[Este artigo foi extraído das breves considerações que Hans-Hermann Hoppe fez sobre Javier Milei no início do painel realizado durante a conferência Property and Freedom Society, que ocorreu em Bodrun, Turquia, de 19 à 24 de setembro de 2024]
Javier Milei declara ser um libertário, e não apenas um libertário, mas um anarcocapitalista que vê o estado como uma organização criminosa, que considera os impostos como roubo e que quer reduzir o estado a nada. É assim que ele se autodenomina, este é seu programa confesso. Ele mencionou, especialmente antes de ser eleito, como suas fontes de inspiração (1) meu professor e mentor Murray Rothbard e também (2) eu mesmo. Então, por isso, sinto-me no direito de fazer alguns comentários sobre esse cara que também tem sido inspirado por mim.
Sua vitória foi de fato sensacional – o fato dele ter sido eleito com um programa como esse na Argentina. Mas o pano de fundo era que na Argentina vivia uma hiperinflação, estagnação econômica, empobrecimento crescente e dado seu talento de showman – que ele definitivamente possui, com um certo elemento caricato – sua vitória teve muito pouco a ver, na minha avaliação, com os argentinos entendendo qualquer coisa sobre seu programa. Os argentinos são tão estúpidos ou inteligentes quanto os alemães, ingleses, americanos etc. Tudo o que eles queriam diante da catástrofe que viviam era alguma mudança, e esse cara prometeu uma grande mudança. Não havia nenhum entendimento.
Agora, após sua vitória, houve alguns desenvolvimentos interessantes. Houve grandes celebrações e júbilo entre os libertários de todo canto do mundo. Ele recebeu um prêmio na Espanha, outro prêmio na Alemanha, outro prêmio na República Tcheca e, como um presidente eleito, ele, é claro, recebeu todos os tipos de convites para organizações famosas. Ele foi a Davos e a todos os tipos de outras grandes conferências. E lá ele fez alguns discursos animados diante desse público de elite. Essas pessoas ouviram seus discursos, mas você pode ter certeza de que tudo que ele disse entrou por um ouvido e saiu pelo outro imediatamente. Entre a patota libertária, isto naturalmente causou grande excitação. “Você poderia ter imaginado que um cara como esse faria um discurso como esse diante de um público de elite?” Não havia nada de especial nos discursos. Discursos como esse foram proferidos milhares de vezes de forma melhor por outras pessoas. A única diferença foi que era um público diferente. Claro, eles nunca me convidariam para Davos para dar um discurso – podemos esperar as vacas voarem antes que isso acontecesse. Eles nunca teriam convidado Rothbard para dar um discurso como esse. Mas é claro, eu poderia ter dado um discurso como esse facilmente também; Rothbard deu centenas de discursos como esse. Explicarei em alguns minutos por que acho que as pessoas ouvem seu discurso, mas não se importam muito com o que ele diz.
Também tive a impressão que durante sua campanha ele parecia mais um antiestatista, mas durante os discursos que ele então deu como presidente a ênfase era mais em ele ser um antissocialista – mas não pesquisei muito isso. Mas houve uma ligeira mudança no tom e na ênfase. A coisa toda me lembrou um pouco da comoção que houve quando Obama recebeu o Prêmio Nobel da Paz antes mesmo de ter qualquer chance de continuar matando pessoas, assassinando pessoas e assim por diante. É claro que isso foi na direção oposta. Mas, novamente, todos os prêmios foram concedidos antes que houvesse algo para mostrar. Então, nesse sentido, pensei que havia um certo paralelo revelador entre o fenômeno Obama e o fenômeno Milei. Então, agora, obviamente, há um momento para avaliação. Esta avaliação que apresentarei é uma avaliação feita a uma grande distância. Eu não falo espanhol. Estive na Argentina anos atrás. Não sou uma pessoa bem informada sobre a Argentina.
Obviamente, como todos os libertários, fiquei animado com tudo isso. Foi tudo muito bom, maravilhoso. Desejo a ele todo o sucesso em seus empreendimentos. Mas fiz parte da torcida organizada dele. Acho que é porque estou há muito tempo neste meio. Vi muitas grandes promessas e, em seguida, muitas grandes decepções. E houve sinais que detectei desde o início que me deixaram bastante cético e desconfiado sobre Milei. Posso falar sobre algumas dessas coisas um pouco mais tarde, sobre algumas coisas estranhas que haviam com ele.
Analisemos suas realizações; primeiro as domésticas. Sim, ele aboliu os controles de aluguel e alguns outros controles, mas de forma alguma todos os controles de preços. Ainda há controles de preços, por exemplo, para seguro de saúde. Ele liberalizou as leis trabalhistas e alguns subsídios foram eliminados, mas de forma alguma todos. Houve várias desregulamentações aprovadas, e também algumas privatizações ocorreram, mas não tantas. Alguns Ministérios politicamente corretos foram fechados, mas uma grande parte do pessoal foi simplesmente transferida para outros departamentos. Sim, houve um certo número de pessoas que foram demitidas do serviço público, mas de forma alguma todas — muitas foram apenas transferidas de um departamento para outro. Alguns impostos foram reduzidos, mas outros impostos foram aumentados, por exemplo, sobre combustível e sobre importações — e também até mesmo foram criados alguns novos impostos. E lembre-se, para Milei, imposto é roubo. O orçamento do governo, sim, mostrou um superávit, mas o superávit não levou a uma redução de impostos – o superávit permanece nas mãos do governo para ser gasto posteriormente pelo governo. O equilíbrio do orçamento não foi alcançado apenas cortando despesas, mas também aumentando impostos. Também não houve descentralização de poder, que é um ingrediente muito importante da perspectiva libertária: dar mais poder às províncias, às localidades – mas seu programa centralizou o poder e limitou a autonomia das várias províncias que existem na Argentina. Então, meu veredito para a política interna é que tudo isso foi muito bom, tudo muito legal, sou totalmente a favor dela, mas isso está longe de ser uma reforma devastadora. Está mais na linha de, digamos, de Reagan ou Thatcher, mas em termos de um programa de um anarcocapitalista, nada demais.
Então chegamos à política monetária. Isso é ainda mais importante. Milei prometeu que aboliria o Banco Central. Ele percebeu que o maior poder que os governos têm é o poder de monopólio sobre a produção de dinheiro. Se eles não tivessem isso, teriam que depender apenas de impostos. E se você tiver que depender apenas de impostos, será muito difícil conseguir o dinheiro necessário para bancar todos os gastos do governo. Lembre-se também de que Ron Paul, cujo programa nos Estados Unidos era muito menos radical, pelo menos no que diz respeito ao discurso, percebeu que temos que acabar com o Fed. Esse é o programa mais importante, “End the Fed!” O Banco Central ainda existe. A inflação caiu, mas anualizada ainda é 250% ou algo assim. Então, essa é uma inflação enorme. Embora acabar com a inflação não seja tão difícil. Você simplesmente tem que fechar o banco central e não imprimir mais dinheiro, e assim você reduz a inflação em uma semana. Então o Banco Central ainda está lá. A inflação caiu. Nos últimos meses já vimos novamente um rápido aumento na oferta de moeda, então a impressão de dinheiro pelo Banco Central continua. E além disso, o que raramente é mencionado, grandes quantidades de ouro foram enviadas para fora do país, e ninguém soube exatamente ou explicou em detalhes para onde esse ouro foi e para qual propósito o envio de ouro para fora da Argentina ocorreu.
Os argentinos estão entre as pessoas que têm as maiores quantias per capita de dólares em mãos. Por causa da alta inflação na Argentina, as pessoas mudaram de pesos para dólares. Elas fizeram seus cálculos e suas economias ocorreram todas em dólares. Normalmente, sob hiperinflação, sob condições inflacionárias, o peso simplesmente desaparecerá e o dólar assumirá o controle. O motivo para isso não ter ocorrido foi simplesmente um controle de preços no que diz respeito às moedas. Ou seja, se você quisesse comprar dólares com pesos, teria que pagar um imposto por isso. Se você quisesse vender dólares para pagar seus impostos em pesos, teria que pagar outro imposto por isso. Esse regime de controle de preços de moeda ainda está em vigor, porque você é forçado – por causa das leis de curso legal – a pagar seus impostos em pesos e não pode evitar esses controles de moeda que existem. Esses controles de moeda são, claro, um regime terrível. Eles dificultam as importações, dificultam as exportações, distorcem toda a economia. A solução perfeita que também foi proposta por várias pessoas – acho que pelo próprio Milei – seria a dolarização. Você simplesmente diria que o dólar e o peso competem em um nível de jogo equilibrado: você pode pagar seus impostos em dólares, pode pagar seus impostos em pesos, pode pagar seus impostos em euros, pode pagar seus impostos em ouro, com o que você quiser. Você simplesmente fecha o banco central, nenhum peso será impresso e você deixa para o mercado decidir em que tipo de moeda as pessoas pagam seus impostos.
Nada disso aconteceu – mas ele disse que faria isso muito rapidamente. Em vez disso, ele ainda tem um banco central, como vimos, o peso ainda está em circulação ao lado do dólar com os controles de preços que existem e a confiança no Banco Central existente não é, obviamente, muito alta na Argentina. O pessoal que ele emprega é basicamente o mesmo que criou a bagunça da qual ele queria sair. Há um Sr. Caputo, que foi um ex-banqueiro central e um Sr. Sturzenegger que foi um ex-banqueiro central. Todas essas pessoas estudaram nos Estados Unidos, todas elas são keynesianas, todas elas trabalharam em vários grandes bancos e fazem a porcaria corriqueira que todas essas pessoas que saem dos EUA fazem onde quer que sejam enviadas para consertar a economia de outras pessoas. Então, no que diz respeito a assuntos monetários, ele também não fez nada demais. Sim, a inflação é menor, mas ainda é maior do que na Turquia; e a Turquia já é um desastre nesse aspecto. Então, não é grande coisa o que ele tenha conseguido lá. Muito mais poderia ter sido feito e muito mais rápido. E não há confiança no banco central com uma história como a história da Argentina. E com as mesmas pessoas no comando, quem confiaria nelas para qualquer coisa?
Então o tópico que não foi abordado é o tópico de Guerra e Paz e Relações Exteriores. Para Murray Rothbard, para os libertários, essa é a maior de todas as questões – a questão de Guerra e Paz. Qualquer outro tópico diminui em importância em comparação com este: você é a favor da guerra? você é a favor da paz? A visão tradicional dos libertários, novamente, é representada a esse respeito, por exemplo, por Ron Paul. Assumimos uma posição de país neutro. Não interferimos nos assuntos de nenhum outro país. E estamos cientes do fato de que, quando olhamos para o mundo, temos que ser historiadores revisionistas. Sabemos que nossos governantes nos contam uma história errada. A visão de mundo de Milei me parece ter a mesma sofisticação que a de um americano no ensino médio. Ele não tem a mínima noção da história revisionista. Duvido que ele tenha estudado Rothbard seriamente, embora o tenha mencionado com frequência. Por isso, ele não é considerado uma ameaça pelas elites. Porque em política externa ele é apenas um bom menino seguindo as linhas principais. A cartilha. Então, primeiro ele vai ao FMI, o Fundo Monetário Internacional, e em vez de repudiar a dívida, ele agora diz pacta sunt servanda, “eu tenho que honrar os contratos que firmamos”. Mas estes não são contratos. Os títulos do governo são pagos tributando sua própria população. Você não tem que honrar contratos como este. Estes não são contratos. Então, eles deveriam ter dito simplesmente: você foi estúpido, você comprou todos esses títulos do governo, você não será reembolsado. Também não há obrigação do governo de pagar a dívida ao seu próprio Banco Central que cria dinheiro do nada. Isso tem que ser simplesmente ignorado. O banco central não existe mais. Não se importe com isso. Você não paga nenhuma dívida externa. O argumento de Rothbard era: mas o que acontecerá então? Então ninguém no futuro será tão estúpido novamente e nunca comprará dívida do governo, porque eles perceberão que não serão pagos, simples assim. Isso, claro, também aumentou o amor das elites internacionais por Milei: ele vai pagar todas as suas dívidas!
Além disso, há um tipo de caso de amor entre Milei e todas as instituições que são responsáveis por todo o mal no mundo. Ele ama os Estados Unidos — e quando digo Estados Unidos, não me refiro à população americana, mas ao governo americano. Ele se alinha com o governo americano. O governo americano é o mais imperialista que existe, o país mais belicoso que existe, o país que causa problemas por onde passa, que mata centenas de milhares de pessoas. Então, não há governo mais perigoso no mundo do que o dos Estados Unidos. Se você simplesmente contar o número de pessoas que foram mortas por vários países, os Estados Unidos ficam definitivamente em primeiro lugar. Então, por que você o apoiaria sem necessidade? Poderia simplesmente ficar neutro. Diga que não se importa com Relações Exteriores, que apenas cuida da Argentina. Por que você amaria os Estados Unidos e por que também amaria Trump? Ele enfatizou o quão grande é sua admiração por Trump. Mas Trump é um palhaço, Trump é um narcisista, Trump é um protecionista, Trump também é um incitador de guerra. De onde você acha que vêm as armas que vão para a Ucrânia, Israel e assim por diante? Elas vêm dos Estados Unidos. Mas ele também ama Zelensky. Ele chama Zelensky de herói da liberdade. Deu a ele uma medalha. Mas Zelensky também é um palhaço criminoso que sacrifica a população da Ucrânia por uma guerra sem sentido. Por que ele celebra Netanyahu, enquanto Netanyahu está bombardeando Gaza transformando-a em escombros, matando centenas de milhares de pessoas nesse meio tempo – a pessoa mais criminosa que atualmente perambula é o Sr. Netanyahu, e ele o celebra.
Que tipo de reputação é essa? Nós, libertários, queremos celebrar alguém que é amigo do governo dos Estados Unidos como um herói? Alguém que também quer se juntar à OTAN? A Argentina por acaso fica no Atlântico Norte? Ele comprou uma quantidade enorme de aviões dos Estados Unidos. Tenho certeza de que isso também lhe rendeu muitos amigos nos Estados Unidos. Ele até enviou algumas armas para a Ucrânia. E recentemente ele fez um discurso onde disse “Nosso exército fez manobras com os Estados Unidos no Atlântico Sul”; e recentemente ele deu um discurso onde disse “Eu quero apenas que mais poder seja dado ao Exército”. Os salários dos militares foram aumentados, e não apenas isso, ele disse que o Exército também deveria no futuro assumir obrigações internamente. Ou seja, os militares deveriam ser usados para combater o terrorismo e o tráfico de drogas e coisas assim. Então, ele quer usar o Exército contra sua própria população, não contra agressores estrangeiros que ataquem a Argentina. E nenhum país, em muito tempo, tentou atacar a Argentina.
Eu sei que muitas pessoas o comparam com algum político padrão e dizem “Ah, ele é melhor do que muitos outros”, e, sem dúvida, ele é. Eu o preferiria também a quaisquer outros. Sem dúvida. Prefiro Trump a Kamala, embora eu ache que ambos são criminosos. E eu, é claro, preferiria Milei a muitas outras pessoas também. Mas do ponto de vista de um anarcocapitalista – que ele afirma ser sua convicção filosófica – ele é, obviamente, um desastre. Não posso concordar em transformá-lo, entre os círculos libertários, em algum tipo de herói. Ele não é um herói.
Essa é minha opinião pessoal como alguém que foi mencionado por ele como uma de suas inspirações, e como alguém que conheceu Murray Rothbard provavelmente melhor do que qualquer outra pessoa que esteja viva atualmente — e ele foi mencionado como sua outra grande inspiração, na verdade, como sua principal inspiração. Então, do ponto de vista de um rothbardiano e um hoppeano, não, Milei não é um herói. Ele é melhor do que muitas das outras porcarias que temos por aí, mas é só isso que ele é.
O palhaço Milei é menos pior que o pateta Bolsonaro. Mas como escreve Hoppe, isso não quer dizer muita coisa.
Trump condecorou Zelensky? Que dia?
A questão da condecoração ele está se referindo a Milei. É que ele estava fazendo algumas críticas a Trump e depois voltou a citar Milei… Na tradução fica confusa quem deu medalha a quem, porém foi zelensky que deu a medalha de “Ordem da Liberdade” a Milei, num evento que discutia relações econômicas e o andamento da guerra na Ucrânia:
https://www.google.com/amp/s/www.gazetadopovo.com.br/mundo/zelensky-se-reune-com-milei-na-suica-e-o-presenteia-com-ordem-da-liberdade
Obviamente Zelensky quis puxar o saco do Milei e da Argentina para que fiquem do seu lado, Milei já deu várias declarações de apoio a Ucrânia e já ajudou com Material veleiro. Hoppe está certo nisso, a política externa do Milei é um desastre do ponto de vista de um libertário Rothbardiano.
Correção: Material “BÉLICO”, ao invés de “VELEIRO”.