N. do T.: o artigo a seguir foi publicado na Bloomberg, veículo insuspeito de qualquer tendência austríaca. O próprio autor, aliás, não é seguidor de escola austríaca.
Antes da leitura, vale uma recordação: no auge da crise mundial – no final de 2008, início de 2009 -, o primeiro-ministro britânico Gordon Brown tornou-se uma sumidade entre os economistas keynesianos, que diziam ser ele o único político que realmente estava fazendo as coisas certas – por “certas”, entenda-se “aplicar ipsis litteris as medidas preconizadas por Keynes”.
O entusiasmo para com o primeiro-ministro era total. Além de seus congêneres europeus, que o aclamavam como um líder intrépido, proeminentes economistas keynesianos, como Paul Krugman e Joseph Stiglitz, diziam que ele não só estava salvando a economia britânica, como também iria salvar o mundo. Veja, por exemplo, esse vídeo de abertura do Jornal da Globo e observe como hoje ele ganha um ar inadvertidamente cômico.
E agora veja a situação do Reino Unido após uma dose cavalar de keynesianismo.
O Reino Unido produziu notáveis economistas ao longo da história, mas John Maynard Keynes, o guru da intervenção governamental, foi aquele que atingiu a verdadeira significância global.
Assim, é um tanto quanto apropriado que o Reino Unido venha a se tornar o leito de morte da economia keynesiana.
Dentre as nações desenvolvidas, a Grã-Bretanha é aquela que vem seguindo com mais afinco e diligência as prescrições keynesianas. A ilha já derrubou as taxas de juros para quase zero, inflou os gastos governamentais, imprimiu dinheiro de maneira estapafúrdia e estatizou praticamente metade do setor bancário.
Exceto retirar Karl Marx de sua sepultura londrina, é difícil imaginar como o estado poderia se envolver ainda mais na economia.
Os resultados serão lúgubres. A economia está totalmente na lona, o desemprego está crescendo, a libra esterlina está afundando, e o mercado de títulos está agrupando o Reino Unido junto com Grécia e Portugal na categoria marcada como “falência iminente”. Em algum momento, num futuro não muito distante, mesmo os mais leais discípulos de Keynes terão de admitir derrota, e aceitar que uma radical mudança de direção é necessária.
O debate público sobre o estado da economia britânica ficou mais animado há duas semanas, em decorrência de uma briga barulhenta entre economistas.
No dia 14 de fevereiro, um grupo que incluía quatro ex-autoridades do Banco da Inglaterra (o banco central) – Tim Besley, Howard Davies, Charles Goodhart e John Vickers – publicou uma carta endereçada ao jornal Sunday Times apelando para que o governo do primeiro-ministro Gordon Brown adotasse uma postura mais rígida e controlasse o déficit fiscal, cada vez mais intumescido. Caso isso não seja feito, alertaram os economistas, a estabilidade da recuperação econômica estará ameaçada, e haverá um movimento especulativo contra a libra.
A reação adversa keynesiana
Isso gerou uma pungente resposta dos keynesianos, que insistem obstinadamente em dizer que o Reino Unido somente sairá da recessão caso haja muitos gastos estatais. Os ganhadores do Nobel de Economia Joseph Stiglitz e Robert Solow estavam dentre os signatários de cartas assinadas por um grupo de 67 economistas que insistiam que gastos e déficits orçamentários eram a única maneira de recuperar a economia. Tais cartas, publicadas no Financial Times, argumentavam que um “choque agudo” – isto é, austeridade monetária e fiscal – seria a essa altura algo “categoricamente perigoso”.
Assim, quem está certo e quem está errado? Eis um debate que interessa ao resto do mundo. Afinal, se o gerenciamento governamental da demanda não está funcionando no abonado Reino Unido, então não vai funcionar em lugar nenhum do mundo.
O Reino Unido tem alguma experiência nesse fenômeno de cartas assinadas em massa por devotos de Keynes. Em 1981, um grupo de 364 economistas escreveu uma carta aberta atacando violentamente as políticas da então primeira-ministra Margaret Thatcher. No final, a história demonstrou que eles estavam totalmente errados, é claro. Olhando em retrospecto, ninguém pode hoje contestar que as políticas de Thatcher levaram a uma longa e duradoura revitalização econômica.
O estouro do orçamento
E, assim como os keynesianos estavam errados há três décadas, eles estão errados hoje.
Durante os últimos 18 meses, o Reino Unido vem em estado de intensa atividade keynesiana. O déficit orçamentário já está em mais de 12% do PIB, igual ao da Grécia. Porém, ao passo que os gregos estão cortando gastos, o déficit britânico está se alargando. Números de janeiro mostram que houve outra explosão fiscal. Ao mesmo tempo, as taxas de juros foram cortadas para 0,5% e a libra esterlina desmoronou – fenômeno esse que supostamente deveria estimular a demanda internacional por produtos britânicos, ajudando a diminuir o déficit da balança comercial.
Praticamente todo o possível foi feito para estimular o consumo. Os resultados têm sido deploráveis.
As vendas no varejo em janeiro, excluindo gasolina, caíram 1,2% em relação ao mês anterior, o dobro do previsto pelos economistas. O número de pessoas recebendo seguro-desemprego pulou para 1,64 milhão em janeiro, o maior desde abril de 1997. Os juros pagos pelos títulos da dívida governamental do Reino Unido hoje são maiores que os da Espanha e os da Itália, um sinal óbvio de que os investidores estão perdendo a fé na capacidade do país honrar suas dívidas. A taxa de inflação também pulou para 3,5%.
Má sorte tripla
Na realidade, a Grã-Bretanha está vivendo o pior dos mundos possíveis: uma economia estagnada, um déficit orçamentário paralisante e uma inflação de preços.
O consenso keynesiano diz que as coisas estariam piores caso não tivesse havido o estímulo governamental; que se o estímulo à demanda for interrompido, a economia se desmoronará novamente em uma recessão; e que, se o esquema não está funcionando, isso é prova inconteste de que o estímulo deveria ter sido ainda maior.
Esse é o argumento que os charlatães sempre usam: se o remédio não está funcionando, aumente a dosagem.
Porém, ainda assim, a realidade terá de se intrometer nesse debate em algum momento futuro. Não há como o déficit ficar muito maior, as taxas de juros não podem cair mais (já estão em 0,5%) e a libra não pode perder mais de seu valor.
Estimular a economia não está funcionando
Na realidade, está apenas tornando-a pior. Consumidores e empresas não querem mais impostos para cobrir a farra fiscal do governo. Uma moeda em declínio eleva os custos de tudo o que o Reino Unido tem de importar, atiçando a inflação dos preços. Consequentemente, os poupadores são dizimados. E, ainda assim, os bancos permanecem relutantes em conceder empréstimos, pois eles corretamente creem que a economia está na lona.
Receita para a recuperação
O que o Reino Unido necessita é de uma total mudança de direção. Controlar o déficit. Elevar as taxas de juros para que se possa restaurar a confiança na libra e remunerar a poupança. Cortar impostos para estimular o empreendimento e o investimento.
Ainda assim, a verdadeira lição do Reino Unido para 2010 é muito mais ampla. Um país não pode sair de uma recessão por meio da gastança. E o governo não pode corrigir um problema simplesmente fazendo mais daquilo que gerou esse problema. Ele não pode aumentar o endividamento e facilitar o crédito para resolver um problema que foi causado justamente por endividamento excessivo e juros baixos.
No país onde nasceu, a economia keynesiana está sendo testada. Se a economia britânica não estiver crescendo em ritmo saudável ao final de 2010, o fracasso da teoria será óbvia para todo mundo.
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Para uma rápida contrapartida americana, leia Obama, o terror dos keynesianos