No século XIX, os liberais enfatizavam a importância do indivíduo. Naquela época, eles consideravam o desenvolvimento e a soberania do indivíduo como o mais importante fenômeno da era. “Indivíduo e individualismo” era o slogan liberal da época. E os reacionários já haviam atacado essa posição ainda no início do século XIX.
Os racionalistas e os liberais do século XVIII afirmavam que o que era necessário era a existência de boas leis. Costumes antigos que não podiam ser justificados pela racionalidade deveriam ser abandonados. A única justificativa para uma lei era ver se ela era ou não capaz de promover o bem-estar social das pessoas. Em vários países, os liberais e os racionalistas clamavam por constituições escritas, pela codificação de leis, e pela criação de novas leis que permitiriam o pleno desenvolvimento das aptidões da cada indivíduo.
No entanto, surgiu uma reação a essa ideia, especialmente na Alemanha, onde o jurista e historiador Friedrich Karl von Savigny (1779 — 1861) era muito ativo. Savigny declarou que as leis não podem ser escritas por homens; as leis são desenvolvidas de alguma maneira mística pela alma da toda a unidade. Não é o indivíduo quem pensa; é a nação — ou uma entidade social qualquer — quem utiliza o indivíduo unicamente para a expressão dos próprios pensamentos dela. Essa ideia foi muito enfatizada por Marx e pelos marxistas. Sob esse aspecto, os marxistas não eram seguidores de Hegel, cuja principal noção sobre evolução histórica envolvia uma evolução rumo à liberdade do indivíduo.
Do ponto de vista de Marx e Engels, o indivíduo era uma coisa desprezível e insignificante aos olhos da nação. Marx e Engels negavam que o indivíduo tivesse alguma função na evolução da história. De acordo com eles, a história caminha por conta própria. As forças produtivas materiais progridem independentemente, sem nenhuma relação com os desejos e vontades dos indivíduos. E os eventos históricos ocorrem com a mesma inevitabilidade de uma lei da natureza. As forças produtivas materiais funcionam como um diretor de uma opera: assim como este precisa ter um substituto prontamente disponível caso o cantor adoeça, as forças produtivas também têm substitutos disponíveis caso haja algum problema. De acordo com essa ideia, Napoleão e Dante, por exemplo, não tiveram absolutamente nenhuma importância — se eles não tivessem existido e ocupado seus respectivos e importantes lugares na história, alguma outra pessoa certamente teria surgido e preenchido seus respectivos espaços.
Para entender algumas palavras utilizadas por Marx é necessário entender o idioma alemão. A partir do século XVII, começou a haver uma batalha contra o uso de palavras em latim, e foi feito um enorme esforço para se eliminar todas as palavras em latim do idioma alemão. Em muitos casos, uma palavra estrangeira foi mantida, embora também houvesse uma expressão alemã com o mesmo significado. As duas palavras começavam como sinônimos, mas, ao longo da história, elas iam adquirindo significados distintos. Por exemplo, peguemos a palavra Umwälzung, a tradução alemã literal da palavra revolução em latim. Acontece que o termo em latim não continha nenhuma insinuação de briga e violência. Consequentemente, surgiram dois significados para a palavra “revolução” — um deixava implícita a ideia do uso de violência, ao passo que o outro estava relacionado a uma espécie de gradualismo, uma revolução gradual, como a “Revolução Industrial”. No entanto, Marx utiliza a palavra alemã Revolution não somente para denotar revoluções violentas, como as revoluções francesa e russa, mas também para denotar eventos graduais, como a gradual Revolução Industrial.
De maneira acidental, o termo Revolução Industrial foi criado por Arnold Toynbee (1852 — 1883). Marxistas dizem que “O que vai promover a derrubada do capitalismo não é uma revolução — veja a Revolução Industrial”.
Marx atribuiu um significado especial à escravidão, à servidão e a outros sistemas de sujeição. Era necessário, disse ele, que os trabalhadores fossem livres para que o explorador os explorasse. Essa ideia adveio da interpretação peculiar que ele deu à situação do senhor feudal, o qual tinha de cuidar de seus trabalhadores mesmo quando eles não estavam trabalhando. Marx interpretou as mudanças liberais que ocorreram desde então como uma espécie de liberação do explorador, o qual agora não mais tinha responsabilidades para com as vidas dos trabalhadores. Marx não percebeu que o objetivo do movimento liberal era a abolição da desigualdade perante a lei, como a que havia entre servo e senhor.
Karl Marx acreditava que a acumulação de capital era um obstáculo. Aos seus olhos, a única explicação para qualquer acumulação de riqueza era que alguém havia roubado um outro alguém. Para Karl Marx, toda a Revolução Industrial consistiu simplesmente da exploração dos trabalhadores pelos capitalistas. De acordo com ele, a situação dos trabalhadores piorou com a chegada do capitalismo. A diferença entre a situação deles e a situação dos escravos e servos era uma só: o capitalista não tinha nenhuma obrigação de cuidar dos trabalhadores, os quais não mais eram exploráveis, ao passo que o senhor feudal tinha essa obrigação para com seus escravos e servos. Portanto, de certa forma, Marx afirmava que o capitalismo era ainda mais desvantajoso para os trabalhadores do que a escravidão.
Esta é apenas mais uma das insolúveis contradições do sistema marxista. Ainda assim, ela é aceita por vários economistas da atualidade, que sequer se dão conta de suas implicações.
De acordo com Marx, o capitalismo é uma etapa necessária e inevitável na história da humana, responsável por arrancar o homem de condições primitivas e conduzi-lo até o milênio (período da justiça, paz e felicidade) do socialismo. Mas se o capitalismo é um necessário e inevitável passo rumo ao socialismo, então seria uma grande incoerência afirmar, como faz Marx, que o capitalismo é ética e moralmente mau. Logo, por que Marx ataca os capitalistas?
Marx diz que uma fatia de tudo aquilo que os trabalhadores produzem é apropriada pelos capitalistas e negada aos trabalhadores. De acordo com Marx, isso é errado. A consequência é que os trabalhadores ficam impossibilitados de consumir tudo o que foi produzido. Uma parte do que eles produziram, portanto, permanece sem ser consumida; há um “subconsumo”. Por esse motivo, porque há um subconsumo, ocorrem depressões econômicas regularmente. Esta é a teoria marxista das depressões: há um subconsumo. No entanto, Marx contradiz essa sua própria teoria em outro ponto da sua obra.
Os escritores marxistas não explicam como a produção começa com métodos simples e vai, continuamente, progredindo para métodos cada vez mais complicados.
Tampouco Marx menciona o seguinte fato: por volta do ano 1700, a população da Grã-Bretanha era de aproximadamente 5,5 milhões; já em meados daquele século, a população era de 6,5 milhões, dos quais aproximadamente 500.000 se encontravam completamente destituídos. O sistema econômico havia produzido uma população “excedente”. Esse problema da população excedente surgiu primeiro na Grã-Bretanha e só depois se espalhou pelo continente europeu. Isso aconteceu, primeiramente, porque a Grã-Bretanha era uma ilha — logo, não estava sujeita à invasão de exércitos estrangeiros, algo que sempre reduzia a população na Europa. As guerras que ocorriam na Grã-Bretanha eram guerras civis, as quais eram sangrentas, mas não se prolongavam por muito tempo. Até que elas cessaram por completo. E então, como consequência, a ‘drenagem’ da população excedente desapareceu, o que fez com que o número de pessoas excedentes crescesse.
No continente europeu, a situação era diferente; pra começar, a oportunidade de trabalhar na agricultura era mais favorável do que na Inglaterra. O velho sistema econômico inglês não era capaz de lidar com a população excedente. As pessoas que compunham esse excedente eram, no geral, pessoas inúteis — mendigos, ladrões, assaltantes e prostitutas. Elas eram sustentadas por várias instituições, pelas poor laws,[1] e pela caridade das comunidades. Algumas eram convencidas a ir para o exército ou para a marinha prestar serviços no exterior. Havia também pessoas excessivas e desnecessárias na agricultura. A vigência do sistema de guildas, bem como de outros monopólios nas indústrias de processamento, tornou impossível a expansão da indústria.
Naquela era pré-capitalista, havia uma acentuada divisão entre as classes da sociedade: aquelas que podiam adquirir roupas e sapatos novos, e aquelas que não podiam. As indústrias de processamento produziam, em geral, apenas para as classes mais abastadas. Aquelas pessoas que não tinham meios para adquirir roupas novas utilizavam apenas roupas que lhes eram doadas. Na época, havia um comércio consideravelmente intenso de vestuário de segunda mão — comércio esse que desapareceu quase que completamente quando a indústria moderna começou a produzir também para as classes mais pobres.
Se o capitalismo não tivesse surgido para fornecer os meios de subsistência para essas pessoas “excedentes”, elas teriam morrido de inanição. A varíola era uma das principais causadoras de mortes na era pré-capitalista; hoje, ela já foi praticamente eliminada. Aperfeiçoamentos na medicina também são um produto do capitalismo.
Aquilo que Marx rotulou como ‘a grande catástrofe da Revolução Industrial’ não representou absolutamente catástrofe nenhuma. Muito pelo contrário: ela gerou uma formidável melhoria nas condições de vida das pessoas. Muitas pessoas que em outras circunstâncias não viveriam muito, tiveram seu tempo de vida ampliado em decorrência dos benefícios produzidos pela Revolução Industrial. Não é verdade, como disse Marx, que os aprimoramentos na tecnologia estão disponíveis somente para os exploradores, e que as massas vivem hoje em uma situação muito pior do que aquela em que viviam nos primórdios da Revolução Industrial. Tudo o que os marxistas dizem sobre exploração está absolutamente errado. Mentiras pérfidas. A realidade é que o capitalismo possibilitou a sobrevivência de muitas pessoas, pessoas essas que não teriam sobrevivido em outros contextos. E hoje, várias pessoas, a maioria das pessoas, vivem com um padrão de vida muito superior àquele vivido por seus ancestrais cem ou duzentos anos atrás.
Durante o século XVIII, surgiram alguns eminentes escritores — o mais conhecido deles foi Adam Smith (1723—1790) — que defendiam a liberdade de comércio. E eles se opunham aos monopólios, às guildas e aos privilégios concedidos pelo rei e pelo Parlamento a determinados produtores. Simultaneamente, alguns indivíduos bastante engenhosos e astutos, e praticamente sem nenhum capital ou poupança, começaram a reunir uma massa de pobres esfomeados e organizá-los para atividades produtivas. Essas atividades produtivas ocorriam não dentro das fábricas, mas fora delas; e a produção não se destinava apenas às classes mais abastadas. Esses produtores recém-organizados começaram a produzir bens simples, voltados justamente para as grandes massas. Essa foi a grande mudança ocorrida à época; essa foi a Revolução Industrial. E essa Revolução Industrial aumentou a oferta de alimentos e fez com que houvesse mais bens disponíveis, e isso permitiu um grande aumento da população. Ninguém foi mais incapaz de perceber o que estava acontecendo do que Karl Marx. Até o início da Segunda Guerra Mundial, a população havia aumentado de tal forma que agora havia 60 milhões de ingleses.
Podemos hoje dizer com total segurança que, de cada oito pessoas que vivem hoje em países de civilização ocidental, sete estão vivas unicamente por causa da Revolução Industrial. Você tem certeza de que você é aquele dentre os oito que teria sobrevivido mesmo na ausência da Revolução Industrial? Se você não tem certeza, então pare por um momento e considere as consequências da Revolução Industrial.
A interpretação feita por Marx da Revolução Industrial também é aplicada à interpretação da “superestrutura”. Marx disse que as “forças produtivas materiais”, isto é, as máquinas e ferramentas, geram as “relações de produção”, isto é, a estrutura social, os direitos de propriedade e assim por diante, o que, por sua vez, produz a “superestrutura”: a filosofia, a arte e a religião. A “superestrutura”, disse Marx, depende da situação de classe dos indivíduos, isto é, se ele é um poeta, um pintor, ume escritor etc. Marx interpretava tudo o que acontecia na vida espiritual do país por esse prisma. Arthur Schopenhauer (1788—1860) foi chamado de filósofo dos proprietários de ações e de títulos. Friedrich Nietzsche (1844—1900) foi chamado de filósofo das grandes empresas. Para cada mudança de ideologia, para cada mudança na música, na arte, nos livros, no teatro, os marxistas imediatamente surgiam com uma interpretação particular. Cada livro novo era explicado pela “superestrutura” daquele dia específico. Cada livro recebia um adjetivo — “burguês” ou “proletário”. A burguesia era considerada uma massa amorfa e reacionária.
Não creia o leitor ser possível um homem praticar uma determinada ideologia durante toda a sua vida sem realmente acreditar nela. O uso do termo “capitalismo maduro” (ou “capitalismo desenvolvido”) mostra o quanto as pessoas, mesmo aquelas que de modo algum se consideram marxistas, foram completamente influenciadas por Marx. Quase todos os historiadores atuais aceitam a interpretação marxista da Revolução Industrial. A única exceção parece ser T.S. Ashton.[2]
Karl Marx, no segundo estágio de sua carreira, não era um intervencionista; ele era um defensor do laissez-faire. Como ele imaginava que o colapso do capitalismo — e sua consequente substituição pelo socialismo — ocorreria somente quando a capitalismo estivesse plenamente maduro, ele era a favor de deixar o capitalismo se desenvolver plenamente. Sob esse aspecto ele era, em suas escritas e em seus livros, um defensor da liberdade econômica.
Marx acreditava que medidas intervencionistas eram prejudiciais, pois elas atrasavam a chegada do socialismo. Como os sindicatos sempre exigiam intervenções, Marx era contra eles. Sindicatos não produzem nada, de qualquer forma; e teria sido impossível aumentar os salários caso os produtores não tivessem realmente aumentado a produção de bens.
Marx alegava que intervenções prejudicavam os interesses dos trabalhadores. Os socialistas alemães votaram contra as reformas sociais instituídas por Otto von Bismarck em 1881 (Marx morreum 1883). E, nos EUA, os comunistas foram contra o New Deal. É claro que o real motivo de sua oposição ao governo era bem diferente. Nenhum partido de oposição quer conceder muito poder ao partido governista. Ao criar um programa socialista, o indivíduo tacitamente pressupõe que ele próprio será o planejador ou o ditador, ou que o planejador ou o ditador será completamente dependente dele em termos intelectuais, e que assim ele poderá manipulá-lo como quiser. Ninguém se concebe como sendo apenas um membro qualquer de um esquema de planejamento criado por terceiros.
Essas ideias de planejamento remontam a Platão e seu tratado sobre o formato da sociedade. Platão era muito franco e se expressava abertamente. Ele planejou um sistema que seria governado exclusivamente por filósofos. Ele queria eliminar todos os direitos individuais e toda a capacidade de decisão dos indivíduos. Ninguém deveria ter permissão para se locomover, descansar, dormir, comer, beber, se banhar etc., a menos que uma autorização para tal fosse concedida. Platão queria reduzir as pessoas à condição de meros peões dentro de seu plano. O que é necessário é ter um ditador que nomeie um filósofo como um tipo de primeiro-ministro ou presidente do comitê central de planejamento da produção. O programa de todos os socialistas consistentes e perseverantes — Platão e Hitler, por exemplo — planejava também a geração de futuros socialistas, a reprodução, a criação e a educação dos membros futuros da sociedade.
Durante os 2.300 anos decorridos desde Platão, não se registrou quase nenhuma oposição às suas ideias. Nem mesmo por parte de Kant. O viés psicológico que existe em favor do socialismo deve ser levado em consideração sempre que se for discutir ideias marxistas. E essa postura não deve ser restrita apenas àqueles que se consideram marxistas.
Os marxistas negam que existe algo como ‘a busca do conhecimento apenas por amor ao conhecimento’. Porém, nem mesmo nisso eles são consistentes, pois eles próprios dizem que um dos propósitos do estado socialista é justamente eliminar a busca pelo conhecimento. É um insulto, dizem eles, as pessoas estudarem coisas que são inúteis.
Agora eu gostaria de discutir o significado de se fazer distorção ideológica das verdades. Segunda Marx, a consciência de classe não é desenvolvida no início, mas ela deve inevitavelmente surgir. Marx desenvolveu sua doutrina sobre ideologia de classe porque ele percebeu que não podia responder às críticas feitas ao socialismo. Sua resposta às críticas era, “O que você está dizendo não é verdade. É só ideologia. Enquanto ainda não estivermos em uma sociedade sem classes, tudo aquilo em que um homem pensa será necessariamente uma ideologia de classe — isto é, é um pensamento baseado em uma falsa consciência”. Sem nenhuma explicação adicional, Marx presumiu que tal ideologia era útil para a classe e para os membros da classe que a desenvolveu. Tais ideias tinham como objetivo a busca dos objetivos de sua classe.
Marx e Engels surgiram e desenvolveram as ideias de classe do proletariado. Por conseguinte, dali em diante, toda a doutrina relacionada à burguesia tornou-se absolutamente inútil. Talvez alguém possa dizer que a burguesia precisava dessa explicação marxista para corrigir sua má consciência. Mas por que a consciência da burguesia seria má se a sua própria existência é necessária? E ela é necessária porque, segundo a própria doutrina marxista, sem a burguesia o capitalismo não pode se desenvolver. E enquanto o capitalismo não estiver “maduro”, não é possível haver nenhum socialismo.
De acordo com Marx, a ciência econômica burguesa, por vezes chamada de “apologética para a produção burguesa”, servia apenas para ajudar a burguesia. Os marxistas poderiam ter dito que a consideração que a burguesia dispensava a essa teoria ruim justificava, tanto aos olhos da burguesia quanto aos olhos dos explorados, o modo capitalista de produção, possibilitando desta forma que o sistema existisse. Mas essa teria sido uma explicação muito não-marxista. Em primeiro lugar, de acordo com a doutrina marxista, nenhuma justificativa é necessária para o sistema burguês de produção; a burguesia explora porque ela existe para explorar, assim como os micróbios também exploram porque dependem disso. A burguesia não necessita de nenhuma justificativa. Sua consciência de classe já lhe mostra que ela tem de agir assim; a exploração é própria da natureza capitalista.
Um amigo russo de Marx lhe escreveu dizendo que a tarefa dos socialistas deveria ser a de ajudar a burguesia a explorar melhor o proletariado. Marx respondeu dizendo que isso não seria necessário. Em seguida, Marx escreveu um pequeno memorando no qual dizia que a Rússia poderia chegar ao socialismo sem ter de passar pelo estágio capitalista. Na manhã seguinte, ele deve ter se dado conta de que, caso ele admitisse que um país poderia pular uma das inevitáveis etapas rumo ao socialismo, isso iria destruir toda a sua teoria. Ato contínuo, ele decidiu não enviar esse memorando. Engels, que não era tão perspicaz, encontrou esse pedaço de papel sobre a mesa de Marx, copiou-o de próprio punho, e enviou para Vera Zasulich (1849 — 1919), que era famosa na Rússia por ter tentado assassinar um comissário de polícia em St. Petersburgo e ter sido absolvida pelo júri — ela teve um bom advogado de defesa. Essa mulher publicou esse memorando de Marx, o qual acabou se tornando um dos grandes ativos do Partido Bolchevique.
O sistema de capitalismo de livre mercado é um sistema no qual a promoção do indivíduo se dá exatamente de acordo com o mérito. Aquelas pessoas que não conseguem progredir desenvolvem um grande amargor em sua mente. Elas relutam em admitir que elas não progridem por causa de sua falta de inteligência e de preparo. Elas descarregam na sociedade sua raiva pela sua total falta de sucesso. Muitos culpam a sociedade por sua situação e viram socialistas.
Essa tendência é especialmente forte entre a classe dos intelectuais. Dado que, entre os profissionais, todos eles se tratam como iguais, aqueles profissionais menos capazes se consideram “superiores” aos não-profissionais, e por causa disso sentem que merecem mais reconhecimento do que o que já recebem. A inveja desempenha um fator essencial. Há uma predisposição filosófica entre as pessoas a se sentirem insatisfeitas com o conjunto de situações vigente. Há insatisfação também com as condições políticas. Se você está insatisfeito, a tendência é se perguntar qual outro tipo de estado deve ser considerado.
Marx possuía um “anti-talento” — isto é, uma falta de talento. Ele foi influenciado por Hegel e Feuerbach, especialmente pela crítica de Feuerbach ao cristianismo. Marx admitiu que a doutrina da exploração foi retirada de um panfleto anônimo publicado na década de 1820. Sua teoria econômica se resumia a distorções tiradas de David Ricardo (1772 — 1823).[3]
Marx era economicamente ignorante; ele não percebeu que pode haver dúvidas com relação a quais os melhores meios de produção a serem utilizados. A grande pergunta é e sempre será: qual a melhor forma de utilizar os escassos fatores de produção disponíveis? Qual a melhor maneira de combiná-los? Marx presumiu que o que deveria ser feito era muito óbvio. Ele não compreendeu que o futuro sempre será algo incerto, e que, portanto, é a função de todo empreendedor estar preparado para o futuro desconhecido. No sistema capitalista, os trabalhadores e os tecnólogos obedecem ao empreendedor. Sob o socialismo, eles irão obedecer ao burocrata socialista. Marx não levou em consideração o fato de que há uma diferença entre dizer o que tem de ser feito e fazer aquilo que outra pessoa determinou que tem de ser feito. O estado socialista é necessariamente um estado policial.
A ideia do estabelecimento de um comunismo puro foi apenas uma tentativa de Marx de se esquivar de responder à pergunta sobre o que aconteceria sob o socialismo. Sob o socialismo, os condenados saberão que estão sendo punidos em prol de toda a sociedade.
[1] Legislação inglesa voltada para a assistência pública aos pobres, datando desde o Período Elisabetano e ganhando uma emenda em 1834, a qual instituiu um sistema altamente centralizado de supervisão nacional.
[2] T.S. Ashton, The Industrial Revolution 1760-1830 (London: Oxford University Press, 1998 [1948, 1961]).
[3] Princípios de economia política e tributação (London: John Murray, 1821 [1817]).