Thursday, November 21, 2024
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Monopólio e livre mercado – uma antítese

robber baronsO lugar-comum funciona mais ou menos assim: o livre mercado é inerentemente problemático.  Logo, sempre que ocorre um terrível problema criado pelo livre mercado, há uma brilhante resposta por parte do governo.  A arena da intervenção é variável, mas a certeza de uma solução estatal brilhante é constante.  Nesse artigo, vou-me concentrar exclusivamente na questão dos monopólios.

Embora a frase já tenha virado clichê, ela é constantemente utilizada pelos acadêmicos: “Quando o livre mercado faz com que surjam monopólios, o governo cria agências reguladoras para controlá-los”.  Pelos e-mails que recebo e pelos fóruns de discussão dos quais participo, já observei que esse pensamento é de amplitude mundial – afinal, os intelectuais não variam muito de um país para outro.

A frase é realmente adorável.  Ela contém aquele estilo professor-de-quarta-série em todas as palavras: Sabem, crianças, quando nossos sábios governantes veem pessoas gananciosas tirando proveito do povo, eles tomam medidas enérgicas e corretas, como sempre.  Não fossem eles, todos nós estaríamos vivendo em habitações raquíticas e instáveis, implorando por comida e à mercê de homens de bigode branco carregando sacos recheados de dinheiro com o desenho de um cifrão neles!

Foi exatamente esse tipo de coisa que tive tanto prazer em demolir no meu livro The Politically Incorrect Guide to American History.  E tal pensamento aparece com tanta freqüência que não consigo resistir em desmontá-lo aqui novamente.  (Novamente, vou abordar aqui exemplos que ocorreram nos EUA, não obstante esteja certo de que cada país também tem casos semelhantes).

Dentro da teoria econômica, mais especificamente na área que estuda os efeitos da regulamentação, existe algo chamado ‘teoria da captura’, que diz que as indústrias que estão sendo reguladas tendem a “capturar” as agências reguladoras, transformando-as em máquinas que lhes garantem privilégio e proteção – e tudo isso utilizando a retórica do bem comum.  [No Brasil, dois exemplos são a ANAC, que protege da real concorrência as (duas) empresas aéreas brasileiras, e a ANATEL, que carteliza as empresas telefônicas].

Porém, em prol do debate, vamos facilitar as coisas para os oponentes e vamos ignorar a teoria da captura.  Aliás, vamos ser extremamente benevolentes e ignorar até mesmo os estudos de Gabriel Kolko em Railroads and Regulation (Ferrovias e Regulação), que concluíram que foram as próprias empresas ferroviárias que pressionaram pela criação da Interstate Commerce Commission [agência reguladora cuja função era regulamentar ferrovias para garantir “taxas justas” e eliminar taxas discriminatórias.  Foi abolida em 1995].  Caso não ignorássemos esses estudos, o debate com os oponentes seria um tanto quanto desequilibrado para eles.

Vamos apenas nos ater à afirmação de que o “sistema de livre mercado” leva ao surgimento de “monopólios”.  (Para o nosso propósito, podemos definir “monopólio” coloquialmente como sendo a situação em que há um ofertante único, ou um ofertante esmagadoramente dominante, de um bem ou serviço – uma vez que é claramente nesse sentido que as pessoas que dão seus palpites veem um monopólio).  É com esse raciocínio que toda criança é alimentada desde o ensino fundamental; eu mesmo o fui por todo meu ensino médio.

Em conjunto com essa afirmação, há aqueles relatos sombrios sobre os chamados ‘barões ladrões’ [gíria americana para todos os empreendedores do séc. XIX que enriqueceram espetacularmente], os quais – dizem-nos – exploravam desapiedadamente o povo apenas para satisfazer suas insaciáveis cobiças – uma inclinação humana que jamais acomete os abnegados servidores públicos, convém acrescentar.

Apenas para esclarecer, ninguém deve tentar justificar aqueles que procuram utilizar o poder do estado para tolher seus concorrentes.  Há uma clara distinção entre empreendedores políticos, que prosperam ao utilizar táticas como essa, e empreendedores de mercado, que prosperam porque produziram aquilo que o público demandava a preços que ele podia pagar.

Vamos a alguns exemplos.

Andrew Carnegie conseguiu, praticamente sozinho, fazer com que o preço do aço para ferrovias caísse de $160 por tonelada em meados dos anos 1870 para apenas $17 por tonelada já ao final dos anos 1890.  Dada a importância do aço para uma economia moderna, essa brutal redução dos preços gerou maior riqueza e um maior padrão de vida para todos.  De fato, Carnegie era tão eficiente que as 4.000 pessoas que trabalhavam em sua planta na cidade de Pittsburgh produziam três vezes mais aço do que os 15.000 trabalhadores da Krupp alemã, o mais moderno e renomado grupo industrial da Europa.

Da mesma forma, John D. Rockefeller foi capaz de reduzir o preço do querosene de $1 por galão para $0,10 por galão.  As pessoas finalmente passaram a poder iluminar suas casas.  Rockefeller também desenvolveu 300 produtos a partir dos resíduos que sobravam após o petróleo ter sido refinado.  As alegações de que Rockefeller era um competidor “desleal” (seja lá o que isso signifique), a lamúria típica daqueles incapazes de ofertar um produto a preços que agradem aos consumidores, foram enterradas definitivamente meio século atrás pelos estudos de John S. McGee publicado no Journal of Law and Economics.  (John S. McGee, “Predatory Price Cutting: The Standard Oil (N.J.) Case,” Journal of Law and Economics 1 [Outubro 1958]: 137-69).  É fato que a atual fundação Rockefeller é desprezível, mas não devemos confundi-la com os feitos do empresário Rockefeller.

Também temos de mencionar James J. Hill, que cresceu na pobreza, mas cujas habilidades empreendedoriais moldaram a Great Northern Railroad, uma linha férrea que ligava St. Paul, Minnesota, a Seattle, um enorme sucesso empresarial feito absolutamente sem qualquer subsídio governamental.  Em 1893, quando as ferrovias subsidiadas pelo governo foram à falência, a linha férrea de Hill não apenas foi capaz de cortar suas tarifas, mas também de colher lucros substanciais.

Outro suposto barão ladrão foi Cornelius Vanderbilt.  Em 1798, o governo do estado de Nova York havia concedido a Robert Livingstone e Robert Fulton o monopólio da operação dos serviços de barcos a vapor pelo período de trinta anos.  Vanderbilt foi contratado para gerir esse transporte entre New Jersey e Manhattan, como forma de desafiar aquele monopólio.  Vanderbilt não apenas conseguiu se esquivar das perseguições do governo, como também cobrava apenas um quarto da tarifa praticada pelos monopolistas.

Depois que uma decisão judicial em 1824 derrubou o monopólio concedido pelo estado de Nova York a esse tipo de transporte, a tarifa de uma viagem entre a cidade de Nova York e Albany, a capital do estado, despencou de sete dólares para três.  O trecho Nova York-Filadélfia, que custava três dólares, caiu para um.  Os viajantes que iam de New Brunswick para Manhattan agora pagavam apenas seis cents, e comiam a bordo de graça.  Quando Vanderbilt moveu suas operações para o Rio Hudson, ele cobrava uma tarifa de dez centavos, em contraste aos três dólares que até então eram cobrados pelos concorrentes.  Pouco depois ele decidiu abolir completamente suas tarifas, custeando sua operação exclusivamente com a receita adquirida dos serviços a bordo, os quais ele alugava para outras empresas.

Mesmo quando seus concorrentes tinham vantagens injustas, Vanderbilt conseguia virar o jogo.  O empresário Edward Collins, que também operava barcos a vapor, recebia subsídios do governo para fazer serviço de correios pelo Atlântico – ao valor considerável de $858.000 por ano, na década de 1850.  Quando Vanderbilt entrou no jogo em 1855, ele sobrepujou Collins tanto em número de passageiros transportados quanto em volume de mercadorias – tudo isso sem qualquer subsídio.  O congresso americano acabou cortando os subsídios de Collins em 1858, e pouco tempo depois ele quebrou.

Enquanto isso, Vanderbilt também sobrepujava duas outras empresas de barcos a vapor que levavam passageiros e mercadorias para a Califórnia.  Elas cobravam $600 por passageiro por viagem.  Vanderbilt, novamente sem qualquer subsídio, cobrava $150 por passageiro, e absolutamente nada para entregar as mercadorias.

Desculpe-me, mas deveria eu temer e desprezar esses benfeitores da humanidade? Por quê, exatamente?

Esses homens foram capazes de adquirir porções substanciais de suas respectivas áreas industriais porque consistentemente produziram bens e serviços a preços baixos.  Quando eles paravam de inovar, perdiam sua fatia de mercado.  Não obstante as várias versões cartunescas que os historiadores gostam de fazer daquela época, a concorrência era vigorosa.  Foi somente depois que vários esforços voluntários – conluios, acordos secretos, fusões, e coisas do tipo – fracassaram em desmontar esse ambiente altamente competitivo, que algumas empresas começaram a ver o governo federal e todo o seu aparato regulatório como uma forma de reduzir coercivamente a concorrência.  “Ironicamente, e em oposição ao consenso dos historiadores”, escreve Gabriel Kolko, “não foi a existência de monopólios o que levou o governo federal a intervir na economia, mas a total ausência deles.”

Falando sobre a situação que defrontava a Standard Oil, Kolko diz:

Em 1899 havia sessenta e sete refinarias de petróleo nos EUA, sendo que uma – a Standard Oil – predominava.  Ao longo da década seguinte, o número aumentou gradualmente para 147 refinarias.  Até 1900, a única concorrente substancial da Standard Oil era a Pure Oil Company, formada em 1895 por produtores da Pensilvânia com um capital inicial de $10 milhões. . . Já em 1906 ela desafiava o domínio que a Standard Oil tinha sobre oleodutos, construindo os seus próprios.  E em 1901 aAssociated Oil of California foi formada com um capital social de $40 milhões, em 1902 a Texas Company foi formada com um capital de $30 milhões, e em 1907 a Gulf Oil foi criada com um capital de $60 milhões.  Em 1911, o total de investimentos da Texas Company, Gulf Oil, Tide Water-Associated Oil, Union Oil of California e Pure Oil era de $221 milhões.  De 1911 a 1926, o investimento da Texas Company cresceu 572%, o da Gulf Oil, 1.022%, o da Tide Water-Associated, 205%, o da Union Oil, 159%, e o da Pure Oil, 1.534%.

O declínio da Standard Oil veio antes da decisão judicial antitruste feita contra ela em 1911, sendo que esse declínio ocorreu “principalmente por sua própria incompetência – responsabilidade de sua administração conservadora e de sua falta de iniciativa”.

Na realidade, era muito difícil para as grandes empresas manterem sua posição dominante em várias áreas industriais dos EUA do final do século XIX.  Isso era válido para ramos industriais tão diversos quanto petróleo, aço, ferro, automóveis, maquinaria agrícola, cobre, acondicionamento de carne e serviços de telefonia.  A concorrência era extremamente vigorosa.

Sempre que você ouvir líderes empresariais criticando o livre mercado, esteja certo de que eles estão querendo substituí-lo por um arranjo mais propenso a garantir seus lucros.  Qualquer retórica que porventura possamos ouvir deles sobre os malefícios da suposta concorrência predatória, ou sobre a necessidade de se colocar de lado questões privadas para benefício do bem comum, é mera camuflagem criada para ludibriar os ingênuos – aqueles que cantam glórias à “responsabilidade social” dessas empresas -, escondendo deles suas reais intenções.

Durante a década de 1920 tornou-se moda sugerir que o laissez-faire era coisa do passado, um sistema tolo e desacreditado que deveria ser substituído pelas leis da “concorrência justa”, que deveriam ser estabelecidas para todas as indústrias.  Um empresário chegou a reclamar que “nossos lucros estão completamente desprotegidos”.  Pobrezinho.  Uma associação de classes que representava os empresários condenava qualquer agente privado que operasse seus negócios “em total descaso para com os efeitos sobre seus concorrentes e sobre o resto do setor”.  A Associação dos Engarrafadores de Bebidas Gasosas declarou: “Meu desejo não deve ser o de ofertar bens a preços mais baixos que os dos meus companheiros engarrafadores, mas batalhar com eles pelo primeiro lugar na qualidade dos meus produtos e no serviço que presto a meus clientes.”  Apelos desse tipo apareciam em todas as revistas de negócios.

Durante os anos iniciais do New Deal, essas conspirações contra o público ganharam força de lei na forma doNational Industrial Recovery Act [leia mais detalhes aqui], o qual o administrador High Johnson chamou de “o maior avanço social desde os dias de Jesus Cristo”.  O importante estudo de Butler Shaffer, In Restraint of Trade: The Business Campaign Against Competition, 1918-1938, fornece todos os detalhes.

O motivo pelo qual as empresas sempre se mostraram ávidas por utilizar o poder estatal em seu próprio interesse é que a coerção solidifica sua posição de maneira muito mais efetiva do que o livre mercado, o único sistema em que são os consumidores que controlam os empresários.  No livre mercado, essas empresas têm de servir o consumidor de maneira eficaz – caso contrário, elas fecham as portas.  Mesmo as corporações mais poderosas já aprenderam essa lição.  Quando uma empresa fracassa em servir bem o consumidor, o mercado a leva à lona.  É por isso que várias delas recorrem ao governo para socorrê-las.

É o governo, com seus subsídios, privilégios especiais e restrições de concorrência – sem falar de quando ele saqueia abertamente o público para ajudar interesses privilegiados, seja na forma de pacotes de socorro ou na forma de obras públicas com empreiteiras privadas – quem promove o monopólio propriamente dito e que garante vantagens verdadeiramente injustas para alguns à custa de todo o resto.

Sempre que você quiser serviços de qualidade a preços baixos, você tem de ir para o livre mercado.  Sempre que você quiser que o consumidor tenha poder sobre as empresas, você tem de ter um livre mercado.  Agora, se você quiser que interesses especiais adquiram privilégios sobre todo o resto, que a concorrência seja suprimida, que os preços sejam altos e os serviços sejam precários, você precisa ter o governo controlando o mercado.

Como o mundo seria diferente se conceitos tão simples quanto esses fossem ensinados desde cedo às crianças.

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