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III – Imigração

Quer estejamos falando sobre imigração ilegal do México e da América Central, ou direito à cidadania por nascença, ou sobre os migrantes vindos do Oriente Médio e da África, o assunto da imigração tem sido notícia e amplamente discutido. É uma questão repleta de consequências potencialmente perigosas, por isso é especialmente importante para os libertários entendê-la corretamente.

Devo observar desde o início que, ao buscar a resposta correta para esse problema incômodo, não procuro reivindicar originalidade. Ao contrário, extraio muito do que se segue de duas pessoas cujo trabalho é indispensável para uma compreensão adequada da sociedade livre: Murray N. Rothbard e Hans-Hermann Hoppe.

Alguns libertários presumiram que a posição libertária correta sobre a imigração deve ser “fronteiras abertas” ou o movimento totalmente irrestrito de pessoas. Superficialmente, isso parece correto: certamente acreditamos em deixar as pessoas irem para onde quiserem!

Mas espere um minuto. Pense na “liberdade de expressão”, outro princípio que as pessoas associam aos libertários. Nós realmente acreditamos na liberdade de expressão como um princípio abstrato? Isso significaria que tenho o direito de gritar durante um filme, ou o direito de interromper um serviço religioso, ou o direito de entrar em sua casa e gritar obscenidades para você.

O que acreditamos são direitos de propriedade privada. Ninguém tem “liberdade de expressão” na minha propriedade, já que sou eu que estabeleço as regras e, em última instância, posso expulsar alguém. Ele pode dizer o que quiser em sua propriedade e na propriedade de qualquer um que se importe em ouvi-lo, mas não na minha.

O mesmo princípio é válido para a liberdade de movimento. Os libertários não acreditam em nenhum desses princípios de maneira abstrata. Não tenho o direito de entrar em sua casa, ou em seu condomínio fechado, ou na Disneyworld, ou em sua praia particular, ou na ilha particular de Jay-Z. Tal como acontece com a “liberdade de expressão”, a propriedade privada é o fator relevante aqui. Posso me mudar para qualquer propriedade que possuo ou cujo dono deseje me ter. Não posso simplesmente ir aonde eu quiser.[1]

Agora, se todas as parcelas de terra em todo o mundo fossem de propriedade privada, a solução para o chamado problema da imigração seria evidente. Na verdade, pode ser mais correto dizer que não haveria nenhum problema de imigração em primeiro lugar. Todo mundo que se muda para um lugar novo precisa do consentimento do dono do lugar.

Quando o estado e sua chamada propriedade pública entram em cena, entretanto, as coisas se tornam obscuras e é necessário um esforço extra para descobrir a posição libertária adequada.

Pouco antes de sua morte, Murray Rothbard publicou um artigo intitulado “Nações por Consentimento: Decompondo o Estado-nação”. Ele começou a repensar a suposição de que o libertarianismo nos comprometia com a abertura de fronteiras.

Ele observou, por exemplo, o grande número de russos étnicos que Stalin estabeleceu na Estônia. Isso não foi feito para que o povo báltico pudesse desfrutar dos frutos da diversidade. Nunca é feito por isso. Isso foi feito na tentativa de destruir uma cultura existente e, no processo, tornar um povo mais dócil e menos propenso a causar problemas para o império soviético.

Murray se perguntou: o libertarianismo exige que eu apoie isso, e ainda que celebre isso? Ou pode haver algo mais relacionado à questão da imigração, afinal?

E aqui Murray colocou o problema exatamente como eu coloco: em uma sociedade de propriedade totalmente privada, as pessoas teriam que ser convidadas para qualquer propriedade pela qual viajaram ou se estabeleceram.

Se cada pedaço de terra em um país pertencesse a alguma pessoa, grupo ou corporação, isso significaria que nenhuma pessoa poderia entrar, a menos que fosse convidada a entrar e autorizada a alugar ou comprar uma propriedade. Um país totalmente privatizado seria tão fechado quanto os proprietários particulares desejassem. Parece claro, então, que o regime de fronteiras abertas que existe de facto nos EUA e na Europa Ocidental realmente equivale a uma abertura compulsória pelo estado central, o estado responsável por todas as ruas e áreas de terrenos públicos, e não reflete genuinamente os desejos dos proprietários.

Na situação atual, por outro lado, os imigrantes têm acesso a vias públicas, transporte público, prédios públicos e assim por diante. Combine isso com outras restrições do estado aos direitos de propriedade privada, e o resultado são mudanças demográficas artificiais que não ocorreriam em um livre mercado. Os proprietários são forçados a se associar e fazer negócios com indivíduos que, de outra forma, poderiam evitar.

“Proprietários de propriedades comerciais, como lojas, hotéis e restaurantes, não são mais livres para excluir ou restringir o acesso como quiserem”, escreve Hoppe.

Os empregadores não podem mais contratar ou despedir quem quiserem. No mercado imobiliário, os proprietários não são mais livres para excluir inquilinos indesejados. Além disso, os convênios restritivos são obrigados a aceitar membros e ações que violem suas próprias regras e regulamentos.

Hans-Hermann Hoppe continua:

Ao admitir alguém em seu território, o estado também permite que essa pessoa siga em estradas e terras públicas até a porta de todos os residentes domésticos, para fazer uso de todos os equipamentos e serviços públicos (como hospitais e escolas) e acessar todos os estabelecimentos comerciais, emprego e moradia residencial, protegidos por uma série de leis anti-discriminação.

É bastante fora de moda expressar preocupação com os direitos dos proprietários, mas quer o princípio seja popular ou não, uma transação entre duas pessoas não deve ocorrer a menos que ambas as pessoas queiram. Este é o próprio cerne do princípio libertário.

Para entender tudo isso e chegar à conclusão libertária apropriada, temos que olhar mais de perto o que a propriedade pública realmente é e quem, se houver alguém, pode ser considerado seu verdadeiro dono. Hoppe dedicou parte de seu próprio trabalho precisamente a essa questão. Há duas posições que devemos rejeitar: que a propriedade pública é propriedade do governo, ou que a propriedade pública não tem dono e é, portanto, comparável à terra no estado de natureza, antes que títulos de propriedade individuais para parcelas particulares de terra tenham sido estabelecidos.

Certamente não podemos dizer que a propriedade pública é propriedade do governo, uma vez que o governo pode não possuir nada legitimamente. O governo adquire sua propriedade à força, geralmente por meio de impostos. Um libertário não pode aceitar esse tipo de aquisição de propriedade como moralmente legítimo, uma vez que envolve o início da força (a extração de dólares de impostos) sobre pessoas inocentes. Consequentemente, os pretensos títulos de propriedade do governo são ilegítimos.

Mas também não podemos dizer que a propriedade pública não tem dono. A propriedade de um ladrão não é sem dono, mesmo que no momento não esteja na posse do legítimo proprietário. O mesmo se aplica à chamada propriedade pública. Foi adquirida e desenvolvida por meio de dinheiro tomado dos contribuintes. Eles são os verdadeiros donos.

(Esta, aliás, era a maneira correta de abordar a dessocialização nos antigos regimes comunistas da Europa Oriental. Todas essas indústrias eram propriedade das pessoas que haviam sido saqueadas para forma-las, e essas pessoas deveriam ter recebido ações na proporção de sua contribuição, na medida em que fosse possível determinar.)

Em um mundo anarco-capitalista, com todas as propriedades privadas, a “imigração” caberia a cada proprietário individual decidir. Agora, por outro lado, as decisões de imigração são tomadas por uma autoridade central, com os desejos dos proprietários completamente desconsiderados. A maneira correta de proceder, portanto, é descentralizar a tomada de decisão sobre a imigração ao nível mais baixo possível, de modo que nos aproximemos cada vez mais da posição libertária adequada, na qual os proprietários individuais consentem com os vários movimentos dos povos.

Ralph Raico, nosso grande historiador libertário, escreveu certa vez:

A livre imigração pareceria estar em uma categoria diferente de outras decisões políticas, na medida em que suas consequências alteram permanente e radicalmente a própria composição do corpo político democrático que toma essas decisões. Na verdade, a ordem liberal, onde e na medida em que existe, é o produto de um desenvolvimento cultural altamente complexo. Pode-se perguntar, por exemplo, o que seria da sociedade liberal da Suíça sob um regime de “fronteiras abertas”.

A Suíça é de fato um exemplo interessante. Antes de a União Europeia se envolver, a política de imigração da Suíça se aproximou do tipo de sistema que estamos descrevendo aqui. Na Suíça, as localidades decidiam pela imigração e os imigrantes ou seus empregadores tinham que pagar para admitir um futuro migrante. Dessa forma, os residentes poderiam garantir melhor que suas comunidades fossem povoadas por pessoas que agregariam valor e que não lhes apresentariam a conta de uma lista de “benefícios”.

Obviamente, em um sistema de fronteiras puramente abertas, os estados de bem-estar social ocidentais seriam simplesmente invadidos por estrangeiros em busca de dólares de impostos. Como libertários, devemos, é claro, celebrar o fim do estado de bem-estar. Mas esperar que uma súbita devoção ao laissez-faire seja o resultado provável de um colapso do estado de bem-estar social é entregar-se a uma ingenuidade de um tipo especialmente absurdo.

Podemos concluir que um imigrante deve ser considerado “convidado” pelo simples fato de ter sido contratado por uma entidade patronal? Não, diz Hoppe, porque o empregador não assume o custo total associado ao seu novo funcionário. O empregador externaliza parcialmente os custos desse empregado para o público contribuinte:

Munido de uma autorização de trabalho, o imigrante pode fazer uso gratuito de todos os serviços públicos: estradas, parques, hospitais, escolas, e nenhum proprietário, empresário ou associado privado está autorizado a discriminá-lo em relação a habitação, emprego, acomodação, e associação. Ou seja, o imigrante vem convidado com um pacote substancial de benefícios adicionais pagos não (ou apenas parcialmente) pelo empregador imigrante (que supostamente estendeu o convite), mas por outros proprietários domésticos como contribuintes que não tiveram voz no convite.

Essas migrações, em resumo, não são resultados de mercado. Elas não ocorreriam em um livre mercado. O que estamos testemunhando são exemplos de movimento subsidiado. Os libertários que defendem essas migrações em massa como se fossem fenômenos de mercado estão apenas ajudando a desacreditar e minar o verdadeiro livre mercado.

Além disso, como Hoppe aponta, a posição de “livre imigração” não é análoga ao livre comércio, como alguns libertários erroneamente alegaram. No caso de mercadorias serem comercializadas de um lugar para outro, há sempre e necessariamente um destinatário disposto. O mesmo não acontece com a “livre imigração”.

Com certeza, está na moda nos Estados Unidos da América rir de quem alerta sobre a imigração em massa. Por que somos lembrados que pessoas já fizeram previsões sobre as ondas anteriores de imigração e todos nós sabemos que não se tornaram realidade. Agora, por um lado, essas ondas foram todas seguidas por reduções rápidas e substanciais de imigração, durante as quais a sociedade se adaptou a esses movimentos populacionais do pré-estado de bem-estar social. Não há praticamente nenhuma perspectiva de tais reduções hoje. Por outro lado, é uma falácia a afirmação de que porque algumas pessoas incorretamente previram um resultado específico em um determinado momento, portanto, esse resultado é impossível, e qualquer um que alerte sobre isso é um tolo desprezível.

O fato é que o multiculturalismo politicamente imposto possui um histórico excepcionalmente desfavorável. O século XX assegurou que fracassos previstos se tornassem fracassos reais. Quer seja a Tchecoslováquia, a Iugoslávia, a União Soviética ou o Paquistão e Bangladesh, ou a Malásia e Cingapura, ou os incontáveis ​​lugares com divisões étnicas e religiosas que ainda não foram resolvidas até hoje, as evidências sugerem algo bastante diferente do conto da irmandade universal que é um elemento básico do folclore esquerdista.

Sem dúvida, alguns dos recém-chegados serão pessoas perfeitamente decentes, apesar da falta de interesse do governo dos Estados Unidos em encorajar a imigração entre os qualificados e capazes. Mas alguns não. As três grandes ondas de crimes na história dos Estados Unidos – que começaram em 1850, 1900 e 1960 — coincidiram com períodos de imigração em massa.

O crime não é a única razão pela qual as pessoas podem legitimamente desejar resistir à imigração em massa. Se quatro milhões de americanos aparecessem em Cingapura, a cultura e a sociedade daquele país mudariam para sempre. E não, não é verdade que o libertarianismo, nesse caso, exigiria que o povo de Cingapura desdenhasse e dissesse que foi bom ter nossa sociedade enquanto ela durou, mas todas as coisas boas devem ter um fim. Ninguém em Cingapura gostaria desse resultado e, em uma sociedade livre, eles o impediriam ativamente.

Em outras palavras, é ruim o suficiente termos que ser saqueados, espionados e chutados pelo estado. Também temos que pagar pelo privilégio do destrucionismo cultural, um resultado que a grande maioria dos pagadores de impostosnão querem e impediriam ativamente se eles vivessem em uma sociedade livre e tivessem permissão para fazê-lo?

As próprias culturas com as quais se diz que os migrantes que chegam nos enriquecem não poderiam ter se desenvolvido se tivessem sido constantemente bombardeadas com ondas de imigração por povos de culturas radicalmente diferentes. Portanto, o argumento multicultural nem mesmo faz sentido.

É impossível acreditar que os EUA ou a Europa serão um lugar mais livre depois de várias décadas de imigração em massa ininterrupta. Dados os padrões de imigração que os governos dos EUA e da UE encorajam, o resultado a longo prazo será tornar constituintes eleitorado do crescimento contínuo do governo tão grande que seja praticamente impossíveis de pará-lo. Os libertários de fronteiras abertas ativos naquela época coçarão a cabeça e alegarão não entender por que sua promoção de mercados livres está tendo tão pouco sucesso. Todos saberão a resposta.

Claro, como Rothbard observou, a melhor solução possível para o problema da imigração é a privatização total:

Sob a privatização total, muitos conflitos locais e problemas de “externalidade” — não apenas o problema da imigração — seriam resolvidos de forma ordenada. Com cada local e vizinhança de propriedade de empresas privadas, corporações ou comunidades contratuais, a verdadeira diversidade reinaria, de acordo com as preferências de cada comunidade. Alguns bairros seriam étnica ou economicamente diversos, enquanto outros seriam étnica ou economicamente homogêneos. Algumas localidades permitiriam pornografia, prostituição, drogas ou aborto, outras proibiriam qualquer um ou todos eles. As proibições não seriam impostas pelo estado, mas simplesmente seriam requisitos para residência ou uso da área de terra de alguma pessoa ou comunidade. Embora os estatistas que desejam impor seus valores a todos fiquem desapontados, todo grupo ou interesse teria pelo menos a satisfação de viver em vizinhanças de pessoas que compartilham seus valores e preferências. Embora a propriedade do bairro não forneça uma utopia ou uma panaceia para todos os conflitos, pelo menos forneceria uma [segunda melhor] solução com a qual a maioria das pessoas estaria disposta a viver.

 

______________________________________

Notas

[1] Vide Democracia: o deus que falhou de Hans-Hermann Hoppe, cap. 7 e 8.

Lew Rockwell
Lew Rockwell
Lew Rockwell é o chairman e CEO do Ludwig von Mises Institute, em Auburn, Alabama, editor do website LewRockwell.com, e autor dos livros Contra a Esquerda, Speaking of Liberty e The Left, the Right, and the State.
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