O FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) foi criado pela ditadura militar em 1966, durante o governo Castelo Branco. Seus idealizadores foram Otávio Gouveia de Bulhões e Roberto Campos, dois economistas responsáveis por boa parte da superestrutura intervencionista que atualmente assola o país.
Trata-se de um fundo alimentado por uma conta aberta na Caixa Econômica Federal vinculada ao contrato de trabalho, na qual o empregador é obrigado a depositar, mensalmente, um valor correspondente a 8% do salário do empregado. O fundo é gerido por um conselho de burocratas politicamente nomeados e é empregado em financiamentos ao BNDES e em operações creditícias direcionadas ao setor imobiliário. Ao assalariado somente é permitido sacar o montante em caso de doença grave, demissão sem justa causa e financiamento imobiliário.
A desculpa inicial para sua implementação foi substituir outro descalabro trabalhista: a estabilidade decenal, criada pela ditadura de Vargas em 1943 e que tolhia a liberdade demissional após 10 anos de trabalho (Os empregadores simplesmente demitiam os empregados após 9 anos).
Ao elaborar o PAEG (Programa de Ação Econômica do Governo), os economistas de Castelo Branco buscavam reverter o déficit primário ao mesmo tempo em que retiravam alguns entraves da indústria para combater a estagnação. Trocar uma imposição extremamente limitante da atividade econômica, como a estabilidade decenal, por uma política de poupança forçada capaz de captar recursos, como o FGTS, foi uma estratégia aparentemente menos grave. Ao analisarmos tal medida à luz da ciência econômica, contudo, contemplamos o horror.
Antes da análise, porém, referenciemos a recente decisão do governo Temer que autoriza ao assalariado o saque de todo o saldo das contas inativas do FGTS. Trata-se de uma medida paliativa e insuficiente, mas que ainda assim enfrentou oposição de grandes incorporadoras imobiliárias. Foi o suficiente para o governo PMDBista recuar e impor novos entraves ao trabalhador, cedendo à pressão dos mesmos corporativistas do setor de construção e infra-estrutura que tanto financiaram as campanhas do abominável PT.
Neste artigo, entenderemos o motivo deste apego fascista ao FGTS e porque ele deveria ser total e imediatamente abolido.
Deixando-se levar pelo ódio de classe perpetrado pelas esquerdas, os defensores do FGTS imaginam que todo o custo desta imposição trabalhista recai sobre o empregador. Ainda que desconsideremos o quão desumana é esta defesa de coerção armada contra empresários, trata-se de uma posição indefensável tendo em vista os malefícios que ela causa aos assalariados.
Qualquer política que aumente os custos de empregar mão-de-obra diminuirá a demanda por empregados. A empresa terá menos lucros, tanto devido à inviabilização da contratação de trabalhadores adicionais quanto devido aos maiores gastos com a folha de pagamento remanescente. As grandes corporações podem arcar facilmente com estas despesas artificialmente induzidas, mas as menores falirão ou não poderão se expandir, pois não terão o fluxo de caixa necessário para expandir suas operações. Algumas firmas contrairão empréstimos e se endividarão, elevando a taxa de juros e hipertrofiando o setor bancário. O mercado tornar-se-á mais concentrado e com menos vagas de trabalho, fazendo despencar o poder de barganha do assalariado em relação aos empresários sobreviventes. E como este infeliz trabalhador poderia sonhar em empreender se ele próprio enfrentaria esta mesma “mussolínica” legislação trabalhista somada a uma taxa de juros exorbitante?
Assim sendo, é fácil perceber que o empresariado repassará o custo adicional representado pelo FGTS aos empregados na forma de menores salários, sendo que uma parcela maior do prejuízo será arcada pelos operários quanto menor for seu poder de barganha. Os patrões calculam antecipadamente as despesas empregatícias totais e não contratam mão-de-obra cuja produtividade esperada seja menor que estes gastos. Logo, o desemprego gerado pelo FGTS contribui para que os custos de sua aplicação se abatam imediatamente mais sobre os salários do que sobre o lucro líquido corporativo.
A multa rescisória de 50% que incide sobre todos os depósitos do FGTS feitos pelo empregador, a ser paga por este, representa um entrave à tão necessária liberdade demissional, o que desincentiva contratações ao aumentar o risco percebido delas. Há ainda um desencorajamento de planos de carreira e de programas internos de capacitação profissional que visem o crescimento e a permanência do funcionário na firma. As empresas passam a preferir uma mão-de-obra mais descartável, tendo como resultado uma rotatividade artificialmente alta e, consequentemente, menores níveis salariais e menor produtividade das organizações. Empresas imprevidentes e funcionários acomodados são subsidiados à custa das empresas primorosas e funcionários dedicados.
Como vimos, o FGTS é subtraído da renda do empregado.
É do feitio dos propagandistas estatais distorcer a realidade, até mesmo ao ponto de chamar de “direito irrenunciável do trabalhador” aquilo que consiste em um empréstimo compulsório ao governo a taxas risíveis. Aparentemente o governo rouba Pedro para devolver a Pedro. Na prática, o FGTS rouba sem devolver. A remuneração do fundo é igual a uma taxa de referência acrescida de 3%, mas que está sempre abaixo da inflação. O poder de compra do dinheiro depositado é corroído com o tempo. Além disso, há um custo de oportunidade referente às aplicações financeiras alternativas, que obviamente rendem muito mais que o FGTS.
Segundo cálculo feito por Klauber Cristofen Pires, se uma pessoa investisse o valor desviado pelo FGTS na caderneta de poupança, a menos rentável das aplicações, após 21 anos ela obteria todo este montante acrescido da multa rescisória. Após 35 anos, a poupança geraria um saldo equivalente ao saldo do FGTS acrescido do dobro da multa rescisória!
Existem pessoas suficientemente inescrupulosas e arrogantes para justificar esta desfaçatez da poupança forçada, alegando que os trabalhadores são irresponsáveis demais para gerir o próprio dinheiro e iriam gastá-lo de forma imprudente. Esta pedantice travestida de argumento não passa em um simples teste lógico: Se isto fosse verdade, porque o operário não entrega todo o resto de seus rendimentos aos cuidados dos burocratas estatais?
O escritor C.S. Lewis nos lembra que dentre todas as tiranias, aquela exercida com a desculpa do bem das vítimas pode ser a mais opressiva. O FGTS não apenas viola o livre arbítrio e a propriedade privada dos assalariados. Ao internalizar a ideia de que o governo o protege contra sua própria prodigalidade, o cidadão torna-se psicologicamente vulnerável e dependente de decretos estatais, desaprendendo o valor da responsabilidade individual. Há um arrefecimento do ímpeto de aperfeiçoar-se nas virtudes e um desincentivo à oferta de educação financeira.
Privado de liquidez, a vítima do FGTS tenderá direcionar uma parcela maior de seu minguado fluxo de renda para o consumo de subsitência ao invés de procurar investimentos com maior risco e maior retorno. A possibilidade de mobilidade social torna-se mais remota.
Um bom economista sabe que as complexas necessidades de consumo das pessoas, impossíveis de prever ou matematizar, podem elas mesmas ser uma forma de poupança na medida em que geram benefícios, tangíveis ou não, que permitem à pessoa desenvolver suas habilidades e satisfazer seus anseios de uma forma que nenhum agente externo poderia verificar empiricamente.
O FGTS impede que o empregado use parte de seu salário para explorar uma oportunidade única de empreendimento, para fazer caridade, para investir na sua própria educação ou simplesmente para se divertir com os amigos em férias.
Quem o governo pensa que é para ditar quais situações são suficientemente urgentes para permitir que o empregado saque o dinheiro que teoricamente lhe pertence. Um burocrata em Brasília conhece melhor suas necessidades do que você mesmo? Seja como for, em países com menos fascismo trabalhista existem associações voluntárias de trabalhadores que gerem fundos de investimentos privados; assim como modalidades de investimentos financeiros que exigem depósitos fixos descontados na fonte. O mercado já supre a demanda daqueles que querem proteger-se de si próprios.
São João Paulo II, em sua carta encíclica Centesimus Annus, demonstra seu brilhantismo praxeológico:
“É a sua inteligência (do homem) que o leva a descobrir as potencialidades produtivas da terra e as múltiplas modalidades através das quais podem ser satisfeitas as necessidades humanas. É o seu trabalho disciplinado, em colaboração solidária, que permite a criação de comunidades de trabalho cada vez mais amplas e eficientes para operar a transformação do ambiente natural e do próprio ambiente humano. Para este processo, concorrem importantes virtudes, tais como a diligência, a laboriosidade, a prudência em assumir riscos razoáveis, a confiança e fidelidade nas relações interpessoais, a coragem na execução de decisões difíceis e dolorosas, mas necessárias para o trabalho comum da empresa, e para enfrentar os eventuais reveses da vida.”
Não podemos deixar o governo nos convencer que somos incapazes de resolver nossos problemas privadamente. Nesta mesma encíclica este santo Papa nos lembra que a negação desta posição é a essência do totalitarismo, dentre cujos pilares está a ideia de que uma classe de homens, “por um contacto com as fontes mais profundas da consciência colectiva, estão isentos de erro e podem, por conseguinte, arrogar-se o exercício de um poder absoluto”.
Platão nos lembra em “A República” que o primeiro estágio da tirania começa quando premiamos com poder a arrogância daqueles que alegam saber gerir os negócios alheios.
Quando o comportamento frugal é imposto pelo estado, há efeitos deletérios não apenas no campo das virtudes mas também na prosperidade material. A atividade econômica resseca-se na medida em que a demanda total é artificialmente reduzida sem que haja uma queda na preferência temporal da população. Os fundos administrados pelo governo, por sua vez, são desperdiçados em maus projetos, já que não se sujeita as mecanismos de mercado que exigem disciplina creditícia. Se o fluxo de poupança aumentasse como resultado de uma voluntária postergação do consumo, ele seria utilizado pelas firmas para atender às futuras demandas, mas quando oriundo de políticas públicas ele torna-se causa de desarranjos estruturais na economia que eventualmente concorrem para aprofundar as crises cíclicas.
As distorções no mercado de capitais causadas pelo FGTS começam pelos ativos financeiros à disposição do assalariado, que tem uma parte de sua renda coercitivamente desviada para um fundo remunerado abaixo da inflação. Os valores depositados são emprestados a juros subsidiados para o BNDES e para os setores imobiliário e de infra-estrutura. Em outras palavras, os trabalhadores humildes são forçados a emprestar dinheiro aos lobbystas multimilionários no comando das grandes incorporadoras; e os juros são tão baixos que sequer mantém o poder de compra dos já desabastados credores.
Consequentemente, há uma hipertrofia dos setores supramencionados. As empresas beneficiadas pelas linhas de crédito subsidiado consomem recursos escassos (tais como material de construção) em demasia, desviando-os de cadeias de produção onde eles são requeridos com mais urgência. Não estando sujeitas à disciplina de mercado, investem em projetos para os quais não existe demanda verdadeira, consumindo capital acumulado na economia e contribuindo para o boom artificial que precede uma recessão.* Em um ambiente puramente capitalista o empresário seria obrigado a demonstrar prudência para obter acesso ao crédito; mas no fascismo democrático em que vivemos basta ter conexões políticas. Resulta deste fato um risco moral que leva as firmas favorecidas a assumir riscos intoleráveis em projetos megalomaníacos cuja finalidade é a propaganda do regime, mas que não suprem as reais necessidades econômicas do público.
Ao mesmo tempo, o fluxo de poupança dos agentes privados diminui, elevando a taxa de juros no mercado de crédito livre, o que aumenta o custo de capital das empresas em geral. O economista Rafael Hotz Arroyo observa que “ao invés de criar empresas de propósito específico, fundos de participação, emitir debentures e ações, as empresas preferem obter recursos subsidiados”. Como resultado, há menos investimentos financeiros disponíveis para o público, principalmente para o assalariado, cuja renda está depauperada pelos motivos já vistos. Constatamos assim que o FGTS restringe a capacidade do trabalhador de mitigar o risco sistemático de seu pool de investimentos e o obriga a assumir o alto risco específico dos setores inflados pelo crédito direcionado. Sendo a aquisição de imóveis um dos poucos casos em que o empregado pode sacar o FGTS, a consequente elevação artificial da demanda imobiliária ainda encarece os aluguéis.
É digno de nota um episódio ocorrido em 2016 no qual 10 bilhões de reais de dívidas da Caixa Econômica Federal foram convertidos em dívida subordinada (com menor prioridade de reembolso), o que permite ao setor público bancário um nível de alavancagem exorbitante à custa do assalariado. Assim sendo, os bancos ganham maior liberdade de manobra para conceder empréstimos criando moeda ex nihilo através do acréscimo de dígitos nas contas-corrente. Esta expansão da oferta monetária acelera a subida do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) em relação ao rendimento do FGTS, acentuando o esbulho. Este esquema, portanto, lesa duplamente o trabalhador de carteira assinada e aprofunda os ciclos econômicos. Deveria ser punido com a morte.
As distorções provocadas pelo FGTS ao longo do mercado de capitais desembocam, de forma quase irônica, no esmorecimento do mercado de crédito hipotecário, justamente quando o governo alardeia demagogicamente os méritos do fundo em prover moradia.
O crédito imobiliário subsidiado gera um sobreinvestimento no setor imobiliário desvinculado da demanda, ainda que esta esteja artificialmente elevada. Ao mesmo tempo, os insumos da cadeia produtiva do setor sofrem aumento de preços. Consequentemente, o crédito hipotecário de longo prazo torna-se insustentável devido ao encarecimento dos fatores de produção, à deturpação do acesso à capitalização e à dilapidação da poupança causada pelos sucessivos ciclos de formação e estouro das bolhas imobiliárias.
Some-se a isso o aumento da preferência temporal causado pela perda de poder aquisitivo por parte do público e teremos delineada no longo prazo a total destruição da capacidade do mercado de hipotecas em prover casa própria à população de baixa renda.
O exemplo do FGTS nos mostra o gigantesco grau de virulência e nocividade mesmo das menores distorções do governo na economia. Imagine o dano causado pela própria existência do estado.
* O economista Ludwig von Mises afirma em seu magnus opus “Ação Humana” que “é muito discutível a afirmação segundo a qual a poupança forçada pode conseguir mais do que compensar uma parte do consumo de capital ocorrido no boom.” Eu ouso afirmar peremptoriamente que a poupança forçada pelo governo necessariamente representa uma perda líquida do capital acumulado por três motivos principais:
1) A supressão artificial de determinadas demandas distorce os sinais emitidos pelo sistema de preços, prejudicando a qualidade das análises de crédito e dos investimentos.
2) O fluxo de caixa das empresas que estavam atendendo às demandas mais urgentes dos consumidores é artificialmente canalizado para o setor bancário, o que torna estas firmas mais dependentes de operações de crédito para se capitalizar
3) Obrigar um agente a poupar quando sua preferência era consumir ignora suas necessidades de consumo e gera um desestímulo ao trabalho e à produção
A situação é ainda pior se o montante forçosamente poupado é direcionado a operações de crédito direcionado, pois o fluxo de renda privado é desviado de empresas diligentes e prestimosas para lobbystas esbanjadores. É o caso do FGTS.
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Vale citar um funcionário da receita federal no texto?