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Invista em commodities ou vire um fazendeiro

N. do T.: Confira a seguir uma entrevista dada pelo lendário investidor Jim Rogers ao Economic Times, da Índia.  Rogers atualmente mora em Cingapura com a mulher e suas duas filhas pequenas, uma de 5 anos e a outra de apenas 1.

(04/06/2009)

Mesmo que você esteja completamente pessimista, não fique vendido no mercado – as ações podem subir a níveis malucos, pois podem estar precificadas em moedas que não valem nada.

Uma moratória soberana e uma crise monetária podem chacoalhar os mercados mundiais em um ano ou dois.  Em uma conversa com o investidor global Jim Rogers, ele diz que algodão, prata e açúcar podem ser ótimas escolhas.  Confira a seguir.

Houve um momento em que fomos inundados por previsões sombrias, que foram reforçadas ainda mais pelos prognósticos do FMI e do Banco Mundial.  E então, repentinamente, as ações começaram a subir fortemente – algo para o qual a maioria não estava preparada.  Quão arriscado está o mercado atualmente?

Os bancos centrais ao redor do mundo têm imprimido enormes quantias de dinheiro, e a economia real não está forte o suficiente para absorver todo esse dinheiro… assim, ele está indo para ações e ativos reais, como commodities.  É um erro isso que os bancos centrais estão fazendo.  Estão fornecendo um prazer de curto prazo que vai se transformar em dor no longo prazo, pois haverá uma inflação de preços muito forte, levando a taxas de juros mais altas e, consequentemente, a uma economia bem mais debilitada.

O mercado de títulos americanos já começou a cair dramaticamente, pois as pessoas já perceberam que o governo americano tem de vender uma quantia obscena de títulos para cobrir seu déficit monstruoso.  Ademais, como sempre ocorreu no passado quando os governos saíam imprimindo enormes quantias de dinheiro, o cenário futuro é de inflação – e uma inflação bem séria.

As ações estão subindo mesmo com o déficit fiscal se avolumando.  Em algum momento isso vai estourar…

Vai estourar.  Mais no fim deste ano, no ano que vem, teremos problemas nos mercados monetários, talvez mesmo uma crise monetária.  Não sei com qual moeda – talvez com a libra esterlina, talvez com o dólar americano, quem sabe.  Pode também ser com algo que ninguém tenha no momento.  Quando tivermos uma crise monetária, ações serão afetadas, muitas coisas serão afetadas.  O que está acontecendo agora no mundo não é nada sólido e sustentável.

No início da década de 1930, os EUA vivenciaram o estouro de uma enorme bolha em seu mercado financeiro.  E então os políticos começaram a fazer muitas coisas estúpidas.  Eles se tornaram protecionistas.  Eles fizeram com que bancos solventes adquirissem bancos insolventes, o que levava à quebra de ambos posteriormente.

Eles estão repetindo vários desses mesmos erros agora.  A diferença é que desta vez eles estão imprimindo enormes quantidades de dinheiro, algo que não fizeram naquela época.  Portanto, dessa vez teremos inflação, quando naquela época houve deflação.

O senhor recentemente disse que investiria na China e no Sri Lanka, mas não na Índia.  O senhor não está apostando no novo governo indiano?

O meu ponto era que, se alguém quiser investir especificamente nesse canto do mundo, o melhor lugar seria o Sri Lanka.  Pois tudo indica que a guerra de 30 anos está chegando ao fim.

Por toda a história, sempre que você vai a algum lugar após o término de uma guerra, você normalmente encontra tudo muito barato, todos estão com a moral baixa, as pessoas estão deprimidas e há enormes oportunidades se você tiver disposição.

A meu ver, investir no Sri Lanka em maio de 2009 foi provavelmente uma aposta melhor do que Paquistão, Bangladesh, Índia ou alguns dos outros países ao redor.  Vamos torcer para que o novo governo indiano faça alguma coisa.  Tenho ouvido promessas maravilhosas de políticos indianos durante os últimos 40 anos.

E raramente elas se concretizam.  Não é a primeira vez que o Partido do Congresso está no poder.  Se eles cumprirem o que prometeram, a Índia apresentará um dos maiores desenvolvimentos dos próximos 20 anos.  Mas eu realmente não sei se eles vão implantar as reformas.

Quais tipos de reformas?

Por que a moeda não é conversível?  Por que o capital externo não é estimulado?  Por que a experiência e o conhecimento externo não são encorajados?  Por que o país é tão protecionista?  Por que os agricultores só podem ter cinco hectares?  A Índia deveria ser a maior nação agrícola do mundo.  Vocês têm o solo, o clima, vocês têm tudo e ainda assim o agricultor indiano só pode ser dono de apenas cinco hectares.

Como poderá um agricultor indiano concorrer com um cara na Irlanda, que pode ser dono de 1.000 hectares, ou com um cara no Brasil, que pode ser dono de 5.000 hectares?  Na Índia, as pessoas espertas não viram fazendeiras.  Afinal, qual seria o futuro nessa área?  Sempre que os preços dos produtos agrícolas começam a subir os políticos indianos proíbem trocas no mercado futuro, como se esses contratos no mercado futuro fossem os responsáveis pelo aumento dos preços.  É a coisa mais maluca e mais absurda do mundo.  Os preços sobem porque há uma razão para os preços subirem.

No ano passado o senhor estava comprando apenas ações chinesas.  Por quê?

O mercado entrou em colapso em outubro-novembro.  Foi quando comprei mais ações na China.  Mas, depois disso, não voltei a comprar mais nenhuma ação chinesa.  Aliás, desde então, nunca mais comprei ação alguma em nenhum lugar do mundo.  Agora estou voltado para as commodities.  Minha maneira de participar em tudo o que está acontecendo agora é comprando commodities.

Na minha opinião, a única área cujos fundamentos estão melhorando é a área de commodities.  Os agricultores atualmente não estão conseguindo empréstimos para comprar fertilizantes, mesmo considerando que os estoques de alimentos estão em seus menores níveis há décadas.  Ninguém está conseguindo empréstimos para abrir uma mina.  Ou seja, a oferta de várias commodities seguirá em declínio, pressionando seus preços para cima.

No que mais o senhor está de olho enquanto investe em commodities?

Há algumas indústrias na Índia que se sairão muito bem nos próximos anos, sendo que uma delas é a de água.  Vocês têm um problema horrível com a água.  A China também tem problemas de água horríveis.  Foi por isso que comprei empresas de água na China.  Se os EUA saírem de cena, haverá algumas ótimas oportunidades.  A China está gastando centenas de bilhões de dólares para solucionar o problema agrícola deles.

Por isso, estarei comprando ações agrícolas e de água na China.  Há também outras indústrias na Índia que têm um ótimo futuro.  Sou muito otimista quanto ao turismo indiano.  Onde quer que eu vá dar palestras ao redor do mundo, sempre falo para as pessoas: se você tiver de ir a algum lugar antes de morrer, vá à Índia.

O governo indiano também disse que vai reconstruir as forças armadas.  Se isso ocorrer, haverá grandes oportunidades nessa área.  Também prometeram construir infraestrutura.  Ou seja, vejo muitas oportunidades na Índia.

A possibilidade de uma moratória soberana no mundo desenvolvido poderia piorar ainda mais a situação.  O senhor acha que tal fato é possível?

Em 1918, o Reino Unido era o país mais rico e mais poderoso do mundo.  Após uma geração, ele já estava um pandemônio; após duas gerações e meia, ele decretou moratória.  O Reino Unido deu o calote na década de 1970 e teve de ser socorrido pelo FMI.  Muitos dos países do mundo desenvolvido estão com sérios problemas atualmente.

A Islândia já decretou a sua moratória.  Creio que possa haver uma crise monetária por causa de problemas com dívida soberana ainda no final desse ano, no ano que vem ou em 2011.  Países desenvolvidos já decretaram moratória em outras épocas.  Lembre-se da crise asiática.  De um jeito ou de outro, foi uma moratória.  Já aconteceu antes e vai acontecer de novo.

O senhor está preocupado com algum mercado ou região em particular?

Estou feliz por não ter nenhum investimento no Reino Unido.  Não estou comprado nem vendido.  Estou certo de que eles estão encrencados.  Estou preocupado também com os EUA.  Já vendi praticamente todos os meus dólares americanos.  Sempre mantive um pouco de dólares, pois sou cidadão americano.  Mas vejo sérios problemas se avolumando por lá.  Do mundo desenvolvido, esses dois países são os mais problemáticos, na minha opinião.

Mas o problema é que as coisas nunca funcionam assim.  Todos estão aqui olhando para os EUA e para o Reino Unido e a coisa pode estourar em, digamos, Portugal ou em algum outro lugar no qual sequer pensamos – e isso iria surpreender a todos.

Se o desemprego nos EUA chegar a 10%, isso traria impactos profundos ao setor varejista.  Quão ruim isso pode ser para a Ásia?

Peguemos a China.  Se você é um fornecedor chinês e a sua empresa vende para o Wal-Mart nos EUA, você sabe que está encrencado.  Qualquer empresa que esteja voltada para o Ocidente irá ter problemas.  Por outro lado, empresas voltadas para o setor de tratamento de água na Ásia não darão a mínima se o Ocidente desaparecer.  Elas estão muito ocupadas ganhando dinheiro, muito ocupadas tendo de trabalhar todos os dias.

Em que tipo de commodity o investidor perspicaz deve aplicar?  É possível ganhar dinheiro com petróleo bruto?

Eu possuo ouro, mas acho que a prata é melhor negócio agora.  E o gás natural está mais barato que o petróleo atualmente.  Mas comprei todos esses.  Se você quer comprar algo bruto, não processado, compre algodão.  Todos os fazendeiros americanos estão plantando milho para utilizá-lo em programas de energia.  Isso significa que eles não irão plantar algodão.

Atualmente há uma montanha de subsídios ao redor do mundo sendo dada a agricultores para que eles plantem milho e maís, de modo que estes possam ser convertidos em energia.  Se os preços da energia subirem, haverá ainda mais do mesmo.

Se todo mundo cultivar em seus campos soja, milho ou azeite de palma visando convertê-los em energia, ninguém irá plantar algodão.

E você pode ganhar muito mais dinheiro com algodão do que com petróleo.  Entre petróleo e ouro, compre algodão.  Entre petróleo e ouro, compre prata.  Outra maneira de investir em petróleo é comprando açúcar, uma vez que muita gente está convertendo muito açúcar em energia.

A prata está em níveis historicamente baratos.  E o ouro está em níveis historicamente altos.  A prata está 75% abaixo do nível mais alto que já atingiu.  Assim, suspeito que a prata e o algodão terão desempenhos melhores do que o ouro e o petróleo.

A população global está próxima do seu pico e plantações geneticamente modificadas irão aumentar a produtividade.  O que o torna tão otimista com a agricultura?

Não importa.  O mundo vem consumindo mais do que produz.  Os estoques de alimentos estão no nível mais baixo desde há décadas.  E não temos tido clima ruim. Tivemos apenas casos isolados de seca e coisas assim.  Isso pode nunca mais voltar a acontecer.  Mas se acontecer, os preços dos alimentos vão disparar.

Se estiver de fato ocorrendo alguma mudança climática, a melhor maneira de participar é através da agricultura ou de produtos agrícolas.  Há muitas coisas positivas acontecendo.  No momento, há uma escassez de tudo na agricultura – sementes, fertilizantes, tratores, pneus de trator.  E temos também uma escassez de agricultores, pois a agricultura tem sido um negocio horrível no decorrer dos últimos 30 anos.

Que tipo de mercado estamos testemunhando agora?

Estamos em meio a um rali de otimismo em um mercado baixista.  Se eu dissesse que não acho que a S&P 500 irá vivenciar novas altas, teria de rapidamente temperar essa afirmação dizendo que o segredo todo está no dólar.  Quero dizer, a S&P 500 pode triplicar de valor caso o Fed imprima muito dinheiro e o valor do dólar entreem colapso.  Nesse cenário, obviamente, a S&P poderia ir para 50.000 e o Dow Jones poderia ir para 100.000.

E essa é a razão por que não estou vendido em ações agora.  Porque há a possibilidade desse tipo de coisa acontecer.  Há a possibilidade de as ações atingirem níveis inauditos – mas isso ocorreria em uma moeda que não valeria mais nada.

Isso naturalmente nos traz ao debate sobre uma nova moeda de reserva internacional.

Vários países levantaram essa questão novamente.  O dólar americano está terrivelmente enfraquecido agora.  Algo tem de ser feito com o dólar e algo será feito, assim como algo foi feito no passado com a libra esterlina.  Após a Segunda Guerra Mundial, as pessoas pararam de usar a libra esterlina e correram para o dólar por várias razões.  Agora, chegou a vez do dólar.  Algo será feito com o dólar.

Se não fizermos nada em relação ao dólar, seremos forçados a fazer alguma coisa.  A Índia, por exemplo, foi forçada a mudar em 1991, assim como o mundo será forçado a mudar sua situação monetária num futuro próximo.

Já há o temor de que essa montanha de dinheiro irá atrás dos ativos, elevando seus preços, o que, consequentemente, forçará os bancos centrais a enxugar essa liquidez.  Como será o desenrolar disso?

Pois é.  Todos eles estão dizendo “Não se preocupem, vamos reverter as coisas e retirar o excesso de liquidez no momento certo”.  Não acredite neles por um segundo sequer.  Ninguém jamais foi capaz de fazer isso.  Quando os bancos centrais começaram a tentar fazer isso, eles causaram tanta dor que rapidamente mudaram de ideia – ou simplesmente trocaram de presidente.

Eu realmente não creio que eles possam fazer isso.  É por isso que estou preocupado com o mercado de títulos e com a inflação.  Se todos os bancos centrais fizerem isso ao mesmo, haverá desemprego em massa, baderna nas ruas e distúrbios sociais.

Seu histórico como investidor é mais do que impressionante.  Mas nos mercados de hoje o senhor seria capaz de repetir sua performance dos últimos 20 anos?

Alguém pode.  Eu provavelmente não, pois não estou dedicando muito tempo a isso.  Mas pode ser feito, sim.  Daqui a 20 anos estaremos lendo sobre pessoas que fizeram fortunas fabulosas começando de hoje.  Na década de 1930, houve pessoas que fizeram enormes fortunas, como Sir John Templeton, que gerou a sua Fundação Templeton.

Ele começou na década de 1930.  Ele viu oportunidades e se aproveitou delas.  Assim fizeram as pessoas que viram grandes vantagens e oportunidades na década de 1930: elas agiram e se tornaram fantásticos casos de sucesso.  Provavelmente há alguém assim por aí atualmente.  Eu não sei quem é.  Talvez esse alguém esteja na Brasil, na China ou na Índia.

O que o senhor diria a um confuso administrador de fundos que viesse lhe pedir conselhos?

Vire um fazendeiro.  O mundo tem dezenas de milhares de administradores de fundos atualmente, e que se acham muito bons.  Se eu estiver correto, a comunidade financeira não será um lugar muito bom para se estar pelos próximos 30 anos.  Tivemos muitos períodos na história em que as pessoas da área financeira estiveram no comando, e tivemos muitos períodos em que quem estava no comando eram as pessoas que produziam bens reais – mineradores, agricultores, etc.

A meu ver, o mundo está mudando e está havendo novamente uma troca de importância: os tipos financeiros vão perder espaço para os produtores de coisas reais, e isso é algo que vai durar por várias décadas, como de praxe.  Isso pode parecer estranho, mas é algo que sempre acontece dessa forma.  Daqui a dez anos, pode ser que os fazendeiros estejam dirigindo as Lamborghinis, ao passo que os corretores estarão dirigindo os tratores ou, na melhor das hipóteses, os táxis.

_________________________

Jim Rogers
Jim Rogers
Jim Rogers lecionou finanças na faculdade de negócios da Columbia University e é hoje um comentarista financeiro na mídia mundial. Ele é o autor dos livros Adventure Capitalist, Investment Biker, A Bull in China: Investing Profitably in the World's Greatest Market e A Gift to My Children: A Father's Lessons for Life and Investing. Veja seu website.
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