Thursday, November 21, 2024
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Justiça, poluição do ar e direitos de propriedade

rothbard1O direito como uma disciplina normativa

O direito é um conjunto de ordens; os princípios do direito penal ou da responsabilidade civil, de que vamos tratar, são ordens negativas ou proibições, do tipo “não realizará” as ações X, Y ou Z[1].  Em suma, certas ações são a tal ponto tidas como erradas que se considera apropriado utilizar as sanções da violência (dado que o direito é a corporificação social da violência) para combater, proteger-se de e punir os transgressores.

Há muitas ações contra as quais não se considera apropriado utilizar-se de violência, seja individual ou organizada.  Meras mentiras (isto é, quando contratos de transferência de títulos de propriedade não são rompidos), a perfídia, a ingratidão vil, ser maldoso com amigos ou colegas, ou não comparecer a compromissos, são geralmente tidos como atos errados, mas poucos cogitam usar a violência para proibi-los ou combatê-los. Outras sanções, como recusar-se a ver a pessoa ou a fazer negócios com ela, submetê-la ao ostracismo, e assim por diante, podem ser utilizadas por indivíduos ou grupos, mas usar a violência do direito para proibir aquelas ações é considerado excessivo e inapropriado.

Se a ética é uma disciplina normativa que identifica e classifica certas categorias de ações como boas ou más, certas ou erradas, então o direito penal ou o da responsabilidade civil são um subconjunto da ética que identifica as ações contra as quais é apropriado utilizar-se da violência.  O direito diz que a ação X deve ser ilegal e, portanto, deve ser combatida pela violência do direito.  O direito é um conjunto de proposições normativas ou de “dever.”

Muitos autores e juristas afirmam que o direito é uma disciplina livre de juízo de valor — imparcial —, “positiva.” É claro que é possível simplesmente listar, classificar e analisar o direito vigente sem ir além e dizer como o direito deveria ou não deveria ser.[2] Mas esse tipo de jurista não está cumprindo sua tarefa fundamental.  Dado que o direito é, em última análise, um conjunto de ordens normativas, o verdadeiro jurista ou filósofo do direito não termina sua tarefa até que descreva como o direito deveria ser, não importa quão difícil seja isso.  Se ele não o descrever, terá necessariamente abandonado sua tarefa em prol de indivíduos ou grupos sem experiência com princípios jurídicos, os quais poderão aplicar suas ordens por simples decreto e capricho arbitrário.

Assim, os juristas seguidores de John Austin proclamam que o rei, ou soberano, deve estabelecer as leis, e que o direito não passa de um conjunto de ordens que emanam da vontade régia.  Mas, então, surge a pergunta: com base em quais princípios o rei atua ou deve atuar?[3]  Seria possível dizer que o rei está baixando um decreto “ruim” ou “inadequado”?  Ao admitir que sim, o jurista está indo além da vontade arbitrária e começando a conceber um conjunto de princípios que deveriam orientar o soberano.  E, desse modo, ele está de volta ao direito normativo.

Variantes modernas do positivismo jurídico sustentam que o direito deve ser o que os legisladores disserem que ele é.  Mas quais princípios devem orientar os legisladores?  E se dissermos que os legisladores devem ser os porta-vozes de seus eleitores, estaremos apenas empurrando o problema para um ponto anterior — cabendo perguntar: quais princípios devem orientar os eleitores?  Ou o direito, e, por conseguinte, a liberdade de agir de todos deveriam ser regidos pelo capricho arbitrário de milhões de pessoas, em vez do capricho de um punhado ou de um único homem?[4]

Mesmo o conceito mais antigo de que o direito deve ser determinado por juízes tribais ou pelos juízes do common law, que estariam meramente interpretando os costumes da sociedade ou da tribo, não consegue escapar de juízos normativos essenciais à teoria.  Por que as regras costumeiras têm de ser obedecidas?  Se um costume tribal exige o assassinato de todas as pessoas com mais de 1,80m, ele deve ser obedecido de qualquer maneira?  Por que a razão não pode estabelecer um conjunto de princípios que confrontem e derrubem meros costumes e tradições?  Do mesmo modo, por que ela não pode ser utilizada para derrubar meros caprichos arbitrários do rei ou do povo?

Como veremos, o direito penal ou o da responsabilidade civil são um conjunto de proibições contra a invasão de ou a agressão a direitos de propriedade privada; isto é, os campos em que cada indivíduo é livre para agir.  Mas, se esse é o caso, então a implicação da ordem “não interfira no direito de propriedade de A” é que o direito de propriedade de A é justo e, logo, não deve ser violado.  Proibições legais, portanto, longe de serem em algum sentido livres de juízo de valor, implicam de fato num conjunto de teorias a respeito da justiça — particularmente, a respeito da alocação justa de direitos de propriedade e de títulos de propriedade.  A “justiça” é um conceito normativo ou não é nada.

Nos últimos anos, no entanto, juristas e economistas da “escola de Chicago” vêm tentando desenvolver teorias de direitos de propriedade livres de juízo de valor, direitos definidos e protegidos com base não em normas éticas como as de justiça, mas em alguma forma de “eficiência social.”  Em uma dessas variantes, Ronald Coase e Harold Demsetz afirmaram que “não faz diferença” como os direitos de propriedade são alocados em casos de interesses conflitantes, contanto que alguns direitos de propriedade sejam atribuídos a alguém e, então, defendidos.  Em seu famoso exemplo, Coase discute a destruição provocada pela locomotiva de uma linha de trem sobre fazendas e pomares próximos.  Para Coase e Demsetz, os danos causados pela linha sobre as plantações dos fazendeiros são uma “externalidade” que deveria, de acordo com os postulados da eficiência social, ser internalizada.  Mas, para esses economistas, não faz diferença qual das duas possíveis alternativas é seguida.  Ou se decide que o fazendeiro tem um direito de propriedade sobre seu pomar, de modo que a linha de trem deve indenizá-lo pelo prejuízo causado e o fazendeiro deve poder reprimir as ações invasivas da linha.  Ou então a linha de trem goza do direito de continuar vomitando fumaça onde quiser, e, caso o fazendeiro deseje interromper a emissão, terá de pagar à linha para instalar um mecanismo de redução de fumaça.  Não interessa, do ponto de vista do dispêndio de recursos produtivos, qual solução é adotada.

Por exemplo, suponha que a linha de trem provoque prejuízos equivalentes a 100 mil dólares e, no Caso 1, considerou-se que essa ação violou a propriedade do fazendeiro.  Nesse caso, a linha de trem tem de pagar 100 mil dólares ao fazendeiro ou então investir em um mecanismo de redução de fumaça — o que for mais barato.  Mas, no Caso 2, em que a linha de trem possua o direito de propriedade de emitir fumaça, o fazendeiro teria de pagar à linha de trem até 100 mil dólares para fazê-la parar de prejudicar sua fazenda.  Se o mecanismo antifumaça custar menos de 100 mil dólares, digamos, 80 mil dólares, então o mecanismo será instalado independentemente de qual das partes tenha tido seu direito reconhecido.  No Caso 1, a linha de trem gastará 80 mil dólares no mecanismo ao invés de pagar 100 mil dólares ao fazendeiro; no caso 2, o fazendeiro estará disposto a pagar 80 mil dólares à linha de trem e até 100 mil dólares para instalar o mecanismo.  Se, por outro lado, o mecanismo antifumaça custar mais de 100 mil dólares, digamos 120 mil, então o mecanismo não será instalado de modo algum, independentemente da decisão que seja tomada.  No Caso 1, a linha de trem continuará despejando fumaça e pagando indenizações de 100 mil ao fazendeiro, ao invés de gastar 120 mil no mecanismo; no Caso 2, não compensará ao fazendeiro dar uma propina de 120 mil à linha de trem pelo mecanismo, já que isso representará um prejuízo maior do que os danos de 100 mil.  Assim, independentemente de como os direitos de propriedade sejam atribuídos — de acordo com Coase e Demsetz —, a alocação de recursos será a mesma.  A diferença entre as duas é apenas uma questão de “distribuição”, isto é, de renda ou riqueza.[5]

Essa teoria tem muitos problemas.  Primeiro, renda e riqueza são importantes para as partes envolvidas, embora possam não ser para economistas alheios.  Quem tem de pagar a quem faz muita diferença para ambas as partes. Segundo, essa tese só funciona se ignorarmos deliberadamente fatores psicológicos.  Custos não são apenas monetários.  O fazendeiro poderia muito bem ter um apego ao pomar muito além do prejuízo monetário.  Assim, o pomar poderia valer muito mais a ele do que os 100 mil dólares de indenização, de modo que talvez fosse necessário 1 milhão para compensá-lo pela perda integral.  Mas assim a suposta indiferença se desfaz por completo.  No Caso 1, o fazendeiro não ficará satisfeito em aceitar meros 100 mil de indenização.  Ele impetrará mandados de segurança contra qualquer agressão adicional à sua propriedade e, ainda que a lei permita que as partes negociem a desistência do mandado, ele insistirá em receber mais de 1 milhão da linha de trem, o que esta não estará disposta a pagar.[6]  De maneira oposta, no Caso 2, provavelmente não haverá maneira de o fazendeiro conseguir o 1 milhão necessário para suspender a invasão da fumaça sobre seu pomar.

O amor do fazendeiro por seu pomar é parte de uma dificuldade maior enfrentada pela doutrina Coase-Demsetz: custos são puramente subjetivos e não mensuráveis em termos monetários.  Coase e Demsetz têm uma ressalva em sua tese da indiferença: todos os “custos de transação” devem ser inexistentes.  Se não o forem, então eles defendem que a alocação de direitos de propriedade adotada seja a que acarretar os menores custos de transação sociais.  Mas quando compreendemos que os custos são subjetivos, individuais, e, portanto, impassíveis de medição, percebemos que os custos não podem ser somados.  Mas se não podemos somar todos os custos, incluindo os custos de transação, então não existe algo como “custos de transação sociais”, e eles não podem ser comparados nos Casos 1 e 2 nem, na verdade, em qualquer outra situação.[7]

Outro problema sério presente na abordagem Coase-Demsetz é que, procurando ser livre de juízo de valor, eles na verdade importam a norma ética da “eficiência”, e afirmam que os direitos de propriedade devem ser atribuídos com base naquela eficiência.  Mas ainda que o conceito de eficiência social tivesse significado, eles não respondem às questões de por que a eficiência deve ser a consideração predominante no estabelecimento de princípios jurídicos ou de por que a externalidade deve ser internalizada acima de qualquer outra consideração.  Estamos agora distantes da Wertfreiheit (neutralidade ética) e de volta a questões éticas não investigadas.[8][9]

Outra tentativa dos economistas da escola de Chicago de formular recomendações para políticas legais públicas sob o pretexto da Wertfreiheit é a afirmação de que, com o tempo, os juízes do common law sempre alcançarão a alocação socialmente eficiente de direitos de propriedade e de responsabilidades civis.  Demsetz enfatiza direitos que minimizarão custos de transação sociais; Richard Posner enfatiza a maximização da “riqueza social.” Tudo isso acrescenta um determinismo histórico injustificável, atuando como uma espécie de mão invisível a guiar os juízes pela linha atual da escola de Chicago, às outras falácias analisadas acima.[10]

Se o direito é um conjunto de princípios normativos, segue-se que as leis positivas ou consuetudinárias que tenham surgido não podem simplesmente ser gravadas e seguidas às cegas.  Todas essas leis têm de ser submetidas a uma crítica minuciosa fundamentada em tais princípios.  Então, se houver discrepâncias entre o direito vigente e os princípios de justiça, como quase sempre há, medidas devem ser tomadas para tornar as leis consentâneas com os princípios jurídicos corretos.

Agressão física

O princípio normativo que estou sugerindo para o direito é apenas o seguinte: nenhuma ação deve ser considerada ilícita ou ilegal a menos que invada ou agrida outras pessoas ou sua propriedade justa.  Apenas ações invasivas devem ser declaradas ilegais e combatidas com o poder máximo do direito.  A agressão tem de ser concreta e física.  Diferentes tipos de agressões apresentam diferentes níveis de gravidade e, portanto, requerem diferentes níveis de restituição ou de punição.  Uma simples invasão de propriedade para fins de furto é menos grave do que um “roubo”, em que a ameaça do uso de armas seja contra a vítima.  No entanto, não estamos preocupados aqui com as questões de níveis de agressão ou de punição, mas tão-só com a agressão em si.

Se nenhuma pessoa pode invadir a propriedade “justa” de outrem, qual deve ser nosso critério de justiça?[11]Não há espaço aqui para esmiuçar uma teoria da justiça de títulos de propriedade.  Basta dizer que o axioma básico da teoria política libertária sustenta que toda pessoa goza de autopropriedade, tendo jurisdição absoluta sobre seu próprio corpo.  Com efeito, isso significa que nunca é justo alguém invadir ou agredir outra pessoa. Segue-se, assim, que cada pessoa possui justamente qualquer recurso sem dono que ela se aproprie, ou que “misture seu trabalho”.  Desses dois axiomas equivalentes — autopropriedade e apropriação original — provém o fundamento de todo o sistema de títulos de direito de propriedade em uma sociedade de livre mercado.  Esse sistema estabelece o direito de todas as pessoas sobre seu próprio ser, o direito de doação, de herança (e, concomitantemente, o direito de receber a herança) e o direito de realizar trocas contratuais entre títulos de propriedade.[12] Teorias jurídicas e políticas fizeram muito mal ao não apontarem a agressão física como a única ação humana que deveria ser ilegal e justificar o uso da violência física para combatê-la.  O conceito vago de “dano” é substituído pelo conceito preciso da violência física.[13] Considere os dois exemplos a seguir.  Jim está paquerando Susan e está a ponto de obter sua mão em casamento, quando, de repente, Bob surge em cena e a conquista.  Certamente, Bob provocou muitos “danos” a Jim.  Ao adotar-se um significado de dano como agressão não-física, praticamente todos os atos criminosos poderiam ser justificados.  Jim deveria poder “punir” Bob por sua própria existência?[14]

Do mesmo modo, A é um vendedor bem-sucedido de lâminas de barbear.  Mas então B se aprimora e vende uma lâmina melhor, revestida de teflon para evitar cortes ao barbear.  O valor da propriedade de A é enormemente afetado.  Ele deveria poder receber uma indenização de B ou, melhor ainda, proibir B de vender uma lâmina melhor?  A resposta correta não é que os consumidores seriam prejudicados se fossem forçados a comprar a lâmina inferior, embora esse certamente fosse o caso.  Na verdade, ninguém tem o direito de impedir legalmente ou retaliar “danos” a sua propriedade, a menos que se trate de um ato de agressão física.  Todos têm o direito de manter a inviolabilidade da integridade física de seus bens; ninguém tem o direito de proteger ovalor de seus bens, porque esse valor é puro reflexo do que as pessoas estão dispostas a pagar por eles.  Essa disposição depende unicamente de como elas vão decidir utilizar o dinheiro delas.  Ninguém pode ter um direito sobre o dinheiro de outrem, a menos que a outra pessoa tenha anteriormente concordado em transferi-lo.

No direito da responsabilidade civil, o “dano” geralmente é tratado como uma agressão física a uma pessoa ou a seus bens.  A proibição da difamação (calúnia e difamação) foi e sempre será uma evidente anomalia no direito da responsabilidade civil.  Palavras e opiniões não são agressões físicas.  Analogamente à perda de valor de um bem devido a um produto melhor ou a uma mudança na demanda dos consumidores, ninguém tem um direito de propriedade sobre sua “reputação.” A reputação é estritamente um produto das opiniões subjetivas de outras mentes, e estas têm todo o direito sobre suas próprias opiniões sobre o que for.  Assim, proibir a difamação é, em si, uma agressão grosseira ao direito de liberdade de expressão do difamador — direito que é um subconjunto de seu direito de propriedade sobre si mesmo.[15]

Um ataque ainda mais amplo à liberdade de expressão é o delito civil, inspirado por Warren-Brandeis, de agressão ao suposto direito de “privacidade”, que proíbe a livre expressão e atos de terceiros, utilizando seus próprios bens, que não são sequer falsos ou “maliciosos.”[16]

No direito da responsabilidade civil, o “dano” geralmente é tratado como uma agressão física a uma pessoa ou a seus bens e costuma exigir o pagamento de indenização por danos “morais” se e apenas se esses danos forem uma consequência de uma agressão física.  Assim, no quadro da lei padrão de violação de propriedade — uma agressão a uma pessoa ou a seus bens —, a “agressão consumada” é a agressão de fato contra o corpo de outrem, ao passo que a “tentativa de agressão” é a criação, por uma pessoa sobre outra, de um estado de medo, de receio, de uma agressão.[17]

Para uma tentativa de agressão ser um delito civil e, assim, estar sujeita a ações legais, o direito da responsabilidade civil sabiamente exige que a ameaça seja próxima e iminente.  Meros insultos e palavras violentas, vagas ameaças futuras ou a simples posse de uma arma não podem constituir uma tentativa de agressão[18]; é preciso que haja uma ação explícita associada para dar origem ao receio de uma agressão física iminente.[19] Ou, em outras palavras, é preciso que haja uma ameaça concreta de uma agressão iminente antes que a vítima em potencial possa utilizar legitimamente a força e a violência para defender-se.

A agressão física ou o molestamento não precisam ser de fato “danosos” ou infligir danos graves para que constituam um delito civil.  Os tribunais têm considerado, acertadamente, que atos como cuspir no rosto de alguém ou derrubar seu chapéu são agressões consumadas.  As palavras do Ministro Holt, de 1704, parecem ainda ter validade: “O menor toque raivoso em alguém é uma agressão consumada.”  Embora o dano possa não ser substancial na prática, em um sentido profundo podemos concluir que a vítima foi molestada, foi incomodada, pela agressão física contra ela, e que, assim, essas ações aparentemente menores tornaram-se infrações jurídicas.[20]

Iniciação de um ato explícito: A responsabilidade objetiva

Se somente uma agressão física a uma pessoa ou a seus bens constitui um ato ilícito ou um delito civil, então torna-se importante delimitar quando uma pessoa pode agir da maneira apropriada com o caso de que tal agressão física estivesse a ponto de ocorrer.  A teoria jurídica libertária sustenta que A não pode utilizar a força contra B a não ser em autodefesa, isto é, a não ser que a B esteja iniciando o uso da força contra A.  Mas quando se trata da força de A em legítima defesa contra B, e quando se trata de uma agressão ilegítima e ilegal em sicontra B?  Para responder a essa pergunta, temos de refletir sobre que espécie de teoria da responsabilidade civil estamos dispostos a adotar.

Suponha, por exemplo, que Smith veja Jones franzindo o cenho em sua direção do outro lado da rua, e que Smith tenha um medo anormal de encarar um cenho franzido.  Convencido de que Jones está a ponto de atirar, ele, assim, saca uma arma e atira em Jones, certo de que está agindo em legítima defesa.  Jones entra com uma acusação por lesão corporal e tentativa de homicídio contra Smith.  Seria Smith um agressor e, logo, imputável? Uma teoria da responsabilidade jurídica — a teoria ortodoxa do “homem razoável”, da “conduta razoável” ou da “negligência” — diz que sim, porque franzir o cenho não despertaria o receio de um ataque iminente em um “homem razoável.”  Uma teoria concorrente, defendida no passado e agora sendo reavivada — aquela da “responsabilidade objetiva” ou da “responsabilidade causal objetiva” —, dá a mesma resposta, porque deveria ser evidente a um juiz ou a um júri que Jones não era um agressor iminente.  E isso continuaria válido independentemente de quão sincero fosse o medo de Smith de sofrer um ataque.

Duas falhas graves na teoria do “homem razoável” são as de que a definição de “razoável” é vaga e subjetiva e de que agressores culpados ficam impunes, enquanto as vítimas permanecem sem restituição.  Nesse caso específico, as duas teorias por acaso coincidem, mas isso em muitos outros casos isso não ocorre.  Considere, por exemplo, o caso Courvoisier v. Raymond (1896).[21] Nesse caso, o réu, um lojista, foi ameaçado por uma gangue.  Quando um homem que por acaso era um policial à paisana aproximou-se do réu, tentando ajudá-lo, o réu, tomando-o por um membro da gangue, atirou no policial.  O lojista deveria ser punido?

O juízo de primeira instância decidiu o caso corretamente — com base na responsabilidade objetiva — e o júri deu ganho de causa ao policial.  Porque é evidente que o réu consumou uma agressão ao atirar no demandante. Segundo a teoria da responsabilidade objetiva, a questão gira em torno da causação: quem iniciou o delito civil ou crime?  Um poderoso argumento em defesa da ação do réu era se o demandante de fato tinha perpetrado uma tentativa de agressão, ameaçando a iniciação iminente de uma agressão contra ele.  Assim, a questão para os membros do júri decidirem passa tradicionalmente a ser fática: o policial à paisana de fato ameaçou agredir o lojista?  O júri deu ganho de causa ao policial.[22] A recurso de apelação, no entanto, reverteu a decisão de primeira instância.  No entendimento do recurso, o lojista agiu como um “homem razoável” ao concluir, embora incorretamente, que o policial à paisana estava vindo atacá-lo.

Quando uma ação deve ser considerada uma tentativa de agressão?  Franzir o cenho dificilmente passaria no teste.  Mas se Jones tivesse de repente sacado uma arma e apontado-a na direção de Smith, embora sem dispará-la ainda, isso claramente seria uma ameaça de agressão iminente, e seria uma reação apropriada de Smith alvejar Jones em legítima defesa.  (Nesse caso, nossa visão e a teoria do “homem razoável” coincidiriam mais uma vez.) O critério correto para determinar se o limiar da tentativa de agressão foi ultrapassado é este: Jones iniciou um “ato explícito” ameaçando uma agressão?  Como Randy Barnett salientou:

Em um caso não inteiramente cristalino, o único uso da força justificável é aquele destinado a rechaçar um ato explícito que seja algo mais que um simples preparativo, distante no tempo e no espaço do crime pretendido.  O ato tem de ser mais do que “arriscado”; ele tem de ser realizado com o intuito específico de cometer um crime e tender diretamente, em um grau considerável, a consumá-lo.[23]

Princípios semelhantes se aplicam a casos de transeuntes inocentes.  Jones ameaça atacar e ataca Smith; Smith, em legítima defesa, atira.  A bala sai sem direção e acidentalmente atinge Brown, um transeunte inocente. Smith deve ser imputável?  Infelizmente, os tribunais, aferrando-se à doutrina tradicional do “homem razoável” ou da “negligência”, têm sustentado que Smith não é imputável se ele de fato pretendia, razoável e legitimamente, defender-se de Jones.[24] Mas, para as teorias libertária e da responsabilidade objetiva, Smith na verdade agrediu Brown, embora não intencionalmente, e tem de pagar por esse delito.  Assim, Brown faz jus a uma ação penal contra Smith: e, considerando que Jones coagiu ou atacou Smith, este também faz jus a uma ação independente contra Jones por tentativa de homicídio ou agressão.  Presumivelmente, a imputação ou punição contra Jones seria muito mais rígida do que contra Smith.

Uma das maiores falhas da abordagem ortodoxa da negligência é o enfoque no direito de autodefesa de uma das vítimas (Smith) de rechaçar um ataque, ou em seu erro de boa-fé.  Mas a doutrina ortodoxa infelizmente negligencia a outra vítima — o homem franzindo o cenho do outro lado da rua, o policial à paisana tentando salvar alguém, o transeunte inocente.  O direito de autodefesa do demandante está sendo gravemente negligenciado. O ponto exato a ser enfatizado em todos esses casos é o seguinte: o demandante teria tido o direito de alvejar o réu em sua legítima defesa?  O homem franzindo o cenho, o policial à paisana, o transeunte inocente, se eles pudessem ter feito isso a tempo, teriam tido o direito de atirar em legítima defesa nos réus honestos mas equivocados?  Certamente, qualquer que seja nossa teoria da responsabilidade penal, a resposta tem de ser “sim”; portanto, os louros têm de ir para a teoria da responsabilidade objetiva, que enfatiza o direito de autodefesa de todos e não apenas o de um réu em especial.  Porque está claro que, uma vez que esses demandantes tinham o direito de alvejar o réu em legítima defesa, então o réu há de ter sido o agressor criminoso, independentemente de quão honestas ou “razoáveis” suas ações possam ter sido.

Pelos vários debates esclarecedores do professor Epstein, fica evidente que há três teorias adversárias acerca da imputabilidade entrelaçadas em nossa estrutura jurídica.  A responsabilidade causal objetiva, a mais antiga, atribui a culpa e a responsabilidade com base em causas identificáveis: quem atirou em quem?  Quem agrediu quem?  Apenas a defesa da pessoa e de seus bens é considerada um argumento de defesa adequado contra uma acusação de utilização da força.  Essa doutrina foi substituída durante o século XIX pela teoria da negligência ou do “homem razoável”, a qual deixou impunes muitos réus culpados cujas ações foram julgadas razoáveis ou desprovidas de negligência indevida.  Na verdade, a teoria da negligência desequilibrou excessivamente a balança em favor do réu e contra o demandante.  Em contraste, a teoria moderna que ganhou cada vez mais corpo no século XX, ansiosa por ajudar os demandantes (principalmente se forem pobres), procura maneiras de condenar réus mesmo quando a causa objetiva de uma agressão física não pode ser comprovada.  Se a teoria mais antiga é chamada de “responsabilidade causal objetiva”, a moderna poderia ser chamada de “responsabilidade presumida”, já que a presunção parece estar contra o réu, em uma patente violação da presunção de inocência em benefício do réu do direito penal anglo-saxão.[25]

Ampliando nossa discussão de crimes contra a pessoa para crimes contra a propriedade, podemos empregar a mesma conclusão: toda pessoa tem o direito de defender seus bens contra um ato explícito iniciado contra eles. Ela não pode valer-se da força contra um suposto agressor — um invasor de suas terras ou imóveis — até que este inicie o uso da força por meio de um explícito.

De quanta força uma vítima pode se utilizar para defender de uma agressão seja sua pessoa, sejam seus bens?  Aqui, precisamos rejeitar, por ser irremediavelmente inadequada, a doutrina jurídica atual de que ela pode se utilizar apenas de uma força “razoável”, o que, na maioria dos casos, reduz o direito de autodefesa da vítima a uma nulidade.[26] No direito vigente, permite-se que a vítima se utilize de força máxima ou “mortal” (a) em sua casa, e ainda assim apenas se estiver sob ataque pessoal direto; ou (b) caso não haja como escapar de uma situação em que esteja pessoalmente sob ataque.  Tudo isso é um perigoso disparate.  Qualquer ataque pessoal pode vir a ser um ataque mortal; a vítima não tem como saber se o agressor vai parar antes de infligir um ferimento grave sobre ela.  A vítima deveria ter o direito de agir na suposição de que qualquer ataque é potencialmente um ataque mortal e, por conseguinte, de se utilizar de força letal em resposta.

No direito vigente, a vítima está em um aperto ainda maior quando se trata de defender a integridade de seus bens móveis e imóveis.  Porque, nessa seara, ela não pode sequer se utilizar de força mortal para defender sua própria casa, e muito menos seus outros bens e imóveis.  O fundamento parece ser que, dado que a vítima não poderia matar um ladrão que roubasse seu relógio, ela portanto não deveria poder atirar no ladrão no curso do roubo ou perseguindo-o.  Mas punição e defesa da pessoa ou da propriedade não são a mesma coisa, e devem ser tratadas de maneiras distintas.  Punição é um ato de retaliação após o crime ter sido cometido e o criminoso ter sido preso, processado e condenado.  Defesa enquanto o crime está sendo perpetrado, ou até que o bem seja recuperado e o criminoso, imobilizado, é uma história muito diferente.  A vítima deveria ter o direito de usar a força em qualquer medida, inclusive a força letal, para defender ou recuperar seus bens, contanto que o crime esteja no curso de seu cometimento — isto é, até que o criminoso seja imobilizado e devidamente julgado segundo o processo legal.  Em outros termos, ela deveria poder atirar em saqueadores.[27]

O ônus apropriado do risco

Concluímos, assim, que nenhuma pessoa pode se utilizar da força para defender a si ou a seus bens até a iniciação de um ato explícito de agressão contra ela.  Mas essa doutrina não impõe um risco indevido sobre todos?

A resposta elementar é que a vida é sempre arriscada e precária e que não há como contornar esse fato primordial.  Qualquer alívio do ônus do risco sobre alguém simplesmente transfere-o para outra pessoa.  Assim, se nossa doutrina torna mais arriscado esperar até que alguém inicie uma agressão contra você, ela também torna a vida menos arriscada, porque, sendo um não-agressor, tem-se maior certeza de que nenhuma suposta vítima exaltada se lançará sobre você em pretensa “autodefesa.” Não há como a lei diminuir o risco em geral; portanto, torna-se importante usar algum outro princípio para estabelecer os limites de permissibilidade das ações, alocando-se, desse modo, os ônus do risco.  O axioma libertário de que todas as ações, exceto atos explícitos de agressão, são permissíveis proporciona uma base principiológica para a alocação de riscos.

Há razões mais profundas por que riscos gerais não podem ser reduzidos ou minimizados por ações legais premeditadas.  O risco é um conceito subjetivo singular a cada indivíduo; assim, ele não pode ser expresso em forma quantitativa mensurável.  Por conseguinte, o grau quantitativo de risco de pessoa alguma pode ser comparado ao de outra, e nenhuma medida global de risco social pode ser obtida.  Como conceito quantitativo, o risco geral ou social é tão perfeitamente desprovido de sentido quanto o conceito de “custos sociais” ou benefícios sociais dos economistas.

Em um mundo libertário, portanto, todos iriam assumir o “ônus apropriado do risco”[28] depositado sobre si como seres humanos livres sendo responsáveis por si mesmos.  Esse seria o risco envolvido na pessoa e nos bens de cada um.  É claro, os indivíduos poderiam voluntariamente agregar seus riscos, como em variados tipos de seguro em que os riscos são compartilhados e os benefícios, pagos aos perdedores do grupo.  Ou então especuladores poderiam voluntariamente assumir riscos de mudanças futuras nos preços que fossem assimilados por outras pessoas em operações de cobertura no mercado.  Ou então alguém poderia assumir o risco de outra pessoa em troca de pagamento, como no caso de garantia ou de outros tipos de contrato.  Inadmissível seria um grupo reunir-se e decidir que outro grupo deveria ser forçado a assumir seus riscos.  Se um grupo, por exemplo, força um segundo grupo a garantir a renda do primeiro, os riscos são enormemente aumentados para o segundo, em detrimento de seus direitos individuais.  A longo prazo, é claro, todo o sistema poderia entrar em colapso, dado que o segundo grupo só pode oferecer garantias baseadas em sua própria produção ou renda, as quais inevitavelmente cairão à medida que o ônus do parasitismo social expandir-se e sufocar a sociedade.

O ônus apropriado da prova

Se, para cada pessoa, o ônus apropriado do risco é abster-se da coerção a menos que um ato explícito contra sua pessoa ou seus bens tenha sido iniciado,[29] então qual seria o ônus apropriado da prova contra um réu?

Primeiro, tem de haver alguns critérios racionais relativos a provas para que os princípios libertários funcionem. Suponha que o axioma fundamental do libertarianismo — nenhuma iniciação do uso da força contra a pessoa ou a propriedade — seja consagrado em todos os processos judiciais.  Mas suponha que o único critério para provas seja que todas as pessoas com menos de 1,80m são consideradas culpadas, enquanto todas as pessoas com mais de 1,80m são tidas como inocentes.  É claro que esses critérios processuais de prova estariam em direta e flagrante violação dos princípios libertários; assim como estariam testes de prova em que acontecimentos irrelevantes ou aleatórios decidissem o caso, como o julgamento medieval com base em provações ou julgamentos com base em folhas de chá ou mapas astrológicos.

Sob um ponto de vista libertário, portanto, processos adequados demandam provas racionais a respeito da culpa ou da inocência de pessoas acusadas de delitos civis ou crimes.  As evidências têm de ser conclusivas na demonstração de uma sucessão causal objetiva de atos de agressão à pessoa ou a seus bens.  As evidências têm de ser erigidas de modo a demonstrar que o agressor A de fato iniciou um ato físico explícito de agressão contra a pessoa ou os bens da vítima B.[30]

Quem, então, deve suportar o ônus da prova em qualquer caso específico?  E qual critério ou quesito de prova deve ser satisfeito?

O princípio libertário fundamental é que todos devem ter o direito de fazer qualquer coisa que ele ou ela esteja fazendo, exceto cometer um ato explícito de agressão contra outrem.  Mas e as situações em que não é claro se uma pessoa está ou não cometendo uma agressão?  Nesses casos, o único procedimento consentâneo com os princípios libertários é não fazer nada; ir ao outro extremo para garantir que o agente judiciário não está coagindo uma pessoa inocente.[31] Se não estamos certos, é muito melhor deixar um ato agressivo escapar do que aplicarmos a coerção e, assim, cometermos nós mesmos uma agressão.[32] Um pilar fundamental do juramento hipocrático, “pelo menos, não provoque danos”, também deveria aplicar-se aos agentes jurídicos e judiciários.

A presunção em todos os casos, logo, tem de ser que todos os réus são inocentes até a comprovação da culpa, e o ônus da prova tem de estar inteiramente sobre o demandante.[33]

Se temos sempre de insistir no laissez-faire, segue-se que não se pode permitir que um critério de prova tão frágil quanto a “preponderância da evidência” sirva como demonstração de culpa.  Se o demandante produz provas que, segundo alvitre judicial, pesam aproximadamente 51% em favor da condenação do réu, isso dificilmente é melhor do que o puro acaso como justificativa para o uso da força contra o réu pelo tribunal.  A presunção de inocência, assim, tem de estabelecer um critério mais rigoroso para provas.

Atualmente, a “preponderância da evidência” é utilizada para decidir casos civis, ao passo que um critério mais severo é utilizado para casos penais, dado que as penas são muito mais duras.  Mas, para os libertários, o teste da culpa não tem de estar vinculado ao grau de punição; independentemente da punição, a culpa envolve coerção de algum tipo aplicada contra o réu condenado.  Os réus merecem a mesma proteção em casos penais e de direito civil.[34]

Alguns juízes, devidamente chocados com a visão dominante de que meros 51% de provas podem bastar para condenar, mudaram o critério para garantir que quem quer que esteja julgando o caso — um juiz ou um júri — esteja convencido da culpa pela preponderância das provas.  Um critério mais satisfatório, no entanto, é o de que o julgador tem de estar convencido da culpa do réu por “provas claras, fortes e convincentes.”[35]Felizmente, esse teste tem sido cada vez mais usado em casos cíveis nos últimos anos.  Melhor ainda têm sido as formulações mais firmes mas em geral repelidas de certos juízes, como provas “claras, positivas e inequívocas”, e a afirmação de um juiz de que essa frase significa que os demandantes “têm de (…) satisfazer o julgador a um nível de certeza moral.”[36]

Mas o melhor critério para qualquer prova de culpa é aquele comumente utilizado em casos penais: provas “para além de qualquer dúvida razoável.”  Obviamente, algum grau de dúvida quase sempre persistirá na avaliação de ações humanas, de modo que um critério como “para além de qualquer traço de dúvida” seria irremediavelmente irrealista.  Mas a dúvida tem de manter-se pequena o suficiente para que qualquer “homem razoável” possa convencer-se do fato da culpa do réu.  A condenação por uma culpa “para além de qualquer dúvida razoável” parece ser o critério mais consonante com o princípio libertário.

Lysander Spooner, o ilustre advogado constitucionalista e libertário do século XIX, era um defensor entusiasmado do critério “para além de qualquer dúvida razoável” para todo tipo de condenação:

as vidas, liberdades e propriedades dos homens são valiosas demais para eles, e as presunções naturais em seu favor são fortes demais para justificar sua destruição por seus concidadãos por uma mera ponderação de probabilidades, ou por qualquer razão que não a certeza para além de qualquer dúvida razoável. (itálico no original)[37]

Embora o critério da dúvida razoável não venha sendo amplamente utilizado em casos cíveis, alguns precedentes existem em favor dessa proposta aparentemente audaciosa e chocante.  Assim, perante a alegação de que um suborno havia sido oferecido oralmente em um caso sucessório, o tribunal decidiu que o suposto suborno “tem de ser provado por testemunhos persuasivos, claros e conclusivos, que convençam o tribunal, para além de qualquer dúvida razoável, de sua veracidade.”  E, em uma ação para rever um contrato escrito, o tribunal decidiu que o erro tem de ser “confirmado por provas tão fortes e conclusivas que o coloquem acima de qualquer dúvida razoável.”[38]

Causalidade objetiva

O que o demandante tem de provar para além de qualquer dúvida razoável, portanto, é uma causalidade objetiva entre o réu e sua agressão contra o demandante.  Ele tem de provar, em suma, que A de fato “provocou” uma agressão contra a pessoa ou os bens de B.

Em uma análise brilhante da causação no direito, o professor Epstein demonstrou que sua própria teoria da imputabilidade objetiva está intimamente ligada a uma visão direta, estrita, senso comum, de “causa.” Proposições causais em uma visão objetivamente causal do direito assumem as seguintes formas: “A agrediu B“, “A ameaçou B” ou “A compeliu B a agredir C.” A teoria ortodoxa da imputabilidade, em contraste, ao dar ênfase à responsabilidade por “negligência” ao invés de por ações agressivas diretas, fica amarrada a teorias vagas e complexas da causalidade, muito distantes da variante do senso comum “A agrediu B.”  A teoria da negligência postula uma noção vaga, “filosófica” de “causa de fato” que culpa todos e ninguém, no passado, no presente e no futuro, por qualquer ato, e então restringe a culpa de uma maneira vaga e insatisfatória a uma “causa próxima” no caso particular.  O resultado, como Epstein sagazmente salienta, é viciar o conceito de causa por completo e dar liberdade aos tribunais para decidirem os casos arbitrariamente e de acordo com suas próprias visões de política social.[39]

Para confirmar a culpa e a responsabilidade, a causalidade objetiva de uma agressão levando ao dano precisa passar no teste rigoroso da prova para além de qualquer dúvida razoável.  Palpites, conjecturas, plausibilidade, mesmo a mera probabilidade não são suficientes.  Nos últimos anos, a correlação estatística tem sido comumente utilizada, mas ela não pode determinar a causação, por certo não como uma prova jurídica rigorosa da culpa ou do dano.  Assim, se a incidência de câncer no pulmão é maior entre fumantes do que entre não-fumantes, isso não é per se uma prova de causação.  Os próprios fatos de que muitos fumantes nunca desenvolvem câncer no pulmão e de que muitos dos acometidos por câncer no pulmão nunca fumaram indicam que há outras variáveis complexas atuando.  De modo que embora a correlação seja sugestiva, ela dificilmente basta para fornecer provas médicas ou científicas; a fortiori, ela pode ainda menos determinar qualquer tipo de culpa jurídica (se, por exemplo, uma esposa que tenha desenvolvido câncer no pulmão pode processar o marido por fumar e, por conseguinte, fazer mal aos pulmões dela).[40]

Milton Katz observa, em um caso em que o demandante processou por lesões provocadas por poluição do ar:

Suponha que o demandante alegue lesões graves: enfisema, talvez, ou câncer no pulmão, bronquite ou alguma outra lesão comparativamente grave aos seus pulmões.  Ele enfrentaria um problema de prova da causação. (…) Diagnósticos médicos parecem ter confirmado que dióxido sulfúrico e outros poluentes do ar com frequência desempenham um papel significativo na etiologia do enfisema e de outras formas de lesões pulmonares. Mas eles não são de forma alguma os únicos fatores causais possíveis.  O enfisema e o câncer de pulmão são doenças complexas que podem originar-se de uma variedade de causas, por exemplo, do tabagismo, para citar um exemplo familiar.  Se e quando o demandante conseguir comprovar que a conduta do réu poluiu o ar de sua casa, não se seguirá que a poluição causou sua doença.  O demandante ainda teria de desincumbir-se do ônus de provar a etiologia de sua lesão pulmonar.[41]

Assim, um nexo causal objetivo tem de existir entre o agressor e a vítima, e esse nexo tem de ser comprovável para além de qualquer dúvida razoável.  Causalidade, ressalte-se, segundo o conceito do senso comum de prova objetiva da variante “A agrediu B“, e não meras probabilidade ou correlação estatística.

Responsabilidade apenas do agressor

Sob a teoria da responsabilidade objetiva, poder-se-ia supor que, se “A agrediu B“, então A é o agressor, e que portanto A e apenas A é responsável perante B.  E no entanto uma doutrina jurídica surgiu e triunfou, aprovada até pelo professor Epstein, segundo a qual às vezes C, inocente e sem ser o agressor, também é considerado responsável.  Essa é a notória teoria da “responsabilidade por atos de terceiros.”

A teoria da responsabilidade por atos de terceiros se desenvolveu no direito medieval, em que o senhor era responsável pelos delitos cometidos por seus criados, servos e escravos e por sua esposa.  Com o avanço do individualismo e do capitalismo, o common law mudou, e a responsabilidade por atos de terceiros desapareceu nos séculos XVI e XVII, quando sensatamente chegou-se à conclusão de que “o senhor não deve ser responsabilizado pelos delitos de seus criados, exceto quando tenha ordenado o ato específico.”[42]

Desde os séculos XVIII e XIX, no entanto, a responsabilidade por atos de terceiros assumida por senhores ou empregadores está de volta com tudo.  Contanto que o delito seja cometido pelo empregado no curso de promover, ainda que apenas em parte, os negócios de seu empregador, então este também é responsabilizado. A única exceção se dá quando o funcionário “está agindo por contra própria”, de maneira desvinculada dos negócios do empregador.  Prosser anota:

O fato de que o ato do funcionário seja expressamente proibido pelo chefe, ou de que ele seja realizado de uma maneira proibida pela chefia, são (…) geralmente não conclusivos, e não impedem por si mesmos que um ato esteja dentro do escopo do emprego [tornando, assim, o chefe imputável].  Um chefe não pode eximir-se da responsabilidade simplesmente exigindo que seu empregado aja com cuidado. (…) Assim, instruções a um vendedor para nunca carregar uma arma durante uma demonstração não afastarão a responsabilidade quando o vendedor carregá-la, em um esforço para vender a arma (…) O chefe não pode eximir-se da responsabilidade não importa quão específicas, detalhadas e enfáticas suas ordens no sentido oposto possam ter sido.  Isso é claro desde os casos ingleses pioneiros (Limpus v. London General Omnibus Co., [1862] iH. & C. 526. 158 Eng. Rep. 993) em que uma empresa de ônibus foi considerada responsável apesar de ordens explícitas a seu motorista para que não obstruísse outros veículos.[43]

No que é ainda mais impressionante, o chefe é agora considerado responsável até por delitos intencionais cometidos pelo funcionário sem o consentimento da chefia:

Em geral, o chefe é considerado imputável por qualquer delito intencional cometido pelo funcionário em que seu objetivo, embora disfarçado, seja por completo ou em parte promover os negócios da empresa.

Assim, ele será considerado responsável quando seu motorista de ônibus forçar o ônibus de um competidor a cair em uma vala, ou agredir um invasor até expulsá-lo do ônibus, ou quando um vendedor fizer declarações fraudulentas a respeito de produtos que estiver vendendo.[44]

Prosser despreza com razão o raciocínio tortuoso com que os tribunais tentaram justificar um conceito jurídico tão infenso ao libertarianismo, ao individualismo e ao capitalismo, e adequado apenas a uma sociedade pré-capitalista.

Uma infinidade de razões muito engenhosas foram oferecidas em defesa da responsabilidade por atos de terceiros assumida por um chefe: ele exerce um “controle” mais ou menos fictício sobre o comportamento de um funcionário; ele “pôs tudo em marcha” e é assim responsável pelo que ocorreu; ele escolheu o funcionário e confiou nele, e assim deve responder por seus erros, e não um estranho inocente que não teve oportunidade de se proteger; é uma grande concessão que qualquer pessoa seja autorizada mesmo a contratar outra, e deve existir uma responsabilidade correspondente como o preço a pagar por isso (…) A maioria dos tribunais faz pouco ou nenhum esforço para explicar o resultado, e se refugia em frases um tanto vazias, como (…) a fórmula incessantemente repetida de “respondeat superior“, que em si significa nada mais do que “procure o homem mais acima.”[45]

Na verdade, como Prosser menciona, a única justificativa verdadeira para a responsabilidade por atos de terceiros é que os empregadores geralmente têm mais dinheiro do que os empregados, de modo que se torna mais conveniente (quando não se é o empregador) fixar a responsabilidade na classe mais rica.  Nas palavras cínicas de Thomas Baty: “Na verdade nua e crua, a razão para a responsabilidade dos empregadores é que as indenizações são retiradas de uma carteira bem gorda.”[46]

Igualmente em oposição, temos a crítica lúcida do Ministro Holmes: “Suponho que o senso comum se oponha a fazer uma pessoa pagar pela infração de outra, a menos que a primeira de fato tenha levado à ocorrência da infração (…) Suponho, assim, que o senso comum se oponha à teoria fundamental da ação.”[47]

Poderíamos esperar que, em uma teoria da responsabilidade causal objetiva, a responsabilidade por atos de terceiros fosse descartada sem cerimônia.  Assim, é surpreendente ver o professor Epstein ferir o espírito de sua própria teoria.  Ele parece ter duas defesas para a doutrina do respondeat superior e da responsabilidade por negligência de terceiros.  Uma é o argumento curioso de que “assim como o empregador beneficia-se dos ganhos extraídos das atividades de seus funcionários, também se deve exigir que ele suporte as perdas decorrentes dessas atividades.”[48]Essa declaração não avalia corretamente a natureza das trocas voluntárias: tanto o empregador quanto o empregado beneficiam-se do contrato de trabalho.  Além disso, o empregador de fato suporta as “perdas” no caso de sua produção (e, por conseguinte, seus recursos) provar-se mal direcionada.  Ou suponha que o empregador cometa um erro e contrate uma pessoa incompetente, que receba 10 mil dólares.  O empregador pode demitir seu funcionário, mas ele e apenas ele suporta a perda de 10 mil dólares.  Assim, não parece existir nenhuma razão legítima para forçar o empregador a suportar um custo adicional pelo comportamento delituoso de seu funcionário.

O segundo argumento de Epstein está contido na seguinte sentença: “a empresa X me prejudicou porque seu funcionário agiu de tal maneira no curso de seu trabalho.”  Aqui, Epstein comete o erro do realismo conceitual, dado que ele supõe que uma “empresa” de fato existe e que ela cometeu um ato de agressão.  Na realidade, uma “empresa” não age; apenas indivíduos agem, e cada um deve ser responsável por seus próprios atos e apenas por eles.  Epstein pode zombar da posição de Holmes por estar fundamentada na “premissa do século XIX de que a conduta individual era a base única da responsabilidade individual,” mas Holmes estava certo de qualquer maneira.[49]

Uma teoria da propriedade justa: A apropriação original

Há dois princípios fundamentais sobre os quais a teoria libertária da propriedade justa se apoia:

1. Todos possuem o direito de propriedade absoluto sobre seu próprio corpo; e

2. todos possuem um direito de propriedade absoluto sobre recursos naturais previamente sem dono (terras) que ocupem e coloquem em uso primeiro (na expressão lockeana, “misturando seu trabalho à terra”).

O princípio de “aquisição originária pelo uso pioneiro” para recursos naturais também é popularmente chamado de “princípio da apropriação original.”  Se cada pessoa possui as terras “às quais mistura seu trabalho”, então ela possui o produto daquela mistura e tem o direito de trocar títulos de propriedade com outros produtores similares.  Isso estabelece o direito de livre contratação no sentido de transferência de títulos de propriedade. Estabelece também o direito de doar esses títulos, seja como presente, seja como herança.

A maioria de nós pensa na apropriação original de recursos não utilizados no sentido antiquado de desbastar um pedaço de terra sem dono e cultivar o solo.  Existem, no entanto, formas mais sofisticadas e modernas de apropriação original, que deveriam definir um direito de propriedade.  Suponha, por exemplo, que um aeroporto seja construído com uma grande quantidade de terras desocupadas ao seu redor.  O aeroporto emite um nível de ruídos que alcança, digamos, X decibéis, com as ondas sonoras viajando pelas terras desocupadas.  Um conjunto habitacional então compra terras perto do aeroporto.  Algum tempo depois, os proprietários processam o aeroporto por barulho excessivo prejudicando o uso e o gozo tranquilo de suas casas.

Barulho excessivo pode ser considerado uma forma de agressão, mas, neste caso, o aeroporto já conquistou o direito de emitir um nível de barulho de X decibéis.  Por sua posse prévia, o aeroporto agora “goza do direito” de emitir ruídos a um nível de X decibéis na área circundante.  Em termos jurídicos, podemos então afirmar que o aeroporto, por meio da apropriação original, adquiriu um direito de servidão de produzir X decibéis de barulho. Essa servidão apropriada originalmente é um exemplo do conceito jurídico antigo de “prescrição”, segundo o qual certa atividade confere um direito de propriedade prescritivo à pessoa que realiza a ação.

Por outro lado, se o aeroporto começar a aumentar os níveis de barulho, então os proprietários ao redor poderão processar ou cobrar reparações do aeroporto por sua agressão sonora adicional, que não havia sido coberta pela apropriação original.  É claro que, se um novo aeroporto for construído e começar a emitir sons deX decibéis sobre as casas circunjacentes, o aeroporto se torna inteiramente responsável pela agressão sonora.

Deve-se deixar claro que a mesma teoria se aplica à poluição do ar.  Se A está provocando a poluição do ar de B, e se isso pode ser provado para além de qualquer dúvida razoável, então se trata de uma agressão que deve ser processada e indenizada de acordo com a responsabilidade objetiva — exceto se A estava lá antes e já vinha poluindo o ar antes da propriedade de B se constituir.  Por exemplo, se uma fábrica pertencente a Aoriginalmente poluía propriedades não utilizadas, até certo nível do poluente X, então se pode afirmar que Aapropriou-se originalmente do direito de poluir de determinada maneira e até certo grau.

Perante uma servidão prescritiva, os tribunais têm geralmente feito um bom trabalho determinando seus limites. No caso Kerlin v. Southern Telephone and Telegraph Co. (1941), uma empresa de serviços públicos mantinha uma servidão por prescrição sobre postes e fiação telefônica presentes em terras de terceiros (chamadas de “prédio serviente”, no direito).  A empresa queria instalar dois fios adicionais e o prédio serviente questionou seu direito de fazê-lo.  O tribunal decidiu corretamente que a empresa tinha direito porque não se propunha a mudar os “limites exteriores de espaço utilizados pelo dono da servidão.”  Por outro lado, em um caso britânico pioneiro, decidiu-se que uma servidão para moverem-se carroças não podia ser usada mais tarde para fins de guiar rebanhos.[50]

Infelizmente, os tribunais não têm honrado o conceito de apropriação original em servidões que têm barulho e poluição como objetos.  O caso clássico é Sturgis v. Bridgman (1879), na Inglaterra.  O demandante, um médico, havia comprado um terreno em 1865; na propriedade vizinha, o réu, um farmacêutico, utilizava um gral e um pilão, que provocavam vibrações na propriedade do médico.  Não houve nenhum problema, no entanto, até o médico montar um consultório, dez anos depois.  Ele então processou e cobrou indenização do farmacêutico, alegando que o trabalho deste constituía uma turbação.  O réu argumentou com propriedade que as vibrações ocorriam antes da montagem do consultório, que então elas não constituíam um ato nocivo, e que portanto ele tinha um direito prescritivo a continuar levando seus negócios a cabo.  No entanto, a defesa do réu foi rejeitada.

Consequentemente, temos injustiças como mudanças compulsórias na natureza de um negócio e falhas no reconhecimento da prescrição por uso pioneiro.  Dessa maneira, Prosser observa que “o caráter de uma região pode mudar com a passagem do tempo, e a indústria existente no campo pode tornar-se uma turbação, fazendo-se necessário que mude suas atividades, ao brotarem residências ao seu redor.  Ela não adquirirá nenhum direito de prescrição.”[51] Uma lei justa diria aos residentes que chegaram por último que eles sabiam onde estavam chegando e que eles têm de se adaptar ao ambiente industrial e não o contrário.

Em alguns casos, no entanto, os tribunais têm considerado ou ao menos cogitado que o demandante, ao “dirigir-se à turbação”, ingressou voluntariamente em uma situação pré-existente, e que, assim, o réu não seria culpado. Prosser sustenta que “na ausência de um direito prescritivo, o réu não pode condenar os locais ao redor a suportar a turbação”, mas nosso ponto aqui é que o indivíduo que se apropriou originalmente de uma servidão que tenha o barulho ou a poluição como objeto de fato adquiriu esse direito em casos de “dirigir-se à turbação.”[52]

A opinião dominante nos tribunais, aquela expressa no caso de Ensign v. Walls (1948), descarta ou minimiza o “dirigir-se à turbação” e rejeita a ideia de uma servidão apropriada originalmente.  Mas a opinião minoritária tem defendido-a com vigor, como no caso de Nova York BoveI v. Donner-Hanna Coke Co. (1932).  O demandante havia se mudado para uma região industrial, onde o réu manejava um forno de carvão no lado oposto da rua.  Quando o demandante tentou impedir o funcionamento do forno, o tribunal rejeitou o pedido com essas palavras exemplares:

Com toda a sujeira, a fumaça e o gás que necessariamente saem das chaminés, dos trens e dos barcos da fábrica, e com pleno conhecimento de que essa região estava particularmente adaptada a fins industriais e não residenciais, e que o número de fábricas aumentaria no futuro, a demandante escolheu essa localidade como o lugar para seu futuro lar.  Ela voluntariamente se mudou para esse bairro, plenamente consciente do fato de que a atmosfera seria sempre contaminada por sujeira, gases e odores fétidos e de que não poderia esperar encontrar nessa localidade o ar puro de uma zona estritamente residencial.  Ela evidentemente viu certas vantagens em viver nesse centro congestionado.  Esse caso não trata da invasão de um bairro tranquilo, residencial, por uma indústria, com seu barulho e sujeira resultantes.  Ele trata exatamente do oposto.  Aqui, uma residência é construída em uma área naturalmente adaptada a fins industriais e já dedicada a esse uso.  A demandante mal merece ser ouvida ao reclamar, nesse momento tardio, de que sua paz e conforto têm sido prejudicados por uma situação que existia, em certa medida pelo menos, no exato momento em que ela adquiriu sua propriedade.[53]

Turbações, visíveis e invisíveis

Uma invasão a terra de terceiros pode ser considerada uma violação de propriedade ou uma turbação, e existe uma confusão considerável a respeito da fronteira entre elas.  Para nossos propósitos, a distinção clássica entre as duas é importante.  A violação se dá quando “ocorre uma invasão física que represente uma interferência direta na posse da terra, o que geralmente tem de ser realizado por uma massa tangível.”[54] Por outro lado, “tem-se geralmente considerado, até agora, que o contato por partículas diminutas ou intangíveis, como poeira industrial, gases nocivos ou raios de luz, é insuficiente para constituir uma invasão que represente uma violação de propriedade, com base nos fatos de que não há interferência alguma na posse, ou de que a invasão não é direta, ou de que a intrusão não chega a ser uma invasão devido à sua natureza imponderável ou intangível.”[55]

Essas invasões mais intangíveis podem ser consideradas turbações privadas e como tais levadas a juízo.  Uma turbação pode ser, como Prosser observa:

uma interferência no estado físico da terra em si, como trepidações e explosões que danificam uma casa, a destruição de plantações, alagamentos, a drenagem de um lençol freático, ou a poluição de um córrego ou de um reservatório d’água subterrâneo.  Ela pode consistir em uma perturbação do conforto ou da comodidade do morador, como por meio de odores desagradáveis, fumaça ou poeira ou gás, barulhos altos, luz excessiva ou temperatura elevada, ou mesmo por chamadas telefônicas reiteradas.[56]

Prosser resume a diferença entre violação de propriedade e turbação:

A violação de propriedade é uma agressão ao interesse do demandante na posse exclusiva de sua terra, ao passo que a turbação é uma interferência em seu uso e gozo.  A diferença é aquela entre (…) derrubar uma árvore além de sua cerca e impedi-lo de dormir à noite com o barulho de uma máquina laminadora.[57]

Mas a diferença entre “posse exclusiva” e “interferência no uso” significa exatamente o quê?  Além disso, a diferença prática entre uma ação cível contra uma violação de propriedade e contra uma turbação é que a violação é ilegal per se, ao passo que a turbação, para poder ser levada a juízo, tem de prejudicar a vítima para além do mero fato da própria invasão.  Qual é a justificativa, se é que existe uma, para tratar a violação de propriedade e a turbação de maneiras tão diferentes?  E estaria agora a antiga distinção entre invasão tangível e invisível tão obsoleta quanto Prosser sustenta, “à luz dos testes científicos modernos?”[58] Ou, como uma nota do Columbia Law Review diz:

O tribunal federal (?) sugeriu que, historicamente, a relutância dos tribunais a declarar que a invasão por gases e partículas diminutas representava uma violação de propriedade decorreu da exigência de que, para declarar uma violação de propriedade, o tribunal devia poder identificar alguma intrusão física por matéria tangível; ele então constatou que essa dificuldade não existe mais, porque os tribunais podem hoje contar com métodos científicos de detecção, os quais podem fazer medições quantitativas precisas de gases e de materiais sólidos, para comprovar a existência de uma invasão física por matéria tangível.[59]

A distinção entre o visível e o invisível, no entanto, não foi eliminada por completo por métodos científicos modernos de detecção.  Consideremos duas situações opostas.  Primeiro, uma violação direta de propriedade: Aentra com seu carro no jardim de B ou coloca objetos pesados sobre o chão de B.  Por que isso é uma invasão e ilegal per se?  Em parte porque, nas palavras de um antigo caso inglês, “a lei infere algum dano; se nada mais, o espezinhamento da grama ou da folhagem.”[60] Mas não se trata apenas de espezinhamento; uma invasão tangível da propriedade de B interfere no uso exclusivo da propriedade, nem que seja por tomar metros quadrados tangíveis (ou metros cúbicos).  Se A perambula por ou coloca um objeto sobre a terra de B, então Bnão pode utilizar o espaço que A ou seu objeto tomaram.  Uma invasão por uma massa tangível representa per se uma interferência na propriedade de terceiros e, por conseguinte, é ilegal.

Em comparação, considere o caso das ondas de rádio, que implicam uma transposição dos limites de outras pessoas que é invisível e insensível sob todos os aspectos para os proprietários.  Somos todos bombardeados por ondas de rádio que cruzam nossas propriedades sem nosso conhecimento ou consentimento.  Seriam elas invasivas e, portanto, deveriam ser ilegais, agora que temos mecanismos científicos para detectá-las? Deveríamos, então, proibir todo tipo de transmissão radiofônica?  E, em caso negativo, por que não?

A razão por que não devemos é que essas transposições de limites não interferem na posse exclusiva, no uso ou no gozo da propriedade de ninguém.  Elas são invisíveis, não podem ser detectadas pelos sentidos humanos e não provocam mal algum.  Portanto, elas não são de fato invasões de propriedade, porque temos de refinar nosso conceito de invasão para abranger não simples transposições de limites, mas transposições de limites que de alguma maneira interfiram no uso ou no gozo de sua propriedade pelo dono.  O que conta é se os sentidos do dono da propriedade são afetados.

Mas suponha que se descubra no futuro que as ondas de rádio são prejudiciais, que provocam câncer ou alguma outra doença?  Então, elas estariam interferindo no uso da propriedade das pessoas sobre seu corpo e deveriam ser ilegais e proibidas — contanto, é claro, que a prova do dano e o nexo causal entre os invasores em particular e as vítimas em particular fossem confirmados para além de qualquer dúvida razoável.

Vemos, assim, que a distinção apropriada entre violação de propriedade e turbação, entre responsabilidade objetiva per se e responsabilidade objetiva com prova do dano, não se baseia na verdade na “posse exclusiva” em oposição ao “uso e gozo.”  A distinção apropriada é entre invasões visíveis e tangíveis ou “sensíveis”, que interferem na posse e no uso da propriedade, e transposições invisíveis, “insensíveis” de limites, que não interferem e, assim, deveriam ser proibidas apenas com prova do dano.

A mesma doutrina se aplica à radiação baixa, que praticamente todas as pessoas e todos os objetos no mundo emanam e que todos, portanto, recebem.  Tornar ilegal ou proibir a radiação leve, como alguns de nossos ambientalistas fanáticos parecem estar defendendo, seria equivalente a proibir toda a raça humana e todo o mundo ao nosso redor.  A radiação baixa, justamente por não ser detectável pelos sentidos humanos, não interfere no uso ou na posse da propriedade de ninguém, e assim só pode ser combatida com base em provas causais objetivas do dano para além de qualquer dúvida razoável.

A teoria das servidões apropriadas originalmente discutida acima não exigiria nenhuma restrição sobre transmissões de rádio ou sobre a radiação baixa das pessoas.  No caso das transmissões de rádio, a propriedade da terra e de todos seus elementos por Smith não lhe confere o direito de possuir todas as ondas de rádio que passam sobre e por sua terra, porque Smith não se apropriou originalmente e nem transmitiu frequências de rádio ali.  Por conseguinte, Jones, que transmite uma onda a, digamos, 1200 Khz, apropria-se originalmente da emissão daquela onda até onde ela alcance, ainda que transite pela propriedade de Smith.  Se Smith tentar interferir em ou de algum modo interromper as transmissões de Jones, ele será culpado por interferência na propriedade justa de Jones.[61]

Apenas se as transmissões de rádio se provarem danosas à pessoa de Smith para além de qualquer dúvida razoável, as atividades de Jones estarão sujeitas a uma ação judicial.  O mesmo tipo de argumento, é claro, aplica-se a transmissões de radiação.

Entre violações tangíveis de propriedade e ondas de rádio e radiação baixa, há um leque de turbações intermediárias.  Como elas devem ser tratadas?

A poluição do ar, consistindo de odores nocivos, fumaça e outras matérias visíveis, definitivamente constitui uma interferência agressiva.  Essas partículas podem ser vistas, cheiradas ou tocadas, e deveriam assim constituir uma invasão per se, exceto no caso de servidões para poluir o ar apropriadas originalmente. (Danos além da simples invasão implicariam, é claro, responsabilidade adicional.) No entanto, a poluição do ar provocada por gases ou partículas invisíveis ou indetectáveis pelos sentidos não deveria constituir uma agressãoper se, já que, sendo insensível, ela não interfere na posse ou no uso do dono.  Ela compartilha a condição das ondas de rádio invisíveis ou da radiação, a menos que prove ser prejudicial e que essa prova e o nexo causal entre o agressor e a vítima possam ser confirmados para além de qualquer dúvida razoável.[62]

O barulho excessivo certamente é um delito de turbação; ele interfere no gozo de uma pessoa de sua propriedade, inclusive sua saúde.  No entanto, ninguém afirmaria que toda pessoa tem o direito de viver como se estivesse em um cômodo à prova de som; apenas o barulho excessivo, embora o conceito seja vago, pode ser levado a juízo.

Em certo sentido, a própria vida se apropria originalmente da servidão para produzir barulho.  Todas as regiões têm certos barulhos, e as pessoas que se mudam para uma região têm de esperar um volume razoável de barulho. Como Terry Yamada pesarosamente admite:

Um cidadão urbano tem de aceitar as consequências da situação gerada por um entorno barulhento.  Os tribunais em geral consideram que as pessoas que vivem ou trabalham em comunidades densamente povoadas têm necessariamente de suportar os aborrecimentos e os desconfortos tradicionais daquelas empresas e negócios localizados no bairro onde moram ou trabalham; esses aborrecimentos e desconfortos, no entanto, não podem ser maiores do que aqueles concebivelmente esperados na comunidade e têm de ser legalmente condizentes com as atividades da empresa ou do negócio.[63]

Em suma, quem quiser um cômodo à prova de som tem que pagar por sua instalação.

A atual regra geral dos tribunais cíveis no tocante a ações de turbação por barulho é persuasiva:

Uma fonte de barulho não é uma turbação per se, mas apenas se torna uma sob certas condições.  Essas condições dependem de uma análise da região circundante, da hora do dia ou da noite em que as atividades produtoras de barulho têm lugar e da maneira como a atividade é conduzida.  Uma turbação privada é indenizável apenas quando é imoderada ou excessiva e quando produz real desconforto físico ou dano em uma pessoa de sensibilidades comuns, a ponto de interferir no uso e no gozo de sua propriedade.[64]

Possuindo a unidade tecnológica: Terra e ar

Em nossa discussão da apropriação original, não enfatizamos o problema do tamanho da área a ser apropriada.  Se A utiliza certa quantidade de um recurso, quanto deste recurso deve ser de sua propriedade?  Nossa resposta é que ele possui a unidade tecnológica do recurso.  O tamanho dessa unidade depende do tipo de bem ou recurso em questão, e tem de ser determinado por juízes, júris ou árbitros que sejam especialistas no recurso ou na atividade específica em questão.  Se o recurso Xpertence a A, então A tem de possuir o bastante dele para incluir os elementos necessários.  Por exemplo, no julgamento dos tribunais a respeito da propriedade de frequências de rádio nos anos de 1920, a extensão da propriedade dependia da unidade tecnológica da onda de rádio — sua largura no espectro eletromagnético de modo que outra onda não interferisse no sinal, e seu comprimento no espaço.  A propriedade da frequência era então determinada com base na largura, no comprimento e na localização.

A colonização das terras americanas é uma história de lutas, com frequência malsucedidas, pelo tamanho da unidade de apropriação original.  Assim, o dispositivo a tratar de apropriação original na lei federal de terras de 1861 estabeleceu que a limpeza e o uso de uma unidade de 160 ha ao longo de certo período confeririam propriedade ao colono.  Infelizmente, em alguns anos, quando as pradarias áridas começaram a ser ocupadas, 160 ha eram pouco demais para qualquer uso viável da terra (geralmente, criação de animais e pasto).  Como resultado, poucas terras do oeste chegaram a ser apropriadas durante várias décadas.  A consequente superutilização da terra provocou a destruição da pastagem das terras à oeste e de boa parte das florestas.

Com a importância de se analisar a unidade tecnológica em mente, examinemos a propriedade do espaço aéreo. Poderia existir propriedade privada do ar, e, em caso afirmativo, até que ponto?

O princípio do common law é o de que todo proprietário de terras possui todo o espaço aéreo acima dele indefinidamente até os céus e para baixo até o centro da terra.  Na famosa máxima de Lord Coke, cujus est solum ejus est usque ad coelum; isto é, aquele que tem o solo tem acima até o céu e, por analogia, abaixo até o inferno.  Embora essa regra tenha passado no teste do tempo, ela foi formulada, é claro, antes de os aviões serem inventados.  Uma aplicação literal da regra realmente tornaria toda a aviação ilegal, assim como foguetes e satélites.[65]

Mas seria o problema prático da aviação a única coisa errada com a regra ad coelum?  Utilizando-se o princípio da apropriação original, a regra ad coelum jamais fez qualquer sentido e, assim, deveria estar há muito tempo na lata de lixo da história jurídica.  Se alguém se apropria originalmente e utiliza o solo, em que sentido ele também estaria utilizando todo o ar acima dele até o céu?  Claramente, ele não está.

Infelizmente, a regra ad coelum subsistiu no Restatement of Torts (1939), adotada pela associação Uniform State Law for Aeronautics (Direito Estatal Uniforme para a Aeronáutica) e vigente em 22 estados durante os anos de 1930 e 1940.  Essa variante continuou reconhecendo a propriedade ilimitada do espaço acima, mas introduziu um privilégio público superior para violação desse direito.  Aviadores e proprietários de satélites continuariam tendo o ônus de provar que gozavam desse privilégio um tanto vago para violação da propriedade privada do espaço aéreo.  Felizmente, a Lei de Consolidação foi abandonada pelos comissários do Uniform State Law em 1943 e já está para desaparecer.

Uma segunda solução, adotada pelo Tribunal Federal da Nona Circunscrição em 1936, pôs a propriedade privada do espaço aéreo no lixo e chegou a permitir que aviões zunissem rente à terra.  Apenas interferências reais no gozo presente da terra constituiriam um delito civil.[66] A teoria mais popular da turbação simplesmente proíbe interferências sobre o uso da terra, mas ela é insatisfatória porque descarta qualquer tipo de debate sobre a propriedade do espaço aéreo.

A melhor teoria jurídica é a “zona”, a qual sustenta que apenas a porção inferior do espaço aéreo acima da terra é apropriável; essa zona é o limite da “posse efetiva” do proprietário.  Como Prosser a define, “a posse efetiva” abrange “tanto do espaço acima quanto for essencial para o uso e o gozo plenos da terra.”[67] A altura do espaço aéreo apropriado variará de acordo com as circunstâncias do caso e, portanto, de acordo com a “unidade tecnológica.” Assim, Prosser anota:

Essa foi a regra aplicada no caso pioneiro Smith v. New England Aircraft Co., no qual se decidiu que voos a 30 metros eram uma invasão de propriedade, uma vez que a terra era utilizada para o cultivo de árvores que alcançavam aquela altura. Alguns outros casos apresentaram a mesma visão.

A altura da zona de propriedade tem de variar de acordo com as circunstâncias de cada caso.[68]

Por outro lado, a teoria da turbação deve ser conjugada àquela da zona estrita de propriedade em casos em que o excesso de barulho de aeronaves prejudicar pessoas ou atividades na área adjacente, não exatamente sob o avião.  Inicialmente, os tribunais federais julgavam que apenas voos rasantes poderiam constituir um delito civil contra proprietários privados, mas o caso do barulho excessivo de Thornburg v. Port of Portland (1962) corrigiu essa visão.  O tribunal argumentou corretamente nesse caso:

Se aceitamos (?) a validade das proposições de que um barulho pode ser uma turbação; de que uma turbação pode dar origem a uma servidão; e de que um barulho que venha do espaço acima da terra pode se transformar em um incômodo se for persistente e aborrecido o suficiente, então logicamente o mesmo tipo e grau de interferência no uso e gozo da terra também pode ser um incômodo embora o vetor do barulho venha de alguma direção que não seja perpendicular.[69]

Embora não haja razão por que o conceito de propriedade do espaço aéreo não possa ser usado para combater delitos de poluição do ar, isso raramente é feito.  Mesmo quando a regra ad coelum estava com tudo, ela era usada contra voos de aeronave mas não para combater a poluição do ar, que era inconsistentemente considerado um recurso comum.  O direito da turbação poderia ter sido tradicionalmente usado contra a poluição do ar, mas até pouco tempo atrás era prejudicado pela “ponderação dos direitos”, por normas de negligência contra a responsabilidade objetiva e pela declaração de que a poluição “razoável” do ar não podia ser levada a juízo.  No caso clássico Holman v. Athens Empire Laundry Co. (1919), a Suprema Corte do estado da Geórgia declarou: “A poluição do ar, contanto que em níveis razoáveis, necessários para o gozo da vida e indispensáveis para o progresso da sociedade, não pode ser levada a juízo.”[70] Felizmente, essa concepção está agora se tornando obsoleta.

Embora a poluição do ar devesse ser um delito sujeito à responsabilidade objetiva, deve-se ressaltar que afirmações como “todos têm direito ao ar puro” não fazem qualquer sentido.  Há poluentes do ar advindo constantemente de processos naturais, e o ar de alguém é aquilo que ele de fato possua.  A erupção do Monte Santa Helena deveria ter alertado a todos dos processos sempre operantes da poluição natural.  Tem sido a regra tradicional e apropriada dos tribunais do common law que nenhum proprietário de terras é responsável pelos danos provocados por forças naturais que se originem de sua propriedade.  Como Prosser anota, um proprietário de terras

não está sob qualquer dever afirmativo de reparar condições de origem puramente natural sobre sua terra, embora elas possam ser altamente perigosas ou inconvenientes para seus vizinhos (…) Assim, tem-se considerado que o proprietário de terras não é imputável pela existência de um atoleiro fétido, por pedras despencando, pela disseminação de ervas daninhas ou cardos crescendo em sua terra, por danos provocados por animais nativos ou pelo fluxo normal, natural, da água na superfície.[71]

Em suma, não temos direito ao ar puro, mas temos direito de não termos nosso ar invadido por poluentes gerados por um agressor.

Poluição do ar: Direito e regulamentação

Demonstramos que todos podem fazer o que quiserem, contanto que não iniciem um ato explícito de agressão contra a pessoa ou a propriedade de outrem.  Qualquer pessoa que iniciar tal agressão tem de ser objetivamente responsável pelos danos sobre a vítima, ainda que sua ação seja “razoável” ou acidental. Finalmente, essa agressão pode tomar a forma de poluição do ar de outrem, inclusive do efetivo espaço aéreo possuído por ele, de danos contra sua pessoa ou de uma turbação interferindo na posse ou  no uso de sua terra.

Nesse caso, contanto que:

1. o poluidor não tenha estabelecido antes uma servidão apropriada originalmente;

2. embora poluentes visíveis e odores nocivos sejam uma agressão per se, no caso de poluentes invisíveis e insensíveis, o demandante tem de provar o dano real;

3. o ônus da prova de tal agressão recai sobre o demandante;

4. o demandante tem de provar a causalidade objetiva entre as ações do réu e seu prejuízo;

5. o demandante tem de provar tal causalidade e agressão para além de qualquer dúvida razoável; e

6. não há responsabilidade por atos de terceiros, mas apenas responsabilidade daqueles que efetivamente realizam o ato.

Com esses princípios em mente, consideremos o estado atual do direito da poluição ar.  Nem a mudança em curso das ações por negligência e “razoáveis” para a responsabilidade objetiva satisfez, de modo algum, os habituais defensores especiais dos demandantes ambientalistas.  Como Paul Downing diz, “atualmente, uma parte que tenha sido prejudicada por poluição do ar tem de provar no tribunal que o emissor A a prejudicou.  Ela tem de demonstrar que foi prejudicada e que o emissor A é o responsável, e não o emissor B.  Essa é quase sempre uma tarefa impossível.”[72] Se isso for verdade, então temos de assentir sem reclamar.  Afinal, a prova da causalidade é um princípio básico do direito civilizado, e muito mais da teoria jurídica libertária.

Do mesmo modo, James Krier reconhece que, ainda que a exigência de provar a intenção ou uma conduta não razoável ou negligente seja substituída pela responsabilidade objetiva, continuará havendo o problema deprovar o nexo causal entre a conduta ofensiva e o dano.  Krier reclama que “a causa e o efeito continuam tendo de ser demonstrados.”[73] Ele quer “fazer uma realocação sistemática do ônus da prova”, isto é, retirar o ônus do demandante, a quem ele claramente pertence.  Deveriam agora os réus ser culpados até que eles provem sua inocência?

A prevalência de múltiplas fontes de emissões de poluição é um problema.  Como podemos culpar o emissor Ase há outros emissores ou se há fontes naturais de emissão?  Independentemente da resposta, ela não pode vir às custas de jogar fora os padrões adequados de prova e de conferir privilégios especiais injustos a demandantes e ônus especiais sobre os réus.[74]

Problemas semelhantes de prova são enfrentados por demandantes em casos de radiação nuclear.  Como Jeffrey Bodie anota, “em geral, os tribunais parecer exigir um alto grau de causação em casos de radiação, o que frequentemente é impossível de alcançar, dada a dimensão limitada do conhecimento médico nesse campo.”[75] Mas, como vimos acima, é exatamente essa “dimensão limitada do conhecimento” que torna imperativo proteger os réus de critérios frouxos de prova.

Existem, é claro, inúmeros decretos e regulamentos que criam ilegalidades além dos delitos civis com que os tribunais do common law lidam.[76] Não abordamos leis como a Lei do Ar Puro de 1970 ou regulamentos por uma razão simples: nenhum deles pode ser admitido sob a teoria jurídica libertária.  Na teoria libertária, só é admitido processar alguém se ele for comprovadamente um agressor, e a agressão tem de ser provada em um tribunal (ou por arbitragem) para além de qualquer dúvida razoável.  Qualquer decreto ou regulamento administrativo necessariamente torna ilegais ações que não são iniciações explícitas de crimes ou de delitos de acordo com a teoria libertária.  Qualquer norma de decreto ou administrativa é, assim, ilegítima e ela mesma agressiva e uma interferência criminosa nos direitos de propriedade de não criminosos.

Suponha, por exemplo, que A construa um edifício que, após ser vendido a B, imediatamente desabe.  A deve ser imputável por provocar danos à pessoa e à propriedade de B e a responsabilidade deve ser apurada em juízo, que poderá então aplicar as medidas apropriadas de restituição e de punição.  Mas se o legislativo impôs normas e inspeções sobre edifícios em nome da “segurança”, construtores inocentes (isto é, aqueles cujos edifícios não desabaram) sujeitam-se a regras desnecessárias e com frequência custosas, sem que o governo precise comprovar crimes ou danos.  Eles não cometeram nenhum delito ou crime, mas são sujeitos de antemão a regras — com frequência apenas remotamente relacionadas a segurança — por órgãos estatais tirânicos.  Contudo, um construtor que atende às normas de segurança e às inspeções administrativas e vê um edifício seu desabar é, com frequência, posto em uma situação difícil pelos tribunais.  Afinal, ele não obedeceu a todas as regras de segurança do governo e não recebeu, assim, o imprimatur adiantado das autoridades?[77]

O único sistema cível ou penal consonante com princípios jurídicos libertários é ter juízes (e/ou júris e árbitros) julgando imputações de delitos feitas por demandantes contra réus.

Deve-se ressaltar que, na teoria jurídica libertária, apenas a vítima (ou seus herdeiros e procuradores) pode legitimamente entrar com uma ação contra supostos agressores à sua pessoa e bens.  Promotores públicos ou outros funcionários do governo não devem poder entrar com ações contra a vontade da vítima, em nome de “crimes” contra entidades duvidosas ou inexistentes como a “sociedade” ou o “estado.”  Caso, por exemplo, a vítima de um roubo ou de um assalto seja um pacifista e se recuse a prestar queixa contra o criminoso, ninguém mais deve ter o direito de o fazer contra a sua vontade.  Porque assim como um credor tem o direito de “perdoar” voluntariamente uma dívida não paga, uma vítima, seja por razões pacifistas ou porque o criminoso pagou para não ser acusado[78] ou por qualquer outro motivo, tem o direito de “perdoar” o crime de modo que ele seja assim anulado.

Os críticos de emissões por automóveis se incomodarão com a falta de regulamentação governamental, tendo em vista as dificuldades de provar danos a vítimas decorrentes de automóveis específicos.[79] Mas, como já enfatizamos, considerações utilitaristas têm sempre de se subordinar às exigências da justiça.  Aqueles que se preocupam com emissões por automóveis estão em uma situação ainda pior perante os tribunais de responsabilidade civil, porque os princípios libertários também exigem o retorno à regra do vínculo contratual — regra do século XIX atualmente desprezada.

A regra do vínculo contratual, que se aplica amplamente ao campo da responsabilidade por bens, estabelece que o comprador de um produto defeituoso só pode processar a pessoa com quem tenha celebrado um contrato.[80] Se o consumidor compra um relógio de um vendedor, e o relógio não funciona, ele deve poder processar apenas o vendedor, dado que foi este que transferiu a propriedade do relógio em troca do dinheiro do consumidor.  Este, contrariamente aos julgados modernos, não deve poder processar o fabricante, com quem não fez negócio algum.  Foi o vendedor que, ao vender o produto, deu uma garantia implícita de que o bem não seria defeituoso. E, do mesmo modo, o vendedor deve poder processar apenas o atacadista pelo bem defeituoso, e o atacadista, o intermediário, e este, finalmente, o fabricante.[81]

Da mesma maneira, a regra do vínculo contratual deve ser aplicada às emissões por automóveis.  A culpa pela poluição deve recair sobre cada proprietário individual de um veículo e não sobre o fabricante, que não é responsável pelo delito na prática e pela emissão na prática. (Até onde o fabricante sabe, por exemplo, o carro poderia ser usado em alguma região despovoada ou utilizado sobretudo para contemplação estética pelo dono.) Assim como nos casos de responsabilidade por bens, a única justificativa real para processar o fabricante e não o vendedor é simplesmente a conveniência e bolsos bem fornidos, dado que o fabricante é presumivelmente mais rico do que o vendedor.

Embora a situação dos demandantes contra as emissões por automóveis possa parecer irremediável sob o direito libertário, há uma saída parcial.  Em uma sociedade libertária, as ruas seriam propriedade privada.  Isso significa que as emissões por automóveis proviriam da rua de um proprietário até os pulmões ou o espaço aéreo de outros cidadãos, de modo que o proprietário da rua seria imputável pelos danos provocados pela poluição sobre os habitantes das redondezas.  Processar o proprietário da rua é muito mais factível do que processar cada um dos proprietários de carros em particular pela diminuta quantidade de poluentes pela qual poderiam ser responsabilizados.  A fim de se proteger dessas ações, ou até de possíveis mandados de segurança, o proprietário da rua teria então um incentivo econômico para baixar regulamentos antipoluição para todos os carros que quisessem transitar por sua rua.  Mais uma vez, como em outros casos da “tragédia dos comuns”, a propriedade privada dos recursos pode resolver muitos problemas de “externalidade.”[82]

Reduzindo o crime ao delito

Mas se não existe uma entidade como a sociedade ou o estado, ou se ninguém exceto a vítima deve poder atuar como promotor ou demandante, isso significa que toda a estrutura do direito penal deve ser desmontada e que ficamos apenas com o direito da responsabilidade civil, em que a vítima de fato faz acusações contra o agressor.[83] No entanto, não há razão para que partes do direito que estão agora no âmbito do direito penal não possam ser enxertadas em um direito da responsabilidade civil ampliado.  Por exemplo, considera-se atualmente que a restituição à vítima pertence ao ramo do direito da responsabilidade civil, ao passo que a punição, ao ramo do direito penal.[84] Contudo, indenizações punitivas por delitos intencionais (em oposição a acidentes) são hoje concedidas, em geral, no âmbito do direito da responsabilidade civil.  Portanto, é concebível que punições mais severas, como prisão, trabalhos forçados para compensar a vítima ou o exílio, também pudessem ser enxertadas no direito da responsabilidade civil.[85]

Um ponto convincente contra qualquer proposta de reduzir o direito penal ao direito da responsabilidade civil é que, na argumentação contrária a permitir indenizações punitivas em casos de delitos civis, elas são “fixadas apenas segundo o capricho do júri e impostas sem as garantias habituais que cercam os processos penais, tais como a prova de culpa para além de qualquer dúvida razoável [e] o direito de não produzir provas contra si mesmo.”[86] Mas, como sustentado acima, critérios como a prova para além de qualquer dúvida razoável devem ser aplicados a casos de responsabilidade civil também.[87]

O professor Epstein, tentando preservar um domínio separado para o direito penal contra a proposta de reduzi-lo ao direito da responsabilidade civil, fundamenta boa parte de sua posição no direito das tentativas.  No direito penal, um crime tentado que por alguma razão não se consuma e não resulta em nenhum dano ou agressão aos direitos da vítima continua sendo um crime e pode ser levado a julgamento.  E, no entanto, Epstein afirma, tal crime tentado não seria uma agressão a direitos e, assim, não poderia ser um delito e não poderia ser levado a julgamento sob o direito da responsabilidade civil.[88]

A refutação de Randy Barnett, no entanto, é conclusiva.  Barnett observa, primeiro, que as tentativas mais malsucedidas de agressão resultam, de qualquer maneira, em agressões menores mas “bem-sucedidas” a pessoas ou bens, e assim seriam passíveis de ser levadas a julgamento sob o direito da responsabilidade civil. “Por exemplo, a tentativa de homicídio é geralmente assaltou ataque com agravantes e uma agressão consumada; uma tentativa de roubo armado é geralmente uma agressão; uma tentativa de furto de carro ou uma invasão de propriedade são geralmente uma violação de propriedade.”[89] Segundo, ainda que o crime tentado não tenha gerado nenhuma agressão a bens per se, se a vítima tiver tomado conhecimento da tentativa de agressão ou de homicídio, a resultante criação de medo na vítima poderia ser levada a juízo como uma tentativa de agressão. De modo que o sujeito que tentou cometer o crime (ou o autor do delito) não poderia escapar incólume.

Assim, a única tentativa de agressão que não poderia ser levada a juízo sob o direito da responsabilidade civil seria aquela sobre a qual ninguém nunca soube nada.  Mas se ninguém sabe dela, ela não pode ser levada a juízo, sob qualquer ramo do direito.[90]

Ademais, como Barnett conclui, vítimas em potencial não seriam impedidas sob o direito libertário de defender-se de tentativas de crime.  Como Barnett diz, é justificável que uma vítima ou seus agentes rechacem um ato explícito que tenha sido iniciado contra elas, e que na verdade é do que se trata uma tentativa de crime.[91]

Delitos em grupo e vítimas em grupo

Até agora, ao discutirmos agressões a pessoas ou a bens, limitamo-nos a agressores e a vítimas individuais, da variante “A atacou B” ou “Aprejudicou B.”  Mas os casos reais de poluição do ar com frequência têm múltiplos supostos agressores e múltiplas vítimas. Com base em quais princípios eles podem ser levados a julgamento ou condenados?

Quando mais de um agressor contribuiu para um delito, geralmente é mais conveniente para os demandantes reunir os réus em uma única ação (“litisconsórcio”).  Não se deve permitir, no entanto, que a conveniência se sobreponha a princípios ou direitos, e, na nossa opinião, a regra original de litisconsórcio do common lawestava correta: réus podem ser compulsoriamente reunidos apenas quando todas as partes atuaram em concerto em uma iniciativa delituosa comum.

No caso de delitos realmente com mais de um autor, também faz sentido tornar cada um dos agressores igualmente imputáveis por toda a extensão dos danos.  Se fosse de outro modo, cada criminoso poderia diluir sua responsabilidade de antemão simplesmente acrescentando mais criminosos à sua iniciativa comum.  Assim, uma vez que a ação de todos os agressores foi em concerto, o delito foi realmente comum, de modo que

 “todos vindo a cometer um ato ilegal e uma parte dele, o ato de um sendo o ato daquela parte presente.” Cada um era assim imputável por todo o dano produzido, embora um pudesse ter batido no demandante, enquanto outro o prendeu e um terceiro roubou seus botões de prata.  Todos poderiam ser reunidos como réus na mesma ação em juízo.[92]

Infelizmente, por questões de conveniência, a regra do litisconsórcio foi afrouxada e os tribunais em muitos casos permitiram que os demandantes compelissem os réus a se reunirem mesmo em casos em que os delitos foram cometidos separadamente e não em concerto.[93 A confusão no litisconsórcio tanto para delitos com mais de um autor quanto para delitos distintos fez muitos tribunais aplicarem a regra da responsabilidade completa ou “integral” para cada agressor.  No caso de delitos distintos afetando uma vítima, isso faz pouco sentido.  Aqui, a regra deveria ser a que tradicionalmente se aplica a casos de turbação: os tribunais distinguem os danos de acordo com ação causais distintas realizadas por cada réu.

Casos de poluição do ar geralmente são constituídos por delitos distintos afetando as vítimas; assim, não deveria haver litisconsórcio necessário e as indenizações deveriam ser estabelecidas de acordo com os fatores causais distintos envolvidos.  Como Prosser anota:

Casos de turbação, em especial, tendem a resultar em rateio de indenizações, em grande parte porque a interferência no uso da terra do demandante tende a ser divisível em termos de quantidade, de porcentagem e de grau.  Desse modo, os réus que poluem independentemente o mesmo córrego ou que inundam a terra do demandante com origens distintas são imputáveis apenas em relação aos danos provocados individualmente, e o mesmo vale para turbações causadas por barulho ou poluição do ar.[94]

Mas em razão de os danos serem múltiplos e distintos, cabe aos demandantes demonstrar fundamentos racionais e passíveis de prova para o rateio do dano entre vários réus e fatores causadores.  Quando essa regra é apropriada e rigorosamente seguida, e a prova está para além de qualquer dúvida razoável, os demandantes em casos de poluição do ar geralmente conseguem muito pouco.  Para compensar isso, os advogados ambientalistas propuseram um afrouxamento do próprio fundamento de nosso sistema jurídico, tirando o ônus da prova para a alocação minuciosa de danos dos ombros dos demandantes e colocando-o sobre os ombros dos vários réus.[95]

Assim, o litisconsórcio necessário de réus pode ter lugar com base na regra original do common law apenas quando os réus supostamente cometeram um delito de fato com mais de um autor, em uma ação concertada.  Do contrário, os réus podem insistir em ações judiciais distintas.

E quanto ao litisconsórcio de vários demandantes contra um ou mais réus?  Quando isso pode ocorrer?  Esse problema é altamente relevante para casos de poluição do ar, em que geralmente há muitos demandantes processando um ou mais réus.

No common law original, as regras eram rigorosas na limitação do litisconsórcio admitido de demandantes a casos em que todas causas em operação afetavam todas as partes reunidas.  Isso foi agora liberalizado para permitir ações com mais de um demandante quando a ação decorre da mesma transação ou série de transações, e quando há pelo menos uma questão de fato ou de direito comum a todos os demandantes.  Essa parece ser uma liberalização legítima para situações em que se deve permitir que os demandantes se reúnam voluntariamente.[96]

Embora o litisconsórcio admitido de demandantes nesse sentido seja perfeitamente legítimo, esse não é o caso de ações “coletivas”, em que o efeito da ação vincula até aqueles membros da suposta classe de vítimas que não participaram da ação.  Parece ser o cúmulo da presunção os demandantes ingressarem com uma ação “coletiva” comum, à qual terão de se submeter mesmo as outras supostas vítimas que jamais tomaram conhecimento ou de algum modo não consentiram em participar da ação.  Os únicos demandantes que deveriam ser afetados por uma ação são aqueles que voluntariamente ingressaram com a ação.  Assim, não seria admissível que 50 habitantes de Los Angeles entrassem com uma ação contra a poluição em nome da classe de “todos os habitantes de Los Angeles”, sem seu conhecimento ou sem que expressassem seu consentimento.  Com base no princípio de que apenas a vítima e seus herdeiros e procuradores podem entrar com uma ação ou usar a força em seu nome, ações coletivas vinculantes a qualquer pessoa que não os demandantes voluntários são inadmissíveis.[97]

Infelizmente, enquanto a Lei Federal sobre Processo Civil 23 de 1938 previa apenas um tipo de ação coletiva não vinculante, a “ação coletiva espúria”, as normas revistas de 1966 tornam todas as ações coletivas vinculantes à classe como um todo, ou então a todos os membros da classe que não tenham especificamente solicitado exclusão.  Em um passo sem precedentes, a ação voluntária está sendo presumida se nenhuma ação foi tomada. Exige-se que os habitantes de Los Angeles, que poderiam nem sequer saber da ação em questão, tomem medidas para serem excluídos da ação, ou a decisão os vinculará.[98] Além disso, a maioria dos estados seguiu as novas normas federais para ações coletivas.

Como no caso do litisconsórcio voluntário, a ação coletiva após 1966 tem de envolver questões de fato ou de direito comuns a toda a classe.  Felizmente, os tribunais estabeleceram limitações adicionais ao uso da ação coletiva.  Na maioria dos casos, todos os membros identificáveis da classe têm de ser notificados individualmente da ação, dando-lhes ao menos uma oportunidade para ficarem de fora da ação; adicionalmente, a classe tem de ser claramente identificável, determinável e manejável.  Sob essa regra, os tribunais federais geralmente não permitiam que “todos os habitantes da cidade de Los Angeles” fossem parte de uma ação coletiva. [99] Assim, uma ação supostamente em nome de todos os habitantes do município de Los Angeles (mais de sete milhões de pessoas) para impedir 293 empresas de poluir a atmosfera foi rejeitada pelo tribunal “como não manejável, devido ao número de partes (demandantes e réus), à diversidade de seus interesses e à multiplicidade de questões envolvidas.”[100]

Outra limitação considerável imposta à maioria das ações coletivas é que os interesses comuns de uma classe em uma ação têm de ser predominantes em relação a interesses individuais distintos.  Assim, uma ação coletiva será rejeitada quando as questões individuais distintas forem “numerosas e substanciais”, deixando as questões comuns em segundo plano.  No caso City of San Jose v. Superior Court (1974), o tribunal repeliu uma ação coletiva de proprietários de terras próximas a um aeroporto, os quais demandavam indenização por danos às suas terras provocados por barulho, poluição e trânsito provenientes do aeroporto.  Embora este afetasse cada um dos proprietários, o tribunal decidiu corretamente que “o direito de cada proprietário de ser reparado pelos danos às suas terras envolvia um número excessivo de fatos individuais (por exemplo, a proximidade a rotas de voos, o tipo de propriedade, seu valor, uso, e assim por diante)” para facultar uma ação coletiva.[101]

Assim, ações coletivas não devem ser aceitas senão quando cada um dos demandantes reunir-se ativa e voluntariamente e os interesses comuns forem predominantes em relação aos individuais e distintos.[102]

Como, então, as normas recentes relativas a ações coletivas têm sido aplicadas à questão da poluição do ar? Consternado, Krier diz que, embora a Lei Federal 23 de 1966 seja de fato mais liberal do que sua antecessora na autorização de ações coletivas, a Suprema Corte norte-americana praticamente anulou seu impacto decidindo que os membros da classe podem agregar demandas individuais perante tribunais federais apenas quando compartilharem um interesse comum indiviso.[103] De acordo com Krier, essa limitação compulsória exclui a maioria das ações coletivas em casos de poluição do ar.  Ele acrescenta que, apesar de essa restrição não vigorar para ações estaduais, estas são geralmente ainda menos viáveis do que as ações coletivas federais, diante das novas normas.  Krier se queixa, em uma nota inconscientemente humorística, que algumas ações coletivas não atraem nenhum demandante.[104]

Mas Krier admite que o maior problema das ações coletivas para os demandantes são as regras de maneabilidade e de determinabilidade para ações com um elevado número de demandantes na classe, citando em especial o caso Diamond v. General Motors. Mas embora Krier atribua o problema apenas à falta de competência e de recursos à disposição dos juízes para sopesarem os vários interesses, ele não nota o problema ainda maior da falta de identificabilidade e da falta de provas evidentes da culpa e da causalidade entre o réu e o demandante.

Conclusão

Tentamos apresentar um conjunto de princípios libertários por meio dos quais podemos avaliar e reconstruir o direito.  Concluímos que todos devem poder fazer o que quiserem, exceto cometer um ato explícito de agressão contra a pessoa ou os bens de outrem.  Apenas esse ato deve ser ilegal, e deve ser passível de ser levado a juízo apenas perante os tribunais que aplicam o direito da responsabilidade civil, com a vítima ou seus herdeiros e procuradores conduzindo a ação contra o suposto agressor.  Portanto, nenhum decreto ou ato administrativo que crie ações ilegais deve ser aceito.  E uma vez que qualquer processo em nome da “sociedade” ou do “estado” é inadmissível, o direito penal deveria ser reduzido a um direito da responsabilidade civil reformado, que incorporasse as punições e a parte do direito das tentativas.

O autor de um delito ou criminoso deve ser objetivamente responsável por sua agressão, sem que se admita uma evasão de responsabilidade fundamentada em teorias da “negligência” ou da “razoabilidade.”  No entanto, a responsabilidade tem de ser provada com base na causalidade objetiva da ação do réu contra o demandante, e ela tem de ser comprovada pelo demandante para além de qualquer dúvida razoável.

O agressor e apenas o agressor deve ser responsável, e não o empregador do agressor — contanto, é claro, que o delito não tenha sido cometido sob as ordens do empregador.  O sistema atual de responsabilidade do empregador por atos de terceiros é uma reminiscência das relações pré-capitalistas entre o senhor e o servo e é basicamente um método injusto de se encontrar bolsos bem fornidos para saquear.

Esses princípios devem vigorar para todos os delitos, inclusive a poluição do ar.  A poluição do ar é uma turbação privada originada do bem imóvel de uma pessoa e é uma invasão do espaço aéreo pertencente à terra e, com frequência, da pessoa do proprietário.  O conceito de apropriação original, segundo o qual o primeiro ocupante e utilizador de um recurso adquire desse modo sua propriedade, é fundamental à teoria libertária dos direitos de propriedade. Assim, quando um “poluidor” polui primeiro e precede o proprietário de terras na emissão de poluição do ar ou de barulho excessivo sobre terras desocupadas, ele assim se apropria originalmente de uma servidão para poluir ou produzir barulho excessivo.  Essa servidão se torna um direito de propriedade legitimamente seu e não do proprietário posterior, adjacente.  A poluição do ar, portanto, não é um delito mas apenas o direito inelutável do poluidor caso ele esteja simplesmente agindo com base em uma servidão apropriada originalmente.  Mas quando não há servidão e a poluição do ar é evidente para os sentidos, a poluição é um delito per se, porque interfere na posse e no uso do ar por outra pessoa.  A invasão de limites — por ondas de rádio ou por radiação baixa, digamos — não pode ser considerada uma agressão porque não interfere no uso e no gozo de sua pessoa ou de seus bens pelo dono.  Somente se essa invasão de limites provar ser danosa — de acordo com os princípios da responsabilidade objetiva e para além de qualquer dúvida razoável —, ela poderá ser considerada um delito e estar sujeita à imputabilidade e a mandados de segurança.

Um delito com múltiplos autores, em que os réus são obrigados a defender-se conjuntamente, deve poder ocorrer apenas se todos agiram em concerto.  Se as ações foram distintas, as ações judiciais também têm de ser distintas, e a responsabilidade partilhada distintamente.  Os demandantes devem poder reunir suas ações contra um réu apenas quando seus casos possuírem um elemento comum que predomine em relação a interesses distintos e individuais.  Ações coletivas são inadmissíveis quando não representarem uma reunião voluntária de demandantes porque presumem atuar em nome de e vinculam membros da classe que não concordaram em participar da ação.

Finalmente, temos de renunciar à prática comum de doutrinadores do direito ambiental de atuarem como defensores especiais de demandantes contra a poluição do ar, lamentando sempre que os demandantes não podem espezinhar os réus.  O fator supremo no direito da poluição do ar, assim como em outros ramos do direito, devem ser os princípios libertários e de direito de propriedade, e não a conveniência ou os interesses particulares de um conjunto de querelantes.

Tradução: Ricardo Bernhard

Notas                       


[1] Princípios jurídicos que estipulam certas ações proibidas como delitos ou crimes devem ser distinguidos de regulamentos e decretos administrativos que estabelecem demandas positivas, como “pagar-se-á o montante X de impostos” ou “apresentar-se-á para a posse nessa e naquela data.”  Em certo sentido, é claro, todas as ordens podem ser formuladas modo com que pareçam negativas, como “não se recusará a pagar o montante X de impostos” ou “não se desobedecerá à ordem de aparecer para a posse.” Por que essas formulações seriam inadequadas será discutido abaixo.  Confira abaixo também uma discussão de “delitos” vis-à-vis “crimes.”

[2] Ronald Dworkin, no entanto, salientou que mesmo análises jurídicas positivas necessariamente implicam questões morais e padrões morais. Dworkin, Taking Rights Seriously (Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1977), capítulos 2, 3, 12, 13. Confira também Charles Fried, “The Law of Change: The Cunning of Reason in Moral and Legal History,” Journal of Legal Studies (March 1980): 340.

[3] Os seguidores de Austin, é claro, também estão introduzindo clandestinamente um axioma normativo em sua teoria positiva: o direito deve ser o que rei disser que ele é.  Esse axioma não é analisado por, nem está fundamentado em, nenhum conjunto de princípios éticos.

[4] Mais uma vez, essas variantes modernas democráticas do positivismo jurídico introduzem clandestinamente o axioma normativo sem fundamento de que normas devem ser estabelecidas de acordo com o que os legisladores e os eleitores queiram fazer.

[5] Confira o artigo que inaugurou essa análise, por Ronald H. Coase, “The Problem of Social Cost,” Journal of Law and Economics 3 (Outubro 1960): 10.  Para uma crítica, confira Walter Block, “Coase and Demsetz on Private Property Rights,” Journal of Libertarian Studies (Spring 1977): 111-15.

[6] Atualmente, é ilegal comprar a desistência de uma ação negociando com a parte prejudicada.  Nesse caso, é claro, o custo de internalização de Coase-Demsetz desaparece por completo.  Mas ainda que a negociação fosse permitida, ele provavelmente desapareceria.  Além disso, podem muito bem existir fazendeiros tão apegados a suas plantações que nenhum dinheiro os compensaria, e neste caso a ação seria absoluta, sem que qualquer negociação de Coase-Demsetz pudesse eliminá-la.  A respeito de permitir negociações para desistência de ações, confira Barton H. Thompson Jr., “Injunction Negotiations: An Economic, Moral and Legal Analysis,”Stanford Law Review 27 (Julho 1975): 1563-95

[7] A respeito da inadmissibilidade do conceito de custo social e sua aplicação aqui, confira Mario J. Rizzo, “Uncertainty, Subjectivity, and the Economic Analysis of Law,” e Murray N. Rothbard, “Comment: the Myth of Efficiency,” em Time, Uncertainty, and Disequilibrium: Exploration of Austrian Themes, Mario Rizzo, ed. (Lexington, Mass.: Lexington Books, 1979), pp. 71-95. Confira também John B. Egger, “Comment: Efficiency is not a Substitute for Ethics,” in ibid, pp. 117-25.

[8] A eficiência social é um conceito vazio porque a eficiência diz respeito a quão efetivamente são empregados os meios para alcançar fins determinados.  Mas, com mais de um indivíduo, quem estabelecerá os fins para os quais os meios devem ser empregados?  Os fins de diferentes indivíduos estão destinados a entrar em conflito, tornando absurdo qualquer conceito adicional ou ponderado de eficiência social.  Para mais sobre isso, confira Rothbard, “Myth of Efficiency,” p. 90.

[9] Charles Fried salientou que a eficiência é, quer queiramos quer não, uma tentativa de critério moral, embora não investigado, errado e incoerente.  Fried, “The Law of Change”, p. 341.

[10] O conceito de riqueza social padece das mesmas deficiências da teoria de Coase-Demsetz, assim como de problemas especificamente seus.  Para uma crítica devastadora de Posner, confira Ronald M. Dworkin, “Is Wealth a Value?” e Richard A. Epstein, “The Static Conception of the Common Law,” em Journal of Legal Studies (Março 1980): 191-226, 253-76.  Confira também Anthony J. Kronman, “Wealth Maximization as a Normative Principle”; Mario J. Rizzo, “Law Amid Flux: The Economics of Negligence and Strict Liability in Tort”; Fried, “The Law of Change”; e Gerald P. O’Driscoll, Jr., “Justice, Efficiency, and the Economic Analysis of Law: A Comment on Fried,” em ibid.: 227-42, 291-318, 335-54, 355-66.

[11] A condição de a propriedade ser “justa” é indispensável.  Suponha, por exemplo, que A roube o relógio de Be, vários meses depois, B se defronte com A e tome seu relógio de volta. Se A processasse B por roubo do “seu” relógio, seria uma defesa irretorquível de B afirmar que o relógio não era real e justamente de A porque ele havia sido anteriormente roubado de B.

[12] Para mais a respeito dessa visão libertária, neo-lockeana, confira Murray N. Rothbard, “Justice and Property Rights,” em Property in a Humane Economy, Samuel Blumenfeld, ed. (LaSalle, ill.: Open Court, 1974), pp. 101-22. Em certo sentido, Percy B. Lehning está certo ao comentar que, em vez de dois axiomas independentes, o princípio da apropriação original de fato decorre do axioma autônomo da autopropriedade, Lehning, “Property Rights, Justice and the Welfare State,” Acta Politica 15 (Roterdã 1980): 323, 352.

[13] Assim, John Stuart Mill clama pela liberdade plena da ação individual “sem impedimentos de nossos concidadãos, contanto que não lhes façamos mal.” Mill, “On Liberty”, em Utilitarianism, Liberty, and Representative Government (New York: E.P. Dutton, 1944), p. 175.  Hayek, depois de definir apropriadamente a liberdade como ausência de coerção, infelizmente não define a coerção como agressão física e, assim sendo, admite e justifica um amplo leque de interferência do governo sobre direitos de propriedade.  Confira Murray N. Rothbard, “F.A. Hayek e o conceito de coerção,” Ordo 31 (Stuttgart 1980): 43-50.

[14] Robert Nozick parece justificar a proibição de todas as trocas voluntárias que ele qualifica como “não produtivas”, o que ele essencialmente define como uma situação em que A estaria em uma melhor posição se Bnão existisse.  Para uma crítica a Nozick em relação a esse ponto, confira Murray N. Rothbard, “Robert Nozick e a concepção imaculada do Estado,” Journal of Libertarian Studies (Winter 1977): 52ff.

[15] Podemos assim aplaudir a posição “absolutista” do juiz Black ao demandar a revogação da lei de difamação.  A diferença é que Black defendia uma posição absolutista quanto à Primeira Emenda porque ela faz parte da Constituição, ao passo que nós a defendemos porque a Primeira Emenda incorpora uma parte fundamental do credo libertário.  A respeito do considerável afrouxamento da lei de difamação nas últimas duas décadas, confira Richard A. Epstein, Charles O. Gregory e Harry Kalven Jr., Cases and Materials on Torts, 3ª ed. (Boston: Little, Brown, 1977), pp. 977-1129 (doravante citado como Epstein, Cases on Torts).

[16] Não se deve sustentar um direito de privacidade que não possa ser enquadrado na proteção de direitos de propriedade prevenindo uma quebra de contrato.  Sobre privacidade, confira ibid., pp. 1131-90.

[17] “Receio” de uma agressão iminente é um termo mais exato do que “medo”, já que enfatiza a consciência de uma agressão próxima e da ação do agressor provocando tal consciência, em vez de o estado psicológico subjetivo da vítima.  Nesse sentido, o deão Prosser afirma: “Receio não é o mesmo que medo, e o demandante não é privado de sua ação apenas porque é corajoso demais para se assustar ou se intimidar.” William L. Prosser,Handbook of the Law of Torts, 4ª ed. (St. Paul, Minn.: West Publishing, 1971), p. 39.

[18] É uma pena que, aproximadamente a partir de 1930, os tribunais tenham sucumbido à criação de um delito inteiramente novo, “a inflição intencional de perturbações mentais por condutas extremas e abusivas”  É claro que a liberdade de expressão e de ação deve abranger insultos verbais, não importa quão abusivos possam ser; além disso, não há nenhum critério obrigatório para distinguir simples ofensas verbais da variante “abusiva.”  A declaração do juiz Magruder é altamente sensata: “Contra uma grande parte dos atritos e das irritações e dos choques de temperamentos que envolvem a participação na vida em sociedade, certo endurecimento da sensibilidade mental é uma proteção mais eficaz do que o direito jamais poderia ser.” Magruder, “Mental and Emotional Disturbance in the Law of Torts,” Harvard Law Review 40 (1936): 1033, 1035; citado em Prosser, Law of Torts, p. 51. Confira também ibid., pp. 49-62; Epstein, Cases on Torts, pp. 933-52.

Em geral, temos de encarar com grande desconfiança qualquer criação de novos delitos a novas tecnologias que não sejam mera aplicação de antigos princípios relativos a delitos.  Não há nada de novo ou de moderno a respeito de abusos verbais.

Parece que tanto o delito de inflição-de-danos quanto o novo delito de invasão-de-propriedade são uma parte essencial da tendência do século XX a diluir os direitos dos réus em favor de afagos excessivos ao demandante — uma discriminação sistemática que tem lugar em casos de delitos civis, e não tanto em processos penais.  Confira Epstein, “Static Conception of the Common Law,” pp. 253-75. Confira também abaixo.

[19] Prosser, Law of Torts, pp. 39-40.

[20] Daí a sabedoria da decisão do tribunal no caso South Brilliant Coal Co. v. Williams: “Se Gibbs desse um chute no demandante, não poderia ser dito, em termos legais, que não ocorrera um dano físico sobre aquele.  Em um sentido jurídico, foi um dano físico, embora possa não ter provocado nenhum sofrimento físico, e embora a sensação resultante da agressão possa ter durado pouco mais de um segundo.” South Brillian Coal Co. v. Williams, 206 Ala. 637, 638 (1921). Em Prosser, Law of Torts, p. 36. Confira também Epstein, Cases on Torts, pp. 903 ff.

[21] Courvoisier v. Raymond, 23 Colo. 113, 47 Pac. 284 (1896), e uma discussão por Epstein em Cases on Torts, PP. 21-23; e em Richard A. Epstein, “A Theory of Strict Liability,” Journal of Legal Studies 2 (January 1973): 173.

[22] Como Epstein afirma, “sob uma teoria da responsabilidade objetiva, o relatório do caso prima facie é evidente: o réu atirou no demandante.  A única questão difícil é concernente à existência de uma defesa que sustente a linha de que o demandante tentou agredir o réu.  Essa questão é uma questão de fato, e o júri constatou na verdade que o demandante não ameaçou o réu, levando-o a atirar,” ibid.

[23] Randy E. Barnett, “Restitution: A New Paradigm of Criminal Justice,” em Assessing the Criminal: Restitution, Retribution, and the Legal Process, R. Barnett e J. Hagel, eds. (Cambridge, Mass.: Ballinger, 1977), p. 377. Barnett tem desde então salientado que seu artigo está errado ao mencionar “o intuito específico de cometer um crime”; a ênfase relevante deve ser posta sobre a ação que constitui um crime ou um delito, e não sobre o intuito envolvido.

[24] Confira Morris v. Platt, 32 Conn. 75 (1864), e a discussão por Epstein em Cases on Torts, pp. 22-23.

[25] A respeito da relação entre o direito penal e o direito da responsabilidade civil, confira a seção infraintitulada “Reduzindo o crime ao delito.”

[26] O direito moderno, ao mesmo tempo em que toma partido contra os réus em casos econômicos, é altamente discriminatório em relação à vítima em seu uso da força pessoal em autodefesa.  Em outras palavras, o estado pode utilizar força excessiva por meio dos tribunais em casos econômicos (em que as empresas ou os ricos são os réus), mas vítimas individuais mal podem se utilizar de qualquer força.

[27] Sobre o estado atual da doutrina jurídica, confira Prosser, Law of Torts, pp. 108-25, 134ff.  Como Epstein menciona, fundamentar os limites apropriados da autodefesa em punições admissíveis implicaria que, em jurisdições que tenham abolido a pena capital, ninguém poderia utilizar-se de força letal ainda que em autodefesa contra um ataque mortal.  Até agora, os tribunais não têm se prontificado a endossar esse reductio ad absurdum de sua própria posição.  Epstein, Cases on Torts, p. 30.

[28] Esse é o mesmo conceito, com um nome diferente, da frase pioneira de Williamson Evers: “a presunção apropriada do risco.”  A frase atual evita confusão com o conceito de “risco presumido” do direito da responsabilidade civil, o qual se refere ao risco voluntariamente assumido por um demandante e que, assim, obsta suas tentativas de processar o réu.  O “ônus apropriado do risco” está ligado ao conceito jurídico mas se refere ao risco que deve ser assumido por cada pessoa de acordo com a natureza do homem e de uma sociedade livre, e não em que risco o demandante havia voluntariamente incorrido.  Confira Rothbard, “Robert Nozick e a concepção imaculada do Estado,” pp. 49-50.

[29] Ou um ato explícito contra outra pessoa.  Se é legítimo a uma pessoa defender a si ou a seus bens, então é igualmente legítimo invocar outras pessoas ou agências para ajudá-la nessa defesa, ou pagar por esse serviço de defesa.

[30] Thayer, em seu tratado clássico sobre provas, escreveu: “Há um princípio (…) uma pressuposição envolvidos na própria concepção de um sistema racional de provas que proíba reconhecer qualquer coisa irrelevante, logicamente não probatória.” Thayer, Preliminary Treatise on Evidence (1898), pp. 264ff., citado em McCormick’s Handbook of the Law of Evidence, E. W. Cleary, ed., 2ª ed. (St Paul, Minn.: West Publishing, 1972), p. 433.

[31] Benjamin R. Tucker, o principal pensador individualista-anarquista do final do século XIX, escreveu: “Nenhum uso de força é tolerado, exceto contra o agressor; e naqueles casos em que for difícil dizer se o suposto infrator é um agressor ou não, ainda assim nenhum uso de força é aceitável exceto quando a necessidade de uma solução imediata for tão imperativa que temos de usá-la para nos salvar.” Benjamin R. Tucker, Instead of a Book (New York: B.R. Tucker, 1893), p. 98. Confira também ibid., pp. 74-75.

[32] Cleary expõe bem o ponto, embora, infelizmente, ele o aplique apenas a casos penais: “A sociedade julgou que é significativamente pior um homem inocente ser declarado culpado por um crime do que um homem culpado ficar livre (…) Assim, como sustentado pela Suprema Corte ao reconhecer a inevitabilidade do erro em casos penais (…) essa margem de erro é reduzida no tocante a ele [ao réu] pelo processo de atribuir à outra parte o ônus (…) de persuadir o julgador para além de qualquer dúvida razoável, na conclusão do julgamento de sua culpa.  Ao fazê-lo, os tribunais têm (…) a nobre intenção de diminuir o número de um tipo de erro — a condenação do inocente.” McCormick’s Handbook of Evidence, pp. 798-99.

[33] O ônus da prova também cabe ao demandante, no direito contemporâneo.  Cleary anota: “Os ônus de litigar e de provar no tocante à maioria dos fatos são e devem ser atribuídos ao demandante, que geralmente busca mudar o atual estado de coisas e, assim, deve naturalmente suportar o risco de fracassar nas provas ou na persuasão.” Ibid., p. 786.  Cleary também fala da “tendência natural a colocar os ônus sobre a parte que busca a mudança.” Ibid., pp. 788-89.

[34] Confira a seção aqui intitulada “Reduzindo o crime ao delito.”

[35] Confira McCormick’s Handbook of Evidence, pp. 794ff.

[36] Ibid., p. 796.  Aqui, temos de aplaudir os juízes muito espezinhados de Molyneux v. Twin Falls Canal Co., 54 Idaho 619, 35 P. 2d 651, 94 A.L.R. 1264 (1934), e Williams v. Blue Ridge Building & Loan Assn., 207 N.C. 362,177 S.E. 176 (1934).

[37] C. Shiveley, ed., The Collected Works of Lysander Spooner (Weston, Mass.: M. and S. Press, 1971), 2, pp. 208-9.  Deve-se ressaltar que Spooner também não fazia distinção entre casos cíveis e penais a esse respeito.  Sou grato a Williamson Evers por essa referência.

[38] St. Louis Union Co. v. Busch, 36 Mo. 1237, 145 S.W. 2d426, 430 (1940); Ward v. Lyman, 108 Vt 464,188 A. 892, 893 (1937).  McCormick’s Handbook of Evidence, pp. 797, 802.

[39] De acordo com Epstein: “Assim que for decidido que não há conteúdo sólido no termo causação, os tribunais estarão livres para julgar ações específicas de acordo com os princípios da ‘política social’ sob o disfarce da doutrina da causa próxima.” Epstein, “A Theory of Strict Liability”, p. 163.  Conceitos nebulosos e imprestáveis como “fator substancial” em um dano ou “razoavelmente previsível” foram de pouca ajuda para guiar decisões sobre “causa próxima.” Para uma excelente crítica de testes de “senão por” para “causas de fato” na teoria da negligência, assim como a tentativa Chicago-Posneriana de descartar por completo o conceito de causa no direito da responsabilidade civil, confira ibid., pp. 160-62, 163-66.

[40] Se um fumante de longa data que houvesse desenvolvido câncer de pulmão processasse um fabricante de cigarros, haveria ainda mais problemas.  O fato de que o fumante havia voluntariamente assumido o risco, de modo que sua situação dificilmente poderia ser chamada de agressão ou de delito, não é o menor dos problemas.  Como Epstein anota, “Suponha que o demandante fumasse diferentes marcas de cigarro durante sua vida.  Ou tenha vivido sempre em uma cidade muito poluída.  E se o demandante vencer o obstáculo causal, ele conseguirá superar a defesa da assunção do risco?” Epstein, Cases on Torts, p. 257.  Confira também Richard A. Wegman, “Cigarettes and Health: A Legal Analysis,” Cornell Law Quartely 51 (Summer 1966): 696-724.

Um caso de responsabilidade civil envolvendo câncer especialmente interessante, e que é instrutivo a respeito da questão da causalidade objetiva, é Kramer Service Inc. v. Wilkins 184 Miss. 483,186 So. 625 (1939), em Epstein,Cases on Torts, p. 256.  O tribunal resumiu o status apropriado das provas causais médicas em Daly v. Bergstedt(1964), 267 Minn. 244, 126 N. W. 2d 242. Em Epstein, Cases on Torts, p. 257.  Confira também a excelente discussão de Epstein, ibid., sobre o caso DeVere v. Parten (1946), em que o demandante apropriadamente ouviu um “basta” em uma tentativa absurda de sustentar que o réu era responsável por uma doença que o primeiro havia contraído.

[41] Milton Katz, “The Function of Tort Liability in Technology Assessment,” Cincinnati Law Review 38 (Fall 1969): 620.

[42] Prosser, Law of Torts, p. 458

[43] Ibid., p. 461.

[44] Ibid., p. 464.

[45] Ibid., p. 459

[46] Ibid.

[47] Em seus artigos no Harvard Law Review a respeito de “agência,” 1891. Confira Epstein, Cases on Torts, p. 705.

[48] Ibid., p. 707.

[49] Ibid., p. 707.

[50] Kerlin v. Southern Telephone & Telegraph Co. (Ga.), 191 Ga. 663, 13 S.E. 2d 790 (1941); Ballard v. Dyson(1808) 1 Taunt. 279, 127 Eng. Rep. 841.  Em William E. Burby, Handbook of the Law of Real Property, 3rd ed. (St Paul, Minn.: West Publishing, 1965), pp. 84-85.

[51] Prosser, Law of Tolls, pp. 600-1.  Confira também Burby, Law of Real Property, p. 78. Sturges v. Bridgman(1879), 11 Ch, Div. 852.

[52] Prosser, Law of Torts, p. 611.

[53] Bove v. Donner-Hanna Coke Corp., 236 App. Div. 37, 258 N. Y. S. 229 (1932), citado em Epstein, Cases on Torts, p. 535.  Contrariamente a Epstein, no entanto, o dirigir-se-a-uma-perturbação não é simplesmente uma assunção de um risco por parte do demandante.  É uma defesa mais forte, pois se apoia em uma real atribuição de direito de propriedade à atividade geradora de “perturbação”, que é assim absoluta, predominante e irrevogável.  Confira Richard A. Epstein, “Defenses and Subsequent Pleas in a Sustem of Strick Liability,” Journal of Legal Studies 3 (1974): 197-201.

[54] “Note: Deposit of Gaseous and Invisible Solid Industrial Wastes Held to Constitute Trespass,” Columbia Law Review 60 (1960): 879.

[55] Ibid.: 879-80.  Confira também Glen Edward Clover, “Torts: Trespass, Nuisance and E=mc2,” Oklahoma Law Review 11 (1966): ll8ff

[56] Prosser, Law of Torts, pp. 591-92.

[57] Ibid., p. 595.  Uma turbação geralmente emana da terra de A para a terra de B; em suma, provém de fora da terra de B em si. A tentativa de Prosser de rebater esse ponto (o cão do réu latindo sob a janela do demandante ou o gado do réu vagando por outras terras) passa ao largo do problema.  O cão e o gado infratores perambularam eles mesmos pela terra de A, o réu, e, dado que são domesticados, seus feitos são de responsabilidade dos seus donos.  A respeito de animais, confira ibid., pp. 496-503.

[58] Ibid., p. 66.

[59] “Note, Deposit of Wastes,” pp. 880-81. Confira também Clover, “Torts: Trespass, Nuisance and E=mc2,” p. 119.

[60] Prosser, Law of Torts, p. 66

[61] Durante os anos de 1920, os tribunais estavam justamente elaborando tal sistema de direitos de propriedade privada apropriados originalmente para as frequências de ondas de rádio.  Foi porque essa estrutura de direitos de propriedade estava se desenvolvendo que o Secretário do Comércio, Hoover, fez passar a Lei de Rádio de 1927, nacionalizando a propriedade das ondas de rádio.  Confira Ronald H. Coase, “The Federal Communications Commission,” Journal of Law and Economics 2 (Outubro 1959): 1-40.  Para um estudo moderno acerca de como as frequências deveriam ser alocadas, confira A. de Vany, et. al., A Property System Approach to the Electromagnetic Spectrum (San Francisco: Cato Institute, 1980).

[62] A respeito de direitos de prescrição, de tangibilidade e do conceito de “chegar a cometer um delito” em relação à poluição do ar, confira William C. Porter, “The Role of Private Nuisance Law in the Control of Air Pollution,” Arizona Law Review 10 (1968): 107-19; e Julian C. Juergensmeyer, “Control of Air Pollution Through the Assertion of Private Rights,” Duke Law Journal (1967): 1126-55.

[63] Terry James Yamada, “Urban Noise: Abatement, Nor Adaptation,” Environmental Law 6 (Outono 1975): 64.  Infelizmente, como a maioria dos autores que publicam sobre o direito ambiental, Yamada escreve como um fervoroso defensor extraordinário dos demandantes ambientais, e não como um pesquisador do direito objetivo.

[64] Ibid.: 63.  Observe, contudo, que, em nossa visão, a “exigência” de um dano ou um desconforto reais é correta para o barulho mas não, digamos, para a fumaça visível ou odores nocivos, a menos que o “desconforto” seja interpretado frouxamente, de modo a incluir todas as interferências no uso.

[65] Confira a discussão de várias teorias da propriedade da terra e do ar em Prosser, Law of Torts, pp. 70-73.

[66] Em Hinman v. Pacific Air Transport, 9 Cir. (1936), 84 F. 2ª ed. 755, cert. denied 300 U.S. 654. Em ibid., p. 71.

[67] Ibid., p. 70.

[68] Ibid., pp. 70-71.  Confira Smith v. New England Aircraft Co., (1938), 270 Mass. 511, 170 N.E. 385.  Confira também Prosser, Law of Torts, pp. 514-15.

[69] Thornburg v. Port of Portland (1962), 233 Ore. 178, 376 P. 2ª ed. 103.  Citado em Clover, “Torts: Trespass, Nuisance and E=mc², p. 121.  A visão anterior baseava-se em United States v. Causby (1946).  Confira também Prosser, Law of Torts, pp. 72-73.

[70] Holman v. Athens Empire Laundry Co., 149 G. 345,350,100 S.E. 207, 210 (1919) Citado em Jack L. Landau, “Who Owns the Air? The Emission Offset Concept and Its Implications,” Environmental Law 9 (1979): 589.

[71] Prosser, Law of Torts, p. 354.

[72] Paul B. Downing, “An Introduction to the Problem of Air Quality,” em Air Pollution and the Social Sciences, Downing, ed. (New York: Praeger, 1971), p. 13.

[73] James E. Krier, “Air Pollution and the Legal Institutions: An Overview,” em ibid., Air Pollution and the Social Sciences, pp. 107-8.

[74] Confira a seção intitulada “Delitos em grupo e vítimas em grupo” para uma discussão de autores de delitos em concerto, delitos múltiplos e ações coletivas.

[75] Jeffrey C. Bodie, “The Irradiated Plaintiff: Tory Recovery Outside Price-Anderson,” Environmental Law 6 (Primavera 1976): 868.

[76] A respeito das regulamentações da poluição do ar, confira Landau, “Who Owns the Air?”, pp. 575-600.

[77] Para uma discussão excelente de medidas judiciais, em comparação a medidas legais ou administrativas, para adulteração de produtos, confira Wordsworth Donisthorpe, Law in a Free Society (London: Macmillan, 1895), pp. 132-58.

[78] Criminosos deveriam ter o direito de pagar às vítimas para não serem processados, assim como deveriam ter o direito de pagar às vítimas para retirarem um mandado já impetrado.  Para um excelente artigo sobre a última questão, confira Thompson, “Injunction Negotiations,” pp. 1563-95.

[79] Confira a seção intitulada “Delitos em grupo e vítimas em grupo.”

[80] Para exposições hostis da regra do vínculo contratual e uma discussão da garantia implícita, confira Richard A. Epstein, Modern Products Liability Law (Westport, Conn.: Quorum Books, 1980), pp. 9-34; e Prosser, Law of Torts, pp. 641ff.

[81] Algumas das dificuldades práticas envolvidas nessas ações poderiam ser superadas pelo litisconsórcio dos vários demandantes.  Confira a seção intitulada “Delitos em grupo e vítimas em grupo.”

[82] A respeito da “tragédia dos comuns” e da propriedade privada, confira, por exemplo, Garrett Hardin, “The Tragedy of the Commons,” Science 162 (1968): 1243-48; Robert J. Smith, “Resolving the Tragedy of the Commons by Creating Private Property Rights in Wildlife,” Cato Journal 1 (Outono 1981): 439-68.

[83] Prosser observa: “Um crime é uma agressão contra o povo como um todo, sobre a qual o estado, na condição de representante do povo, conduzirá investigações na forma de um processo penal.  O objetivo daquela investigação é proteger e vindicar os interesses do povo como um todo (…) Um processo penal não se preocupa de modo algum com reparar o indivíduo prejudicado pelo dano individual produzido pelo crime,” Prosser, Law of Torts, p. 7.

[84] Para uma discussão esclarecedora a respeito das origens da divisão moderna entre direito penal e da responsabilidade civil, com o primeiro coibindo crimes contra a “paz do rei”, confira Barnett, “Restitution: A New Paradigm of Criminal Justice,” pp. 350-54.

[85] A respeito de indenizações punitivas no direito da responsabilidade civil, confira Prosser, Law of Torts, pp. 9ff.  Este não é o lugar para apresentar uma teoria da punição.  Teorias da punição entre filósofos libertários e teóricos do direito vão desde evitar qualquer sanção coercitiva em benefício da simples restituição, à restituição aliada à punição proporcional, e a permitir punições ilimitadas a qualquer crime.

Para minha própria visão a respeito da punição proporcional, confira Murray Rothbard, “Punição e proporcionalidade,” em Barnett and Hagel, Assessing the Criminal, pp. 259-70. A respeito do conceito de exilar criminosos, confira Leonard P. Liggio, “The Transportation of Criminals: A Brief Politico-Economic History,” em ibid, pp. 273-94.

[86] Ibid, p. 11. Confira também Epstein, Cases on Torts, p. 906.

[87] Como o faria o direito de não se autoincriminar.  Na verdade, a proibição de testemunhos compulsórios deveria não só ser estentida a casos de responsabilidade civil, como deveria ser ampliada de modo a incluirtodos os testemunhos compulsórios, contra outrem assim como contra si mesmo.

[88] Richard A. Epstein, “Crime and Tort: Old Wine in Old Bottles,” em Barnett e Hagel, Assessing the Criminal, pp. 231-57.

[89] Barnett, “Restitution: A New Paradigm of Criminal Justice,” p. 376.  Barnett acrescenta: “Desse modo, o direito das tentativas é na verdade uma forma de dupla contagem cuja principal função é permitir que a polícia e a promotoria punam excessivamente por um crime para fins de uma futura negociação do pleito.  Além disso, algumas categorias de tentativa, como as leis de conspiração ou as leis de posse — por exemplo, a posse de instrumentos para invasão de domicílio — são atalhos para promotores incompetentes ou preguiçosos provarem o crime de fato e são uma fonte constante de processos seletivos, repressivos.” Ibid.  Poderíamos acrescentar que esses processos seriam sempre ilegítimos sob o direito libertário.

[90] De acordo com Barnett: “O único tipo de tentativa fracassada que evadiria a responsabilidade [sob o direito da responsabilidade civil] seria o caso de alguém que tentasse, sem sucesso, cometer um crime sem violar de nenhuma maneira os direitos de ninguém e sem que ninguém soubesse do ato (…) De qualquer modo, nenhum sistema orientado por qualquer princípio pode processar atos de que ninguém tem conhecimento.” Ibid., pp. 376-77.  O professor Ronald Hamowy, da University of Alberta, também deve ser mencionado por ter colaborado significativamente para essa solução do problema.

[91] Podemos concordar com Barnett aqui sem adotar sua variante a favor da restituição pura sem punição do direito da responsabilidade civil.  Em nossa própria visão, elementos do direito penal como a punição poderiam ser prontamente incorporados a um direito da responsabilidade reconstruído.

[92 Prosser, Law of Torts, p. 291. Confira também, ibid., pp. 293ff.

[93] Nessa situação, o litisconsórcio é compulsório para os réus, embora os demandantes possam escolher entre ações conjuntas ou distintas.

[94] Prosser, Law of Torts, pp. 317-18.

[95] Confira Katz, “Function of Tort Liability,” pp. 619-20.

[96] No entanto, um caminho melhor seria exigir que interesses comuns fossem predominantes em relação a interesses individuais distintos, como está sendo exigido agora para ações coletivas.  Confira a discussão de City of San Jose v. Superior Court abaixo.

[97] O tipo de ação coletiva conhecido no passado como “ação coletiva espúria”, em que um julgamento vincula apenas os membros efetivamente perante o tribunal, não era de fato uma ação coletiva, mas, sim, um mecanismo de admissão do litisconsórcio. Fed. R. Civl. P. 23 (1938).

[98] As Regras de 1938 estabeleciam que, em alguns casos, todas as ações coletivas tinham de ser do tipo espúrio mencionado na nota de roda pé anterior.  As Regras revistas de 1966 tornavam todas as ações coletivas vinculantes, eliminando a categoria da ação espúria.  Confira Fed. R. Civ. P. 23 (1966).

[99] Fed. R. Civ. P. 23 (a) (1966).  A respeito da questão de avisos individuais acerca de ações coletivas serem ou não obrigatórios, confira Fed. R. Civ. P23(d)(2), Fed. R. Civ. P. 23(e), Mattern v. Weinberger, 519F.2d 150 (3d Cir.1975), Eisen v. Carlisle & Jacquelin, 417 U.S. 156 (1974), Cooper v. American Savings & Loan Association, 55 Cal. App. 3d 374 (1976).

[100] O caso era Diamond v. General Motors Corp. 20 Cal. App. 2d 374 (1971).  Por outro lado, algumas decisões de tribunais estaduais, como na Califórnia, têm sido amplamente favoráveis a ações coletivas.  O tribunal da Califórnia de fato concedeu uma ação coletiva de uma pessoa contra uma empresa de táxi por supostas cobranças excessivas, em seu nome e no de muitos milhares de consumidores não identificáveis da empresa.Dear v. Yellow Cab Co., 67 Cal. 2d 695 (1967).

[101] City of San Jose v. Superior Court, 12 Cal. 3d 447 (1974).

[102] Epstein faz uma observação interessante a respeito das maneiras pelas quais demandantes, de um modo puramente libertário, conseguiam superar o fato de que nem o litisconsórcio nem a ação coletiva eram admitidos devido à dimensão e à diversidade dos interesses individuais envolvidos.  O remédio MER/29 foi retirado do mercado em 1962, após 1.500 ações indenizatórias serem ajuizadas contra a empresa farmacêutica.  Ao mesmo tempo em que o réu rejeitou com sucesso um litisconsórcio voluntário, a maioria dos advogados voluntariamente coordenou suas atividades por meio de um comitê central de carteira de compensação com taxas por serviços cobradas de todos os advogados do grupo.  Epstein relata que os advogados que participavam do grupo eram geralmente mais bem-sucedidos em suas respectivas ações do que aqueles que não participavam.  Epstein, Cases on Torts, p.274.

[103] Em Synder v. Harris, 394 U.S. 332 (1970). Krier, “Air Pollution and Legal Institutions.”

[104] Em suma, e se eles tivessem ajuizado uma ação coletiva por poluição e ninguém aparecesse?  Krier cita o caso de Riter v. Keokuk Electro-Metals Co. 248 Iowa 710, 82 N. W. 2d 151 (1957).  Krier, “Air Pollution and Legal Institutions,” p. 217.   Confira também John Esposito, “Air and Water Pollution: What to Do While Waiting for Washington,” Harvard Civil Rights/Civil Liberties Law Review (January 1970): 36.

Murray N. Rothbard
Murray N. Rothbard
Murray N. Rothbard (1926-1995) foi um decano da Escola Austríaca e o fundador do moderno libertarianismo. Também foi o vice-presidente acadêmico do Ludwig von Mises Institute e do Center for Libertarian Studies.
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