Dinheiro barato leva a crédito barato e mais crédito leva a maior crescimento econômico. Ah, se o mundo fosse tão simples! Com o crédito, também aumentam as dívidas – de estados, empresas e pessoas privadas. E faz-se então a pergunta: O dinheiro barato é realmente apto para o futuro?
O núcleo das finanças e crises econômicas contemporâneas é o massivo endividamento de estados, firmas e residências privadas. Essa crise de dívidas é o fruto de um longo desenvolvimento que desde o começo dos anos 1970 pode ser nitidamente observado como uma mudança do sistema monetário.
Até 1971, dominava mundialmente um – apesar de às vezes diluído – padrão ouro, o Sistema de Bretton Woods. Todos os papéis moeda nacionais, notas bancárias e depósitos à vista eram ao final ligados ao dólar, que estava parcialmente assegurado pelo ouro com o espaço físico reservado para este. Como a quantidade natural do ouro só poderia aumentar de forma pequena e com grandes custos, o volume de crédito dado pelo Banco Central só poderia crescer proporcionalmente à quantidade de ouro e, portanto, pouco. O refinanciamento de bancos comerciais também era limitado e também os bancos comerciais podiam, portanto, criar dinheiro bancário e então conceder crédito em um volume relativamente escasso. O padrão ouro era a âncora da economia. Precisamente dizendo, era uma âncora dupla pois limitava não só o nível de preços como também o volume de crédito.
As coisas mudaram radicalmente quando o Federal Reserve Bank (FED) suspendeu a troca de dólares por ouro e virou do avesso o sistema monetário. Até o presente momento, notas dos bancos centrais e depósitos à vista eram feitos levando em conta a quantidade física disponível de ouro. Agora, tomaram o lugar do ouro e decidiram usar o papel como dinheiro. Somente através dessa despedida do padrão ouro e da passagem para um dinheiro imaterial seria possível uma expansão da quantidade de dinheiro acontecer em completo silêncio. Foi, primeiramente, por isso que houve o crescimento da dívida pública e também da privada em um volume que até então não seria possível de ser mantido.
Com isso se faz a pergunta: Será então que o sistema monetário contemporâneo não é um beco sem saída? Devemos então achar o caminho de volta o maís rápido possível. A nova tendência de livros de ensino de economistas monetaristas é negar isso. Por isso, queremos apontar os principais argumentos relevantes abaixo.
A Doutrina Monetarista
O monetarismo remonta ao economista americano Irving Fisher (1867-1947) e, mais tarde, foi desenvolvido por Milton Friedman, Allen Meltzer, David Laidler e outros. Os monetaristas gostam de se apresentar como antípodas econômicos dos keynesianos até os dias de hoje. Enquanto os keynesianos desconfiam do mercado e favorecem a ação estatal, os monetaristas, ao invés disso, se vêem como proponentes da economia de mercado. Porém, isso não se aplica exatamente na área da política monetária. Aqui, os monetaristas representavam – usando uma expressão apropriada do recente Roland Baader – um marcado “Socialismo Monetário”, embora com argumentos diferentes dos keynesianos.
Eles argumentam que o dinheiro ideal deve ter um poder aquisitivo estável, para que o poder de compra permaneça estável no entanto, a fonte de dinheiro deve ser sempre exatamente de crescente massa, em que, a demanda por moeda cresce e este último aumenta particularmente com a crescente economia real. Portanto, a regra de ouro é que o crescimento da oferta monetária deve corresponder com o crescimento esperado da economia real ou os chamados ganhos de produtividade.
Agora o ouro está obviamente muito longe deste ideal porque a produção de dinheiro está apenas muito vagamente conectada com o crescimento econômico. É possível que mesmo em tempos de recessão econômica a produção de ouro continue e não é de nenhuma forma provável que a produção de ouro sempre corresponda aos ganhos de produtividade. Em vez disso, numa economia em crescimento com o padrão ouro há uma tendência constante de queda nos preços de bens. O volume crescente de bens será trocado por uma quantia de dinheiro que não cresce ou ao menos não na mesma medida. Isso só é possível com a constante queda do preço do dinheiro por unidade de bens.
Assim, o ouro é reprovado no teste monetarista. A meta do nível de preço estável é realizada com uma moeda corrente especialmente se ela simplesmente não é dada ou vendida, mas se, por outro lado, ela é emprestada por bancos centrais. Então, é de fato possível, através do facilitamento das condições de crédito, aumentar a oferta monetária quando a economia está em crescimento; e com uma queda da demanda do dinheiro, a oferta de moeda pode, em princípio, também ser ligeiramente reduzida novamente para evitar o aumento dos preços das mercadorias.
Mesmo se a partir de agora você colocar todas as considerações teóricas de lado por uma vez, não há maneira de contornar o fato de que o monetarismo manteve-se sempre na pura teoria. Na prática, os bancos centrais não criaram de nenhuma maneira um dinheiro com poder de compra estável, mas sim um dinheiro que constantemente perde poder de compra. Isto é especialmente verdadeiro para os chamados países de moeda forte. Um dinheiro cujo poder de compra, ano após ano, diminui apenas 2%, já perdeu quase metade de seu poder de compra depois de vinte anos. Correspondentemente, mais forte é o efeito cumulativo dos países de moeda fraca.
Boa teoria?
No entanto, apesar dessas experiências práticas, o monetarismo tem alguma justificativa teórica? Os três argumentos clássicos para a estabilização dos níveis de preços são: (1) a repartição justa entre devedores e credores; (2) a luta contra a deflação; e (3) que a situação resultante da estabilização do nível de preços resulta em uma estabilização de toda a economia. Segundo Irving Fisher, mudanças do nível de preços levariam a um enriquecimento ilegítimo. Um nível de preços crescente enriquece os devedores às custas dos credores, um nível de preços decrescente enriquece os credores às custas dos devedores. Ludwig von Mises já tinha derrubado essa argumentação nos anos 1920. Ele indica que o enriquecimento de uma ou outra parte não é de nenhuma maneira um resultado necessário de um nível de preços crescente ou decrescente. Tais variações podem ser perfeitamente antecipadas e correspondentemente tomadas em conta. Além disso, acentua Mises, a política de estabilização não passa de um efeito de redistribuição. Cada acréscimo da quantidade monetária favorece os que recebem esse dinheiro antecipadamente às custas de utilizadores tardios. Em outras palavras, o ato de imprimir dinheiro para combater as – muitas vezes remediáveis – repartições entre credores e devedores forçosamente leva à um injustificável enriquecimento de quem recebe o novo dinheiro cedo às custas dos utilizadores tardios. A não ser quando esse efeito da impressão de dinheiro é antecipadamente levado em conta, recebedores tardios desse novo dinheiro não podem proteger-se por quaisquer disposições contratuais.
Bancos centrais não operam sua distribuição de forma neutra. Em nossos dias, em que ano após ano os bancos centrais aumentam a oferta monetária em centenas de bilhões de euros ou dólares, há a produção de enriquecimento do setor público e bancos comerciais que são regularmente os primeiros utilizadores do novo dinheiro. Este enorme enriquecimento de uns à custa dos outros, é neste momento pouco visível porque a inflação dos preços ainda é limitada. No entanto, não se deve cair no erro de que o injustificável enriquecimento só ocorre quando os preços sobem. No início de janeiro de 2011, a quantidade de dinheiro criada pelo Sistema do Euro chegou a 1961 bilhões de euros. Um ano depois, a quantidade estava em 2688 bilhões de euros. O banco central europeu aumentou o montante de dinheiro em um único ano em 37%, respectivamente 727 bilhões de euros, e essa soma total é o equivalente a cerca de 6% do PIB da União Europeia fluindo primeiro nas mãos de bancos comerciais e do setor público.
Até mesmo com um nível de preços estável, a impressão de dinheiro pode, portanto, levar a uma redistribuição maciça. Esse fato é óbvio hoje e já conduz a uma ampla indignação na população às políticas dos bancos centrais. Portanto, não é surpreendente que os monetaristas não colocam os problemas de distribuição entre credores e devedores demasiado para o primeiro plano. Eles se concentram nos dois outros argumentos clássicos para a estabilização do nível de preços: A estabilização da economia toda e o combate à deflação.
Considerando que já discutimos aqui o argumento do combate à deflação recentemente, apenas os pontos essenciais serão chamados em memória aqui. A queda deflacionária nos níveis de preços a partir de um ponto de vista econômico global, a médio e longo prazo não é prejudicial. Os problemas surgem em curto prazo, especialmente em uma economia em que há muitos participantes do mercado altamente endividados. Os devedores estão muitas vezes incapazes de operar após uma queda do nível de preços deflacionária, para operar dívidas encolhidas que antes operavam à preços e níveis de renda mais altos. Como as dívidas de muitos dos ativos financeiros são dos outros, desenvolve-se facilmente uma dinâmica. Também deflações leves levam à espirais deflacionárias com o resultado sendo falências em massa. Vem, portanto, uma nova distribuição dos ativos reais em grande extensão onde credores apropriam os componentes ativos de seus devedores. Empresários muito endividados perdem suas empresas e precisam procurar imediatamente um emprego na mesma ou em outra posição. Famílias atoladas em dívidas perdem casa e moradia ou precisam alugar esses bens por um tempo, em vez de possuí-los. De uma visão integral da economia esse acontecimento é danoso às massas, pois por causa dessas novas circunstâncias financeiras, recebem paralizações de produção e desemprego mais forte. A médio e longo prazo uma tal crise oferece, contudo, grandes benefícios, por exemplo ao tirar as dívidas do mundo, curando então a economia.
Agora, gosta-se de objetar que, apesar dessas vantagens de médio e longo prazo, uma espiral deflacionária é um terrível tratamento do qual deva querer poupar um país. Mas essa objeção não é consistente pois é justamente a estabilização do nível de preços que cria, sobretudo, os incentivos para o endividamento e, com isso, a suscetibilidade de uma deflação da economia aumenta.
Sem estabilização do nível de preços – também por exemplo um padrão ouro – não é prudente se endividar grandemente, pois os preços do dinheiro e das rendas diminuem tendencialmente, o que novamente dificulta o serviço de dívida. O financiamento da economia sucede pouco tais circunstâncias principalmente na forma de equidade enquanto o crédito representa um papel subordinado. Isso se modifica logo que a estabilização do nível de preços retira a possibilidade de deflação do caminho. Daí deslocam-se os pesos: Agora o crédito cresce para o primeiro plano enquanto a parte de financiamento de equidade diminui.
Essa situação torna-se muito intensificada logo que o nível de preços não vem a ser realmente estabilizado, porém constantemente – às vezes rastejando, às vezes galopando – aumenta. Exatamente esse é o caso da Zona do Euro. De acordo com seu estatuto, o Banco Central Europeu (EZB) deve estabilizar não o nível de preços, mas sim as mudanças do nível de preços (inflation rate). Se os preços crescem todo ano 2%, predomina para nós uma estabilidade oficial do nível de preços e os governadores do banco central simplesmente dão de ombros.
Sobre essas condições o estímulo para maior endividamento torna-se irresistível. Residências privadas se endividam – pois eles podem contar que suas rendas em dinheiro aumentam – e com isso o encargo da dívida se torna sempre mais tolerável com o passar do tempo. Empresas se endividam pelo mesmo motivo. Esse estímulo funciona ao máximo na administração pública. Eles podem esperar constante crescimento do recebimento de impostos (muitas vezes engrandecido através do frio imposto progressivo), senão podem em dificuldades contar com o apoio de bancos centrais. Visto microeconomicamente isso é inteiramente racional, mas, dessa forma, a economia global é transformada em um barril de pólvora.
Você pode se virar e se torcer como deseja: uma política de estabilização do nível de preços, em última análise, não age de forma estabilizadora. Ao contrário, elas institucionalizaram os incentivos à se endividar. Isso agrada uma parte do setor financeiro, pelo menos brevemente, até a prazo médio mas enfraquece a economia como um todo. O monetarismo a longo prazo leva a uma economia de dívidas e assim também à crise da dívida do presente. Estabilização do nível de preços é desestabilizadora à longo prazo e o longo prazo está aqui agora. Chegamos ao final do beco sem saída do monetarismo.
O que vem depois?
Quais são as alternativas? Antes de todas as outras considerações, o contexto maior deve ser mantido em mente. Monetarismo é uma ideologia tecnocrática do final do século 19, que teve o seu triunfo durante o século 20. O núcleo prático e o pivô eram e são a renúncia forçada de dinheiro natural e a criação de um sistema monetário artificial apoiado com força estatal. O triunfo das moedas artificiais não é explicado por suas bênçãos macroeconômicas, mas sim por sua utilidade para os interesses individuais, especialmente para o estado. Em outras palavras, o padrão-ouro não foi abandonado no sentido propriamente dito, mas sim violentamente reprimido; e não porque ele era a cruz dourada na qual a economia estava pregada, mas porque ele colocava algemas douradas na arbitrariedade microeconômica do estado e seus aliados.
Por razões morais e econômicas, é então aconselhável explorar formas de re-introdução de moedas de metais preciosos. Assim como os revolucionários americanos rejeitaram o papel moeda prevalente nas colônias britânicas da América do Norte e construíram seu sistema monetário em ouro e prata; como a Áustria e a Itália que introduziram no século 19 um padrão de ouro em substituição às suas moedas de papel; precisamente como nossos avós e bisavós, que – após a Primeira e Segunda Guerras mundiais – retornaram às formas de padrão ouro, hoje também é de nosso interesse levar a cabo uma revolução do sistema monetário, e de fato pelas mesmas razões dos nossos antepassados.
Não é sábio se agarrar a qualquer precedente histórico. O padrão ouro do século 20 não era, em muitos aspectos, uma ordem de moeda natural, mesmo que fosse mais natural do que nosso sistema atual. É possível e recomendado por muitas razões, deixar as reformas necessárias serem realizadas através de empresários privados, simplesmente abrindo o mercado de moeda. Também é possível ir para um sistema monetário baseado em metais preciosos através do processo político. Numerosos planos para isto estão na gaveta (ver, por exemplo Huerta de Soto).[1]
Mas antes do ato, deve vir a perspicácia. Enquanto amplas camadas da população continuarem convencidas da utilidade do nosso sistema monetário atual, nenhum avanço será alcançado. Enquanto não for reconhecido que nós estamos no fim de um beco sem saída, nós sempre voltaremos só alguns passos e correremos então novamente contra a parede.
Artigo original: Jörg Guido Hülsmann: «Schreckgespenst Deflation», in:«Schweizer Monatshefte», Nr. 975, Januar/Februar 2010, S. 27 ff.
Traduzido por Francisco Litvay
[1] Jesus Huerta de Soto: Geld, Bankkredit und Konjunkturzyklen, Lucius & Lucius: Stuttgart 2011