ostensivamente se refere é à influência durante os anos 1970 no desenvolvimento econômico do Chile e nas prescrições de políticas públicas por economistas vindos da Universidade de Chicago. A universidade, lar de várias correntes de pensamento sobre regulamentação, comércio e política monetária e fiscal, de fato viu vários de seus ex-alunos empregados pelo Estado chileno. Talvez Boric também acuse a escola austríaca e as muitas palestras de Ludwig von Mises e F.A. Hayek, que defenderam políticas semelhantes às dos chamados “Chicago Boys”, por sua influência na direção do país.
Agrupar todos esses pensadores como “neoliberais”, coisa que Boric não seria o único a fazer, torna-se um problema quando tentamos avaliar o que é que ele busca derrubar. Como paradigma, o “neoliberalismo” sofre de uma elasticidade crônica nascida de uma indefinição fundamental. Na verdade, o termo talvez seja mais frequentemente usado como pejorativo por aqueles de esquerda que buscam atingir os membros mais centristas de sua coalizão política com simpatias das grandes empresas. Dito isso, em seu sentido mais amplo e consensual, “neoliberalismo” se refere à crença na necessidade de desregulamentar os mercados, eliminar os controles de capital e salários e reduzir as barreiras comerciais. Sob esse rótulo, todos, de Mises a Bill Clinton, são qualificados, daí sua pobreza como uma lente analítica.
Mas mesmo que concedamos a Boric o significante escolhido para o conjunto de políticas a que se opõe, por que haveria alguém de querer se afastar das políticas que fizeram do Chile o Estado mais próspero de sua região? Conforme documentado acima, a evidência de seu sucesso parece esmagadora. Ao mesmo tempo em que os vizinhos Argentina e Brasil eram atormentados por inflação crônica e crises econômicas, o Chile estava calmo e próspero. Abaixo da superfície, entretanto, nem tudo estava bem.
Em geral, os chilenos tinham duas queixas principais. Em primeiro lugar, enquanto a economia crescia de forma robusta, os ganhos econômicos tendiam a se concentrar no topo da distribuição de renda e a se agrupar nas metrópoles costeiras. Embora o padrão de vida relativo dos chilenos tenha continuado a aumentar no mesmo período, seu coeficiente de Gini, sua medida de concentração de riqueza, diminuiu ao mesmo tempo – na verdade, é mais baixo do que nos EUA – o que provou ser um grito de guerra robusto para o Boric. O envolvimento cívico e a confiança no governo também diminuíram, à medida que o duopólio centrista que dominava a política deixou os eleitores cada vez mais distantes da política.
Quaisquer que sejam os méritos dessas questões (embora os cidadãos chilenos permaneçam, em geral, em melhor situação do que os cidadãos de estados vizinhos como Brasil e Argentina), elas não deveriam ter permissão para apodrecer ainda mais. Protestos massivos abalaram o país inúmeras vezes na última década e agora produziram uma reação contra um dos estados mais competentes da região, o que se traduziu em uma vitória esmagadora para um colaborador comunista que quer aumentar impostos, conter operações de mineração lucrativas e reservar metade dos assentos nos conselhos corporativos para os trabalhadores.
… Pelo menos, foi o que Boric disse quando lançou sua campanha.
Na preparação para o segundo turno decisivo das eleições, Boric foi mais para o centro. No entanto, seja calculada ou genuína, essa virada provavelmente será menos importante do que a narrativa que ele trabalhou tão arduamente para estabelecer e canalizar. Mesmo que, como relata a The Economist, ele esteja cada vez mais ouvindo economistas mais moderados recém-integrados em seu campo, suas prescrições de políticas racionais podem se provar politicamente impossíveis precisamente por causa do ambiente que Boric ajudou a criar. O Chile não enfrenta problemas sérios que pequenas reformas não puderam resolver. Rótulos duvidosos à parte, Bori não fez nada além de desprezar as políticas que enriqueceram o país. Embora as elites centristas que juntas dominaram o governo por trinta anos tenham alguma responsabilidade por não reagir às circunstâncias claramente agravantes, todos os chilenos deveriam prender a respiração enquanto esperamos pelo que vem a seguir.
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